INTRODUÇÃO Nestes últimos tempos, muito se tem falado e ensinado acerca da pessoa do Espírito Santo. Certas igrejas enfatizam a busca dos “dons do Espírito”, em especial dos dons sobrenaturais ou de sinais, enquanto outras igrejas se opõem a qualquer inovação ou ensino estranho relativo à terceira pessoa da Trindade. Dentro disso, é comum enxergarmos a ocorrência de dois extremos prejudiciais entre os cristãos. De um lado, uma busca frenética do sobrenatural, que acaba por muitas vezes transmitindo apenas uma mera caricatura do Espírito Santo, limitando-o como que sendo um simples agente de manifestações emocionais, que não passam disso, e que muitas vezes acabam por levar os crentes a fundamentarem seu relacionamento com Deus e sua fé num sensacionalismo barato e superficial. De outro lado, um extremo tradicionalismo formal, onde a força de instituições e de doutrinas demasiadamente sistemáticas acabam por substituir a genuína ação sobrenatural de Deus, o que resulta numa religiosidade estéril e vazia em si mesma. Considerando a existência destes dois opostos, vale a pena voltar aos fundamentos bíblicos e compreender melhor como é a verdadeira atuação do Espírito Santo na vida dos cristãos, a qual está longe de se limitar à superficialidade de muito do que é ensinado hoje, bem como oferece muito mais à vida cristã do que uma religiosidade demasiadamente estrita e formal. Nessa obra será apresentado um estudo conciso acerca da ação do Espírito de Deus na vida do cristão como um todo. Diversas áreas da vida do crente nas quais o Espírito Santo tem a função de atuar serão abordadas, quais sejam: a salvação, a regeneração, a poder dado por Deus para o testemunho do Evangelho, a formação do caráter de Cristo no homem e o relacionamento entre o cristão e o Espírito Santo. O propósito desta obra é oferecer um parecer correto no que diz respeito à atuação real, prática e autêntica da terceira pessoa da Trindade na vida de cada cristão, bem como fornecer alguns fundamentos básicos para que cada crente possa experimentar essa atuação em maior profundidade. Para tanto, não serão adotadas posturas definitivas e formais em relação a pontos que normalmente geram muitas controvérsias, sendo que será dada muito mais ênfase à essência das ações do Espírito do que às diversas formas através das quais estas ações podem se dar. Essa ênfase será terá como sua base o ensino puramente bíblico sobre o Espírito de Deus, sem pender para nenhum dos extremos já mencionados, sendo que todas as citações, ensinos e opiniões inseridas neste trabalho foram selecionadas a partir da sua concordância com o que é ensinado na Bíblia. 2 Convém ressaltar, ainda, que Espírito Santo será abordado, principalmente, dentro de uma perspectiva neotestamentária, uma vez que só a partir da Nova Aliança é que Ele passou a habitar e agir permanentemente nos cristãos, de maneira um pouco diferente de como era no Antigo Testamento, onde sua habitação nas pessoas era seletiva. I. BREVE INTRODUÇÃO À NATUREZA DO ESPÍRITO SANTO Antes de falar da atuação do Espírito Santo na vida pessoal do cristão propriamente dita, é importante descrever brevemente suas principais características e sua natureza. Primeiramente, cabe ressaltar que, na qualidade de uma das pessoas da Trindade, o Espírito Santo é Deus. Isso pode ser comprovado pelas suas características, obras e pelo fato de que algumas vezes seu nome aparece na Bíblia associado com as outras duas pessoas da Trindade. Algumas das características do Espírito Santo que o identificam como que sendo Deus são: onisciência (1 Coríntios 2:10-11), onipresença (Salmos 139:7-12), onipotência (Lucas 1:35) e eternidade (Hebreus 9:14). As obras do Espírito que provam seu caráter divino são: criação (Gênesis 1:2), inspiração (2 Pedro 1:21, cf. 2 Timóteo 3:16), convencer o homem (João 16:8), regenerar o homem (João 3:5-6) e santificar (2 Tessalonicenses 2:13). Por fim, associações do Espírito Santo com o Pai e o Filho podem ser encontradas em textos como 1 Coríntios 12:4-6, Mateus 28:19 e 2 Coríntios 13:13. Tudo isso serve para de fato mostrar que o Espírito Santo não é menos do que Deus. Assim como o Pai e o Filho, Ele também é divino. Outra característica de fundamental importância do Espírito Santo é a sua personalidade. Ele não é uma energia impessoal, um tipo de “poder”, ou uma “força misteriosa”. Ao contrário do que ensinam seitas como as Testemunhas de Jeová1 e mesmo muito do que é transmitido no meio evangélico, o Espírito Santo é uma pessoa. Existem uma série de características próprias suas que comprovam sua personalidade, como por exemplo: inteligência (1 Coríntios 2:10-11), emoções (Efésios 4:30), amor (Romanos 15:3) e vontade (1 Coríntios 12:11). Também devem ser mencionadas uma série de ações do Espírito que demonstram isso, tais como: falar (Atos 13:2, Apocalipse 2:7), interceder (Romanos 8:26), testificar (João 15:26), guiar (Romanos 8:14), ensinar (João 14:26, 1 Coríntios 2:13) e ordenar (Atos 16:6-7). Convém frisar, ainda, que a personalidade do Espírito Santo pode ser claramente notada pelo fato de existirem atitudes do homem para com Ele que somente podem ser feitas à uma pessoa. Pode-se obedecê-lo (Atos 10:19-21), mentir para Ele (Atos 5:3-4), reverenciá-lo (Salmos 51:11), blasfemar contra Ele (Mateus 12:31), entristecê-lo (Efésios 4:30) e ofendê-lo (Hebreus 10:29). Finalmente, o fato do Espírito Santo ser uma pessoa fica muito claro pelo cargo que lhe foi atribuído. Jesus, 1 As Testemunhas de Jeová consideram o Espírito Santo como que sendo a “força ativa de Deus”. 4 falando sobre Ele, disse: “E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece; vós conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós”. (João 14:16-17). No texto original grego, a palavra que foi traduzida como “consolador” é parakletos, que literalmente significa “alguém chamado para estar ao lado de outro ou para o seu auxílio”. 2 Na raiz desta mesma palavra grega estão os conceitos de aconselhar, exortar, consolar, fortalecer, interceder e estimular. 3 Todas estas ações só podem ser executadas por uma pessoa. Estas funções do Espírito em relação aos cristãos, bem como outras formas dele agir serão abordadas em maiores detalhes posteriormente. Diante do exposto, conclui-se que o Espírito Santo está muito longe de ser uma força, ou uma energia misteriosa, sendo, na realidade, uma pessoa. Uma pessoa que se entristece, que se alegra, que consola, que aconselha, que pode ser obedecida ou repudiada. Mais do que isso, uma pessoa com quem é possível se estabelecer um relacionamento real. Mas também não se pode esquecer de que, além de ser uma pessoa, o Espírito Santo não é menos do que Deus. Possui a mesma essência e atributos do Pai e do Filho. Logo, qualquer ensino ou doutrina que desconsidere sua deidade é falsa. Enfim, esta foi uma breve exposição acerca da natureza, ou seja, de quem de fato é a pessoa do Espírito Santo. Em seguida serão abordadas uma série de ações e funções práticas Dele na vida pessoal dos homens, em especial dos cristãos. 2 IVERSON, Dick. O Espírito Santo hoje. Trad. Marcos De Zan de Mattos Taveira. Portland, Oregon: Bible Temple Inc., 1976. p. 5. 3 RYRIE, Charles C. A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991. p. 1344. II. A ATUAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO NA SALVAÇÃO E REGENERAÇÃO DO HOMEM Uma das principais funções do Espírito Santo é sua obra ativa na salvação e conseqüente regeneração nas pessoas que crêem em Jesus como seu Salvador e Senhor. Assim sendo, vale a pena iniciar este estudo sobre ação do Espírito de Deus na vida dos cristãos descrevendo como é essa Sua primeira intervenção nas pessoas, que as leva a serem salvas e regeneradas pelo poder de Deus. 2.1 O Espírito Santo e a salvação A Bíblia é enfática em ensinar que só se torna cristão e só se obtêm a salvação mediante o “novo nascimento”. Jesus deixou bem claro que: “Ninguém pode entrar no Reino de Deus, se não nascer da água e do Espírito. O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito é espírito. Não se surpreendam pelo fato de eu ter dito: É necessário que vocês nasçam de novo”. (João 3:5-7). Ninguém é um cristão simplesmente porque os pais o são, ou mesmo porque segue uma série de ritos ou preceitos ensinados. Nem tampouco ninguém se converte ao genuíno cristianismo porque um dia, por si mesmo, decidiu adotar os princípios e práticas cristãs. Embora o novo nascimento e a salvação sejam decorrência de um ato de fé de qualquer pessoa (v. Atos 16:30-31, Romanos 10:9-13), esse ato de fé só é verdadeiro, possível e válido se antes houver uma genuína atuação do Espírito Santo no sentido de convencer o ser humano de sua real condição e conseqüente necessidade de um Salvador e Senhor. Jesus disse que “quando ele (o Espírito Santo) vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (João16:8). Primeiramente o Espírito Santo convence o homem do pecado. A Bíblia é clara em dizer que os descrentes estão cegos, insensíveis e endurecidos em relação à sua condição pecaminosa e de separação de Deus. O apóstolo Paulo escreveu: “Eles (os gentios) estão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por causa da ignorância que neles há, devido ao endurecimento dos seus corações. Essas pessoas, 6 tendo perdido toda a sensibilidade, entregaram-se à depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza”4 (Efésios 4:18-19 – negritos meus). Este texto deixa muito claro que em primeiro lugar o pecado “obscurece o entendimento”, ou seja, leva o homem a encarar de forma distorcida os seus atos pecaminosos e seu próprio conceito do que é certo e do que é errado, sem jamais chegar um entendimento correto da verdadeira natureza e conseqüências do pecado em sua vida e da sua necessidade de Deus. O resultado disso é que a consciência do homem vai sendo cada vez mais cauterizada. Já não existem padrões absolutos do bem e do mal, do certo e do errado, pois todos os absolutos foram relativizados através de conceitos e invenções humanas5. Isso é o “obscurecimento do entendimento.” Outra conseqüência do pecado que aparece em Efésios 4:18-19 é a “separação da vida de Deus”. Uma vez que os homens estejam entregues ao pecado, com um entendimento errado e obscurecido sobre isso, eles vivem completamente separados de Deus. Suas vidas nada têm em comum com a “vida de Deus”, ou seja, o estilo de vida que o Senhor projetou para cada um. Uma vez que seus valores são distorcidos e errados, suas práticas de vida também passam a ser distorcidas e erradas se comparadas aos padrões absolutos e imutáveis de Deus. Talvez estas práticas de vida sejam até relativamente boas se analisadas por uma ótica meramente humanista. Mas, aos olhos de Deus, sempre farão parte de um estilo de vida onde há total separação entre o homem e Ele. Por fim, o homem que está com seu entendimento obscurecido e separado da vida de Deus, acaba por ter seu coração “endurecido” e por “perder toda a sua sensibilidade”. Quando o homem chega nesse ponto, já não tem a menor consciência de sua necessidade de Deus. Seus conceitos já estão formados e ele acaba por se tornar totalmente insensível à realidade e conseqüências do pecado sobre sua vida. Para ele já não existe uma necessidade real de arrependimento, nem tampouco um desejo de mudar suas práticas erradas, que à essa altura já se tornaram normais e corretas dentro de seus conceitos e valores distorcidos. Sua consciência acaba por se tornar completamente cauterizada e insensível, num processo semelhante ao descrito pelo profeta Jeremias: “Pode acaso o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal”. (Jeremias 13:23). Jeremias fala de casos 4 Dentro do contexto desta passagem, o apóstolo Paulo exorta os cristãos da cidade de Éfeso a se absterem das práticas dos gentios pagãos, dos quais, no texto ora em questão, são descritas as conseqüências do seu pecado. 7 de pessoas em que a distorção de valores é tão grande que passou a ser algo normal, que já faz parte de sua natureza, como “a cor de um etíope” ou as “manchas de um leopardo”. É o que acontece com quem se torna endurecido em relação às coisas de Deus e insensível ao pecado e suas conseqüências. Em suas mais diversas formas, o estado dos que não crêem em Cristo como Senhor e Salvador é o acima descrito: obscurecidos em seu entendimento, separados da vida de Deus, endurecidos em relação às coisas do Senhor e insensíveis ao pecado. Nesse estado, qualquer tipo de persuasão ou técnica humana jamais poderá levar o homem a um arrependimento e conversão reais. É preciso que o Espírito Santo convença o homem de sua condição e de sua necessidade de arrependimento e de Deus. Isso é uma obra sobrenatural, que nenhum método humano poderá substituir. Bem disse J. Gresham Machen, citado por Billy Graham: “A atuação misteriosa do Espírito de Deus é indispensável no novo nascimento. Sem isto, todos os nossos argumentos são inúteis... O Espírito no novo nascimento não transforma uma pessoa num cristão passando por cima das evidências mas, pelo contrário, tira a neblina de diante de seus olhos, para que ele possa ver as evidências”. 6 Só é possível ao ser humano enxergar estas “evidências” e compreender seu estado de separação de Deus e culpa através da ação sobrenatural do Espírito Santo. Só é possível ao homem entender o que é o pecado em sua vida e as conseqüências destruidoras que ele traz através de um genuíno “abrir de olhos” operado pelo Espírito de Deus. Uma vez se sentindo assim, “desmascarado”7, por assim dizer, daí então o homem pode ser levado a uma real experiência de arrependimento, conversão a Deus e salvação. Além de convencer do pecado, segundo Jesus ensinou, o Espírito Santo convence o homem da justiça. Mais do que fazer com que o homem se conscientize da sua culpabilidade diante de Deus devido ao seu estado pecaminoso, o Espírito Santo mostra que há a possibilidade de ser justificado e perdoado de todos os pecados através da morte redentora de Jesus8. O Espírito convence o pecador da real possibilidade de ficar em paz D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que vive em nós. 3 ed. São José dos Campos: CLC Editora, 1993. p. 25. 6 MACHEN, J. Gresham, The Christian Faith in the Modern World. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Co., 1947, p. 63, citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 53. 7 RENNER, Rick, A dupla dinâmica: O Espírito Santo e você. Barra Funda: Editora Quadrangular, 1997. p. 130. 8 PFEIFFER. Charles F., HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody. Vol. 4. - Os Evangelhos e Atos. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1980. p. 221. 