SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA (SOBRATI

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA (SOBRATI)
MESTRADO EM TERAPIA INTENSIVA
ANDRÉA MEIRISTER A. DE SOUSA PIRES
YONNARA MARIA TEIXEIRA SILVA
A EUTANÁSIA E O DIREITO À VIDA
JOÃO PESSOA 2014
A EUTANÁSIA E O DIREITO À VIDA
Artigo científico apresentado a Sociedade
Brasileira de Terapia Intensiva (SOBRATI)
como parte dos requisitos necessários a
obtenção do título de Mestre em Terapia
Intensiva.
Orientadora: Maria Helena Rodrigues de
Barros Wanderley1
Mestrandas:
Andréa Meirister A. de Sousa Pires2
Yonnara Maria Teixeira Silva3
JOÃO PESSOA 2014
1
Psicológa.
Enfermeira, Mestranda em Terapia Intensiva.
3
Enfermeira, Mestranda em Terapia Intensiva.
2
Sociedade Brasileira de Terapia Intensiva
A EUTANÁSIA E O DIREITO À VIDA
Andréa Meirister A. de Sousa Pires
Yonnara Maria Teixeira Silva
RESUMO
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica, no qual se discute questões
fundamentais acerca da eutanásia; sua conceituação e modalidades, contrapondo o direito à
vida e a dignidade humana, enfatizando a bioética e apresentando uma breve discussão
jurídica. A temática é antiga e complexa, envolve questões de ordem moral, ética, religiosa,
contudo as discussões ainda são pouco profundas. Falta regulamentação jurídica para
melhor respaldar tal problemática e mais abordagens cientificas para fortalecer as mesmas.
Descritores: Eutanásia. Bioética. Direito à vida. Dignidade Humana.
ABSTRACT
This work is in a literature review, in which he discusses key issues concerning euthanasia;
its concept and modalities, opposing the right to life and human dignity, emphasizing
bioethics and presenting a brief legal discussion. The theme is old and complex, involving
questions of moral, ethical, religious, however discussions are still shallow. Lack legal
regulation to better endorse such problematic and more scientific approaches to strengthen
the same.
Descriptors: euthanasia. Bioethics. Right to life. Human Dignity.
INTRODUÇÃO
Na atualidade, devido os avanços da medicina aliados à concepção da vida humana
como um bem absoluto, a eutanásia ganhou novos espaços, no entanto a temática não é
recente, sua base está edificada no inicio das civilizações. Assim, a eutanásia caminha lado
a lado com o desenvolver da humanidade, se mostrando como uma matéria polêmica, que
envolve preceitos morais, éticos, filosóficos, religiosos e jurídicos, além do mais, suas
implicações afetam diretamente o bem maior: à vida.
O presente estudo tem o objetivo de provocar uma reflexão, acerca desse tema tão
atual e ao mesmo tempo tão complexo que é a eutanásia, trazendo as diferenciações dos
seus termos, relacionando-os a bioética e seus desdobramentos relacionados com a
dignidade da pessoa humana e do direito à vida, além de trazer à tona a discussão jurídica,
com um enfoque na responsabilização do profissional da saúde frente à temática.
Os questionamentos e as reflexões são bastante salutares, uma vez que, as
descobertas tecnológicas e terapêuticas vêm constituindo extremos entre a vida e a morte,
no qual se busca cada vez mais a longevidade e a juventude, e uma morte digna e boa. Com
base nesse entendimento, Felix et al (2013) e Ferrai (2008) referem que essa definição
terminológica é diferenciada para os pacientes, familiares e os profissionais da área de
saúde, e que o que realmente deve ser realizado para o paciente é um dilema ético de difícil
decisão que determinará o processo de morte de um ser. Logo, a discussão sobre o impasse
entre métodos artificiais para prolongar a vida e a atitude de deixar a doença seguir sua
história natural com enfoque na eutanásia se tornam imprescindíveis.
Assim como a vida, a morte digna também é um direito humano. E por morte digna
se compreende a morte sem dor, sem angústia e de conformidade com a vontade do titular
do direito de viver e de morrer. E nesse sentido é paradoxal a postura social, muitas vezes
embriagada por uma religiosidade que a própria religião desconhece, que compreende,
aceita e considera "humano" interromper o sofrimento incurável de um animal, mas que
não permite afastar o sofrimento de um homem capaz e autônomo. Por outro lado, a atitude
de tentar preservar a vida a todo custo é responsável por um dos maiores temores do ser
humano na atualidade, que é o de ter a sua vida mantida às custas de muito sofrimento,
solitário numa UTI, ou quarto de hospital, tendo por companhia apenas tubos e máquinas
(KOVÁCS, 2003).
