O CONCÍLIO DE TRENTO E A CAMPANHA PEDAGÓGICA CONTRA-REFORMISTA: BASES PARA O ENTENDIMENTO DA PRÁTICA JESUÍTICA NA AMÉRICA PORTUGUESA DO SÉCULO XVI Marcos Roberto de Faria Doutorando no Programa Educação: História, Política, Sociedade – PUC/SP Professor na Universidade Federal de Alfenas – MG [email protected] Palavras-chave: Concílio de Trento, Contra-Reforma, jesuítas 1. Introdução Para a compreensão da prática jesuítica na América Portuguesa do século XVI é fundamental considerar os decretos do Concílio de Trento. O texto que se segue tem como objetivo primeiro citar alguns destes decretos e analisar suas conseqüências sobre a campanha pedagógica da Igreja contra-reformista. Para tanto, a metodologia usada passa por uma descrição da ambiência que tornou necessária a reunião de um Concílio geral no século XVI e, em seguida, cita-se alguns dos decretos desse Concílio e, por fim, trata-se da campanha pedagógica contra-reformista a partir de autores que se dedicam a essa questão. Os jesuítas que atuavam na América Portuguesa são os principais atores dessa campanha pedagógica em terras brasílicas. Aprofundar essa questão é, portanto, visitar as bases do modo de proceder jesuítico no Novo Mundo, a fim de melhor compreendê-lo. O problema que aqui se coloca pode ser resumido em duas perguntas fundamentais: é possível estabelecer uma relação entre os decretos tridentinos e a campanha pedagógica da Igreja nesse período? Se é possível, que conseqüências tiveram essa relação sobre a prática educativa do período, especialmente sobre a prática jesuítica? O texto que se segue aponta algumas considerações nessa direção e resgata alguns fundamentos importantes para se pensar a atuação jesuítica na América portuguesa do século XVI. 2. O Concílio de Trento e os seus decretos O Concílio de Trento se desenrolou simultaneamente à escrita das Constituições1 jesuíticas e as ações do missionário da Companhia de Jesus estão, por assim dizer, fundamentalmente de acordo com os decretos de tal Concílio. No que tange à ContraReforma, o Concílio de Trento é sua expressão máxima. Duas causas tornavam necessária a reunião de um Concílio geral: o conflito declarado pelos protestantes à Igreja e os abusos que corrompiam a disciplina e os costumes. Convocado pelo papa Paulo III, e aberto em 1545 em Trento, cidade do Tirol, sob a presidência de três cardeais legados, o Concílio só seria encerrado em 1563. Com 25 sessões e 18 anos de duração, duas vezes foram suspensos os trabalhos em virtude de circunstâncias políticas. Nesse sentido, pode-se dividir o Concílio em três períodos: o primeiro, no pontificado de Paulo III, com dez sessões (13 dez. 1545 – 11 mar. 1547); o segundo, no pontificado de Júlio III, com seis sessões (1551 – 1552); o terceiro, no pontificado de Pio IV, com nove sessões (18 jan. 1561 – 4 dez. 1563) (OLIVEIRA, 1952, p. 207). A necessidade de convocar o Concílio era urgente, pois o protestantismo atacava a doutrina católica em suas bases. Com o protestantismo, de acordo com Barboza Filho (2000), o mundo, o cosmos e a vida se tornaram desesperadamente ininteligíveis para os homens. Lutero e Calvino retomaram a premissa agostiniana do homem caído, exagerando-a até o ponto da completa malignidade e indignidade humanas. Marcados pelo pecado, os homens não desfrutariam da capacidade de compreensão dos desígnios divinos e de autonomia para buscar, livremente, a salvação e a redenção. Pecadores, só lhes restaria enfrentar a incerteza radical sobre o destino eterno como se estivessem eleitos por Deus, sem a menor ilusão a respeito das possibilidades de alterar a vontade eterna divina (BARBOZA FILHO, 2000, p. 210). Posta diante dos problemas mais amplos da salvação, por conseguinte, a razão humana nada tinha a dizer, não tinha como perscrutar