5 8 com Deus, confrontado-o a se apropriar disso através do arrependimento e da fé em Jesus.9 Uma vez que a pessoa dê esses passos, o Espírito Santo também a convence do seu estado de justificada diante de Deus. Agora já não há mais separação da vida de Deus, mas sim consciência real do perdão divino, verdadeira paz com o Senhor e certeza da salvação eterna. Concluindo, a possibilidade de ser aceito e perdoado por Deus com base na morte expiatória de Jesus, bem como a certeza de estar salvo, perdoado e justificado diante Dele após o arrependimento e o ato de fé em Cristo, são fatos dos quais somente o Espírito Santo pode convencer e testificar ao coração do homem, dando um real e autêntico significado à sua experiência de conversão e salvação. Finalmente, Jesus disse que o Espírito Santo convenceria o mundo do juízo. Além de convencer o homem de sua condição pecaminosa, bem como da provisão do Senhor para esta mesma condição, o Espírito também convence as pessoas do juízo de Deus. Embora Deus seja amoroso, a ponto de se fazer homem na pessoa de Jesus, que morreu por todos num sacrifício expiatório, aqueles que deliberadamente rejeitarem a oferta de arrependimento, conversão e salvação oferecida pelo Senhor e optarem por seguir o seu próprio caminho, continuando na sua insensibilidade ao pecado e na sua vida separada de Deus, estarão sujeitos ao juízo e à posterior condenação eterna. Cada um tem o livre arbítrio e todo o direito de escolher o que quer da vida. Se optar pela vida e pelo plano de Deus, uma eternidade com Deus o aguarda. Se optar em seguir o curso de sua vida separado de Deus, a condenação eterna, ou seja, uma eternidade separado de Deus o espera. Cabe ao Espírito Santo convencer o homem disso, de que suas atitudes e posições perante o Senhor terão uma conseqüência eterna e irreversível. E cabe a cada um, uma vez tendo sido convencido disso, optar por qual posição e atitude tomar. Em suma, antes da experiência de conversão e salvação propriamente dita, é necessário que haja um sobrenatural operar do Espírito Santo no sentido de convencer a pessoa de sua condição e da provisão de Deus para o seu estado. Esse operar do Espírito pode acontecer das mais diversas formas e nas mais diversas circunstâncias. Pode ser algo repentino ou um processo lento de conscientização. Uma vez que alguém foi convencido e confrontado pelo Espírito de Deus, chega o momento de se tomar uma posição. Chega o momento de crer em Jesus como seu Senhor e Salvador, e então ter uma experiência genuína com Deus. Quando se toma essa posição, o milagre da conversão, salvação ou 9 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 26. 9 novo nascimento acontece. Nesse momento o Espírito Santo sela a pessoa, passando a habitar permanentemente nela. Além disso, o Espírito Santo passa a ser o “penhor”10 da salvação do crente, ou seja, a garantia absoluta da salvação e redenção eterna, provando não só que o cristão está salvo, mas também garantindo que um dia Jesus voltará e o tomará como propriedade exclusiva sua.11 Tanto o fato do Espírito Santo selar o cristão, passando a habitar nele, como o fato do Espírito se tornar o penhor de sua salvação estão explanados em Efésios 1:13-14: “(...) tendo nele (no evangelho)12 crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa; o qual é o penhor da nossa herança, para redenção da possessão de Deus, para louvor e glória”. Uma vez habitando no cristão, o Espírito Santo testemunha ao crente que ele é filho de Deus. Quando alguém tem sua experiência de conversão, passa de criação de Deus a filho de Deus. “(...) aos que creram no seu nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem pela vontade do homem, mas nasceram de Deus.” (João 1:12-13). Essa consciência de agora ser filho, nascido de Deus, não é algo que é aprendido ou colocado na cabeça do cristão através de um condicionamento mental, 13 mas provém do testemunho interior e sobrenatural do Espírito Santo, que dá ao crente plena convicção de sua nova natureza, a natureza de alguém gerado por Deus. A Bíblia fala deste testemunho do Espírito em Romanos 8:16: “O próprio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de Deus.”. A conseqüência desse testemunho é o fato do cristão poder então viver um relacionamento íntimo com Deus, chamando o de Pai. “Pois vocês não receberam um espírito que os escravize para novamente temer, mas receberam o Espírito que os adota como filhos, por meio do qual clamamos: Aba, Pai” (Romanos 8:15). O termo “Aba” é aramaico e significa “Pai”. Era a palavra empregada por Jesus quando ele se referia ao Pai celestial. Combinada com termo grego que é traduzido por “Pai” (gr. pater), expressa grande intimidade, profunda emoção, afeto e confiança do cristão pelos quais o cristão clama a Deus.14 Essa intimidade, sentimento e certeza real de filiação do crente para com o Senhor são obras exclusivas do Espírito Santo. Não podem sem produzidos sem que haja uma genuína experiência de salvação e conseqüente testemunho pessoal do Espírito do 10 Penhor é qualquer coisa deixada como garantia de que se vai voltar para efetuar o pagamento. D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 28. 12 No ato de “crer no evangelho”, está implícita a confiança em Jesus como único e suficiente Salvador e Senhor. 13 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 33. 14 STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Deerfield, Flórida: CPAD, 1995, p. 1799. 11 10 Senhor. João Wesley descreveu de maneira concisa, através de sua própria experiência pessoal, o que de fato é esse testemunho interno e sobrenatural do Espírito Santo ao cristão: “É difícil achar palavras na língua humana para explicar as profundas coisas de Deus. Na verdade não há ninguém que possa expressar adequadamente o que o Espírito de Deus opera em seus filhos. Mas... pelo testemunho do Espírito Santo, quero dizer, por uma impressão interior, o Espírito de Deus fala ao meu espírito imediata e diretamente que eu sou filho de Deus; que Jesus Cristo me amou e deu a Si mesmo por mim; que todos os meus pecados foram apagados e eu, até mesmo eu, estou reconciliado com Deus.” 15 Concluindo, o Espírito Santo tem um papel ativo e fundamental no processo de conversão, salvação ou novo nascimento do homem. Esse papel se dá no convencimento do homem de seu estado de alienação de Deus, bem como na experiência de salvação propriamente dita, quando então o Espírito sela o crente, passa a ser sua garantia da futura redenção, e testifica interiormente acerca da sua nova condição de filho do Senhor. 2.2 O Espírito Santo e a regeneração Após o experiência de conversão, um milagre acontece. Sendo agora um filho de Deus, o homem que anteriormente estava num estado de separação do Senhor, vivendo uma vida onde reinavam o pecado e seus valores distorcidos, agora passa a ser uma nova pessoa, com conceitos e práticas de vida completamente diferentes dos quais tinha em sua antiga condição. Isso é claramente descrito em 2 Coríntios 5:17: “Quando alguém se faz cristão, torna-se uma pessoa totalmente nova por dentro. Já não é mais a mesma. Teve início uma nova vida!” (A Bíblia Viva). Esse processo de transformação da velha para a nova pessoa é chamado de regeneração e se dá através do Espírito Santo, consoante o disposto em Tito 3:4-6: “Mas quando se manifestaram a bondade e o amor pelos homens da parte de Deus, nosso Salvador, não por causa de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar regenerador e renovador do Espírito Santo (...)” (negrito meu). WESLEY, John, A Compend of Wesley’s Theology, eds. Burtner e Chiles. Nashville: Abingdon Press, 1954. p. 95, citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 78 15 11 Assim como a autêntica salvação, que, como já foi visto, só é possível mediante um operar sobrenatural do Espírito Santo, o processo de regeneração também só acontece genuinamente através de uma operação semelhante. Ninguém é regenerado por ser persuadido a adotar uma conduta nova em sua vida. Embora o cristão precise sempre tomar posições morais definidas em relação à vontade e aos preceitos de Deus, a transformação em si só se dá através do poder do Espírito Santo. Bem disse Asahel Nettleton: “(...) uma pessoa se torna um verdadeiro crente por meio de uma especial aplicação de poder por parte do Todo-poderoso, a fim de mudar seu coração. (...) Na verdade, meus amigos, onde mais podemos encontrar a fonte de uma mudança que nos torna verdadeiros cristãos e nos traz da morte para a vida, senão na onipotência do Espírito Santo? É o nosso entendimento que realiza esta mudança? Mas nosso entendimento está em trevas - “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus... e não pode entendê-las” (1 Co 2.14). É a nossa vontade? Somos inclinados para o mal, assim como dois e dois são quatro. Nossas vontades são perversas e rebeldes. É o nosso poder? Cristo morreu pelos ímpios, que estão sem poder. (...) São os ministros de Deus que nos convencem? Alguns podem semear a Palavra, e outros regá-la, mas a germinação é realizada por Deus”. 16 Vale ainda citar as palavras de Cáio Fábio: “Qualquer outra perspectiva de fazer o novo homem sem um encontro radical, essencial, revolucionário e dramático com Espírito é totalmente utópica e fadada ao fracasso.”17 Uma vez regenerado pelo Espírito de Deus, a conduta e a vida do homem tomam um rumo radicalmente diferente. Como já foi dito, ele passa a ser uma nova pessoa. Essa nova natureza traz fortes mudanças práticas em sua vida. A partir do momento em que ocorre a genuína regeneração, o cristão é liberto da escravidão do pecado (v. João 8:34-36 e Romanos 6:14-23) e possui desejo e disposição espiritual de obedecer a Deus e seguir a direção do Espírito.18 Esse desejo e essa disposição espiritual também fazem parte da obra do Espírito Santo na regeneração. Romanos 8:5-6, 9 diz: “Os que vivem segundo a carne têm suas mentes voltadas para o que a carne deseja; mas os que vivem de acordo com o Espírito têm suas mentes voltadas para o que o Espírito deseja. A inclinação da carne é morte, mas a inclinação do Espírito é vida e paz; (...) Entretanto, vocês não estão sob o domínio da carne, mas do Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vocês. E, se alguém não tem o Espirito de Cristo, não pertence a Cristo.” 16 NETTLETON, Asahel in Regeneração, Revista Fé para Hoje n.º 5, ano 2000, Ed. Fiel, São José dos Campos. págs. 11, 16 e 17 (grifo meu). 17 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 27. 18 STAMPS, Donald C., op. cit., p. 1576. 12 A partir do momento em que o Espírito Santo passa a habitar no homem, sua orientação, desejos e inclinações já não são mais os mesmos do que os da velha vida. Ele já não é mais endurecido em relação ao Senhor. Pelo contrário, passa a desejar conhecer mais e mais sobre Ele. O novo homem também já não é mais insensível em relação ao pecado. Agora sua vontade é evitar tudo o que diz respeito às suas antigas práticas erradas, pois sua mente já não é mais voltada para o que “a carne deseja” e sim para a “inclinação do Espírito”. O pecado agora não é mais a sua prática habitual, pois uma vez tendo sido salvo e transformado por Deus, o verdadeiro cristão almeja sinceramente agradar ao Senhor em tudo. E em conjunto com isso, o próprio Espírito Santo capacita o crente sincero a viver esse novo estilo de vida. É claro que muitas das mudanças ocorrem com o tempo. Essa reorientação da conduta prática de vida não é algo instantâneo, mas sim um longo processo. E nesse processo, o Espírito tem o papel fundamental de guiar, ensinar e capacitar o cristão a ter sua vida cada vez próxima dos padrões projetados por Deus. Enfim, não existe novo nascimento, nova criatura e transformação de vida genuínos sem um operar único e sobrenatural do Espírito Santo no homem. Qualquer doutrina que minimize o papel da terceira pessoa da Trindade no que concerne à salvação e à regeneração é falsa. Sem a atuação e o poder do Espírito, não existe salvação, nem regeneração, muito menos uma mudança espontânea e natural de conduta. III. EXPERIÊNCIAS DO CRISTÃO COM O ESPÍRITO SANTO APÓS A CONVERSÃO, SUAS CONSEQÜÊNCIAS E IMPLICAÇÕES Como já foi visto no capítulo anterior, o Espírito Santo passa a habitar no crente no exato momento de sua conversão, selando-o e regenerando-o. Todavia, segundo a Bíblia ensina, o Espírito tem muito mais para o cristão após sua conversão. Para se viver um cristianismo em plenitude, para se ter uma vida cristã autêntica, como Deus quer e projetou que seja, são necessárias muito mais experiências com o Espírito Santo após o novo nascimento. Jamais um cristão saberá e experimentará o que de fato é a santificação sem a atuação do Espírito. Jamais um cristão será uma testemunha eficaz de Jesus ao mundo sem a manifestação contínua e sobrenatural do Espírito Santo em sua vida. Jamais um cristão refletirá a imagem de Jesus e a glória de Deus em sua vida sem que esta seja permeada de experiências profundas com o Espírito do Senhor. Existe uma diferença gigantesca entre o cristão cheio do Espírito e o cristão em que o Espírito tem liberdade apenas para habitá-lo, inerte, com muito pouca ou nenhuma atuação prática. Enfim, uma coisa é ter o Espírito Santo, outra coisa é estar cheio Dele. Neste capítulo será abordada a necessidade de posteriores e contínuas experiências do cristão com o Espirito de Deus, bem como as evidências e conseqüências destas experiências e como obtê-las. 3.1 A realidade e a necessidade do batismo ou plenitude no Espírito Santo Existem muitas discussões nos círculos evangélicos sobre a terminologia a ser utilizada ao descrever as experiências com o Espírito Santo posteriores à conversão. Uns chamam esse tipo de experiência de “batismo no Espírito Santo.” Outros preferem usar a expressão “plenitude do Espírito Santo.” Como o propósito desta obra não é discutir as razões de cada linha de pensamento, e como não se pode, em hipótese alguma, sistematizar a ação do Espírito de Deus, condicionando sua ação à formas pré-determinadas por conceitos humanos, não vamos nos ater a nenhuma terminologia em si. Serão usadas expressões como “enchimento com o Espírito Santo”, ou mesmo “plenitude do Espírito”, por parecerem mais de acordo com o ensino bíblico, o que de forma alguma anula ou desconsidera o pensamento pentecostal que utiliza a expressão “batismo no Espírito 14 Santo.” Como disse Billy Graham, “o nome que damos ao fato é menos importante que sermos mesmo cheios do Espírito.”19 Para se viver o evangelho em plenitude e para que se possa ser uma testemunha eficaz de Jesus, são absolutamente necessárias experiências pós-conversão com o Espírito Santo. Isso fica muito claro quando Jesus disse aos discípulos: “Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra.” (Atos 1:8). Cabe ressaltar que, embora os discípulos devessem esperar esse enchimento do Espírito descrito por Jesus (v. Atos 1:4-5), naquele momento o Espírito Santo já habitava neles. Antes do evento relatado no livro de Atos, logo após a sua ressurreição, Jesus concedeu o Espírito de Deus aos apóstolos na cena descrita em João 20:22: “E com isso, soprou sobre eles e disse: recebam o Espírito Santo”. Nesse texto, a palavra grega traduzida por “soprou” (emphusao) é o mesmo verbo usado na Septuaginta20 em Gênesis 2:7, onde Deus “soprou em seus narizes (de Adão) o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente.” É o mesmo verbo encontrado em Ezequiel 37:9: “(...) assopra sobre estes mortos para que vivam”. Esse uso do verbo pelo evangelista João mostra que Jesus, ao conceder o Espírito Santo aos discípulos, estava-lhes produzindo nova vida e nova criação. 21 Além disso, na mesma frase, o verbo “recebam” está no aoristo imperativo (gr. lebete do verbo lambano), o que denota um ato único de recebimento. 22 Esse recebimento, tal como o recebimento do Espírito Santo pelo cristão no momento da conversão, antecede o enchimento ou plenitude do Espírito de Deus, que é uma experiência diferente e posterior à regeneração. O cumprimento da promessa de Jesus do derramamento do Espírito Santo é descrito em Atos 2:1-4: “Chegando o dia de Pentecoste, estavam todos reunidos num só lugar. De repente veio do céu um som, como de um vento muito forte, e encheu toda a casa na qual estavam assentados. E viram o que parecia línguas de fogo, que se separaram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava.”. Embora o Espírito já habitasse nos discípulos, foi necessária uma experiência mais profunda com Ele, para que eles fossem capacitados a serem testemunhas eficazes por “Jerusalém, Judéia, Samaria e até os confins da terra”, o que de fato aconteceu, como se vê em todo o restante do livro de Atos. 19 GRAHAM, Billy. O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 98. 