Desse modo, a temática é de fundamental relevância, pois todos os dias, nos
hospitais ou em casa, pessoas em perfeito estado de consciência mental, sofrendo de
doenças incuráveis e com insuportável sofrimento, imploram que lhes sejam permitidos
morrer com dignidade. De igual forma, não se pode duvidar, da dramática situação de
famílias que mantêm nas suas residências ou em hospitais, doentes em estado vegetativo,
acometidos de males degenerativos, que só se encontram "vivos" porque estão ligados a
aparelhos ou alimentados por sondas. Por outro lado, é salutar enfatizar casos opostos, no
qual pode ter sido cometido homicídio, embora alegue eutanásia, o que nos faz questionar
também os amparos legais e como na prática a eutanásia seria feita, se por ventura fosse
permitida. Caso semelhante foi matéria na mídia nacional, o qual em um hospital de
Curitiba, uma equipe de profissionais que trabalhavam na UTI estão sendo investigados,
pesando sobre eles a acusação de terem cometido homicídio em pacientes internados em
estado grave, principalmente pacientes do SUS, essa prática vinha ocorrendo desde 2006
(O GLOBO, 2013; VEJA, 2013).
Desse modo, a legalidade das práticas supracitadas é temática de intensa discussão
em diversos países, o que só reafirma nossa discussão. Contudo, salientamos que não se
tem a pretensão de trazer respostas últimas sobre a questão; mas, ao contrário, mostrar
como o direito de morrer vem sendo e pode vir a ser discutido. De modo a respeitar os
princípios que cercam o tema e, diante de uma postura crítica, pode se ter a legítima
esperança de alcançar um direito verdadeiramente justo, alicerçado na dignidade da pessoa
humana, sem deixar com isso, de ser um direito humano: o direito de morrer a própria
morte.
METODOLOGIA
O presente artigo foi conduzido por um estudo bibliográfico realizado através de
livros, artigos e revistas. Para Lakatos (2005), a pesquisa bibliográfica tem como finalidade
colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado
assunto, com o objetivo de permitir ao pesquisador o reforço paralelo na análise de sua
pesquisa ou manipulação de suas informações. Nesse contexto, Gil (2006) refere que
vantagem da pesquisa bibliográfica é permitir ao investigador a cobertura de uma gama de
fenômeno mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente, logo não é a
repetição do que já foi outrora mencionado, mas sim uma analise sob um novo ponto de
vista.
As publicações que compuseram a revisão deste estudo foram feitas mediante
livros e uma busca online, no qual foi feito levantamento na Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), na base de dados Lilacs e Scielo.
Os descritores utilizados foram eutanásia,
dignidade humana, direito à vida, ortotanásia. Na busca foram detectados artigos
relacionados ao tema na base de dados citados, sendo selecionados os mais recentes,
considerando um período de 10 anos (2003 - 2013). Posteriormente, foi feita a leitura dos
artigos, os quais foram analisados e selecionados as pesquisas interessantes para esse
estudo, elaborando-se assim o teor completo do artigo que se apresenta.
BIOETICA X EUTANÁSIA X DISTANÁSIA X ORTOTANÁSIA X MISTANÁSIA
A definição etimológica da eutanásia, que deriva da expressão grega euthanatos,
significa boa morte, e é conforme os ensinamentos de Pitteli et al (2009) e Ribeiro et al
(2011) fundamentada como o ato de dar a morte, por compaixão, a alguém que sofre
intensamente, em estágio terminal de doença incurável, ou que vive em estado vegetativo
permanente. Em meio a isso, não se devem empregar meios que causem sofrimentos
adicionais, mas que sejam adequados para tratar uma pessoa que está morrendo. Logo,
versa sobre a abreviação da vida do paciente (LOPES, 2011).
Cotidianamente, os indivíduos se defrontam com a necessidade de pautar o seu
comportamento em normas, as quais são aceitas intimamente e reconhecidas como
obrigatórias. Sendo assim, as reflexões cotidianas dos indivíduos na sociedade, as quais
regem a tomada de decisões, são guiadas essencialmente por valores, experiências prévias
e, em especial, por princípios morais e éticos (MASCARENHAS & ROSA, 2010).
Conforme outrora já mencionado, à eutanásia não é uma temática recente, no entanto vem
apresentando relevância no espaço das discussões contemporâneas em diferentes
sociedades, e em diversas áreas, especialmente a partir da segunda metade do século XX,
momento histórico no qual a bioética entra em cena.
