o anarquismo e a ditadura militar no rio de janeiro

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Memória é Luta!
Boletim do Núcleo de Pesquisa Marques da Costa . Ano VIII . No23 . Agosto de 2012
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O ANARQUISMO E A DITADURA MILITAR
NO RIO DE JANEIRO - MEMÓRIAS DE MILTON LOPES
Em 1º de Abril de 1964
1972, todos foram
impunha-se no Brasil o desabsolvidos devido à
pótico regime militar que
falta de provas.
duraria 21 anos e procuraria
Milton Lopes se
esmagar qualquer movimenaproximou do motação de esquerda (incluívimento anarquista
dos aí os anarquistas) e até
em 1973, logo após
mesmo liberal. No Rio de
o período do proJaneiro, neste mesmo dia,
cesso do CEPJO,
militantes anarquistas do
em con­­­­sequência
Centro de Estudos Professor
da leitura de um
José Oiticica (CEPJO), atentos
livro da Editora
ao despertar da repressão
Germi­nal. Milton e
política, retiravam material
mais ­a lguns comIdeal Peres (1976)
deixado por trotskistas nas Milton Lopes (1981)
panheiros procuraram o anar­­­quista
dependências do CEPJO, esse matricularam no curso de psicologia português Roberto das Neves (1907paço que lhes era cedido para suas realizado pelo CEPJO, estavam Paulo 1981), dono desta editora anarquista
atividades. Mais tarde, foi comunicada Roberto da Costa Villalba Alvim e Tânia que continuou funcionando após o
num anúncio no Diário Oficial do Estado Alves Pinheiro, que namoravam e de- término do processo do CEPJO. Roa suposta perda do livro de atas do CE- sejavam se casar, contrários à opinião berto das Neves, que havia sido um
PJO, que foram refeitas de modo que da família de Villalba pelo fato de Tânia dos detidos e processados, foi quem
pudessem ser lidas pelas autoridades não ser de cor branca. Ele, que era me- encaminhou os jovens a Ideal Peres,
policiais. Um encontro restrito para nor de idade, alterou sua certidão de que os recebeu em seu aparta­­mento
avaliação da conjuntura ocorreu em nascimento para poder se casar e foi no Leme. A partir daí, seguiu-se ­uma
1º de Maio do mesmo ano no Nosso descoberto. Revoltado, seu padrasto, série de reuniões de estudo e debate
Sítio, em São Paulo, local de reuniões coronel do exército, prendeu e tortu- que duraram alguns anos. “A partir
do movimento anarquista.
rou Tânia e mais dois amigos (Pedro e daquele momento – diz Milton – coNos anos seguintes, o CEPJO conti- Nadia), arrancando-lhes informações meçamos a perceber que havia um
nuou a funcionar, com a cautela neces- sobre o curso no CEPJO e nomes de grupo de anarquistas na cidade do
sária, convivendo com “pessoas curio- outros frequentadores. Isto culminou Rio de Janeiro, destacando-se naquele
sas” que apareciam fazendo perguntas na invasão do CEPJO por militares da momento três atividades de militância:
e propondo ações comprometedoras. aeronáutica e na apreensão de mate- a recepção e orientação aos que se
Em 1968, após a morte do estudante rial, depredação do espaço e na prisão aproximassem do movimento, como
Edson Luís, Ideal Peres colaborou com de 18 integrantes do Centro, entre no nosso caso; a propaganda realizada
o MEL (Movimento Estudantil Libertário) estes Ideal Peres, em outubro de 1969. pela Editora Germinal e o resgate da
através da impressão de panfletos em Foi instaurado um inquérito policial memória histórica do anarquismo,
militar pela aeronáutica contra 16 mi- iniciada ao final da década de 1960
um mimeógrafo do CEPJO.
litantes, acusados de realizar atividades
No mesmo ano, dentre os alunos que subversivas no CEPJO e no MEL; em pelo Edgar Rodrigues. Roberto das
Neves e Edgar Rodrigues eram repre-
sentativos de um grupo de anarquistas Na década de 70, Ideal Peres organizou
portugueses radicados no Rio, exilados um grupo de estudos em sua casa, do
do fascismo em Portugal.”
qual Milton participou.“As reuniões de
“De início – diz Milton Lopes – Ideal domingo na casa do Ideal tinham como
manifestou certa desconfiança em tema o comentário e debate sobre
relação a nós, como seria natural em textos escolhidos pelo coletivo. Podequem tinha passado recentemente se dizer que foi um curso de iniciação
por sérios problemas com a ditadura. ao anarquismo que durou alguns anos.