os desígnios de Deus e nem o direito de interpretar possíveis sinais de sua vontade. Deus é Deus Absconditus, inacessível à razão humana e aos seus recursos. Mas é também o Deus da Palavra, que revela suas leis nas Sagradas Escrituras. A teologia dispensa o auxílio sistemático da razão, e sua norma de verdade desloca-se inteiramente para o Livro Sagrado. Não seria o intelecto humano nem a tradição da Igreja, construída pelo orgulho de homens caídos, que poderia oferecer ao mundo o acesso à verdade, mas a própria palavra de Deus registrada nas Escrituras. Para Lutero e Calvino, os homens não eram capazes de justificação diante de Deus e não tinham o poder de se tornar merecedores da salvação. A indignidade humana seria tão profunda que nenhuma obra ou ação seria capaz de apagá-la, tornando os homens dignos da redenção – esta dependia única e exclusivamente de Deus. O homem era impotente para redimir-se, e se alguém fosse remido, só o seria pela vontade divina. As boas obras, a caridade, nada disto guardaria a virtualidade de mudar um destino traçado desde a origem pela presciência de Deus, a predestinação de cada homem. Lutero se desesperou temporariamente com esta cruel percepção. A dramaticidade da postulação do Deus Absconditus atingiu o seu ápice na certeza de que nada podemos saber a respeito de nosso destino. A solução encontrada por Lutero foi a doutrina da sola fidei, da justificação humana pela fé (BARBOZA FILHO, 2000, pp. 210-1). As premissas do Deus Absconditus, do Deus da Palavra, da predestinação, da sola fidei e da boa-nova trazida por Cristo redefinem a Igreja como congregatio fidelium. Por conseguinte, nega-se a distinção entre sacerdotes e leigos e a legitimidade da hierarquia eclesiástica. Enquanto congregatio fidelium, a Igreja real existe invisivelmente nos corações dos fiéis, unidos em nome de Deus. Todos devem e podem exercer o sacerdócio, pois desfrutariam da mesma capacidade para a fé. Nesse sentido, há que ressaltar que, “enquanto a Igreja romana afirma-se como corpo místico no qual cada homem encontra seu lugar numa hierarquia, a Reforma visualiza a Igreja como a comunhão de fiéis individualmente considerados e iguais” (BARBOZA FILHO, 2000, p. 212). Por outro lado, diante de tantas refutações à doutrina católica, o Concílio de Trento preocupou-se, sobretudo, em definir a teologia católica sobre os pontos centrais atacados pela Reforma Protestante. Sobre as fontes da revelação, fixou a lista dos livros inspirados do Antigo e Novo Testamentos e declarou que a tradição era fonte de fé, como a Sagrada Escritura, e que esta devia interpretar-se no sentido que lhe dá a Igreja, contra a tese luterana de que a última e única regra de fé era a Sagrada Escritura (sola scriptura) (Sessão IV). Quanto ao pecado original, definiu: é apagado pelo batismo, mas permanece em nós a concupiscência ou tendência para o mal (Sessão V) e, de acordo com Martina (1995), o Concílio ensinava que o pecado original consistia numa culpa do “primeiro Adão”: em conseqüência disso, Adão perdera a santidade e a justiça nas quais tinha sido criado; essa conseqüência se transmitia por geração a todos os homens e era apagada somente pelo batismo. Permanecia, porém, nos batizados a concupiscência ou tendência ao mal, que não constitui um pecado, mas é uma conseqüência dele e um estímulo ao mal, ou seja, ao pecado (MARTINA, 1995, p. 241). Quanto à justificação, foi definido que não bastava a fé para passar do estado de pecador ao de justo, mas que também se requeriam as boas obras realizadas sob a influência da graça (Sessão VI) (OLIVEIRA, 1952, pp. 207-8); ainda no tocante a este tema, de acordo com Jedin (1961), os dois pontos decisivos foram: a colaboração da vontade humana com a graça divina, substrato de todo o processo de