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RELATO DE CASO
HEPATITE B AGUDA EM GESTANTE – RELATO DE CASO1
ACUTE HEPATITIS B IN PREGNANT WOMAN - CASE REPORT
Eliete da Cunha ARAÚJO2, Manoel do Carmo Pereira SOARES 3, Vitória Carvalho CARDOSO4 e
Daniela Maria Raulino da SILVEIRA 4
RESUMO
Objetivo: relatar um caso de hepatite B em gestante, por provável transmissão sexual. Relato do caso: J.N.L,
23 anos, faioderma, residente e procedente de Belém-PA, grávida de 4 meses, agente de saúde, ficou internada
na maternidade da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA) por apresentar infecção aguda
pelo vírus da hepatite B (HBsAg positivo; Anti-HBc IgM positivo; Anti-HBc Total positivo; Anti-HAV IgM negativo;
Anti-HCV negativo). A paciente teve alta com melhora do quadro após 15 dias de internamento e ficou em
seguimento ambulatorial pelo GRUPO DO FÍGADO da FSCMPA. Após quase 10 meses do início do quadro,
desenvolveu marcador sorológico compatível com imunidade (Anti HBs). O parto ocorreu em 03/01/2005, na
FSCMPA, por via vaginal. Recém-nascido pré-termo (36 semanas), peso 3400 gramas, recebeu vacina e
gamaglobulina hiperimune contra hepatite B dentro das primeiras 12 horas de vida, alta após 48 horas em boas
condições. Foi feito o seguimento ambulatorial e após a 2ª dose da vacina em 04/02/2005, o lactente desenvolveu
Anti HBs. Considerações Finais: o rastreamento de marcadores sorológicos para o vírus da hepatite B (VHB),
na assistência pré-natal, possibilita a realização da profilaxia da transmissão vertical. Dos recém-nascidos
infectados, mais de 80% evoluirão para a forma crônica da doença, capazes de infectar novos indivíduos.
Estender a aplicação da vacina contra hepatite B às mulheres em idade fértil contribuiria para a redução da
transmissão vertical e, conseqüentemente, para a diminuição da circulação do vírus.
DESCRITORES: hepatite B, gravidez, profilaxia.
INTRODUÇÃO
As hepatites virais são doenças necroinflamatórias
difusas do fígado, causadas por vírus,
predominantemente, hepatotrópicos, com tropismo
primário pelo tecido hepático. Essas afecções são
infectocontagiosas, constituindo um importante
problema de saúde pública, não só no Brasil, como
no mundo1 .
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde
(OMS), cerca de 2 bilhões de pessoas já tiveram contato
com o vírus da hepatite B (VHB), sendo que 325 milhões
são portadoras crônicas do vírus. No Brasil, o Ministério
da Saúde (MS) estima que pelo menos 15% da
população já teve contato com o vírus. Os casos crônicos
de hepatite B devem corresponder a cerca de 1% da
população brasileira. A maioria das pessoas desconhece
seu estado de portador e constitui elo importante na
cadeia de transmissão1, 2,3,4 .
A transmissão percutânea sangüínea, os produtos
do sangue ou instrumentos perfuro-cortantes
contaminados, a via sexual e a transmissão perinatal
(da mãe para o concepto) se constituem nas principais
vias de transmissão. O leite materno também pode
conter o VHB, porém não possui importância
epidemiológica 5, 6.
A transmissão perinatal é o mecanismo
predominante de disseminação nas áreas de maior
Recebido em 23.01.2006 - Aprovado em 17.05.2006
1
Trabalho realizado na Maternidade do Hospital Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA).
Profª de Pediatria, Mestre em Medicina Tropical, Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará (UFPA).
3 Médico virologista do Instituto Evandro Chagas (IEC).
4 Graduandas do Curso de Medicina da UFPA e bolsistas da Pró- Reitoria de Extensão (PROEX) da UFPA.
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prevalência do estado de portador crônico do vírus, pois
ainda não há conscientização em tornar parte da rotina
médica a triagem das grávidas no período gestacional7 .
QUADRO 3 – Resultados dos exames realizados em 27/01/2005
no IEC
OBJETIVO
Relatar um caso de hepatite B em gestante,
infectada no 4° mês e a administração em tempo hábil
da profilaxia da transmissão vertical.