20 Tradução grega do Antigo Testamento. 21 STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Deerfield, Flórida: CPAD, 1995. p. 1613. 15 Jamais o cristianismo teria sido difundido com tanta eficácia se os apóstolos e a igreja primitiva como um todo não tivessem tido uma vida cheia do Espírito Santo e de seu poder. Da mesma forma, se o cristão nos dias de hoje limitar a ação da terceira pessoa da Trindade apenas ao momento de sua conversão e regeneração, sem experimentar novas e mais profundas experiências de enchimento e plenitude do Espírito de Deus, jamais viverá o evangelho em toda a sua essência e jamais será uma testemunha eficaz de Jesus. É possível para o crente viver uma vida religiosa, freqüentar cultos, ter atividades na igreja e até mesmos exercer ministérios sem estar cheio do Espírito Santo. No entanto é impossível para o cristão experimentar o sobrenatural de Deus, levando uma vida onde, muito além de uma religiosidade e práticas formais, existe um profundo relacionamento com o Senhor e um contínuo manifestar Dele através de seu viver, sem que exista uma autêntica plenitude do Espírito. Finalmente, é bom frisar que, ao contrário do que muitas vezes é ensinado por certas correntes evangélicas, o enchimento do Espírito Santo está muito longe de se limitar a ser uma espécie de “segunda bênção”. No livro de Atos, após a experiência pentecostal dos cristãos, estes receberam repetidas vezes posteriores enchimentos do Espírito, o que pode ser exemplificado em Atos 4:31: “Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus” (Atos 4:31). Como se vê, a experiência do dia de Pentecostes não foi única e definitiva, mas se fizeram necessários outros momentos de plenitude no Espírito de Deus para que os crentes continuassem vivendo a sua fé abundantemente. Efésios 5:18 diz: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito”. (negrito meu). É interessante notar que no texto original grego o verbo “enchei-vos” dá a idéia de continuidade, sendo que uma tradução literal poderia ser: “Encham-se e continuem se enchendo do Espírito de Deus”.23 Com isso chega-se à conclusão de que a vida cheia do Espírito é, na realidade, um estilo de vida a ser adotado continuamente e com cada vez mais profundidade pelo cristão. Concluindo, a ação do Espírito Santo na vida do crente vai muito além do que acontece no momento de sua conversão e também é muito mais do que uma segunda experiência de enchimento com o Espírito. O cristão deve buscar mais e mais experiências com o Espírito de Deus, no sentido de estar sempre pleno de sua presença e poder, assim se 22 23 Ibid., p. 1613. GRAHAM, Billy, op. cit., p. 96. 16 tornando, como Jesus disse, “uma fonte da água viva que jorra para a vida eterna” (v. João 4:13-14 e 7:38), ou seja, alguém que vive sua fé em abundância e também é instrumento do Senhor para que outras vidas sejam abençoadas. 3.2 As evidências imediatas da plenitude no Espírito Santo Como já foi dito, não se pode sistematizar a ação do Espírito Santo e as experiências com Ele. No entanto, muitos cristãos têm buscado experiências com o Espírito que devem ser acompanhadas por evidências imediatas, de preferência algum tipo de manifestação visível e sobrenatural, caso contrário estas mesmas experiências não são válidas. Isso tem ocasionado muitos problemas na Igreja, chegando até mesmo a dividir os crentes, além de muitas vezes minimizar e condicionar o ministério do Espírito do Senhor a muito menos do que Ele realmente é, e do que Ele tem para os cristãos. Muitas vezes as ditas “manifestações do Espírito” são mais enfatizadas e mais buscadas do que a própria pessoa do Espírito Santo. Uma experiência de enchimento com o Espírito de Deus é algo muito sério e muito profundo. Não traz meras manifestações puramente emocionais, sensacionalistas e superficiais. Antes, gera uma profunda consciência da presença de Deus, bem como um profundo senso de temor ao Senhor. Embora não se possa, de forma alguma, determinar exatamente como sejam as evidências da plenitude do Espírito Santo, o fato é que existe uma infinita diversidade de experiências e reações dos cristãos ante uma real presença e manifestação do Espírito do Senhor. Pode ser uma experiência espiritual maravilhosa, com um sentimento indescritível da presença de Deus, como também pode ser um momento em que se está sendo cheio, sustentado e capacitado pelo Espírito Santo, sem que haja sensação alguma. Como já vimos, quando os discípulos de Jesus foram cheios do Espírito pela primeira vez “começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito os capacitava” (Atos 2:4). O manifestação destas línguas foi o sinal do derramamento do Espírito Santo que acabara de ocorrer. No caso do apóstolo Paulo (também conhecido como Saulo), a sua primeira experiência de enchimento com o Espírito de Deus foi um pouco diferente. Eis o que a Bíblia diz: “Então Ananias foi, entrou na casa, impôs as mãos sobre Saulo e disse: “Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que lhe apareceu no caminho por onde você vinha, enviou-me para que você volte a ver e seja cheio do Espírito Santo” (Atos 9:17 – negrito meu). Se olharmos o contexto desta passagem, podemos chegar à conclusão 17 de que o apóstolo Paulo, naquele momento, já havia crido em Jesus (logo, já havia sido selado com o Espírito), para então ter a sua primeira experiência de enchimento com o Espírito Santo. Como a Bíblia mostra, esse enchimento não foi acompanhado de nenhum sinal sobrenatural e nem por isso foi menos válido do que a experiência dos apóstolos no dia de Pentecostes. Além da evidência bíblica, a diversidade das reações dos cristãos ao serem tomados pelo Espírito Santo encontra esteio no decorrer da história do cristianismo, nas experiências diversas que muitos homens de Deus tiveram com a terceira pessoa da Trindade. Vale a pena descrever algumas destas experiências. Primeiramente a experiência de R. A. Torrey, que experimentou o enchimento do Espírito Santo após vários anos de ministério, descrita por ele mesmo, citada por Watchman Nee: “Recordo-me do lugar exato onde estava ajoelhado, em oração, no meu escritório... Foi um momento de muito silêncio, um dos momentos de maior quietude que já conheci... Então Deus disse-me, simplesmente, não numa voz audível, mas no meu coração: “É teu, agora vai e prega”. Deus já dissera a mesma coisa em 1 João 5:14-15; mas, a essa altura, eu não conhecia a minha Bíblia como a conheço agora, por isso Ele teve compaixão da minha ignorância e disse-a diretamente à minha alma. Fui e preguei, e, a partir daquele dia até hoje, tenho sido um ministro novo... Algum tempo depois desta experiência (não fui habituado a clamar alto e não tenho um temperamento caracterizado para louvar a Deus em voz alta, mas agora o fiz como os metodistas que mais gritavam), “Glória a Deus, glória a Deus, glória a Deus”, e não podia deter-me... Mas não foi então que fui batizado com o Espírito Santo. Fui batizado com o Espírito Santo quando O recebi pela simples fé na Palavra de Deus”. 24 Como se vê, Torrey tinha consciência que o Espírito Santo já habitava nele desde sua conversão. Mas sua vida e seu ministério mudaram quando ele recebeu a plenitude do Espírito de Deus. Vale também mencionar a experiência de D. L. Moody, também citada por Watchman Nee: “Clamava continuamente a Deus para que me enchesse do Seu Espírito. Certo dia, na cidade de Nova Iorque, - oh, que dia! - não posso descrevê-lo, raramente me refiro a ele; é uma experiência demasiado sagrada para se falar dela. Paulo teve uma experiência de que nunca falou durante quatorze anos. Apenas posso dizer que Deus Se revelou a mim, e tive do Seu amor uma experiência tal qual que fui obrigado a pedir-Lhe que detivesse a Sua mão. Voltei a pregar. Os sermões não eram diferentes; não apresentei quaisquer verdades novas e, contudo, centenas converteram-se. Não queria voltar à posição em que 24 NEE, Watchman. A vida cristã normal. São José dos Campos: Editora Fiel, 1993. p. 90. 18 me encontrava antes daquela bendita experiência, ainda que me dessem o mundo inteiro, este seria para mim como a poeira mais leve da balança”. 25 Finalmente, segue a descrição da experiência de Duncan Campbell, descrição essa feita por Wesley L. Duewel: “Em abril de 1918, sangrando profusamente em virtude de ferimentos quase fatais em uma das últimas cargas de cavalaria da Primeira Guerra Mundial, Duncan Campbell foi atirado sobre um cavalo para evacuação e tratamento. Ele fez a famosa oração de McCheyne: “Senhor, torna-me tão santo quanto um pecador salvo pode ser”. Instantaneamente sentiu o grande poder de Deus, como um fogo purificador, varrendo todo o seu ser. A presença e o poder de Deus eram tão reais que ele julgou estar indo para o céu. Enquanto permanecia deitado numa padiola entre os feridos na Seção de Emergência, citou, no idioma gaélico das regiões montanhesas da Escócia, a versão métrica do Salmo 103, tão amado pelos escoceses. Dentro de minutos a poderosa convicção do Espírito Santo caiu sobre os outros feridos, e sete canadenses nasceram de novo no mesmo instante. A seguir, um a um começou a testemunhar. Duncan havia descoberto o segredo do poder sobrenatural do Espírito Santo. A partir de então e até a sua morte, teve um desejo consumidor de Deus, do Seu reavivamento e da manifestação de poder”. 26 Enfim, foram apenas três exemplos, dentre muitos outros mais, da manifestação real do Espírito na vida de cristãos. Se considerarmos estas experiências em conjunto com as experiências bíblicas de derramamento do Espírito Santo, veremos que não existe um padrão único e formal de evidências ao se receber a plenitude do Espírito. Foram descritas experiências, manifestações e reações diferentes, mas que em sua essência são exatamente a mesma coisa:27 um enchimento real, sobrenatural e transformador do Espírito Santo de Deus. Como vimos também, esse enchimento trouxe conseqüências drásticas sobre cada um dos cristãos que o experimentou. Sobre esta conseqüências, falaremos no próximo tópico. 3.3 As conseqüências permanentes da genuína plenitude no Espírito Santo Como vimos, a plenitude do Espírito Santo é uma experiência real e necessária para o cristão. Pode ser acompanhada de uma série de evidências imediatas e mesmo de manifestações sobrenaturais. No entanto, muito mais do que produzir estas evidências e manifestações momentâneas, um genuíno enchimento com o Espírito deve produzir 25 26 27 Ibid., p. 91. DUEWEL, Wesley L. Em chamas para Deus. São Paulo: Editora Candeia, 1996. p. 63-64. NEE, Watchman, op. cit., p. 91. 19 conseqüências profundas e permanentes na vida do cristão. De nada vale experimentar uma série de manifestações emocionais, muitas vezes tomadas como que sendo “sobrenaturais” e, após isso, ser exatamente a mesma pessoa, sem que haja um real aprofundamento em sua vida espiritual. Considerando isso, será dada uma descrição das conseqüências e implicações que uma vida cheia do Espírito Santo traz, conseqüências e implicações estas que, muito mais do que as evidências imediatas, verdadeiramente autentificam uma experiência de plenitude no Espírito de Deus. Uma destas conseqüências pode ser clara e imediatamente notada nos apóstolos após serem cheios do Espírito. Pouco antes desta experiência, eles perguntaram a Jesus: “Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino de Israel?” (Atos 1:6). Naquele momento, os discípulos já haviam sido muitas vezes ensinados por Jesus sobre a natureza do Reino de Deus. Segundo o próprio Jesus os ensinou, Ele não era o Messias político, que todos, inclusive eles, esperavam, e que haveria de libertar a Judéia do domínio do Império Romano. A natureza do seu Reino era muito diferente disso. Jesus deixou isso muito claro. O seu reino, como Ele mesmo disse, “não era deste mundo” (v. João 18:36). Seus propósitos eram muito mais elevados do que estabelecer um reino meramente político e humano. O reino de Cristo é o seu senhorio nas vidas e nos corações de todos aqueles que ouvem a verdade o obedecem28 (v. João 18:37), o que traz conversão, transformação de vida e salvação aos homens. Todavia, como o texto de Atos deixa claro, os discípulos de Jesus tinham ouvido tudo sobre a natureza do Reino de Deus e não tinham entendido nada. Continuavam com sua mente e propósitos nas coisas deste mundo. Quando eles foram cheios do Espírito Santo, a sua visão e entendimento do que é o Reino de Deus mudou radicalmente. A partir de então, o propósito de vida deles tomou outro rumo. Se antes eles só pensavam na restauração política de Israel, agora o que mais importava para eles era a salvação dos homens, o cumprimento da ordem de Jesus de “ir e pregar o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15). Enfim, eles deixaram de enxergar as coisas com a sua ótica humana e egoísta, passando a enxergá-las da ótica de Deus. Bem disse A. W. Tozer: “O cristão espiritual é também aquele que tudo observa sob o ponto de vista de Deus. A capacidade de pesar tudo na balança divina e dar-lhes o mesmo valor dado por Deus, é o sinal de uma vida cheia do Espírito.”29 28 STAMPS, Donald C., op. cit., p. 1609. TOZER, A. W. O melhor de A. W. Tozer: Seleções prediletas dos livros de um profeta de hoje. 3 a ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1997. p. 100. 29 20 Também é notória a transformação do caráter e mesmo do temperamento dos discípulos de Jesus. Nos relatos encontrados nos evangelhos, como bem descreveu Philip Yancey, muitas vezes os apóstolos se comportavam como “alunos mal-educados”.30 Ás vezes discutiam sobre “quem é o maior” (v. Marcos 9:34), sem compreender de fato o que Jesus queria ensinar. Humanamente falando, não tinham nada em si mesmos que os capacitasse a levar adiante a obra de Deus. Mas o fato é que após a sua experiência com o Espírito do Senhor, eles foram completamente transformados e capacitados. De um bando de homens confusos e de difícil entendimento, os discípulos foram transformados em agentes de Deus no mundo. Foram instrumentos poderosos nas mãos do Senhor. Quem diria que o impulsivo e inconstante Pedro poderia escrever coisas tão tremendas e profundas em suas epístolas (1 e 2 Pedro) ? Ou que João, apelidado de “filho do trovão” (v. Marcos 3:17) por Jesus devido ao seu temperamento explosivo, viria a ser chamado posteriormente de “discípulo do amor”? Transformações deste cunho, que envolvem uma compreensão maior, melhor e mais profunda do reino e das coisas de Deus, bem como uma mudança de propósitos, caráter e ações são conseqüências indispensáveis de uma genuína plenitude no Espírito Santo de Deus. Além disso, como já foi visto, foi dada aos discípulos uma capacitação sobrenatural do poder de Deus para o exercício do ministério. Após o derramamento do Espírito Santo, nota-se claramente em todo o transcorrer restante do livro de Atos que o ministério da igreja primitiva foi marcado por sinais e maravilhas do poder de Deus. Mais do que isso, a igreja era controlada, dependente e capacitada pela pessoa do Espirito Santo. As conversões aconteciam em massa (v. Atos 2:41, 4:4) e, com decorrer do tempo, o evangelho se expandiu para outras regiões, tais como Samaria, Fenícia, Chipre e Antioquia, dentre outras mais. Com isso, que foi apenas uma exposição breve e concisa da ação do Espírito Santo no ministério dos cristãos primitivos, conclui-se que outra conseqüência do enchimento real com o Espírito, que vai além das evidências e manifestações imediatas, é a capacitação sobrenatural para que o cristão seja uma testemunha de Jesus e venha a exercer seu ministério de maneira efetiva. Embora nem sempre esta capacitação venha a ser caracterizada pelo porte e pela forma como se deu no relato de Atos, o fato é que qualquer ministério, de qualquer cristão, que não seja marcado pelo poder sobrenatural do Espírito Santo jamais produzirá frutos genuínos e alcançará o verdadeiro propósito do evangelho. Pode-se pregar, pode testemunhar, pode-se louvar, 30 YANCEY, Philip. O Jesus que eu nunca conheci. São Paulo: Editora Vida, 1998. p. 106. 