justificação, com que se dava a possibilidade de o homem adquirir méritos e que a santificação interna do homem se daria através da graça santificante, em oposição à simples declaração de ser ele justificado (JEDIN, 1961, p. 122). Em 24 de julho de 1563 foi aprovado o decreto de reforma a respeito da fundação de seminários em cada diocese, a obrigação da residência e a seleção dos candidatos ao sacerdócio (MARTINA, 1995, p. 246). Essa sessão (a vigésima terceira) constituiu-se em uma grande reviravolta do Concílio, que então se limitou exclusivamente à refutação da doutrina protestante sobre o sacramento da ordem e à formulação mais rígida do decreto residencial. Uma determinação sobre o estabelecimento de seminários episcopais criou, enfim, a instituição para a educação do clero, inexistente até aquela época (JEDIN, 1961, p. 136). Ao situar os fatos específicos no âmbito mais geral da história, há que ressaltar, acima de tudo, que era necessário haver uma condenação dos princípios do protestantismo, mas, sobretudo, necessitava-se de uma exposição positiva da doutrina católica que servisse de norma para sacerdotes e fiéis. Nesse sentido, rejeitado o individualismo protestante, afirmava-se a necessária mediação da Igreja, corpo místico de Cristo e, ao mesmo tempo, organismo jurídico. Uma Igreja que tinha sua primeira afirmação na hierarquia estabelecida por Cristo e que, diferenciando-os, subordinava os leigos ao episcopado. Rejeitada a unilateralidade protestante, ensinava-se a necessidade, no processo que levaria à justificação, tanto da graça como da cooperação humana, da fé e das obras. Rejeitado o pessimismo protestante, declarava-se o homem contaminado pelo pecado original, mas, ao mesmo tempo, repetia-se que a natureza humana não estava totalmente corrompida e que o livre-arbítrio ficara apenas enfraquecido. Cura animarum, eis as palavras repetidas com insistência pelo decreto de reforma, de 3 de março de 1547: eis o leitmotiv da reforma tridentina. A missão essencial da Igreja é a salvação das almas, não o incremento das artes e dos valores humanos, nem muito menos a solução econômica para alguns privilegiados (MARTINA, 1995, pp. 254-5). É com esse espírito que os jesuítas desembarcam na América portuguesa em 1549. Os inacianos são, por assim dizer, os porta-vozes desse empreendimento de salvação na Terra dos Papagaios. O texto que se segue procura situar melhor essa questão. 3. A campanha pedagógica contra-reformista e os jesuítas O Concílio de Trento constituiu-se, assim, em uma das expressões mais fortes da Contra-Reforma. Por conseguinte, seus decretos foram seguidos fielmente pela Igreja, e mais especificamente pela Companhia de Jesus. O papado empenhou-se na realização de suas resoluções, emprestando-lhes força e vida. Tanto que Pio IV criou, em 2 de agosto de 1564, uma Congregação Cardinalícia para interpretação autêntica dos seus decretos. Seu sobrinho, Carlos Borromeu, como arcebispo de Milão, por sua atividade, tornou-se o protótipo de um pastor tridentino. Pio V, sucessor de Pio IV, enviou, para observação, as edições oficiais dos decretos conciliares a todos os bispos; elas chegaram até à América e ao Congo... Executando uma resolução do Concílio, mandou ele publicar o “Catecismo romano”, um manual de doutrina da fé, baseado nas definições tridentinas (JEDIN, 1961, p. 140). É relevante destacar, ademais, que os decretos do Concílio foram aceitos como lei do reino pelo cardeal D. Henrique, regente na menoridade de D. Sebastião, e publicados em Portugal por alvará de 12 de setembro de 1564 (OLIVEIRA, 1952, p. 209). Isso é de capital importância no inteiror da discussão deste trabalho, pois os decretos conciliares se tornaram, por conseguinte, leis da Colônia, sob as quais o jesuíta agia. Nesse sentido, cabe