A bioética pode ser compreendida como "o estudo sistemático de caráter
multidisciplinar, da conduta humana na área das ciências da vida e da saúde, na medida em
que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais". O comportamento
ético em atividades de saúde não se limita ao indivíduo, devendo ter também, um enfoque
de responsabilidade social e ampliação dos direitos da cidadania, uma vez que sem
cidadania não há saúde (KOERICH et al, 2005). E sua importância, conforme Ramos
(2007) está relacionada, à incorporação dos produtos e inovações da tecnobiociência, aliada
ao fato de provocarem mudanças relevantes sobre a oferta e a qualidade dos serviços e
ações, e sobre o modo como os agentes trabalham, produz cuidados e operam tecnologias.
Assim, o tema da tecnologia já deveria implicar, por si, a análise das consequências éticas
de sua aplicação sobre o indivíduo, o coletivo e o próprio trabalhador.
Para a abordagem de conflitos morais e dilemas éticos na saúde, a Bioética se
sustenta em quatro princípios. Estes princípios devem nortear as discussões, decisões,
procedimentos e ações na esfera dos cuidados da saúde. São eles: beneficência, não-
maleficência, autonomia e justiça ou eqüidade.
O princípio da beneficência relaciona-se ao dever de ajudar aos outros, de fazer ou
promover o bem a favor de seus interesses. Reconhece o valor moral do outro, levando-se
em conta que maximizando o bem do outro, possivelmente pode-se reduzir o mal. Neste
princípio, o profissional se compromete em avaliar os riscos e os benefícios potenciais
(individuais e coletivos) e a buscar o máximo de benefícios, reduzindo ao mínimo os danos
e riscos.
O princípio de não-maleficência implica no dever de se abster de fazer qualquer mal para
os clientes, de não causar danos ou colocá-los em risco. O profissional se compromete a
avaliar e evitar os danos previsíveis.
Autonomia, o terceiro princípio, diz respeito à autodeterminação ou autogoverno, ao poder
de decidir sobre si mesmo. Preconiza que a liberdade de cada ser humano deve ser
resguardada.
O princípio da justiça relaciona-se à distribuição coerente e adequada de deveres e
benefícios sociais.
Em suma, a bioética se propõe a investigar a moralidade dos atos humanos que
podem alterar o sistema autopoéticos, se debruçando sobre toda sorte de conflitos e dilemas
que emergem no binômio vida/morte, mais precisamente em relação à finitude e ao
significado da expressão morrer bem — daí o termo eutanásia. De fato, este vocábulo diz
respeito à boa morte, podendo ser caracterizada atualmente como a abreviação do processo
de morrer de um enfermo, por ação ou não-ação, com o objetivo último de aliviar um
grande e insuportável sofrimento (BATISTA & SCHRAMM, 2008).
Assim, a bioética, nas últimas décadas, vem discutindo sobre quais devem ser os
limites de intervenção necessária e prudente sobre o indivíduo, lembrando-se que o avanço
tecnológico e científico na medicina e nas ciências da saúde aumentou o poder de
intervenção sobre o ser humano e possibilitou o adiamento da morte, à custa, muitas vezes,
de prolongado e desnecessário sofrimento para os indivíduos e suas famílias.
Atualmente, as modalidades mais úteis para classificação da eutanásia basear-seiam no ato em si e no consentimento do enfermo. Deste modo, têm-se:
A distinção quanto ao ato
(a) Eutanásia ativa — ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por
fins humanitários (por exemplo, utilizando uma injeção letal);
(b) Eutanásia passiva — quando a morte ocorre por omissão proposital em se iniciar uma
ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (por exemplo, deixar de se iniciar
aminas vasoativas no caso de choque não responsivo à reposição volêmica);
(c) Eutanásia de duplo efeito — nos casos em que a morte é acelerada como conseqüência
de ações médicas não visando ao êxito letal, mas sim, ao alívio do sofrimento de um
paciente (por exemplo, emprego de morfina para controle da dor, gerando,
secundariamente, depressão respiratória e óbito).
A distinção quanto ao consentimento do enfermo
(a) Eutanásia voluntária — em resposta à vontade expressa do doente — o que seria um
sinônimo do suicídio assistido;
(b) Eutanásia involuntária — quando o ato é realizado contra a vontade do enfermo, o que,
em linhas gerais, pode ser igualado ao "homicídio";
(c) Eutanásia não voluntária — quando a vida é abreviada sem que se conheça a vontade
do paciente.