HBsAg
Anti-HBs
Anti-HBc IgM
Anti-HBc
Anti-Hbe
MARCADOR
VIRAL
RESULTADO
DENSIDADE
ÓPTICA
VALOR DE
REFERÊNCIA
+
+
+
1,304
0,112
0,162
0,059
0,273
>0,115
> 0,410
> 0,215
< 0,413
< 0,721
RELATO DO CASO
QUADRO 4 – Resultados dos exames realizados no lactente em
J.N.L, 23 anos, faioderma, residente e procedente 31/01/2005 no IEC
de Belém-PA, agente de saúde, grávida de 4 meses, MARCADOR
DENSIDADE
VALOR DE
RESULTADO
deu entrada na FSCMPA em 24/08/2004 com quadro
VIRAL
ÓPTICA
REFERÊNCIA
de icterícia, mialgia, astenia, hipocolia e colúria. Relata HBsAg
0,055
> 0,105
que seu parceiro apresentou quadro semelhante há um Anti-HBs
+
> 3.000
> 0,303
mês, sendo diagnosticado hepatite B. A pesquisa de Anti-HBc
+
0,049
< 0,345
marcadores sorológicos foi realizada no Instituto Anti-HCV
0,043
0,662
Evandro Chagas (IEC), sendo compatível com infecção
aguda pelo vírus da hepatite B (Quadros 1, 2 e 3).
Fotos da paciente com hepatite B
aguda no 4° mês de gestação
Exame físico
Regular estado geral, consciente, orientada,
hipocorada (+++/4+), (Figura 1), ictérica (4+), (Figura
2), afebril, normotensa, ausculta pulmonar sem alteração
ou ruídos adventícios, ausculta cardíaca com bulhas
normofonéticas em 2 tempos e sem sopros, abdome
doloroso à palpação em hipocôndrio direito e epigástrio,
apresentando hepatomegalia (fígado a 7-8 cm do
rebordo costal direito).
Resultado dos exames laboratoriais
QUADRO 1 – Resultado dos exames realizados em 18/08/2004
no IEC
MARCADOR
VIRAL
RESULTADO
HBsAg
Anti-HBc IgM
Anti-Hbc
Anti-HAVIgM
Anti-HCV
1,762
+
0,046
0,063
DENSIDADE
VALOR DE
ÓPTICA
REFERÊNCIA
1,782
1,358
0,046
0,023
0,063
FIGURA 1 – Mãos hipocoradas da paciente
> 0,116
> 0,325
< 0,390
> 0,288
> 0,659
QUADRO 2 – Resultado dos exames realizados em 09/12/2004
no IEC
MARCADOR
VIRAL
HBsAg
Anti-HBc
HbeAg
Anti-Hbe
Anti-HCV
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RESULTADO
DENSIDADE
ÓPTICA
VALOR DE
REFERÊNCIA
+
+
+
-
>3.000
0,053
0,004
0,523
0,055
> 0,104
< 0,389
> 0,035
< 0,947
> 0,666
FIGURA 2 – Face da paciente mostrando icterícia na região da
esclera
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Evolução
A paciente teve alta com melhora do quadro após
15 dias de internamento e ficou em seguimento
ambulatorial pelo GRUPO DO FÍGADO da FSCMPA.
Após quase 10 meses do início do quadro desenvolveu
marcador sorológico compatível com imunidade (Anti
HBs).
O parto ocorreu em 03 de janeiro de 2005, na
FSCMPA, por via vaginal. O bebê nasceu em boas
condições com idade gestacional de 36 semanas
pesando 3400 gramas. Foi administrado dentro das
primeiras 12 horas de vida, vacina e gamaglobulina
hiperimune contra hepatite B. Teve alta após 48 horas
de vida em boas condições. Foi feito o seguimento
ambulatorial da criança e, após a 2ª dose da vacina, em
04/02/2005, o lactente desenvolveu marcador
sorológico compatível com imunidade (Anti HBs),
(Quadro 4).
DISCUSSÃO
Ainda não faz parte da rotina médica a triagem
para VHB no período gestacional6 . Esse vírus é
responsável por patologia hepática crônica em crianças
nascidas de mães infectadas e as conseqüências dessa
infecção levam, a curto e médio prazo à hepatite crônica,
e em longo prazo, à cirrose e a complicações
neoplásicas como o carcinoma hepatocelular8 . Gestantes
com hepatite B aguda, diagnosticadas no 1° e 2°
trimestres de gravidez, em 5 a 10% das vezes transmitem
a infecção ao filho; para gestantes infectadas no 3°
trimestre ou para portadoras crônicas, a probabilidade
de comprometimento do recém-nascido é da ordem de
60%5, 9 .
A profilaxia da hepatite B no recém-nascido está
baseada na administração de imunoglobulina
hiperimune seguida de 3 doses de vacina da hepatite B
(1ª dose ao nascimento, 2ª dose com 1 mês de vida e 3ª
dose aos 6 meses). Esse esquema de profilaxia instituído
logo após o nascimento, diminui o risco de a criança
tornar-se portadora crônica para 2%. No presente caso
a intervenção em tempo hábil pode ter impedido a
transmissão do VHB para o recém-nascido10 .