perguntar: quais foram os efeitos dos decretos conciliares sobre a prática dos jesuítas, apoiados pela Coroa? Hansen destaca a relevância do papel que assumiu a retórica a partir do Concílio. De acordo com ele, desde a IV sessão do Concílio de Trento, em abril de 1546, a retórica tinha assumido papel fundamental nas práticas católicas. Declarando herética a tese luterana da sola scriptura, os bispos aí reunidos confirmaram a autoridade da traditio, a tradição, prescrevendo a pregação oral como modo privilegiado de propagar a fé e combater a tese luterana da leitura individual da Bíblia. O Ratio studiorum especifica que o curso de retórica deve dar conta de três coisas essenciais, que então resumem e normalizam toda a educação, os preceitos, o estilo e a erudição (HANSEN, 2001, p. 19). De acordo com o autor, nas Constituições determinava-se que aos domingos fossem sustentadas conclusões públicas de retórica e poética (HANSEN, 2001, p. 19). Outra questão importante é a obediência, entendida nesse âmbito. Segundo Hansen, “as normas didáticas do ensino subordinavam-se às normas disciplinares, que pressupunham e implicavam a virtude típica da Companhia de Jesus, a obediência irrestrita à autoridade, que havia sido redimensionada a partir do Concílio de Trento” (HANSEN, 2001, p. 24). Por outro lado, de acordo com a análise que faz Hébrard (2000), após o Concílio de Trento a alfabetização universal dos cristãos foi considerada necessária, a fim de transmitir a ciência da salvação. Em pleno século XVI, num mundo no qual as Igrejas estavam divididas e os dogmas eram objeto de guerras sem piedade, não bastava mais, para formar um cristão, batizá-lo no seu nascimento, na comunidade religiosa à qual pertencia. Era preciso “formá-lo”, quer dizer, instruí-lo nas verdades da sua religião. Para isso, era necessário fixar a “letra” da doutrina e fazê-lo memorizá-la exatamente, de maneira que não se considerassem verdadeiras as proposições heréticas ou sacrílegas (HÉBRARD, 2000, pp. 37; 43). Nesse sentido, de acordo com o autor, para fixar a “ciência da salvação” em fórmulas que todos poderiam “confessar”, os grandes reformadores protestantes, e depois os bispos católicos, escreveram catecismos. “Esses manuais eram primeiramente guias para os que ensinavam, nos quais as orações e os principais elementos da doutrina eram apresentados sob a forma de perguntas e respostas alternadas” (HÉBRARD, 2000, p. 44). No entanto, para Hébrard, a Igreja não fez da alfabetização um valor em si. “Saber ler ou, sobretudo, reler um corpus limitado de textos, pronunciados muitas vezes nos rituais, parecia um bom meio de imprimir nas consciências das crianças uma marca tão mais indelével quanto mais precoce” (HÉBRARD, 2000, pp. 44-5). Nesse sentido, pode-se dizer que o Concílio assumiu a criança como “lugar de luta” e os jesuítas que atuavam na América portuguesa tomaram decididamente a preferência pela catequese das crianças e os adultos foram classificados como “inconstantes”. Para Hébrard, o Concílio está na origem de uma reflexão sobre as formas que deve assumir a catequese e sua articulação com a escolarização (1990, p. 69). Quis-se ver na reforma católica, assim, a origem de um modelo de escolarização centrado sobre o “apenas ler”, em oposição ao esforço mais completo de alfabetização dos protestantes. Nesse sentido, constata-se que, para os padres conciliares, era urgente melhorar o recrutamento e a formação dos clérigos. É nessa perspectiva que foram feitos os primeiros esforços de aperfeiçoamento da catequese católica: quando o Concílio decretou a redação oficial de um catecismo oficial – o Catecismo Romano –, a língua latina foi a escolhida e o leitor visado continuava sendo o vigário em sua paróquia2. Carlos Borromeu assumiu, entre 1562 e 1566, o