Distanásia é aquela tentativa de combater a morte a qualquer custo, prolongando um
sofrimento e agonia desnecessários. A distanásia nega o princípio da não-maleficência, por
isso pode-se dizer que é uma deformidade da conduta médica. O tratamento fútil deveria
dar lugar aos cuidados paliativos que se pautam na humanização e na qualidade de vida e
de morte (SANCHES & SEIDL, 2013).
Ortotanásia é o não-investimento de ações obstinadas, e mesmo fúteis, que visam
postergar a morte de um indivíduo cuja doença de base insiste em avançar acarretando a
falência progressiva das funções vitais. Na medida em que recursos terapêuticos não
conseguem mais restaurar a saúde, as tentativas técnicas tornam-se uma futilidade ao
intensificarem esforços para manter a vida. Trata-se, portanto, de um conceito relacionado
aos cuidados paliativos, ou seja, cuidados dispensados à pessoa cuja doença não tem
possibilidades de cura (SANCHES & SEIDL, 2013).
A palavra mistanásia, por sua vez, vem sendo proposta com o sentido de "morte
miserável e dolorosa fora e antes do seu tempo", incluindo: (1) a falta de acesso às
condições mínimas de vida; (2) a omissão de socorro à multidão de doentes à margem dos
sistemas de saúde mundo afora; (3) as conseqüências dos diferentes tipos de erros médicos;
e (4) as práticas de eliminação dos indesejados. O grande leque de circunstâncias
alcunhadas como mistanásia, a eventual sobreposição com a idéia de distanásia e as
dificuldades inerentes à determinação de um passamento ocorrido fora do seu momento
correto — afinal, sempre é tempo para morrer... — tornam a mistanásia um conceito
deveras problemático nas discussões ora entabuladas (BATISTA & SCHRAMM, 2005).
Em estudos realizados por Ribeiro (2011) concernentes às percepções de
enfermeiros e médicos intensivistas sobre a prática da eutanásia em pacientes terminais,
constatou-se que alguns profissionais compreendem parcialmente o conceito de eutanásia, e
outros, totalmente. Também houve unanimidade entre os profissionais que discordaram da
prática da eutanásia, já que é considerado crime, de acordo com a lei brasileira; e os
principais motivos são as questões religiosas e éticas.
De um modo geral, foi observado que os que admitem a eutanásia apresentam suas
razões tendo por base a misericórdia para com os pacientes que sofrem de doenças
terminais, com grande sofrimento e, no caso da eutanásia voluntária, o respeito pela
autonomia. Hodiernamente, algumas formas de eutanásia têm um largo apoio popular e
muitos filósofos contemporâneos têm referido que ela é moralmente defensável. Entretanto,
no aspecto religioso a posição é contrária a essa tese.
Em meio a isso, no final de 2006, o Conselho Federal de Medicina emitiu a
Resolução 1.805/2006, que permite ao médico limitar ou suspender procedimentos e
tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, respeitando a vontade da
pessoa ou de seu representante legal (BRASIL, 2006). Com isso, o Conselho “permitiu”
que os médicos poderiam interromper tratamento desnecessário, ou seja, quando não havia
chance de cura, logo, desligar os aparelhos ou deixá-lo à vontade para ir para casa com a
família. Com isso, a resolução regulamentou a Ortotanásia, e vem contribuindo para a
reflexão sobre uma futura normatização legislativa sobre o tema, importante tanto para a
atividade médica como para a sociedade brasileira. No entanto essa visão nem sempre foi
unanime, a princípio quando a Resolução foi publicada o Ministério Publico Federal (MPF)
ingressou com uma ação civil publica, alegando que essa resolução estimularia os médicos
a praticarem homicídio, um ano depois, por meio de uma liminar, a resolução foi suspensa.
Posteriormente, a ação foi revisada, um novo procurador apontou equívocos e passou a
defender a legalidade do procedimento. Assim, a ortotanásia apenas impede que o médico
avance sobre o espaço já delimitado pela morte, o que significa a morte no seu tempo certo,
sem prolongamento ou abreviações.
Seguindo esse raciocínio, temos que a eutanásia se preocupa com a morte digna, ao
contrário, a distanásia busca o esgotamento dos recursos, enquanto que a ortotanásia tratase do limite certo da vida. Conforme Gomes (2008) e Pessine (2010) a eutanásia é
permitida na Holanda e Bélgica. Além disso, a maioria dos estados dos Estados Unidos e
do Canadá tem legislações que permitem que os médicos suspendam os tratamentos com a
autorização do paciente ou de seu representante, e o Estado de Oregon que permite o
suicídio assistido. Do mesmo modo, Lepargneur apud Batista et al (2004) acrescenta a
Suíça a lista de países que permitem a Eutanásia.