21 pode-se fazer tudo isso e muito mais sem a presença do Espírito, o que resultará numa religiosidade estéril e vazia em si mesma. Um dos propósitos de Deus, ao encher o cristão com o Espírito Santo, é derramar do Seu poder capacitador e sobrenatural. Como disse Wesley L. Duewel: “Deus quer que tenhamos novamente a experiência da mão dEle sobre nós, acrescentando a Sua dimensão divina sobre o que possuímos de melhor em termos humanos. Deus quer que aprendamos uma nova dependência da Sua capacitação, Sua presença e Seu poder.” 31 O resultado dessa capacitação sobrenatural são os dons do Espírito Santo dados aos cristãos, acerca dos quais falaremos em maiores detalhes mais adiante. Além de tudo isso, a verdadeira plenitude do Espírito resultará num relacionamento em maior profundidade com Deus, o que trará como conseqüência uma vida de oração mais intensa, um apreço e um amor maior pelas Escrituras 32, bem como um estilo de vida marcado por uma autêntica santidade, livre de qualquer tipo de legalismo ou formalidade religiosa, produzido em nós através do fruto do Espírito, ou seja, o resultado da presença e atuação do Espírito de Deus na vida do cristão33, que é descrito em Galátas 5:22-23: “Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio”. Posteriormente serão dados mais pormenores em relação às características que compõem o fruto do Espírito Santo. Concluindo, o genuíno enchimento com o Espírito do Senhor vai muito além de uma manifestação especial momentânea, levando o cristão a ter um relacionamento mais profundo com Deus, a ter sua vida marcada pela santidade e a ser capacitado sobrenaturalmente pelo poder do Espírito para o ministério. Qualquer suposta plenitude do Espírito Santo que ofereça menos do que isso é falsa. 3.4 Como ser cheio do Espírito Santo De nada adianta falar sobre quem é o Espírito Santo e explanar a sua atuação na vida do cristão sem dar nenhuma diretriz, em termos práticos, para que se possa experimentar a sua plenitude. Desde já é bom deixar claro que não existe uma “fórmula mágica”, um padrão único para que o crente seja cheio do Espírito. No entanto, a Bíblia 31 DUEWEL, Wesley L. op. cit., p. 37. STAMPS, Donald C., op. cit., p. 1653. 33 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que vive em nós. 3 ed. São José dos Campos: CLC Editora, 1993. p. 57. 32 22 nos fornece alguns princípios que ajudam a entender melhor qual é a parte do cristão no processo de obter a plenitude do Espírito Santo. Primeiramente é preciso saber que é da vontade de Deus que cada cristão seja cheio do Espírito. Jesus disse: “Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai que está no céu dará o Espírito Santo a quem o pedir!” (Lucas 11:13). A. W. Tozer escreveu: “A vida cheia do Espírito não é uma edição de especial, de luxo, do cristianismo. Ela faz parte do plano total de Deus para o seu povo.”34 De fato, a vontade e plano de Deus é que cada cristão seja cheio do Espírito Santo. Esse enchimento não está restrito a uma classe especial de pessoas, mas está à disposição de todo crente, independente do seu tempo de conversão, grau de conhecimento ou de qualquer outra coisa. A plenitude do Espírito Santo não só é da vontade de Deus, mas é uma ordem encontrada nas Escrituras. Como já foi visto, a Bíblia diz em Efésios 5:18: “enchei-vos do Espírito”. Também já foi visto que o verbo “enchei-vos”, no texto grego original dá a idéia de uma ação contínua. Com isso, chega-se à conclusão de que o Senhor quer que cada cristão experimente um processo contínuo de plenitude do Espírito Santo. Uma vez sabendo que o desejo de Deus é que o crente seja cheio do Espírito Santo, cabe a cada um pedir o seu enchimento ao Senhor. O próprio Jesus deixou isso bem claro no texto do Evangelho de Lucas anteriormente citado. No entanto, não se pede o Espírito como se estivesse pedindo uma coisa qualquer. Ser cheio do Espírito de Deus é algo muito sério e não pode ser tratado de forma leviana. Primeiramente o cristão precisa saber o quanto necessita do Espírito para que possa viver o evangelho em plenitude. Também é necessário que o cristão almeje mais e mais de Deus, tendo verdadeira sede de uma vida e de uma comunhão mais profunda com Ele, não se conformando, em hipótese alguma, com uma religiosidade mecânica, monótona e superficial, achando que o cristianismo é apenas isso. Finalmente, cabe ao crente ter uma disposição a fazer uma entrega total de seu ser ao Espírito Santo. Isso envolve seriedade em sua vida prática com Deus. Ninguém que transija com práticas mundanas, ninguém que não almeje pureza de coração e santidade está apto a ser cheio do Espírito de Deus. Muito pelo contrário, cristãos que praticam tais coisas entristecem o Espírito Santo (v. Efésios 4:30), o deixam com ciúmes (v. Tiago 4:5) e por fim o extinguem (v. 1 Tessalonicenses 5:19), deixando-o inerte em suas vidas, passando então a serem crentes carnais, que têm suas ações 34 TOZER, A. W. op. cit., p. 177. 23 semelhantes às de pessoas mundanas (v. 1 Coríntios 3:1-4), o que está muito distante de um estilo de vida cheio do Espírito. Concluindo, para ser cheio do Espírito Santo basta pedir. Só que é necessário que em conjunto com a petição haja um anelo sincero em servir a Deus em integridade, sede em experimentar a plenitude do Senhor em sua vida, seriedade no que diz respeito ao pecado e real disposição em fazer uma consagração total do seu ego e de sua vida a Deus. Uma vez estando nestas condições e pedindo o enchimento do Espírito, o cristão poderá entender as seguintes palavras de Jesus: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como disse a Escritura, de seu interior fluirão rios de água viva” (João 7:37-38). Quanto às provas e evidências de que se foi cheio do Espírito Santo, como já foi dito, é uma questão onde não se pode sistematizar nada. Podem ocorrer manifestações especiais, como pode não acontecer nada que chame a atenção. O fato é que se a plenitude do Espírito Santo ocorrer, com o tempo o cristão verá os seus resultados e conseqüências e também terá cada vez mais e mais sede de estar sendo continuamente cheio Dele, sendo que a busca desse enchimento será uma constante em sua vida. IV. OS DONS DO ESPÍRITO SANTO Os dons do Espírito Santo são capacitações sobrenaturais dadas por Deus aos crentes para o exercício do serviço cristão, no sentido de edificar e fortalecer a igreja e de expandir o evangelho. Existem algumas listas e alusões aos dons do Espírito na Bíblia, quais sejam: Romanos 12:6-8, 1 Coríntios 7:7, 1 Coríntios 12 a 14, Efésios 4:11-13 e I Pedro 4:10-11. Convém ressaltar que os dons não são meros talentos humanos, nem mesmo habilidades humanas ativadas pelo Espírito Santo. Embora Deus use talentos naturais, a verdadeira função dos dons do Espírito excede os talentos próprios do homem, funcionando pela influência e operação sobrenaturais e especiais do Espírito de Deus.35 4.1 O propósito e a diversidade dos dons do Espírito Santo Também é bom frisar que é Deus quem dá, como quer, pela sua graça, os dons aos cristãos. Nem todos têm os mesmos dons e, às vezes, a mesma quantidade de dons. Isso depende exclusivamente de Deus, embora possamos desejar outros dons e até pedir por eles, sendo que só seremos atendidos se essa for a vontade do Senhor.36 Considerando que é Deus quem decide como distribuir os dons, cabe ressaltar o que a Bíblia ensina em 1 Coríntios 12:4-7,14-20: “Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diferentes tipos de ministério, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos. A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando o bem comum. (...) O corpo não é composto de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: “Porque não sou olho, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo.” Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo”. Nesta analogia que o apóstolo Paulo faz entre o Corpo de Cristo, isto é, a Igreja, e o corpo humano, fica muito claro que existem diversos e diferentes dons do Espírito Santo que são distribuídos aos cristãos para “o bem comum”, sendo que, apesar das diferenças, 35 IVERSON, Dick. O Espírito Santo hoje. Trad. Marcos De Zan de Mattos Taveira. Portland, Oregon: Bible Temple Inc., 1976. p. 49. 36 GRAHAM, Billy. O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 130. 25 todos os dons são necessários e se complementam no serviço cristão e na edificação da Igreja. Segue uma breve descrição da maior parte dos dons do Espírito Santo que constam nos textos bíblicos citados no início deste capítulo, haja vista que muitas vezes os mesmos dons aparecem em textos diferentes com outros nomes. Alguns destes dons são parecidos e outros são muito diferentes, mas todos são indispensáveis para o ideal desenvolvimento do Corpo de Cristo. 4.1.1 O dom de contribuir Romanos 12:8, falando sobre uma série do dons espirituais, diz: “(...) se é contribuir, que contribua generosamente”. Normalmente, os pregadores e missionários aparecem mais no que diz respeito ao ministério da Igreja. No entanto, muitos se esquecem que os mesmos precisam de quem os envie e os sustente. Deus dá o dom de contribuir aos cristãos para que pessoas sejam levantadas no sentido de sustentar a obra de Deus. Essas pessoas não aparecem muito, mas têm participação fundamental na edificação do Corpo de Cristo. Além disso, esse dom também pode ser exercido com o intuito de auxiliar e suprir as necessidades de outras pessoas, em especial dos cristãos carentes (v. 2 Coríntios 8, cf. Tiago 2:15-17). 4.1.2 O dom de liderança ou governo Embora muitas pessoas tenham o talento natural de liderar, a Bíblia ensina que existe um dom específico de Deus que capacita alguns cristãos a exercerem liderança de maneira sobrenatural. “(...) se é exercer liderança, que a exerça com zelo” (Romanos 12:8). Quem possui esse dom é capaz de organizar e coordenar programas, bem como de planejar e induzir os outros à realização dos planos. Quem está na direção de uma igreja ou de um ministério, por exemplo, deve possuir este dom.37 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que vive em nós. 3 ed. São José dos Campos: CLC Editora, 1993. p. 99. 37 26 4.1.3 O dom de socorro O dom de socorro, mencionado em 1 Coríntios 12:28, vem da palavra grega que significa “auxiliar ou ajudar.” 38 Aliás, a Nova Versão Internacional da Bíblia diz, em relação aos que possuem este dom, que eles “têm o dom de prestar ajuda.” Logo, os cristãos que têm do dom de socorros possuem uma capacitação especial, dada por Deus, em servir e prestar ajuda, nas áreas que se fizerem necessárias, a outros cristãos que precisem. Sobre este dom, Billy Graham ensina: “Mas socorros é também é serviço social, como ajudar os que são oprimidos por injustiça social, e cuidar dos órfãos e viúvas. Significa preparar uma refeição para um vizinho, doente, escrever uma carta de ânimo ou dividir o que temos com alguém que não tenha. (...) Inclui também a idéia de ajudar em algumas das atividades normais do serviço cristão, para que outros com outros dons possam estar livres para usá-los mais.” 39 4.1.4 O dom de administração Em 1 Coríntios 12:28 encontramos referência ao dom de administração, sendo que a palavra empregada no referido dom dá a idéia de guiar, pilotar e dirigir.40 Sendo assim, quem possui esse dom tem uma habilidade especial, vinda de Deus, para orientar, supervisionar, dirigir e organizar as mais diversas tarefas e empreendimentos da Igreja. 4.1.5 O dom de misericórdia Citado em Romanos 12:8, o dom de misericórdia é caracterizado no cristão que possui certa empatia em relação a seu próximo, sentindo as necessidades de seus semelhantes e conseqüentemente agindo. Normalmente quem possui este dom está engajado em algum tipo de serviço ou ação social tendo como motivação, ao contrário das organizações seculares, uma compaixão pessoal e profunda, movida por Deus, em relação aos necessitados. 38 39 40 GRAHAM, Billy., op. cit. p. 149. Ibid. Ibid., p. 150. 27 4.1.6 O dom de exortação O dom de exortação (Romanos 12:8) é usado por quem o possui com a finalidade de aconselhar, corrigir, fortalecer e animar os cristãos em situações e circunstâncias onde tudo isso se fizer necessário. Um exemplo do verdadeiro uso deste dom, através de Paulo e Barnabé, encontra-se em Atos 14:21-22: “Então voltaram a Listra, Icônio e Antioquia, fortalecendo os discípulos e encorajando-os a permanecer na fé dizendo: É necessário que passemos por muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus”. Tudo indica que Paulo e Barnabé exortaram outros cristãos que estavam passando por momentos difíceis motivando-os e animando-os a permanecerem em sua fé. 4.1.7 O dom do celibato Em 1 Coríntios 7:7 o apóstolo Paulo faz uma alusão ao dom do celibato, referindo-se a si mesmo. O mesmo assunto é mencionado entre Jesus e seus discípulos em Mateus 19:10-12. Os referidos textos ensinam que a algumas pessoas é dada por Deus a capacidade de manterem-se solteiras por uma finalidade espiritual e serem felizes neste estado. Como bem disse Caio Fábio, o dom do celibato caracteriza-se naqueles “que podem se consagrar a um determinado serviço, sem crises, sem abrasamento, sem dor, sem nostalgia; com satisfação na presença de Deus.”41 4.1.8 O dom de conhecimento A “palavra de conhecimento”, mencionada em 1 Coríntios 12:8, é a capacitação sobrenatural que o Espírito Santo dá a determinados cristãos em entender de maneira profunda as verdades de Deus, bem como de descobrir e acumular informações de cunho teológico. Esse conhecimento, quando aplicado à prática dos cristãos, fornece grande edificação espiritual à Igreja como um todo. 41 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 117. 28 4.1.9 O dom de sabedoria Em 1 Coríntios 12:8, a Bíblia fala na “palavra de sabedoria.” Esse dom se manifesta em situações específicas, onde hajam controvérsias ou dificuldades, para que haja orientação específica, fundamentada na Palavra de Deus, no sentido de levar os cristãos a um entendimento correto para que as dissenções possam ser resolvidas e as dificuldades enfrentadas da forma certa. O dom de sabedoria anda junto com o dom de conhecimento, uma vez que, como definiu o Dr. Merrill C. Tenney, do Wheaton College, a sabedoria é “a capacidade de tomar decisões com base no próprio conhecimento.”42 4.1.10 O dom de ensino Se o dom de sabedoria é exercido através de aplicações práticas do conhecimento em determinadas situações, o dom de ensino (Romanos 12:7) é a dotação sobrenatural dada por Deus para que certos crentes possam transmitir e ensinar o conhecimento de tudo que diz respeito a Deus e suas coisas, de forma que esta transmissão venha a transformar e a formar vidas de acordo com os parâmetros, valores e preceitos do Senhor. Paulo diz, em Efésios 4:11, que Deus “designou alguns para mestres.” Os verdadeiros mestres são fundamentais na igreja pois, uma vez sendo capacitados por Deus, o seu ensino é feito com simplicidade, amor e profundidade, levando os cristãos a firmarem suas vidas no conhecimento e aplicação da Palavra de Deus, se tornando então conforme a imagem de Jesus.43 4.1.11 O dom de fé Diferente da fé que leva o homem à conversão e salvação e também da fé que leva à dependência de Deus e deve fazer parte da vida cristão, o dom de fé (1 Coríntios 12:9) é uma manifestação sobrenatural do Espírito de Deus em certos crentes para que estes consigam, em situações específicas e difíceis, ter a certeza da resposta e provisão de Deus, mesmo que tudo diga o contrário. Além disso, cristãos que possuem esse dom são capazes 42 TENNEY, Merril C., ed. The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, Vol. 4. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1977. p. 903., citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995., p. 145. 43 GRAHAM, Billy, op. cit. p. 141. 29 de tomar atitudes, baseados em sua fé sobrenatural, consideradas ousadas e muitas vezes inviáveis aos olhos humanos, mas que são movidas por Deus. 4.1.12 O dom de cura O dom de cura, referido em 1 Coríntios 12:9, 28, trata da manifestação de Deus na vida de determinados cristãos no sentido de usá-los para a cura de enfermidades de ordem física. Os apóstolos exerceram este dom, como é claramente visto no livro de Atos. No decorrer da história da Igreja, bem como nos dias de hoje, existiram e ainda existem pessoas que são separadas por Deus para que orem por enfermos e estes sejam curados. Cabe ressaltar, no entanto, que a existência deste dom no Corpo de Cristo em hipótese alguma quer dizer que todos os doentes experimentarão a cura de forma sobrenatural. Acima do dom de cura estão a vontade e o propósito de Deus, os quais não podem ser monopolizados pela pessoa que têm o referido dom. Conclui-se, portanto, que o exercício do dom de cura, como o de qualquer outro dom, está totalmente condicionado à ação sobrenatural de Deus, sendo que o poder que cura não está na pessoa, mas na atuação do Espírito Santo, de acordo com Sua vontade e propósito, que nunca, jamais será transformar a essência do evangelho num sensacionalismo barato e superficial, nem tampouco exaltar quem quer que seja devido ao seu dom sobrenatural. Ainda é importante frisar que todos os crentes podem e devem orar pelos enfermos, sem desconsiderar o fato de que existem cristãos agraciados com o dom de cura, que serão usados muitas vezes na restauração física dos doentes. 4.1.13 O dom de milagres O apóstolo Paulo menciona em Coríntios 12:10, 29 o dom de operar milagres. Normalmente as palavra empregada no Novo Testamento ao falar de milagres são “sinais” e “prodígios”, que significa “feitos de grande poder.” Segundo Billy Graham, “o milagre é um acontecimento que poder de nenhuma lei física pode produzir; é uma ocorrência espiritual, produzida pelo poder de Deus; uma maravilha, um prodígio.”44 Sendo assim, o cristão que tem a dom de milagres é especialmente usado por Deus para a operação desse tipo de sinais ou prodígios. Esse dom foi dado aos apóstolos com o propósito de expandir o 44 Ibid. p. 162. 30 cristianismo e provar a veracidade do evangelho, levando muitas pessoas a se converterem a Jesus (v. Atos 4 e 8, cf. 2 Coríntios 12:12). Da mesma forma, nos dias de hoje, o propósito de Deus ao derramar este dom sobre os cristãos, é levar pessoas a crerem no evangelho e serem salvas, bem como levar os crentes a um relacionamento mais sério e profundo com Ele. Assim como o dom de curas, o dom de milagres está debaixo da vontade e da atuação sobrenatural e soberana de Deus, jamais condicionado à vontade dos homens, que por sinal muitas vezes é orgulhosa e egoísta. 4.1.14 O dom de discernimento de espíritos O dom de discernimento de espíritos (1 Coríntios 12:10) deve ser usado pelos cristãos para detectar a obra demoníaca de espíritos enganadores (v. Atos 16:16-18), identificar os falsos e os verdadeiros profetas (v. 1 Coríntios 14:29, Mateus 7:15, 21-23), e discernir entre o erro e a verdade (v. Gálatas 2:11-14).45 No decorrer de toda a história, a Igreja tem enfrentado sérios problemas com diversas heresias, que muitas vezes são aparentemente boas, mas têm um fundo falso e demoníaco. Hoje em dia a situação não mudou nem um pouco. Mesmo entre os cristãos existem muitos ensinos mentirosos e que estão em discordância com a Palavra de Deus. Dentro disso, o dom de discernimento de espíritos é de suma importância para que a Igreja possa manter uma fé pura de influências humanas e mesmo diabólicas. Além disso, existem diversos erros que cristãos cometem, que embora não sejam heresias, podem prejudicar grandemente a obra de Deus. Nesses casos o dom de discernimento serve para detectar estes erros e levar os cristãos que os cometem a repensarem e mudarem suas posições. Logicamente, o exercício deste dom só é verdadeiro se estiver em total concordância com os ensinamentos e princípios da Bíblia. 4.1.15 O dom de línguas O dom de línguas é uma capacitação especial dada por Deus a certos cristãos para que estes falem e glorifiquem a Deus numa língua que nunca aprenderam. Podem ser línguas existentes no mundo (Atos 2:1-6) ou línguas incompreensíveis aos humanos (1 Coríntios 13:1 e 14). No caso referido na passagem do livro de Atos, o dom de línguas serviu como um sinal externo do cumprimento das promessas de Deus aos judeus que não 45 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit. p. 109. 31 viviam na Palestina. “Havia em Jerusalém judeus, homens tementes a Deus vindos de todas as nações do mundo. Ouvindo-se este som, ajuntou-se uma multidão que ficou perplexa, pois cada um os ouvia falar em sua própria língua.” (Atos 2:5-6). Ainda hoje o Espírito Santo pode usar o dom de línguas desta maneira no sentido de dar um sinal a pessoas dos mais diversos locais do mundo em seu próprio idioma. Já as manifestações do dom de línguas mencionadas nos textos de 1 Coríntios anteriormente citados neste tópico não podem ser entendidas por homens, a não ser que haja o dom de interpretação de línguas, que será abordado mais adiante. “Pois quem fala em língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito fala mistérios”. Nessa forma o dom de línguas pode servir para a edificação pessoal do cristão (v. 1 Coríntios 14:4) ou edificação da Igreja, quando a mensagem proferida é interpretada por alguém que tenha o respectivo dom (v. 1 Coríntios 14:5). 4.1.16 O dom de interpretação de línguas Como o próprio nome diz, o dom de interpretação de línguas (1 Coríntios 12:30, 14:5, 13, 26-28) é a capacidade dada por Deus a alguns cristãos de interpretarem o significado de uma mensagem proferida em línguas incompreensíveis aos humanos. Deve ser exercido em conjunto com o dom de línguas para a edificação da Igreja. O apóstolo Paulo escreveu: “Tudo deve ser feito para a edificação da igreja. Se, porém, alguém falar em língua, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretar. Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.” (1 Coríntios 14:26-28). A Bíblia também exorta o cristão que possui o dom de línguas a pedir a Deus o dom de interpretação, para que possa compreender o que diz e assim ser mais edificado ainda, isso no que diz respeito à sua edificação pessoal (v. 1 Coríntios 14:13-14). 4.1.17 O dom de profecia O dom de profecia é mencionado em textos como Romanos 12:6, 1 Coríntios 14 e Efésios 4:11. No hebraico existem duas palavras que eram usadas no Antigo Testamento para se referir aos profetas. A mais comum é nabi, que deriva de um verbo que, segundo Gesenius, mencionado por Donald C. Stamps, significa “emitir palavras abundantemente 32 da parte de Deus, por meio do Espírito de Deus.”46 A outra palavra hebraica usada em relação aos profetas do Velho Testamento é ro’eh, que é traduzida por “vidente” em português, dando a idéia de alguém que é capaz de ver na dimensão espiritual, através de sonhos, visões e revelações, inclusive prevendo eventos futuros. Já na língua grega, o idioma em que foi escrito o Novo Testamento, a palavra usada para designar os profetas é prophetes, que significa “aquele que fala em lugar de outrem.” 47 A palavra profecia, segundo Billy Graham, vem do termo grego que significa “expositor público” 48. Com isso conclui-se que o cristão que possui o dom de profecia é usado pelo Espírito Santo com o propósito de entender e expor o que Deus quer que seja transmitido, seja de forma específica ou geral, com o propósito de consolar, corrigir, fortalecer e principalmente levar as pessoas a um relacionamento mais sério e profundo com Deus. A Bíblia diz em 1 Coríntios 14:3: “Mas quem profetiza o faz para edificação, encorajamento e consolação dos homens”. Um exemplo do uso deste dom nesse sentido encontra-se em Atos 15:32: “Judas e Silas, que eram profetas, encorajaram e fortaleceram os irmãos com muitas palavras”. Além disso, embora seja mais incomum, quem possui o dom de profecia pode vir a saber de acontecimentos futuros revelados pelo Espírito Santo, como foi o caso de Ágabo, que previu um período de fome (v. Atos 11:27-28) e também a prisão do apóstolo Paulo (v. Atos 21:10-11). Um exemplo mais recente do uso do dom de profecia nesse sentido foi o caso de Hans Egede (1686-1758), missionário pioneiro na Groenlândia, que previu a chegada de um navio de alimentos quando uma fome ameaçava o povo, o que de fato se cumpriu.49 Algumas das características próprias do profeta são: estreito relacionamento com Deus, conhecimento da que se passa no coração do Senhor em relação a uma série de situações e circunstâncias, empatia em relação às pessoas, profunda sensibilidade diante do pecado e do mal e mensagens profundas e incisivas da parte de Deus, que sempre desafiam as pessoas a assumirem um compromisso sério com Ele. 46 47 48 49 STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Deerfield, Flórida: CPAD, 1995. p. 1001. Ibid. GRAHAM, Billy, op. cit. p. 135. Ibid. 33 4.1.18 O dom de evangelista Efésios 4:11 diz que Deus “concedeu uns para evangelistas.” Literalmente, o termo grego traduzido para evangelista significa “aquele que anuncia boas notícias.” O cristão que possui este dom possui uma habilidade especial, dada por Deus, em comunicar o evangelho aos não-cristãos, levando-os à conversão. O conteúdo de sua mensagem gira em torno de tudo que diz respeito à conversão, salvação, novo nascimento, etc. Convém ressaltar que o dom de evangelista não se caracteriza pela maneira de falar expressiva ou pela facilidade de comunicação do evangelho, mas sim pelo efeito que as palavras e ações do evangelista produzem nas pessoas não-cristãs. Sobre o assunto, bem disse Cáio Fábio: “Acima de toda consideração sobre o fenômeno da comunicação em relação ao dom de evangelista, o fato preponderante se relaciona à realidade da unção de Deus para aquela tarefa. Muitos se comunicam bem, mas unção é algo que vai além da comunicação. Unção é capacidade de deixar impressões espirituais no coração dos assistentes ou ouvintes, as quais transcendem todo o poder de comunicação. Unção é comunicação feita sob o poder do Espírito Santo.”50 Como todos os outros dons do Espírito, o dom de evangelista não é uma habilidade natural, mas uma capacitação especial e sobrenatural do poder de Deus. Um exemplo de evangelista é Filipe, o diácono, que levou muita gente a Cristo em Samaria (Atos 8:5-13), posteriormente levou um eunuco etíope à conversão (Atos 8:26-39) e continuou pregando o evangelho em diversas regiões (Atos 8:40). 4.1.19 O dom de pastor Ainda em Efésios 4:11, a Bíblia fala que Deus “designou alguns para pastores.” Muitas vezes a Bíblia faz uma analogia entre seres humanos e ovelhas e também entre Deus ou Jesus e o pastor de ovelhas, ou mesmo entre líderes e pastores. Independente de ser um ministro religioso ordenado ou não, o cristão que tem o dom de pastor, como ensina Cáio Fábio, é capaz de assumir responsabilidade pessoal pelo bem-estar de um grupo de cristãos.51 Assim como um pastor de ovelhas, quem tem o dom de pastor deve alimentar, guiar, restaurar, proteger, curar e mesmo estar disposto a dar de si mesmo pelo seu rebanho, isso tudo no sentido espiritual. Essas coisas são espontâneas e naturais em quem 50 D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio, op. cit., p. 115. 34 foi escolhido por Deus para ser pastor, sendo que o cumprimento das mencionadas tarefas é a conseqüência natural do seu senso de cuidado e proteção, amor, discernimento e zelo para com suas ovelhas.52 Para que alguém possa ser um genuíno pastor, é preciso muito mais que um título eclesiástico, é preciso ter recebido este dom de Deus. 4.1.20 O dom de apóstolo Finalmente, Paulo ensina que “Deus designou alguns para apóstolos” (Efésios 4:11). O termo grego original para esta palavra significa “alguém enviado com uma missão” ou “mensageiro.” Em certo sentido, os apóstolos não existem mais, pois esse título foi primariamente dado a quem andou com Jesus (à exceção de Paulo), o viu após sua ressurreição e foi diretamente comissionado por Ele para pregar o evangelho e estabelecer a Igreja.53 Com isso, os apóstolos foram os doze (sendo que Judas Iscariotes foi substituído por Matias) acrescidos do apóstolo Paulo. Quando encarado desta ótica, o ministério apostólico está extinto, pois ninguém jamais poderá falar com a mesma autoridade dos apóstolos escolhidos e comissionados por Jesus. Por outro lado, a Bíblia chama de apóstolos alguns dos primeiros missionários e implantadores de igrejas (v. Atos 14:4, 14). Da mesma forma que os apóstolos originais e únicos, quem possui este dom também é um “mensageiro”, um “enviado com uma missão.” Os apóstolos de hoje em dia são aqueles que pregam o evangelho fora de um contexto de igreja local, indo a locais pioneiros e ainda não alcançados. Nesses locais os apóstolos ou missionários implantam, fortalecem e estabelecem congregações, de forma semelhante como era ministério apostólico original. Normalmente o apóstolo é alguém com diversos dons espirituais, devido à natureza de seu trabalho, que envolve coisas como evangelizar, ensinar, exortar, pastorear, dentre outras mais. 4.2 Desenvolvendo e usando os dons do Espírito Santo Como vimos, são muitos os dons sobrenaturais que Deus derrama sobre os cristãos. Alguns crentes têm mais dons, outros menos. Uns são usados em algumas áreas de atuação, outros em outras, semelhantes ou bem diferentes. Mas o fato é que os dons são 51 52 Ibid. p. 116-117. Ibid. p. 117. 35 dados para serem desenvolvidos e usados. Embora a natureza sobrenatural dos dons seja algo que dependa exclusivamente de Deus, cabe aos cristãos buscar os melhores dons (v. 1 Coríntios 12:31), desenvolvê-los e usá-los. Alguém disse que não existe serviço sem dom, nem dom sem serviço. Essa afirmação é absolutamente correta, uma vez que ninguém irá exercer ministério algum de forma eficiente aos olhos de Deus sem ser sobrenaturalmente capacitado pelo Espírito Santo. Por outro lado, da nada vale alguém possuir muitos dons se não usá-los com o propósito de servir ao Senhor e ao seu próximo. O maior propósito dos dons espirituais é o serviço, sendo que de forma alguma eles devem servir como algo que, por assim dizer, dê ao cristão status espiritual. Os dons não são dados com o propósito de glorificar ninguém além de Deus. Além dos dons existirem para serem usados no serviço cristão, é absolutamente necessário que quem de fato queira usá-los desenvolva-os. Se alguém tem o dom de ensinar, deve buscar exercê-lo da melhor maneira possível. Se alguém tem o dom de profecia, deve buscar mais e mais profundidade em sua vida com Deus e em suas mensagens que deverão ser proferidas. Se alguém é pastor, deve buscar crescer em dedicação por suas ovelhas. E assim por diante. É perfeitamente possível ter um ou mais dons do Espírito Santo e não usá-los ou usá-los muito pouco, deixando-os inertes e atrofiados, por assim dizer. Paulo, escrevendo a Timóteo, diz: “Torno a lembrar-lhe que mantenha viva a chama do dom de Deus que está em você (...)” (2 Timóteo 1:6). O termo grego usado nesta frase refere-se ao uso de foles para fazer com que o fogo prestes a apagar volte a chamejar. Comentando isso, Wesley L. Duewel escreve: “Isto exige esforço. Timóteo devia fazer todo o possível para intensificar a manifestação da chama do Espírito. Nossa colaboração e fervor com o Espírito é essencial para a consistência do fervor, radiância espiritual e zelo do crente.”54 Logo, todo cristão deve empenhar-se em não só desenvolver e usar da melhor maneira possível os seus dons espirituais, mas também em “manter a chama acesa”, fazendo tudo que está ao seu alcance (isso inclui vida devocional, leitura, estudo e prática da Palavra de Deus, comunhão com outros crentes, dentre outras coisas mais) para que o fogo, a presença e o poder do Espírito Santo se mantenham ativos e operantes em sua vida. Como conclusão, é bom citar 1 Coríntios 13:1-3: 53 54 STAMPS, Donald C., op. cit., p. 1814. DUEWEL, Wesley L. Em chamas para Deus. São Paulo: Editora Candeia, 1996. p. 22. 