empreendimento do Catecismo Romano. No entanto, antes dele, outros catecismos católicos já tinham aparecido, destinados aos fiéis e crianças, como o de Pedro Canísio, destinado aos alunos dos colégios jesuítas. Porém, com respeito aos fiéis, a Igreja Católica permaneceu particularmente reservada quanto à utilidade e eficácia de uma catequese que utilizasse o suporte livro. Duas razões principais explicam essa reticência: uma, propriamente teológica (“a fé vem do ouvido”), implica que o pregador seja um intermediário obrigatório entre a Escritura e os fiéis. A outra é mais conjuntural: o mal protestante estava completamente ligado à difusão da imprensa. Para os padres conciliares, a catequese continuava presa aos modelos antigos, nos quais prevalecia a transmissão oral dos saberes. A doutrinação não era concebida imediatamente como devendo se articular seja com a aprendizagem da leitura seja com a escolarização (HÉBRARD, 1990, pp. 924). De acordo com o modelo de catequese proposto por Borromeu, por exemplo, a lição “do objetivo cristão” compunha-se de algumas perguntas: Por que conhecer Deus? Por que amar a Deus? Por que servir a Deus? Em que estado nós devemos servir a Deus? A primeira questão exigia três respostas: Deus é um ser eterno, é todo poderoso, é pai e juiz. Cada uma destas respostas era desenvolvida em um longo comentário. Uma lição durava cerca de uma hora e as crianças eram interrogadas sobre as questões e deveriam memorizar as respostas (HÉBRARD, 1990, p. 96). 4. Considerações finais Bem, mas como a campanha pedagógica contra-reformista é recebida na Colônia? De acordo com Hansen (1999), “a história literária não é mais uma evidência”. Para o autor, no século XVII luso-brasileiro, “não funciona necessariamente a oposição de alfabeto/analfabeto, que costumamos generalizar para todas as épocas como uma história natural da constituição do sentido” (HANSEN, 1999, p. 169). Assim, no caso de Portugal e sua Colônia, fatores como a opção católica pela transmissão oral da traditio canônica, a difusão dos padrões cortesãos da agudeza e da discrição, a interpretação providencialista dos eventos históricos e das coisas da natureza etc. “deveriam bastar para nos impedir de generalizar a concepção de alfabetismo pela qual as representações são sempre apropriáveis segundo o modelo do texto escrito ou do livro” (HANSEN, 1999, p. 170). Para os jesuítas que atuavam na América portuguesa, por exemplo, o processo educativo junto aos nativos se dava por meio de vários recursos: as representações teatrais, as procissões, as pregações, as aulas, as visitas pastorais etc. Por isso, vejo que é fundamental pensar em que se está tratando quando se fala em educação nesse período. Assim, para tratar das práticas dos padres jesuítas na América portuguesa penso que é fundamental considera-las inseridas dentro de um programa civilizatório, no qual a visão de mundo do padre é marcada por uma maneira correta de viver: cristã, católica, européia, civilizada etc., marcada, sobretudo, pelos decretos tridentinos. Porque, da mesma forma que não se pode separar religião e política nesse período, também não se pode fazer aqui uma história da educação separada de um modelo chamado de civilizatório. Portanto, é nessa conjuntura de lutas religiosas que a educação deve ser entendida nesse período. Ou seja, a educação era um meio pelo qual a ciência da salvação poderia ser transmitida. A escola era encarada como lugar para formar o verdadeiro povo de Deus, ou (para ser mais fiel aos Exercícios espirituais de Loyola) para formar “soldados para Cristo”. Conhecer, portanto, os decretos conciliares é fundamental, acima de tudo, porque tal conhecimento favorece uma melhor compreensão das representações de mundo feitas pelos jesuítas que também assumiam a criança como campo de luta e como principal investimento na catequese e que supervalorizam, entre outras coisas, a obediência irrestrita à Autoridade que foi confirmada pelo Concílio. 