No mais, sabemos que no Brasil ainda é vedada a prática da eutanásia, dessa forma
veremos posteriormente como ela é tratada no ordenamento jurídico brasileiro, bem como
suas implicações e a responsabilidade civil dos profissionais que a praticam.
A EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E SUAS
IMPLICAÇÕES.
A Constituição Federal (CF) consagra à vida como sendo o mais fundamental dos
direitos, já que dele se derivam os demais. Trata-se como inviolável, indisponível e
irrenunciável, com isso, ninguém será privado arbitrariamente de sua vida, sob pena de ser
responsabilizado civil e criminalmente. Além disso, tal direito deve ser visto por uma ótica
global, no qual se inclui a interpretação de outros valores como a dignidade humana.
Destarte, a Carta Magna proclama o direito à vida, e cabe ao Estado assegurá-la quanto ao
direito de continuar vivo e de se ter uma vida digna. (LENZA, 2013). Porém, não se trata
de um direito absoluto, porquanto a própria lei admite exceções á sua tutela.
O principio da dignidade da pessoa humana, que é absoluto, tem sido utilizado tanto
para defender como para recusar a eutanásia, para os primeiros ela consiste no direito de
eleger o momento da própria morte; para o segundo grupo a dignidade humana obriga a se
opor a eutanásia por considerá-la uma arbitrariedade em frente a um problema moral, sendo
dever do Estado, preservá-la a todo custo. Entrementes, volta à velha dúvida. É lícito dispor
sobre a própria vida, abreviando o sofrimento? Até que ponto se pode chamar de vida,
alguém no estado vegetativo? Não seria muito rigor punir por homicídio, quando se põe fim
ao sofrimento de alguém que não tem mais esperança de viver, e ainda clama por isso? Por
outro lado, o avanço da medicina e possíveis curas para o que até então é terminal, aliado
aos possíveis abusos frente ao dolo para beneficiar terceiros, como venda de órgãos,
desligar aparelhos para por outro no lugar, repugnam a legalização da eutanásia.
De uma maneira geral, temos que nenhuma ação que provoque direta ou
indiretamente a morte do paciente é moralmente lícita, mesmo que seja para não vê-lo ou
fazê-lo sofrer, ainda que ele, ou a família o peça expressamente. Logo, nem o profissional
de saúde, nem o próprio paciente tem a faculdade de decidir sobre a morte de uma pessoa.
Além de ser ilícito negar assistência, ou até mesmo renunciá-la. Embora, hoje em dia, não
seja sustentável diante da bioética, bem como do novo ordenamento constitucional.
Isso porque quando o Princípio corretor da Dignidade da Pessoa Humana
determinar que numa situação concreta prevalecerá a autonomia individual em detrimento
do bem jurídico vida em virtude da instrumentalização do homem em face ao tratamento,
considerando-o um meio e não o fim deverá o médico suspender, interromper ou não iniciar
o tratamento necessário para a manutenção artificial da vida deste enfermo (CARVALHO
e KAROLENSKY, 2012). Portanto, diante desses argumentos, podemos ter a base jurídica,
mesmo que mínima para “exigir” o direito à eutanásia.
Em contrapartida Ribeiro (2006) refere que o homicídio a pedido da vítima tem a
característica de ser um crime punido apenas quando a morte decorre de uma ação, de uma
conduta positiva, de um fazer algo. Não há crime quando o pedido é negativo, para não se
fazer algo, com exceção apenas para os casos de suicídio, em que não se aceita a omissão
de tratamentos vitais a pedido do suicida socorrido. Isso quer dizer que a omissão de
tratamentos médicos a pedido ou por recusa do doente não suicida não constitui crime e não
se confunde com o homicídio a pedido da vítima nem pode ser chamado de eutanásia
passiva. Muito pelo contrário, não respeitar o direito de morrer, o direito à
autodeterminação, é constrangimento ilegal, pode ser abuso de poder e até lesão corporal.
Em outras palavras, o dever de cuidado, que decorre da relação do paciente com o seu
garante, seja ele médico ou não, cessa com a oposição ao cuidado, feita autonomamente
pelo doente ou seu representante legal: pais, tutor, curador ou um procurador nomeado em
diretivas antecipadas.
No Brasil, as discussões sobre a Eutanásia ainda é muito superficial, de forma que
continua muito nebulosa em nosso ordenamento jurídico, que por sua vez não dispõe
especificamente sobre a prática da eutanásia. Logo, o Código Penal e a Constituição
Federal Brasileira não faz nenhuma menção sobre o assunto, assim, no Brasil, não há,
qualquer hipótese de eutanásia regulamentada.