36 “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, mas não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos mais pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá”. Neste texto, a Palavra de Deus deixa muito claro que o exercício de qualquer dom ou prática na vida cristã deve ser fundamentado no amor, tanto a Deus como aos homens. Pode-se ter muitos dons, inclusive os mais “fantásticos”, por assim dizer, só que se eles forem exercidos ou buscados com uma motivação errada, como orgulho, mesquinharia ou autopromoção, toda a busca e mesmo o exercício perdem o sentido aos olhos de Deus. Cabe a cada cristão não só buscar os dons do Espírito Santo, nem tampouco apenas desenvolvê-los e exercê-los da melhor forma possível, mas, acima de tudo, fazer com que a busca, o uso e o desenvolvimento destes mesmos dons tenham como pleno esteio e motivação o amor. Nem mais, nem menos do que isso. V. O FRUTO DO ESPÍRITO SANTO Em Gálatas 5:22-23, a Bíblia diz: “Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio”. Todas estas características, como disse Billy Graham, esboçam o caráter de Cristo55 que deve ser produzido na vida do cristão através do Espírito Santo. Para o crente, é humanamente impossível viver um estilo de vida marcado por tudo isso. Jamais ninguém por si mesmo poderá vencer sua própria natureza humana e então produzir, através de seus próprios esforços, em sua vida a santidade e pureza que apenas o Espírito de Deus pode produzir. Jesus disse: “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim. Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim, vocês não podem fazer coisa alguma” (João 15:4-5). Jesus está dizendo que, como os ramos de uma videira produzem os seus frutos natural e espontaneamente por estarem ligados à árvore, os cristãos também devem produzir o fruto do Espírito como uma conseqüência natural de sua comunhão e união com o Senhor. A partir do momento em que o cristão estabelecer e manter essa comunhão com Jesus, ele estará “vivendo pelo Espírito”. Está escrito em Gálatas 5:16-17: “Por isso eu digo: vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos da carne. Pois a carne deseja o que é contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. Eles estão em conflito um como o outro, de modo que vocês não fazem o que desejam”. O texto deixa claro que existe uma luta interior no cristão, entre a “carne” (ou seja, o seu ego e seus desejos e atos egoístas, pecaminosos e prejudiciais) e o Espírito Santo, que habita nele. A natureza própria do ser humano possui uma tendência oposta às coisas de Deus, de modo que ninguém pela sua própria capacidade ou poder pode possa produzir, de forma autêntica e verdadeira, as características do Senhor em sua vida sem que haja uma atuação real do Espírito Santo. E para que haja esta atuação é necessário que o cristão “viva pelo Espírito”, isto é, mantenha um relacionamento pessoal e íntimo com Deus, buscando sempre estar cheio e depender do Espírito Santo para que então as características do seu fruto surjam e permaneçam espontaneamente em seu viver. 55 GRAHAM, Billy. O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 181. 38 Agora será dada uma breve descrição de cada característica que compõem o fruto do Espírito Santo, sendo que todas estas características são marcas que deveriam fazer parte da vida de todos os cristãos. 5.1 Amor Segundo o Dicionário Bíblico Almeida, “o amor é a mais elevada qualidade cristã, devendo nortear todas as relações da vida com o próximo e com Deus. Esse amor envolve consagração a Deus e confiança total nele, incluindo compaixão pelos inimigos e o sacrifício em favor dos necessitados.” 56 Não só na lista de Galátas 5:22, mas em praticamente todo o Novo Testamento, a palavra grega traduzida por “amor” é agape, sendo que na época existiam outros termos que também poderiam ser traduzidos por amor, como por exemplo eros (amor entre um homem e uma mulher) e phileo (amor no sentido de amizade). No entanto, a palavra agape denota o mais elevado, altruísta e desinteressado tipo de amor. Segundo Charles Caldwell Ryrie, o agape “é mais que afeição mútua; expressa a valorização altruísta no objeto amado.”57 A definição do Novo Dicionário da Bíblia vai ainda mais além, definindo o amor agape como “a forma mais elevada e nobre de amor, que vê no objeto do amor algo infinitamente precioso.”58 No Novo Testamento, os textos que falam do amor de Deus para com os homens e do amor que os cristãos devem praticar em relação às pessoas usam a palavra agape. Portanto, o tipo de amor que o Espírito Santo produz no crente é semelhante ao amor de Deus, ou seja, é um amor altruísta, sem interesses pessoais e egoístas, prático, sem preconceito e que leva o cristão a estar disposto a sacrificar-se e dar de si mesmo pelo seu próximo, independente de quem seja. Esse tipo elevado de amor leva o cristão a tomar atitudes práticas em favor seus semelhantes, atitudes estas que vão muito além de uma exteriorização de sua religiosidade, mas que são conseqüência direta do “amor de Deus que é derramado através do Espírito Santo” (Romanos 5:5). 56 Dicionário Bíblico Almeida, Edição 1999. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. versão CD - ROM Bíblia On-line, tópico n.º 23317. 57 RYRIE, Charles C. A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1991. p. 1449, nota. 58 DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1979. p. 70. citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 182. 39 5.2 Alegria A alegria produzida pelo Espírito Santo é um estado de satisfação e felicidade permanente, que independe de circunstâncias externas e momentâneas. Embora haja a possibilidade de se sentir feliz em razão de bons acontecimentos ou mesmo de coisas que o mundo oferece, uma alegria constante, que não está condicionada ao fato de tudo ir bem ou mal, só é possível através da presença real e ativa do Espírito Santo. Essa alegria, como disse Donald C. Stamps, está “baseada no amor, na graça, nas bênçãos, nas promessas e na presença de Deus.” 59 Embora o cristão esteja sujeito a passar por muitas situações complicadas, difíceis e dolorosas, a certeza do amor e da presença do Senhor devem ser maiores do tudo isso, além de servir, não só como um consolo, mas também como uma fonte de estabilidade e regozijo para o crente. Humanamente falando, é muito mais fácil reclamar dos problemas, culpando a tudo e a todos, se entregar a eles e entrar num estado de autocomiseração. Entretanto, a presença e o poder do Espírito Santo podem produzir uma alegria real para o cristão, por mais que tudo ao redor diga o contrário. Um exemplo dessa alegria permanente do Espírito pode ser visto na vida do apóstolo Paulo. Em Filipenses 4:4, primeiramente o apóstolo dá a seguinte exortação aos cristãos de Filipos: “Alegrem-se no Senhor. Novamente direi: alegrem-se!”. Mais adiante, Paulo, falando sobre si mesmo, diz: “Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4:11-13). É interessante notar que quando o apóstolo Paulo escreveu estes textos ele encontrava-se preso. Como se vê, esta circunstância externa não foi maior do que a ação do Espírito na vida de Paulo, uma vez que, estando numa situação um tanto quanto complicada, ele primeiro exorta outros cristão a alegrarem-se e depois fala que “aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação”, porque “tudo podia naquele o fortalecia”. Isso é a alegria produzida pelo Espírito Santo: um estado de firmeza, constância e regozijo que não está sujeito nem é condicionado por situações externas, sejam boas ou ruins. Como disse Charles Allen: “Da mesma forma que 59 STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Deerfield, Flórida: CPAD, 1995. p. 1803. 40 toda a água do mundo não pode apagar o fogo do Espírito, todos os problemas e tragédias do mundo não podem vencer a alegria que o Espírito traz ao coração humano.”60 5.3 Paz Outro característica que marca a vida do cristão cheio do Espírito Santo é a paz. Primeiramente, o Espírito Santo dá ao cristão paz com Deus e com sua própria consciência. Essa paz é conseqüência da certeza de sua salvação, justificação e do total perdão de seus pecados. Já não é necessário mais nenhum tipo de sentimento exagerado de culpa, nem frustração, muito menos nenhum tipo de autopunição, pois o Espírito Santo dá ao cristão a certeza de que, independente do seu passado, de suas ações, de suas fraquezas ou de qualquer outra coisa, ele pode estar em perfeita comunhão e paz com Deus, devido a morte expiatória de Jesus. Além disso, o Espírito Santo faz com que o cristão esteja em paz com homens. Uma vida cheia do Espírito é marcada por relacionamentos pacíficos. Mesmo que hajam diferenças e discordâncias, é possível para o cristão, através do Espírito Santo, viver em paz com os homens, sejam estes crentes em Jesus ou não. Já não são necessárias dissenções por coisas fúteis, nem tampouco um gasto de energia em discussões inúteis. Finalmente, também é possível ao cristão estar em estado de paz, serenidade e quietude mental em meio a circunstâncias difíceis através da atuação do Espírito Santo. Jesus descreveu essa paz da seguinte maneira: “Deixo-lhes a paz; a minha paz lhes dou. Não a dou como o mundo a dá. Não se perturbem os seus corações nem tenham medo” (João 14:27). Diferente da segurança e paz momentâneas que o mundo pode oferecer, a paz de Deus no coração dos cristãos transcende qualquer situação complicada e qualquer estado de ansiedade em demasia. Mais do que simplesmente tranqüilizar o crente por alguns instantes, a paz oferecida pelo Espírito Santo também o leva a ter a certeza do cuidado, da fidelidade, da provisão e da soberania de Deus, por mais que tudo ao redor diga o contrário. Como conclusão, vale citar Filipenses 4:6-7: “Não andem ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, e com ação de graças, apresentem seus pedidos a Deus. E a paz de Deus que excede todo o entendimento, guardará os seus corações e as suas mentes em Cristo Jesus. 60 ALLEN, Charles. The miracle of the Holy Spirit (Old Tappan, N. J.: Fleming H. Revell Co., 1974. p.56, citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida 41 5.4 Longanimidade Embora esta característica do fruto do Espírito Santo seja muitas vezes traduzida por “paciência”, o termo original (gr. makrothumia) contém a idéia de perseverança, dando-lhe assim um conteúdo bem mais forte, sendo que o cristão que tem essa qualidade produzida pelo Espírito de Deus é capaz de resistir firme as tensões e pressões da vida.61 Isso se dá em relação às pessoas e também em relação às provas, tentações e dificuldades. Primeiramente, a longanimidade se evidencia na vida do crente nos seus relacionamentos com seus semelhantes. O termo original também dá a idéia de imperturbabilidade diante de provocações e de paciência sob maus tratos, sem que hajam atitudes de retribuição ou vingança.62 É muito fácil manter a calma e a paciência quando todos nos tratam como gostamos ou queremos. No entanto, nem sempre as coisas serão dessa forma, e muitas vezes seremos tratados e afrontados de maneiras um tanto quanto desagradáveis. São nesses momentos que o cristão, mais do que simplesmente se segurar, deve estar sujeito e submisso a ação do Espírito Santo e assim reagir de maneira positiva às afrontas, refletindo, assim, o caráter e a pessoa de Jesus em sua vida. Obviamente, isso não é um processo fácil e automático. É necessário que o crente tome posições e que esteja cheio do Espírito de Deus, caso contrário será muito difícil para ele ter em sua vida uma autêntica longanimidade. Como disse Billy Graham: “A paciência provém do poder de Deus, baseado na nossa disposição de aprendê-la. Se nós somos egoístas, se raiva ou má vontade se manifestam, se a impaciência ou a frustração querem nos dominar, temos de reconhecer que a causa dos problemas somos nós, e não Deus. Devemos recusar, renunciar e repudiar a situação imediatamente. Isto vem da nossa natureza pecaminosa.”63 Como já foi dito, a longanimidade também está relacionada e se manifesta em relação às provas, tentações e dificuldades. Nesse sentido, esta característica produzida pelo Espírito leva o cristão a suportar paciente e perseverantemente as circunstâncias que poderiam levá-lo até mesmo ao desespero. Aliás, são principalmente nas dificuldades que o caráter perseverante do cristão é formado e sua fé é provada, autenticada e fortalecida (v. Tiago 1:2-3). Muitas vezes é difícil para os crentes compreenderem certos acontecimentos Nova, 1995. p.186-187. 61 GUTHRIE, Donald. Gálatas: Introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1984. p. 179. 62 GRAHAM, Billy, op. cit. p. 190. 63 Ibid. p. 191. 42 em suas vidas, o que os leva até mesmo a questionarem a Deus e Sua fidelidade. Mas é justamente nestes momentos que a longanimidade, ou seja, a perseverança e a paciência, devem ser buscados de Deus, através do Espírito Santo. É essa atuação do Espírito que levará o cristão a suportar as aflições, mesmo que não venha a compreender o porquê delas. E ao fim de tudo, o crente terá crescido muito em sua fé, no seu relacionamento com Deus e mesmo em sua própria vida. Bem disse Charles Hambree, citado por Billy Graham: “no meio da aflição é difícil ver um sentido nas coisas que nos acontecem, e ficamos com vontade de questionar a justiça de um Deus fiel. E exatamente estes momentos podem ser os mais significativos de nossa vida”.64 5.5 Benignidade Na Bíblia na Linguagem de Hoje, a palavra grega chrestotes, que normalmente é traduzida por benignidade, foi traduzida por “delicadeza”. Na Nova Versão Internacional, encontramos a palavra “amabilidade”. Essa característica do fruto do Espírito Santo diz respeito ao trato do cristão para com seus semelhantes. Logicamente é fácil tratar bem alguém de quem gostamos. No entanto, não é tão simples assim dispensar o mesmo tratamento a quem não gostamos muito, aos que às vezes são marginalizados e excluídos do nosso meio e aos que têm atitudes e costumes que não nos agradam. No entanto, basta olhar para a vida de Jesus e ver nele o exemplo máximo de benignidade. Jesus convivia com os pecadores e excluídos da sociedade, sempre tendo uma atitude amável e compassiva para com eles, isso independente do que eles eram ou faziam. Da mesma forma, é da vontade de Deus que todo verdadeiro cristão, pela atuação do Espírito Santo, tenha uma atitude amável, gentil e delicada para com seus semelhantes, independente de sua condição ou de suas ações. Sem sombra de dúvida, essa é uma das qualidades do cristão que mais refletirão o caráter e a pessoa de Jesus em sua vida. De nada vale erudição, conhecimento, legalismo rígido e religiosidade estrita se não houver uma genuína atitude de carinho e compaixão da parte do crente para com os seus semelhantes, em especial para com os perdidos. 