5. Referências bibliográficas BARBOZA FILHO, Rubem. Tradição e artifício: iberismo e barroco na formação americana. Belo Horizonte/Rio de Janeiro, Ed. UFMG/Iuperj, 2000. CONSTITUCIONES de la Compañia de Jesus. In: Obras completas de San Inácio de Loyola. Madri, Biblioteca de Autores Cristianos, 1963. EISENBERG, José. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno: encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2000. HANSEN, João Adolfo. Ratio studiorum e política católica ibérica no século XVII. In: VIDAL, Diana G.; HILSDORF, Maria Lúcia S. (Orgs.). Tópicas em história da educação. São Paulo, Edusp, 2001a. ______. Leituras coloniais. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campinas, Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999. HÉBRARD, Jean. A escolarização dos saberes elementares na época moderna. Teoria & Educação. São Paulo, Pannonica, n. 2, 1990. ______. Três figuras de jovens leitores: alfabetização e escolarização do ponto de vista da história cultural. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura. São Paulo, Mercado de Letras, 2000. JEDIN, Hubert. Concílios ecumênicos: história e doutrina. São Paulo, Herder, 1961. MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. São Paulo, Edições Loyola, 1995. OLIVEIRA, Miguel. História da Igreja. Lisboa, União Gráfica, 1952. O’MALLEY, John W. Os primeiros jesuítas. Bauru, Edusc, 2004. 1 De acordo com Eisenberg (2000), “especialmente durante a fase de desenvolvimento institucional da Companhia de Jesus (1547-1559), os jesuítas espalhados por todo o globo eram freqüentemente forçados a produzir e adaptar normas para regular o funcionamento de suas casas, escolas e missões. Isso porque, antes da promulgação das Constituições em 1558, as únicas normas vigentes na Companhia eram aquelas contidas na Fórmula do Instituto. Durante essa fase de consolidação da Companhia de Jesus, muitas das normas que regulavam as atividades dos jesuítas foram produzidas localmente e justificadas por aqueles que as produziram por meio do envio periódico de cartas” (EISENBERG, 2000, p. 46). No entanto, as Constituições marcaram uma prática situada em uma situação histórica – no caso, a Contra Reforma católica, que teve sua expressão maior no Concílio de Trento. As determinações desse documento, como não poderia deixar de ser, estavam em sintonia com o “espírito” da Contra-Reforma. De acordo com O’Malley (2004), era clara a inspiração religiosa que deveria animar os membros da Companhia, base de tudo o que estava prescrito, mesmo no vocabulário sóbrio deste texto. O pressuposto segundo o qual a graça aperfeiçoaria a natureza impregnou as Constituições com uma coesão mais do que formal (O’MALLEY, 2004, p. 517). 2 Diferentemente dos protestantes: o calvinismo, por exemplo, em 1533, na cidade de Genebra, por meio de Olivétan, um primo de Calvino, fez imprimir um opúsculo de 152 páginas que poderia ser o primeiro manual escolar protestante. Escrito em francês, intitulou-se “L’instruction des enfants contenant la manière de prononcer & escrire en françoys (sic!). Les dix commandemens. Les articles de la Foy. L’oraison de Iesus Christ. La salutation angelique. Avec la declaration d’iceux. Faicte en manière de recueils, des seulles sentences de l’escriture saincte... Já se encontram aí as características da catequese reformada e sua maneira bem específica de relacionar o saber doutrinal e a Escritura – são objeto de “declarações’’. Observa-se, também, o deslocamento da língua religiosa e, por conseqüência, da alfabetização no latim para a francesa (HÉBRARD, 1990, p. 91).