Memória é Luta! Boletim do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa . Ano VIII . No23 . Agosto de 2012 Caixa Postal 14576 . CEP.: 22410-971 . Rio de Janeiro . RJ . [email protected] . http://marquesdacosta.wordpress.com O ANARQUISMO E A DITADURA MILITAR NO RIO DE JANEIRO - MEMÓRIAS DE MILTON LOPES Em 1º de Abril de 1964 1972, todos foram impunha-se no Brasil o desabsolvidos devido à pótico regime militar que falta de provas. duraria 21 anos e procuraria Milton Lopes se esmagar qualquer movimenaproximou do motação de esquerda (incluívimento anarquista dos aí os anarquistas) e até em 1973, logo após mesmo liberal. No Rio de o período do proJaneiro, neste mesmo dia, cesso do CEPJO, militantes anarquistas do em con­­­­sequência Centro de Estudos Professor da leitura de um José Oiticica (CEPJO), atentos livro da Editora ao despertar da repressão Germi­nal. Milton e política, retiravam material mais ­a lguns comIdeal Peres (1976) deixado por trotskistas nas Milton Lopes (1981) panheiros procuraram o anar­­­quista dependências do CEPJO, esse matricularam no curso de psicologia português Roberto das Neves (1907paço que lhes era cedido para suas realizado pelo CEPJO, estavam Paulo 1981), dono desta editora anarquista atividades. Mais tarde, foi comunicada Roberto da Costa Villalba Alvim e Tânia que continuou funcionando após o num anúncio no Diário Oficial do Estado Alves Pinheiro, que namoravam e de- término do processo do CEPJO. Roa suposta perda do livro de atas do CE- sejavam se casar, contrários à opinião berto das Neves, que havia sido um PJO, que foram refeitas de modo que da família de Villalba pelo fato de Tânia dos detidos e processados, foi quem pudessem ser lidas pelas autoridades não ser de cor branca. Ele, que era me- encaminhou os jovens a Ideal Peres, policiais. Um encontro restrito para nor de idade, alterou sua certidão de que os recebeu em seu aparta­­mento avaliação da conjuntura ocorreu em nascimento para poder se casar e foi no Leme. A partir daí, seguiu-se ­uma 1º de Maio do mesmo ano no Nosso descoberto. Revoltado, seu padrasto, série de reuniões de estudo e debate Sítio, em São Paulo, local de reuniões coronel do exército, prendeu e tortu- que duraram alguns anos. “A partir do movimento anarquista. rou Tânia e mais dois amigos (Pedro e daquele momento – diz Milton – coNos anos seguintes, o CEPJO conti- Nadia), arrancando-lhes informações meçamos a perceber que havia um nuou a funcionar, com a cautela neces- sobre o curso no CEPJO e nomes de grupo de anarquistas na cidade do sária, convivendo com “pessoas curio- outros frequentadores. Isto culminou Rio de Janeiro, destacando-se naquele sas” que apareciam fazendo perguntas na invasão do CEPJO por militares da momento três atividades de militância: e propondo ações comprometedoras. aeronáutica e na apreensão de mate- a recepção e orientação aos que se Em 1968, após a morte do estudante rial, depredação do espaço e na prisão aproximassem do movimento, como Edson Luís, Ideal Peres colaborou com de 18 integrantes do Centro, entre no nosso caso; a propaganda realizada o MEL (Movimento Estudantil Libertário) estes Ideal Peres, em outubro de 1969. pela Editora Germinal e o resgate da através da impressão de panfletos em Foi instaurado um inquérito policial memória histórica do anarquismo, militar pela aeronáutica contra 16 mi- iniciada ao final da década de 1960 um mimeógrafo do CEPJO. litantes, acusados de realizar atividades No mesmo ano, dentre os alunos que subversivas no CEPJO e no MEL; em pelo Edgar Rodrigues. Roberto das Neves e Edgar Rodrigues eram repre- sentativos de um grupo de anarquistas Na década de 70, Ideal Peres organizou portugueses radicados no Rio, exilados um grupo de estudos em sua casa, do do fascismo em Portugal.” qual Milton participou.“As reuniões de “De início – diz Milton Lopes – Ideal domingo na casa do Ideal tinham como manifestou certa desconfiança em tema o comentário e debate sobre relação a nós, como seria natural em textos escolhidos pelo coletivo. Podequem tinha passado recentemente se dizer que foi um curso de iniciação por sérios problemas com a ditadura. ao anarquismo que durou alguns anos. Mas isto logo foi ultrapassado. Desde Ali conheci militantes mais antigos, então procurou conter um certo dos quais me lembro no momento do “radicalismo” juvenil de nossa parte, próprio Roberto das Neves; Diamanmostrando-nos a realidade do movi- tino Augusto, também português, que mento anarquista no Brasil naquele muito nos impressionou, pois já era momento, enfraquecido por uma série bastante idoso e sua militância vinha de adversidades históricas, que era a da cidade de Santos, ainda na década de sobrevivência perante o poderoso de 1910; o professor Manuel José de processo repressivo deflagrado pela