64 HEMBREE, Charles. Fruits of the Spirit. Grand Rapids: Baker Book House, 1969. p. 57-58, citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 43 5.6 Bondade A termo grego traduzido por bondade é agathosune e se refere à qualidade das pessoas que são dirigidas e desejam o que bom, representando assim os mais elevados valores éticos e morais.65 Sendo assim, conclui-se que a bondade, como parte do fruto do Espírito Santo na vida do cristão, é a combinação de uma real retidão moral e justiça com atitudes com o propósito de colocar essa retidão e justiça em prática. Mais do que simplesmente praticar boas obras como qualquer um pode praticar, a bondade produzida pelo Espírito vai além disso. A bondade é o amor em ação. Não uma ação com motivações erradas, do tipo esperar receber algo em troca, mas sim, com ensina Billy Graham, “fazer o bem a partir de um coração bom, agradar a Deus sem esperar medalhas ou recompensas”.66 Na realidade, o padrão da bondade presente na vida cristã deveria ser o mesmo padrão da bondade de Deus. Embora isso possa parecer demasiadamente grande e até mesmo utópico, o Espírito Santo pode produzir uma bondade verdadeira, genuína, sincera e prática na vida do cristão, como é a bondade de Deus. Em conjunto com as outras características do fruto do Espírito Santo, a bondade acaba por se tornar um traço do caráter do cristão, sendo mais uma das marcas da presença e da pessoa de Jesus em sua vida. 5.7 Fidelidade Outra característica que deve marcar o cristão é a sua fidelidade para com Deus e para com os homens. A Bíblia diz em 1 João 2:15-16: “Não amem o mundo nem o que nele há. Se alguém amar o mundo o amor do pai não está nele. Pois o que há no mundo - a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e ostentação de bens - não provém de Deus, mas do mundo.” Esse texto deixa muito claro que não existe meio termo no que diz respeito a servir a Deus. Ou se é uma coisa, ou é outra. Jesus deixou bem claro que “não se pode servir a dois senhores.” (v. Lucas 16:13). Uma vez estando no mundo, cabe ao cristão ser fiel a Deus. Essa fidelidade, sendo conseqüência de um viver pelo Espírito Santo, é a constância do cristão em ser uma testemunha fiel e viver sua fé em atitudes práticas do cotidiano. De nada vale professar um cristianismo nominal, se essa profissão não redundar 193. 65 GRAHAM, Billy, op. cit. p. 194. 44 em um caráter íntegro, leal e honesto, tanto diante de Deus, como diante dos homens. O mundo oferece muitas situações onde não é nem um pouco difícil se corromper. Como disse João, na passagem anteriormente citada, coisas como “a cobiça da carne e dos olhos e a ostentação dos bens” provém e são do mundo. O cristão não está livre desse e de outros tipos de tentação, e muitas vezes é fácil sucumbir e se acomodar a eles, passando então a amar e servir ao mundo, vivendo assim uma vida dupla e inconstante. No entanto, os cristãos devem viver um estilo de vida muito diferente do que o que é oferecido pelo mundo, sem abrir exceções no que diz respeito à integridade, ética e moral. Por mais que o crente seja humano e fraco em si mesmo, o seu caráter deve ser absolutamente reto. O cristianismo não é brincadeira e os cristãos devem ser plenamente fiéis aos valores eternos de Deus e ao próprio Deus, o que resultará numa vida e relacionamentos íntegros na sociedade. Assim como Paulo, quem professa crer no evangelho deve “conservar a consciência limpa diante de Deus e dos homens” (v. Atos 24:16). Concluindo, é totalmente inconcebível alguém professar estar cheio do Espírito Santo e ao mesmo tempo viver uma vida dupla, inconstante e com um caráter duvidoso, sendo infiel e desleal tanto em sua vida com Deus como em relação a seus semelhantes. Uma verdadeira “vida no Espírito” (v. Galátas 5:16) deve ter como característica uma absoluta fidelidade a Deus, bem como uma total integridade em relação aos homens. 5.8 Mansidão Segundo Billy Graham, a palavra mansidão deriva de uma palavra grega que significa “brando; ser suave no trato com outros.”67 Na Bíblia na Linguagem de Hoje, a palavra utilizada para descrever esta característica do fruto do Espírito Santo é “humildade”. Em momento algum isto quer dizer que o cristão deva demonstrar timidez, medo, fraqueza ou ter uma posição passiva e submissa diante de injustiças. Pelo contrário, a mansidão ou humildade denota moderação associada à força e a coragem. 68 Jesus em momento algum foi fraco e tímido. Muito pelo contrário, por diversas vezes denunciou injustiças e hipocrisia aberta e incisivamente. Nunca usou de meias palavras. Sempre falou com autoridade. No entanto, mesmo tendo uma personalidade tão forte e marcante, Jesus era “manso e humilde de coração” (v. Mateus 11:29), o que é claramente demonstrado em 66 67 Ibid., p. 195. Ibid., p. 200. 45 seus ensinos, atitudes e relacionamentos com as pessoas. Moisés foi o maior líder e profeta entre os hebreus. Através dele, Deus fez milagres tremendos. Tinha grande autoridade. Entretanto, era tido como “o mais manso dos homens” (v. Números 12:3). Da mesma forma, a mansidão produzida pelo Espírito Santo deve levar o cristão a um estilo de vida onde existe brandura e delicadeza no trato com os seus semelhantes e a uma genuína humildade perante Deus e perante os homens, sem que isso signifique baixa auto-estima, timidez, medo ou passividade. Como disse Charles Allan, citado por Billy Graham: “Deus nunca espera de nós que sejamos menos do que realmente somos (...) Autodiminuição é um insulto ao Deus que nos fez. Mansidão adquirimos por outros meios (...) O orgulho vem quando olhamos para nós mesmos; a mansidão vem quando nós olhamos para Deus”.69 Algumas coisas bem práticas, que servem como provas para o cristão saber se ele tem ou não sido controlado pelo Espírito no sentido de ter um caráter manso e humilde, são a seguir descritas: primeiramente, a capacidade de não reagir defensivamente quando seus sentidos são perturbados; em segundo lugar, em hipótese alguma desejar e buscar a preeminência, tendo como único desejo que o Senhor tenha a primazia; finalmente, o crente manso e humilde não deve jamais procurar reconhecimento, recompensa ou ser considerado como a voz de autoridade.70 Como conclusão, vale citar as palavras de A.W. Tozer sobre a genuína mansidão e humildade produzida por Deus no cristão: “O homem manso não é covarde nem vive atormentado por reconhecer sua própria inferioridade. Pelo contrário, seu espírito é valente como um leão e forte como um Sansão; porém, deixou de iludir a si próprio. Reconheceu que é correta a avaliação que Deus faz de sua própria vida. Compreende que é fraco e necessitado tal como Deus afirmou que ele é; mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo sabe que, aos olhos de Deus, é mais importante que os próprios anjos. Nada representa em si mesmo, mas em Deus, tudo. Esse é o seu lema. Sabe perfeitamente bem que o mundo jamais o verá como Deus o vê, e por isso deixou há muito de importar-se com os conceitos dos homens. Sente-se plenamente satisfeito em deixar que Deus restabeleça seus valores. Aguarda pacientemente o dia em que todas as coisas serão julgadas, e o seu verdadeiro valor será reconhecido por todos. (...) Já não precisa lutar para defender o seu “eu”, porque encontrou a paz que a mansidão proporciona.71 68 STAMPS, Donald C., op. cit., p. 1803. ALLEN, Charles. The Miracle of the Holy Spirit. Old Tappan, N. J.: Fleming H. Revell Co., 1974. p. 60, citado por Billy Graham in O Espírito Santo: Ativando o poder de Deus em sua Vida. São Paulo: Vida Nova, 1995. p. 201. 70 GRAHAM, Billy, op. cit. p. 202. 71 TOZER, A. W. O melhor de A. W. Tozer: Seleções prediletas dos livros de um profeta de hoje. 3a ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1997. p. 27-28. 69 46 5.9 Domínio próprio Domínio próprio é o domínio sobre os desejos do próprio ego. Na vida dirigida pelo Espírito Santo, o “eu” deve-se manter no lugar adequado. 72 A palavra grega, egkrateia, significa senhorio forte e pesado, capaz de controlar nossos pensamentos e ações. 73 O cristão, como qualquer ser humano, muitas vezes tem a tendência de ser dominado por suas emoções, temperamento, sentimentos e vontades, mesmo que estes sejam pecaminosos e carnais. Ás vezes é difícil abandonar certas práticas e atitudes erradas, pois parece que elas nos dominam. Nem sempre é fácil controlar um temperamento explosivo diante de situações complicadas. Enfim, cada pessoa tem em sua vida áreas que são difíceis de lidar, onde é muito mais fácil dar vazão aos desejos do ego do que dominar a si mesmo e tomar um postura correta. Estas áreas podem ser coisas como a ira, a lascívia, o orgulho, palavras más, dentre muitas outras coisas mais. É terrível sentir-se escravizado e dominado pelos seus próprios desejos. Muitos tentam livrar-se de suas inclinações más por si mesmos e tudo o que conseguem é um sentimento ainda maior de frustração. No entanto, a Bíblia está ensinando que se alguém viver controlado e cheio do Espírito Santo, será capaz de viver sóbria e moderadamente, acima de seus maus desejos e pensamentos, tendo domínio próprio sobre eles. Ou seja, ao invés de ser dominado pela sua natureza carnal, o cristão passa a dominar as inclinações ruins do seu “eu”, o que resulta numa vida controlada, sem os excessos e as conseqüências de um viver onde quem domina são os desejos próprios, os maus pensamentos e as inclinações erradas. Pelo poder e pela ação do Espírito Santo, o cristão não precisa mais ser escravo de tudo o que, fazendo parte de sua própria natureza, é ruim e prejudicial à sua vida. Embora ele continue sendo um ser humano falível, uma vez dominado pelo Espírito de Deus, ele terá a capacidade de não dar lado às suas vontades más. Para que essa característica seja espontânea e autêntica, nenhum esforço humano, tais como negação da realidade de sua natureza ou autopunição, é suficiente. A única maneira de um verdadeiro domínio próprio fazer parte da natureza intrínseca do crente é através da atuação genuína e constante do Espírito Santo de Deus. 72 73 GUTHRIE, Donald, op. cit., p. 180. GRAHAM, Billy, op. cit. p. 203. 47 5.10 Submissão e dependência do Espírito Santo Amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. Muitas vezes é difícil ter todas estas características integradas em nosso caráter. Como já foi dito e enfatizado, é impossível estar marcado por tudo isso sem a ação do Espírito Santo. Todavia, essa ação não se dá de forma automática, a parte das atitudes dos cristãos. É preciso que o crente tome posições perante Deus e Sua vontade para que então o Espírito possa agir e produzir o Seu fruto. Essas posições são submissão e dependência do Espírito Santo. O apóstolo Paulo deixa bem claro este princípio em Gálatas 2:20: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a na fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.” Ninguém jamais conseguirá produzir o caráter de Jesus em sua vida por si mesmo. Só que para que isso aconteça, é necessário que o “eu” morra, para que então a vida do Senhor se manifeste em plenitude, através do fruto do Espírito Santo. Isso envolve o “ser crucificado” com Cristo, o que primeiramente significa submissão. Essa submissão se dá através de uma disposição a ser moldado conforme todos os princípios e valores de Deus. É impossível ter uma vida santa, controlada pelo Espírito Santo, se o cristão tiver para si mesmo valores invertidos, contrários à vontade de Deus. Não existe atuação do Espírito, nem fruto do Espírito na vida de ninguém se não houver uma disposição sincera em rejeitar a natureza egocêntrica do homem, bem como tudo o que é ruim e prejudicial oferecido pelo mundo. Ninguém terá em sua vida o caráter de Jesus se for conivente com valores egoístas, seculares e mundanos. Pode-se até buscar o Espírito Santo nesse estado, mas enquanto não houver uma renúncia a estas coisas, jamais o Espírito terá toda a liberdade de agir e moldar a vida do crente conforme Sua vontade. É impossível ter uma vida frutífera sem que exista submissão a Deus. Além disso, também é necessária absoluta dependência do Senhor no processo da santificação e de manifestação do fruto do Espírito Santo. Se o primeiro passo para isso é a submissão, o segundo é a total dependência de Deus. Paulo disse, no texto de Gálatas anteriormente citado: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. Após a submissão a Deus, a manifestação prática das qualidades do fruto do Espírito só é possível quando existe uma real dependência do Senhor para que todo um estilo de vida voltado para as inclinações do ego seja substituído pelo estilo de vida de Jesus, que através do 48 Espírito Santo, vive no cristão, não apenas no sentido de habitar, mas de levá-lo a se tornar cada vez mais parecido com Ele em seu caráter e atitudes. VI. - O RELACIONAMENTO ENTRE O CRISTÃO E O ESPÍRITO SANTO Como foi visto no primeiro capítulo, o Espírito Santo não é nenhum tipo de força ou energia impessoal. Ele é Deus e também é uma pessoa. Além de convencer e regenerar o não crente, levando-o à salvação e transformando-o numa nova pessoa, capacitar a Igreja através dos dons espirituais e produzir nos cristãos o caráter de Jesus, outra característica do Espírito Santo é a possibilidade Dele, sendo um ser pessoal, se relacionar com os crentes. Falando sobre o Espírito, Jesus disse: “E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece; vós conheceis, porque ele habita convosco e estará em vós”. (João 14:16-17). Isso foi dito um pouco antes da morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Após a ascensão, os discípulos ficariam aparentemente sozinhos, sem a presença de seu mestre para ensiná-los e guiá-los. No entanto, Jesus fala de um “outro Consolador”, se referindo ao Espírito Santo. No grego, existem duas palavras que podem ser traduzidas por “outro”. Uma delas é heteros, que significa “de outra espécie ou de espécie diferente”. A outra palavra grega é allos que significa “exatamente da mesma espécie, do mesmo caráter, igual em tudo, quase uma duplicata.”74 A palavra empregada por Jesus foi allos, o que mostra que o Espírito Santo viria para, dentre outras coisas mais, continuar a obra de Jesus entre os discípulos. O Senhor não estaria mais entre eles, mas a falta de sua presença física seria suprida através da pessoa do Espírito Santo, que haveria de ter um relacionamento com os cristãos semelhante ao de Jesus com os apóstolos. Algumas das características desse relacionamento se encontram no termo que Jesus usou para descrever o Espírito Santo. A palavra grega traduzida por consolador é parakletos, cujo significado literal é “alguém chamado para ficar ao lado de outro para ajudar”.75 Isso dá um significado muito mais amplo à ação do Espírito Santo do que o termo “consolador”. Denota que o Espírito veio para consolar, guiar, fortalecer, ajudar, interceder, aconselhar, ensinar, advertir, enfim, fazer tudo o que um mestre faz por um discípulo, exatamente como Jesus fazia com os seus discípulos. A mesma palavra também retrata a idéia de um amigo que surge numa situação difícil para defendê-lo de algo mal ou danoso.76 74 RENNER, Rick, A dupla dinâmica: O Espírito Santo e você. Barra Funda: Editora Quadrangular, 1997. p. 76. 75 STAMPS, Donald C. Bíblia de Estudo Pentecostal. Deerfield, Flórida: CPAD, 1995, p. 1601. 76 RENNER, Rick. op. cit., p. 114. 