Mas isto logo foi ultrapassado. Desde Ali conheci militantes mais antigos,
então procurou conter um certo dos quais me lembro no momento do
“radicalismo” juvenil de nossa parte, próprio Roberto das Neves; Diamanmostrando-nos a realidade do movi- tino Augusto, também português, que
mento anarquista no Brasil naquele muito nos impressionou, pois já era
momento, enfraquecido por uma série bastante idoso e sua militância vinha
de adversidades históricas, que era a da cidade de Santos, ainda na década
de sobrevivência perante o poderoso de 1910; o professor Manuel José de
processo repressivo deflagrado pela Matos, outro português, professor da
ditadura. Esta situação de prudência Escola de Comunicação da UFF. Do
modificou-se com o abrandamento MEL, ali conheci o Antonio e o Rogéda ditadura, quando se considerou que rio. Mais tarde, creio que já na década
os anarquistas precisavam voltar a ter de 80, estive ali em uma reunião com
atividades públicas e tentar expandir Pietro Ferrua e outros, quando este
voltou ao Brasil. Entre os anarquistas,
o movimento.”
o primeiro sinal de que a repressão
De acordo com Milton, esta foi uma estava mais branda, certamente foi o
época de muita cautela para os anar- aparecimento do jornal O Inimigo do
quistas no Rio de Janeiro (e no resto Rei, a partir de núcleo inicial na Bahia.
do país). Ele relata como era a comu- O Ideal e sua companheira Esther de
nicação entre os libertários durante a Oliveira Redes costumavam viajar a
época da ditadura em que houve maior outros estados durante as férias e fizerepressão - “Era preciso muito cuidado ram contato com os baianos.Voltaram
ao falar ao telefone e na correspondên- entusiasmados de Salvador em 1976
cia, que era sistematicamente aberta. ou 1977. Em 1977 surgia o primeiro
Nos dois casos era preciso muita pru- número do Inimigo, que acabou por
dência e falar de uma maneira que só aglutinar alguns grupos de vários pono seu interlocutor pudesse entender. tos do Brasil. Houve um momento em
Isto o Ideal fez em sua correspon- que a revisão era feita no Rio e rodada
dência com grupos e individualidades na gráfica do Jornal do Commércio, que
anarquistas do exterior. No Rio, por era a mais barata na ocasião.” - conta
relato do Ideal, sabíamos que os mais Milton.
velhos realizavam reuniões fechadas
nos subúrbios, em casa de alguns mili- “Na faculdade, conheci Nelson Tantantes na Zona Sul e talvez na sala da gerini, que era um dos distribuidores
Editora Germinal no Edifício Darke de do Inimigo do Rei no Rio e chegou
Matos no centro da cidade (o Roberto mesmo a fazer sua revisão, além de
das Neves também fazia ponto na Co- enviar textos seus para o jornal. Neloperativa dos Esperantistas no Largo son também escrevia bastante aos
da Carioca ao final da tarde e, às vezes, jornais da chamada ‘grande imprensa’,
ia um grupo mais jovem lá conversar reclamando quando estes veiculavam
com ele). Um grande pólo de encontro alguma coisa errada ou tendenciosa
nacional (e internacional) de reunião contra o anarquismo.
dos anarquistas do Brasil era o Nosso O Roberto das Neves passou o nome
Sítio, então localizado próximo à cidade da Editora Mundo Livre para o Nelson
de Mogi das Cruzes em São Paulo, ad- Abrantes. Ele e sua companheira moministrado pelos anarquistas paulistas, ravam no que seria a sede da editora
onde estive lá por 1974 ou 1975.”
em uma sala na Rua Evaristo da Veiga,
em frente ao quartel da PM. A Mundo
Livre nesta fase lançou alguns livretos
(inclusive um do Roberto das Neves) e o livro Novos Rumos do Edgar
Rodrigues. Nelson Abrantes morreu
atropelado, creio que em 1981. A editora já ia mal, por conta de problemas
administrativo-financeiros.
Um grupo formou-se no Rio em torno
do professor Cláudio Miranda e acabou por entrar em polêmica com os
baianos. O grupo do Rio argumentava
que os textos veiculados no jornal faziam muita carga contra os marxistas,
poupando a direita.
Com minha volta à universidade, formei na faculdade um coletivo anarquista com companheiros que discordavam
da orientação do diretório local. Já o
grupo que se reunia na casa do Ideal
com atividade fixa deve ter durado
até 1977 ou 1978, mas continuei a
frequentá-lo regularmente durante o
final da década de 1970 e na década
seguinte. Tentei trabalho de inserção
social em duas oportunidades, mas
considerei que não existiam condições
de ir adiante com eles.” - recorda
Milton, que encerra seu depoimento:
“Mas que me parece bem positivo no
anarquismo no Rio nos anos 80 foi a
criação do Círculo de Estudos Libertários
– CEL, do qual fui à primeira reunião,
que congregou muita gente, já que foi
anunciada pelos jornais. Já realizada na
escola Senador Correia, em Laranjeiras, onde o CEL funcionaria até 1992,
prolongou-se por algumas horas e
atraiu muitos curiosos com o anúncio.
Digo bem positivo pois o CEL foi uma
semente importante do que emergiu
no anarquismo do Rio nas décadas
seguintes.”
Quezia Dias Fontes:
Addor, Carlos Augusto e Deminicis, Rafael.
História do Anarquismo no Brasil, Vol.
2; 2009. Achiamé, Rio de Janeiro. Texto de Felipe
Corrêa: Dedicação à militância: a vida de Ideal
Peres; p. 69 – 102.
Jeremias, Marcolino; Silva, Liana Ferreira da;
Silva, Rodrigo Rosa da; Ramos, Leandro Marcio.
Três Depoimentos Libertários – Edgar
Rodrigues – Jaime Cubero – Diego
Giménez Moreno. Achiamé, Rio de Janeiro.
Entrevista com Edgar Rodrigues; p. 17 – 95.
Depoimento de Milton Lopes, maio de 2012.
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