Entretanto, embora não especificada no Código Penal o delito “eutanásia”, está
implicitamente abrangido no nosso diploma legal, tipificado na parte especial, no artigo 121
§ 1º (homicídio privilegiado), ou no artigo 122, que assim refere:
Art. 121 - Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
Caso de Diminuição de Pena
§ 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço (BRASIL, 1940).
Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio
para que o faça:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão
corporal de natureza grave (BRASIL, 1940).
Contudo, ambos devem ser analisados com as devidas distinções. Isso porque no
auxílio ao suícidio o desvalor a ação do agente é menor, porque somente auxilia na conduta
mortal, permanecendo o domínio do fato nas mãos do enfermo. Exatamente por esta razão
há a possibilidade de o enfermo voltar atrás e deter o processo que lhe levaria a morte, caso
naquele momento se arrependa, o que não ocorre no homicídio.
O Anteprojeto de Código Penal apresentado pela Comissão de Reforma em junho
de 2012 (PLS 236/2012) cria, pela primeira vez, no artigo 122 do novo código, o crime da
eutanásia, diminuindo a sua pena e ficando o crime mais brando do que o homicídio.
Todavia, o anteprojeto estabelece o caminho para obter a sua total despenalização e o seu
reconhecimento como direito. No entanto, sua atual redação é altamente criticável. Em
linhas gerais, o novo código, se aprovado, reduz a pena da eutanásia ativa, permitindo a
concessão de perdão judicial em alguns casos, e descriminaliza a eutanásia passiva ou
ortotanásia, por aplicação do estado de necessidade (CARVALHO e KAROLENSKY,
2012).
Importante enfatizar que tal prática, quando legalizada, pode ser realizada por um
médico, um enfermeiro, qualquer um dos profissionais da área de Saúde ou mesmo por um
familiar, conforme refere Felix et al (2013), que também assinala três modalidades de
conduta que podem ter como resultado a morte do paciente: 1- conduta omissiva - quando o
agente, mesmo tendo condição e/ou obrigação de prestar um serviço, uma terapia, uma
medicação ao paciente, não o faz, convicto de que estará abreviando seu sofrimento, o que
resulta na morte; 2- conduta ativa direta - aplicação de terapias analgésicas com a intenção
primordial de aliviar as dores do paciente terminal, sabendo que essa medicação resultará
no falecimento dele; 3- conduta ativa indireta - é aquela que, motivada por convicções
humanitárias, leva o agente a produzir a morte antecipada de um paciente que esteja com
uma doença incurável, com sofrimento atroz e qualidade de vida ínfima, mas que, sozinho,
não seja capaz de se suicidar. Antes disso, o paciente terá expressado o seu consentimento,
ou na impossibilidade deste, seus ascendentes, descendentes, cônjuge, companheiro, irmão.
Mais uma vez, antes mesmo do posicionamento do poder legislativo, o Conselho
Federal de Medicina (CFM), aprovou a Resolução 1.995, de 31 de agosto de 2012, que
consiste nas diretivas antecipadas de vontade (BRASIL, 2012). Que por sua vez tratam dos
limites terapêuticos para doentes em fase terminal, as regras, que já estão em vigor estabelecem
critérios para o uso de tratamentos considerados invasivos ou dolorosos em casos nos quais não
há possibilidade de recuperação. Na prática, o paciente vai poder registrar no próprio prontuário
os procedimentos médicos aos quais quer ser submetido no fim da vida. Dessa forma, esse
documento dá suporte legal e ético para o cumprimento da orientação, haja vista a inexistência
de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética
médica brasileira. O testamento vital, como também e conhecido é facultativo e poderá ser feito
em qualquer momento da vida, inclusive por pessoas sem problemas de saúde, podendo ser
modificado ou revogado a qualquer instante.
Em nota, o CFM expressou que a resolução respeita a vontade do paciente, e ressalta que
o Código de Ética Médica em vigor desde abril de 2010, veda abreviar a vida, ainda que
apedido do paciente ou de um representante legal – prática conhecida como eutanásia.
Entretanto, é previsto que, nos casos de doença incurável e de situações clínicas
irreversíveis e terminais, o médico pode oferecer cuidados paliativos disponíveis e
apropriados (ortotanásia). Por sua vez, o Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), em
seu código expressa a eutanásia no capítulo das proibições no qual refere em seu Art. 29 ser
proibido promover a eutanásia ou participar em prática destinada a antecipar a morte do
cliente (BRASIL, 2007).