Matos, outro português, professor da ditadura. Esta situação de prudência Escola de Comunicação da UFF. Do modificou-se com o abrandamento MEL, ali conheci o Antonio e o Rogéda ditadura, quando se considerou que rio. Mais tarde, creio que já na década os anarquistas precisavam voltar a ter de 80, estive ali em uma reunião com atividades públicas e tentar expandir Pietro Ferrua e outros, quando este voltou ao Brasil. Entre os anarquistas, o movimento.” o primeiro sinal de que a repressão De acordo com Milton, esta foi uma estava mais branda, certamente foi o época de muita cautela para os anar- aparecimento do jornal O Inimigo do quistas no Rio de Janeiro (e no resto Rei, a partir de núcleo inicial na Bahia. do país). Ele relata como era a comu- O Ideal e sua companheira Esther de nicação entre os libertários durante a Oliveira Redes costumavam viajar a época da ditadura em que houve maior outros estados durante as férias e fizerepressão - “Era preciso muito cuidado ram contato com os baianos.Voltaram ao falar ao telefone e na correspondên- entusiasmados de Salvador em 1976 cia, que era sistematicamente aberta. ou 1977. Em 1977 surgia o primeiro Nos dois casos era preciso muita pru- número do Inimigo, que acabou por dência e falar de uma maneira que só aglutinar alguns grupos de vários pono seu interlocutor pudesse entender. tos do Brasil. Houve um momento em Isto o Ideal fez em sua correspon- que a revisão era feita no Rio e rodada dência com grupos e individualidades na gráfica do Jornal do Commércio, que anarquistas do exterior. No Rio, por era a mais barata na ocasião.” - conta relato do Ideal, sabíamos que os mais Milton. velhos realizavam reuniões fechadas nos subúrbios, em casa de alguns mili- “Na faculdade, conheci Nelson Tantantes na Zona Sul e talvez na sala da gerini, que era um dos distribuidores Editora Germinal no Edifício Darke de do Inimigo do Rei no Rio e chegou Matos no centro da cidade (o Roberto mesmo a fazer sua revisão, além de das Neves também fazia ponto na Co- enviar textos seus para o jornal. Neloperativa dos Esperantistas no Largo son também escrevia bastante aos da Carioca ao final da tarde e, às vezes, jornais da chamada ‘grande imprensa’, ia um grupo mais jovem lá conversar reclamando quando estes veiculavam com ele). Um grande pólo de encontro alguma coisa errada ou tendenciosa nacional (e internacional) de reunião contra o anarquismo. dos anarquistas do Brasil era o Nosso O Roberto das Neves passou o nome Sítio, então localizado próximo à cidade da Editora Mundo Livre para o Nelson de Mogi das Cruzes em São Paulo, ad- Abrantes. Ele e sua companheira moministrado pelos anarquistas paulistas, ravam no que seria a sede da editora onde estive lá por 1974 ou 1975.” em uma sala na Rua Evaristo da Veiga, em frente ao quartel da PM. A Mundo Livre nesta fase lançou alguns livretos (inclusive um do Roberto das Neves) e o livro Novos Rumos do Edgar Rodrigues. Nelson Abrantes morreu atropelado, creio que em 1981. A editora já ia mal, por conta de problemas administrativo-financeiros. Um grupo formou-se no Rio em torno do professor Cláudio Miranda e acabou por entrar em polêmica com os baianos. O grupo do Rio argumentava que os textos veiculados no jornal faziam muita carga contra os marxistas, poupando a direita. Com minha volta à universidade, formei na faculdade um coletivo anarquista com companheiros que discordavam da orientação do diretório local. Já o grupo que se reunia na casa do Ideal com atividade fixa deve ter durado até 1977 ou 1978, mas continuei a frequentá-lo regularmente durante o final da década de 1970 e na década seguinte. Tentei trabalho de inserção social em duas oportunidades, mas considerei que não existiam condições de ir adiante com eles.” - recorda Milton, que encerra seu depoimento: “Mas que me parece bem positivo no anarquismo no Rio nos anos 80 foi a criação do Círculo de Estudos Libertários – CEL, do qual fui à primeira reunião, que congregou muita gente, já que foi anunciada pelos jornais. Já realizada na escola Senador Correia, em Laranjeiras, onde o CEL funcionaria até 1992, prolongou-se por algumas horas e atraiu muitos curiosos com o anúncio. Digo bem positivo pois o CEL foi uma semente importante do que emergiu no anarquismo do Rio nas décadas seguintes.” Quezia Dias Fontes: Addor, Carlos Augusto e Deminicis, Rafael. História do Anarquismo no Brasil, Vol. 2; 2009. Achiamé, Rio de Janeiro. Texto de Felipe Corrêa: Dedicação à militância: a vida de Ideal Peres; p. 69 – 102. Jeremias, Marcolino; Silva, Liana Ferreira da; Silva, Rodrigo Rosa da; Ramos, Leandro Marcio. Três Depoimentos Libertários – Edgar Rodrigues – Jaime Cubero – Diego Giménez Moreno. Achiamé, Rio de Janeiro. Entrevista com Edgar Rodrigues; p. 17 – 95. Depoimento de Milton Lopes, maio de 2012.