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante o rastreamento da hepatite B crônica
na assistência pré-natal, por meio da pesquisa de
HBsAg no início da gestação.
Estender a aplicação da vacina contra hepatite B
às mulheres em idade fértil, possibilitaria a prevenção
da transmissão vertical e, conseqüentemente,
contribuiria para a diminuição da circulação do vírus.
SUMMARY
ACUTE HEPATITIS B IN PREGNANT WOMAN – CASE REPORT
Eliete da Cunha ARAÚJO, Manoel do Carmo Pereira SOARES, Vitória Carvalho CARDOSO e
Daniela Maria Raulino da SILVEIRA
Objective: report a case of Hepatite B in pregnant woman, for probable sexual transmission. Case report : J.N.L,
23 years, brunette skin , resident and coming from Belém, pregnant of 4 months, professional of the health, was
admitted at the maternity of the Fundation Santa Casa of Mercy of Para (FSCMPA) for presenting acute infection
for the virus of the hepatitis B (positive HbsAg; Anti-HBc positive IgM; Anti-HBc positive Total; Anti-HAV negative
IgM; Negative Anti-HCV). After the pacient had been at hospital for 15 days,she was discharged from hospital
with improvement of the clinical state and after that she was in ambulatorial continuation for the GROUP OF
THE LIVER of FSCMPA. After almost 10 months of the beginning of the picture, she developed marker compatible
sorologic with immunity (Anti HBs). The childbirth happened in 03/01/2005, in FSCMPA, for vaginal way. Newly
born term (36 weeks), weight 3400 grams, received vaccine and gamaglobulina hiperimune against hepatitis B
inside of the first 12 hours of life, discharge from hospital after 48 hours in good conditions. The clinical
accompanying was made and after continuation and after to 2nd dose of the vaccine in 04/02/2005, the infant
developed Anti HBs. Final considerations: the tracement of sorologics markers for the virus of the hepatitis B in
the prenatal attendance, makes possible the accomplishment of the prophylaxis of the vertical transmission. Above
the newborn baby, more than 80% will develop for the chronic form of the disease, capable to infect new individuals.
To extend the application of the vaccine against hepatitis B to the women in fertile age would contribute to the
reduction of the vertical transmission and, consequently, for the decrease of the circulation of the virus.
Key words: Hepatitis B, pregnancy , prophylaxis.
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REFERÊNCIAS
01 . BELÉM. Instituto Evandro Chagas, Seção de Hepatologia, Estudo e Pesquisa. Sorologia e Biologia Molecular no Diagnóstico
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GED, v. 18, n. 4, p.143-150, jul/ago. 1999.
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Transmissíveis no Brasil. Brasília: MS, 2002. p. 31-33.
04. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Programa Nacional de Hepatites Virais . Hepatites Virais: O Brasil está
atento. Série A. Normas e Manuais Técnicos. Brasília - DF, 2003.
05. NABULSI, MM. et al. Prevalence of hepatitis B surface antigen in pregnant Lebanese Women. International Journal of
Ginecology & Obstetrics, v. 58, p. 243-244, march. 1997.
06. BRASIL. Ministério da Saúde - Funasa, Instituto Evandro Chagas (Belém). Seção de Hepatologia. Sorologia e biologia molecular
no diagnóstico das hepatites; informações elementares. Belém, 2001.
07. DINIZ, EMA.; Infecções Congênitas e Perinatais. São Paulo: Atheneu, 1991.p:165-185. BRASIL. Ministério da Saúde - Funasa,
Instituto Evandro Chagas (Belém). Seção de Hepatologia. Sorologia e biologia molecular no diagnóstico das hepatites; informações
elementares. Belém, 2001.
08. CALIL, KF. In: AZEVEDO, RA. Infectologia Pediátrica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 1998. p: 414-426.
09. PARÁ. Secretaria de Estado de Saúde Pública. Coordenação Estadual do Programa de DST/AIDS. Distribuição do Número de
Casos de DST no Pará. Belém: SESPA, 1998.
10. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Documento Científico. Consenso do Departamento de Gastroenterologia da
Sociedade Brasileira de Pediatria. Hepatites Virais - Vacinas, abril. 2004.
Agradecimentos
Ao GRUPO DO FÍGADO da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará
Endereço para correspondência
Daniela Maria Raulino da Silveira
Avenida Gentil Bittencourt, 1390. Apt° 329-B.
Nazaré, Belém - PA. CEP: 66040-000
Fone: (0xx91)3212.98.02 / (0xx91)8114.35.27
E-mail: [email protected]
Vitória Carvalho Cardoso
Rua Curuçá, 289
Umarizal, Belém-PA. CEP: 66050-080
Fone: (0xx91)3225.26.08/ (0xx91)8162.1339
E-mail: vitó[email protected]
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