Assim sendo, é importante salientar que no nosso ordenamento jurídico a eutanásia
é proibida, no entanto a ortotanásia poderá ser entendida como permitida, conforme
entendimento judicial no julgamento da Ação Civil Pública nº 2.007.34.00.014809-3
(BRASIL, 2010).
Em suma, temos que o que a resolução fez foi reconhecer o direito do paciente de
recusar tratamentos inúteis, que não oferecem benefícios reais aos mesmos, pois a morte é
inevitável, ou seja, primam pela dignidade humana, uma vez que visam somente prolongar
a vida, sem garantir uma qualidade digna (DADALTO, 2013).
RESPONSABILIDADES
Em virtude do já exposto, é de fundamental importância abordar a responsabilidade
do profissional que pratica a eutanásia. Uma vez que, em um recente estudo feito por
Santos et al (2013) com médico, psicólogo e enfermeiro demonstrou que tais profissionais
se mostraram com dúvidas éticas e legais quanto à ortotanásia, daí também inferimos
analogamente que essas também se perpetuam quanto a eutanásia.
Um ato ilícito gera efeitos civis e criminais, assim a conduta do profissional que
pratica a eutanásia, seja ativa ou passiva, por ação ou omissão, gerara para o mesmo, a
responsabilidade civil, penal e ética. No campo cível, o profissional deverá indenizar o
paciente ou familiar devido ao dano causado. Na esfera penal, o processo segue, tendo
também suas funções suspensas temporariamente, responderá, no caso de eutanásia, por
homicídio, de acordo com o artigo 121, do código penal. No que tange ao campo ético cabe
aos seus respectivos conselhos tomar as providencias cabíveis.
Os pressupostos gerais da responsabilidade civil no caso da eutanásia se resumem a
necessidade do dolo, uma vez que não se fala em eutanásia culposa, exceto quando na
ortotanásia.
Conforme estudo realizado por Cruz et al (2013) não há como responsabilizar
civilmente o médico que pratica a ortotanásia, pois o seu próprio conceito impede a
conformação dos elementos da responsabilidade civil. Ou seja, não há culpa, dano ou nexo
de causalidade. Não há culpa, seja sob a forma de negligência, imprudência ou imperícia,
porque a ortotanásia pressupõe a aplicação de cuidados paliativos e a preocupação com o
bem-estar do paciente em fase terminal, ocorrendo, portanto, diligência (atenção à
"qualidade de morte" do paciente), prudência (constatação da terminalidade do paciente e
obtenção de seu consentimento informado) e conhecimento técnico (cuidados paliativos,
que envolvem diversos ramos da medicina e outros a ela alheios). Também não se pode
falar em dano, pois não é sempre que a morte deve ser compreendida como dano. A
ortotanásia existe mediante consentimento livre e esclarecido do paciente no fim da vida, o
que configura o atendimento do médico ao direito subjetivo do paciente escolher o próprio
tratamento, não havendo comportamentos que ocasionem diretamente a morte. Trata-se,
portanto, de comportamento ético do médico e de exercício do direito à autonomia do
paciente, conforme já mencionado anteriormente.
Enfim, a conclusão para as questões postas sobre a temática, pela magnitude de suas
consequências não podem ser frutos de discussões rápidas e irresponsáveis, deve ser fruto
de um debate sério e aberto em todos os setores e classes da sociedade, em que se permita
apreciar todas as vertentes possíveis. Pois só assim, se poderá chegar a uma conclusão que
verdadeiramente respeite o direito à vida e resguarde a dignidade humana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eutanásia é uma prática muito antiga, sendo atualmente alvo de debates não só
pelo meio científico, mas também no âmbito social. O homem durante sua existência
preocupa-se bastante com o seu destino final, mas na grande maioria das vezes ignora a
morte, negando-se a aceitar a forma que ela ocorre e quando ocorrerá. Mas é fato a certeza
de que ela se fará presente na nossa existência.
O tema estudado é sem dúvida nenhuma de absoluta importância e relevância para a
sociedade.
Tratou-se de diferenciar a eutanásia, distanásia, ortotanásia e mistanásia, no qual foi
observado que algumas discussões envolvidas, pois o processo de cuidar envolve situações
entre vida e morte, conforto e sofrimento e dúvidas quanto ao que é legal e o que é ilícito.
Ao tempo em que também se explanou a bioética e suas contribuições nesse contexto, uma
vez que como campo de reflexão, promove um melhor direcionamento para situações que
geram os referidos dilemas.
Mostrou-se o paralelo que há entre os avanços tecnológicos, que nos trazem
melhorias consideráveis no tratamento de doenças, e ao mesmo tempo buscam a todo custo
prolongar a vida do paciente, muitas vezes sem dignidade alguma.
Observou-se que o ordenamento brasileiro, enquadra a prática da eutanásia como
crime, de acordo com a legislação penal, no entanto, esse tema vem sendo debatido entre
filósofos, religiosos, profissionais da área de Saúde e operadores do Direito, bem como por
nossos legisladores, tendo projetos que tramitam no Congresso Nacional.
Em tese, quanto à distanásia, percebeu-se que não existe consenso na literatura em
relação aos critérios para a retirada e a manutenção do suporte terapêutico frente ao
paciente no processo de morrer.
No que refere à ortotanásia, vimos que alguns
posicionamentos vêm se firmando acerca da aplicabilidade da ortotanásia como forma de
tutelar uma morte digna, fundamentando-se em princípios, sobretudo no da autonomia e da
vida revestida de dignidade.
No contexto ético, social e jurídico atual está consolidada a noção de que a pessoa
tem o direito de decidir sobre o que implique em sua vida, desde que as escolhas não
afetem diretamente a vida de outros e suas liberdades. Essa noção da centralidade do
indivíduo e da autonomia funda a lógica de regulação pelo direito (individual, de cidadania
ou direito humano), o que acarreta o reconhecimento, pelas leis, de espaços de autonomia e
autodeterminação dos sujeitos como aspecto central de sua dignidade e dos direitos à vida e
à liberdade. Há relativo consenso na discussão jurídica atual de que a liberdade (autonomia)
do indivíduo sobre a própria vida deve ser limitada/substituída pela noção de proteção e
garantia à dignidade da pessoa humana, considerada como o valor jurídico que deve fundar
e dar sentido ao conteúdo de qualquer limitação à liberdade humana (MENEZES &
VENTURA, 2013).
Em suma, as discussões foram iniciadas, no entanto, ainda se está longe de se emitir
uma opinião sobre esse instituto, visto que as mesmas ainda estão no inicio. Apesar de se
temer a legislação da eutanásia, não só por ser o brasileiro, de certa forma conservador,
imbuídos de preceitos religiosos, mas, também, porque a eutanásia pode ser desvirtuada de
seus fins em uma sociedade na qual o dinheiro é sinônimo de poder. Como fiscalizar?
Como o processo poderia ser feito? Tem o nosso país “amadurecimento” para receber tal
prática? Como evitar homicídios, para venda de órgãos, contenção de despesas? Esses
questionamentos não podem deixar de ser feito! Como também não se pode deixar de
pensar nos pacientes terminais, que na grande maioria dos casos, devem poder decidir sobre
as condições da sua morte.
Logo, colocando-se no lugar daqueles pacientes sofredores que têm permanecidos
vivos indignamente e contra as suas vontades, necessita-se de uma legislação nacional mais
clara e objetiva sobre a matéria, considerando-se que se entenda a morte com dignidade,
como morrer com conforto físico, emocional, acompanhados por profissionais de saúde
competentes, em conjunção com familiares, vivendo seus últimos dias da melhor forma
possível.
Pelo exposto, temos que a atual legislação é omissa no que pese sobre a eutanásia,
no entanto já existe um breve amparo legal do CFM (para os médicos), no que tange a
ortotanásia, e posteriormente até mesmo na jurisprudência brasileira. Além disso, temos
também a recente proposta do Anteprojeto do Código Penal de 2012, que em dezembro de
2013 teve aprovação do relatório final elaborado pelo senador Pedro Taques (PDT-MT). A
proposta é passive de várias críticas, no geral no que é pertinente ao tema, prevê a
tipificação do crime eutanásia, como também a diminuição da pena em relação ao
homicídio, em alguns casos prevê o perdão judicial, além de descriminalizar a ortotanásia.
A respeito da responsabilização que o profissional é civil e criminalmente
responsável quanto a pratica da eutanásia, no entanto no que refere a ortotanásia, não há
consenso, uns dizem que há, outros alegam que não há como responsabilizar civilmente o
profissional, pois o seu próprio conceito impede a conformação dos elementos da
responsabilidade civil.
Conclui-se, por fim, que a dignidade do ser humano deve sempre está presente
diante de qualquer conduta. Assim, diante do exposto neste trabalho, verifica-se que a
eutanásia, devido à tamanha complexidade, não se esgota por aqui. Contudo pretende com
esse estudo contribuir com as discussões e leitura sobre a temática.
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