50 Conclui-se, portanto, que além de buscar ser cheio do Espírito Santo constantemente, o cristão deve desenvolver um relacionamento pessoal com Ele. A Bíblia descreve Enoque como um homem que “andava com Deus” (Gênesis 5:22, 24), o que dá a idéia de uma intimidade pessoal e de um companheirismo muito grande entre ele e Deus. A vontade do Senhor é que cada filho Dele viva nessa constante comunhão e intimidade com Ele. Uma das coisas que fazem parte de uma vida plena no Espírito Santo é a comunhão em tempo integral do cristão com Deus. Embora não seja possível estar o tempo todo num templo, ou tempo todo orando ou lendo a Bíblia, é perfeitamente possível desfrutar de um companheirismo real do Espírito de Deus em qualquer hora e em qualquer lugar, num relacionamento íntimo e pessoal. Aliás, é esta relação que de fato fará diferença na vida diária e no crescimento espiritual do crente, muito mais do que qualquer espécie de liturgia religiosa. Nesse relacionamento, o Espírito é o amigo, mestre, guia e auxiliador do cristão. A seguir serão abordadas, num enfoque mais amplo, algumas destas funções do Espírito Santo. 6.1 O Espírito Santo como mestre e guia Todo cristão, independente de ser um neófito ou alguém com muitos tempo de conversão, deve sempre buscar aprender mais sobre Deus e suas coisas. Esse aprendizado se dá tanto através do conhecimento dos ensinos de Deus, das doutrinas bíblicas e da própria Bíblia como um todo, como através das experiências práticas de vida com o Senhor. No entanto, de nada vale para o cristão buscar erudição, conhecimento teológico ou mesmo experiências práticas se essa busca não for acompanhada pelo ensino sobrenatural do Espírito Santo. A Bíblia diz em 1 João 2:27: “Quanto a vocês, a unção que vocês receberam dele (Jesus) permanece em vocês, e não precisam que alguém os ensine; mas como essa unção, que é verdadeira e não falsa, os ensina acerca de todas as coisas, permaneçam nele (em Jesus) tal como os ensinou.” A unção referida neste texto é uma alusão ao Espírito Santo. Esta passagem em hipótese alguma está desmerecendo a atuação dos professores e mestres da Igreja. Muito pelo contrário, uma das maneiras que Deus usa para educar seus filhos é através de pessoas. O que o apóstolo João quis dizer é que o cristão sincero, uma vez permanecendo em Cristo e buscando compreender sinceramente a Palavra de Deus, terá o auxílio direto e sobrenatural do Espírito Santo no sentido de ensiná-lo a entender as verdades únicas e imutáveis do Senhor e ajudá-lo a permanecer 51 nelas, sem correr o risco de ser iludido pelas tantas mentiras, ensinos errados e doutrinas falsas que têm sido disseminadas por homens na sociedade, isso tanto no meio cristão como no meio secular. Só é possível compreender as verdades únicas da Bíblia, a essência de tudo que diz respeito à natureza das coisas de Deus, se houver uma direção verdadeira do Espírito Santo no processo de aprendizagem. Embora existam muitas porções na Bíblia em que é impossível uma compreensão total e definitiva do seu significado (como por exemplo alguns textos proféticos), tudo o que é necessário para que o homem possa viver um relacionamento real com Deus e ter um fé viva Nele está nas Escrituras Sagradas. Estas coisas são fundamentais e indispensáveis para que cristão conheça ao Senhor em plenitude e conseqüentemente experimente a Sua vontade, a qual é “boa, perfeita e agradável” (v. Romanos 12:2). Todavia só é possível assimilar esse conhecimento de uma forma transformadora e prática se, acima de qualquer ensino teórico, o Espírito Santo for o guia, o professor e o mestre do cristão em sua caminhada diária. O Espírito dá ao crente que se dispõe sinceramente a aprender uma consciência profunda das realidades de Deus e das implicações práticas que estas realidades trazem para sua vida. No entanto, mais do que simplesmente deixar marcas profundas das coisas de Deus na consciência do cristão, o Espírito Santo também é o guia no que diz respeito às coisas práticas da vida. Muitas vezes temos que tomar decisões, posições e atitudes. Existem coisas que são muito claras e que para se decidir não é preciso nem um tipo de revelação especial. Um exemplo disso pode ser a atitude de se casar com um cônjuge que não professe a fé cristã. A Bíblia é explícita em relação a isso (v. 2 Coríntios 6:14), deixando muito claro que um casamento desse tipo trará conseqüências muito ruins. O mesmo vale para muitas outras coisas. E desde já é bom frisar que qualquer suposta “direção” dada pelo Espírito Santo que não esteja de acordo com os princípios bíblicos não provêm Dele. Mas enfim, o fato é que existem outros tipos de situações específicas onde se é preciso tomar um rumo e Bíblia não dá uma direção específica. Um exemplo disso é a escolha de uma carreira, ou a uma escolha de ministério. Decisões desse tipo são fundamentais. Embora deva-se usar a prudência e o bom senso para se tomar decisões como estas, nenhum cristão deveria escolher os seus rumos sem uma orientação específica da parte do Espírito de Deus. Como guia, uma das funções do Espírito Santo é mostrar, de variadas maneiras, qual é o melhor caminho para cada crente seguir. Como prova disso, basta olhar para a igreja primitiva, no livro de Atos dos Apóstolos, onde as decisões eram 52 tomadas em conjunto com a ação do Espírito. Mais do que o bom senso humano, ou simplesmente atitudes tomadas por emoções passageiras, havia dependência do Espírito do Senhor antes de qualquer passo importante. Assim deve ser a vida de cada cristão: não depender apenas do bom senso e da lógica humana, mas tomar suas decisões orientado diretamente por Deus através do Espírito Santo. Como já foi dito, essa orientação pode se dar de diversas formas. Pessoas podem ser usadas para isso, sinais podem ser dados, bem como também pode existir uma convicção interior muito forte no cristão, convicção essa dada pelo Espírito. Isso dentre inúmeras e infinitas maneiras que Deus pode usar para revelar Seus planos e Sua vontade a seus filhos. Além disso, o Espírito Santo também pode dar direções específicas aos cristãos em situações específicas e com propósitos específicos. Um exemplo desse tipo de ação encontra-se em Atos 8:29-40: “O Espírito disse a Filipe: “Aproxime-se dessa carruagem e acompanhe-a.” Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?” Ele respondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?” Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. O eunuco estava lendo esta passagem da Escritura: “Ele foi levado como ovelha para o matadouro, e como cordeiro mudo diante do tosquiador, ele não abriu a sua boca. Em sua humilhação foi privado de justiça. Quem pode falar de seus descendentes? Pois a sua vida foi tirada da terra”. O eunuco perguntou a Filipe: “Diga-me, por favor: de quem o profeta está falando? De si próprio ou de outro?” Então Filipe, começando com aquela passagem da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus. Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?” Assim, deu ordem para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água, e Filipe o batizou.” Nesse texto, a Bíblia mostra como o Espírito Santo guiou Filipe numa situação específica com o propósito específico de levar uma pessoa à conversão. Como se vê, tudo já havia sido preparado: o lugar, a hora e as circunstâncias. A única coisa que coube a Filipe foi ser sensível ao Espírito e obedecê-lo. Da mesma forma, nos dias de hoje, o cristão pode ter um relacionamento semelhante com o Espírito de Deus. O Senhor pode, em momentos bem específicos, revelar algo através do Espírito Santo, com propósitos únicos. O Espírito pode levar o cristão a abençoar alguém através de uma palavra, quem sabe até usando-o para levar uma pessoa à conversão. Também pode tocar no coração do crente no sentido de usá-lo para suprir as necessidades de alguém. Pode, ainda, através de uma revelação específica, oferecer livramento de algum tipo de perigo. Tudo isso dentre muitas outras coisas mais. 53 Como se vê, o Espírito Santo é mestre e guia do cristão. Ele pode tanto ensinar e plantar verdades profundas no coração do crente, bem como guiá-lo em decisões importantes e situações específicas. O cristão que negligencia estas coisas, não as experimentando de forma prática, está perdendo uma das maiores bênçãos daquilo que Deus oferece para cada um, deixando de viver uma vida marcada pelo dirigir sobrenatural do Senhor. Cabe a cada crente buscar um relacionamento com o Espírito de Deus onde possa aprender com Ele e ser guiado tanto em suas decisões mais sérias, como nas coisas simples ou complicadas do seu cotidiano. 6.2 O Espírito Santo como consolador e auxiliador Além de ser um mestre das verdades de Deus e um guia para a vida prática do cristão, o Espírito Santo também é um amigo íntimo para o crente. Sendo um amigo, mais do que ensinar e dirigir, Ele também consola e auxilia o cristão nos seus momentos de crise e dificuldade. Segundo Rick Renner, uma das funções do Espírito Santo é a de estar ao lado do cristão em toda e qualquer circunstância.77 Tanto nas boas como nas ruins. Tanto nas fáceis como nas difíceis. Tanto em momentos de felicidade como em momentos de profunda crise e depressão. Em todo o lugar e em qualquer momento. Se a presença do Espírito Santo como amigo é absolutamente real para o cristão, é certo que essa presença fará diferença nos momentos de crise. Primeiramente o Espírito consola o crente. Esse consolo pode vir de diversas maneiras. Ás vezes vem através de uma consciência forte da presença e da segurança que Deus oferece. Pode vir também através de lembranças de ações do Senhor no passado que nos motivam a crer e confiar Nele no presente e no futuro. O Espírito de Deus ainda pode usar pessoas, situações, sinais, enfim, qualquer coisa para confortar o coração do aflito. Além disso, o Espírito Santo produz, como já foi visto, coisas como paz, alegria e paciência no cristão em meio à situações difíceis. O apóstolo Paulo expressou muito bem os sentimentos do crente consciente da presença constante e real do Espírito Santo em Romanos 8:28, 35-39: “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. (...) Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: “Por amor de ti enfrentamos a morte todo o dia; somos 77 RENNER, Rick. op. cit., p. 87. 54 considerados como ovelhas destinadas ao matadouro?”. Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Pois estou convencido de que nem a morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está Cristo Jesus nosso Senhor.” Como se vê, pela atuação do Espírito Santo é possível, mesmo nas piores circunstâncias, ter uma profunda consciência da soberania de Deus sobre tudo, bem como a certeza de que o amor de Deus é maior que qualquer situação complicada e de que nada poderá nos separar deste amor. Além de consolar e confortar os cristãos nos momentos difíceis, o Espírito de Deus também os auxilia, fortalece e encoraja. Muitas vezes, mesmo para o crente, é mais fácil fugir diante de uma situação crítica. Há momentos em que os sentimentos são semelhantes aos expressados no Salmo 55:4-8: “O meu coração está cheio de medo, e o pavor da morte cai sobre mim. Sinto um medo terrível e estou tremendo; o pavor tomou conta de mim. Ah! Se eu tivesse asas como a pomba, voaria para um lugar de descanso! Fugiria para bem longe e moraria no deserto. Bem depressa procuraria achar um lugar seguro para me esconder da ventania e da tempestade” (A Bíblia na Linguagem de Hoje). Em certas ocasiões a dor, o medo, a ansiedade, a angústia e as pressões externas são tão fortes que a vontade do cristão é “jogar tudo para o alto” e fugir das circunstâncias que o oprimem. O peso se torna tão grande que chega num ponto que parece não haver mais forças para lutar, sendo que o crente acaba por se esgotar física, emocional e espiritualmente. São nestes momentos, quando parece que tudo está perdido, é que a ação do Espírito Santo se faz necessária no sentido de fortalecer, encorajar e animar o crente abatido. É nessa hora que o que está escrito em Romanos 8:26-27 acontece: “Da mesma forma o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que sonda os corações conhece a intenção do Espírito, porque o Espírito intercede pelos santos, de acordo com a vontade de Deus.” Ás vezes as situações são tão complicadas que não sabemos sequer como ou o que pedir a Deus. Mais do que isso, em momentos de extrema pressão externa, muitas vezes é difícil orar. No entanto, a Bíblia está ensinando que o Espírito Santo ajuda o cristão a se comunicar com Deus nestes momentos difíceis, intercedendo até com “gemidos inexprimíveis”. O Espírito conhece profundamente o crente e, sendo Deus, também conhece a vontade do Senhor. Logo, todo o auxílio e 55 intercessão feita pelo Espírito Santo são de acordo com o propósito e a vontade de Deus. Muitas das maiores manifestações do poder e da graça de Deus se dão em momentos de profunda crise e fraqueza. (v. 1 Coríntios 12:9-10). São em situações como estas que conhecemos o amor e a atuação do Espírito Santo em maior profundidade. Por pior que estejam as coisas, a presença do Espírito de Deus é real, conforta e fortalece o crente, levando-o não a fugir de seus problemas, mas a se refugiar e descansar em Deus, bem como depender e confiar na soberania absoluta Dele, o que leva o cristão a amadurecer e ser edificado espiritualmente. 6.3 Entristecer o Espírito Santo Como já foi visto, o Espírito Santo, sendo um ser pessoal e sendo Deus, tem a função de acompanhar o cristão em qualquer circunstância de sua vida, ora como um mestre e guia, ora como um amigo, conselheiro e consolador. Todavia, dentro desse relacionamento, também existe a possibilidade do Espírito Santo se entristecer com atitudes do cristão. Efésios 4:25-30 diz: “Portanto, cada um de vocês deve abandonar a mentira e falar a verdade ao seu próximo, pois todos somos membros de um mesmo corpo. “Quando vocês ficarem irados, não pequem”. Que o sol não se ponha enquanto vocês estiverem irados, e não dêem lugar ao diabo. O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade. Nenhuma palavra torpe saia da boca de vocês, mas apenas a que for útil para edificar os outros, conforme a necessidade, para que conceda graça aos que os ouvem. Não entristeçam o Espírito Santo de Deus, com o qual vocês foram selados para o dia da redenção” (negrito meu). Quando o apóstolo Paulo escreveu isto, ele estava se dirigindo a cristãos e não a pessoas não convertidas. Isso indica que os crentes podem ter certas atitudes carnais e pecaminosas que entristecem o Espírito Santo. Atitudes como dar lugar à ira, ressentimentos, mentira, palavras torpes, roubos, hipocrisia, lascívia, isso dentre muitas outras mais. A partir do momento que o cristão começa a dar lado a certas coisas mundanas, a flexibilizar certos valores éticos, a obedecer suas inclinações carnais, o Espírito de Deus sente intensa mágoa ou tristeza. A palavra grega que foi traduzida por “entristeçam” é lupete, e normalmente era empregada para denotar os sentimentos de um cônjuge traído. Quando deixamos da dar prioridade ao Espírito Santo e à sua vontade, 56 deixando-o de lado, desobedecendo-o e permitindo que outras coisas mundanas tomem o Seu lugar, Ele se entristece da mesma forma que um cônjuge ao descobrir que o seu companheiro ou companheira foi infiel, sentindo-se traído e ultrajado. 78 Todo cristão é chamado a viver uma vida plena com o Espírito Santo, sendo cheio de sua presença e vivendo um relacionamento íntimo e pessoal com Ele. Mas se, em lugar disso, o crente praticar coisas que não tem absolutamente nada a ver com a atuação e a presença do Espírito de Deus, a conseqüência será o entristecimento Dele. É impossível agradar a Deus e viver de acordo com as práticas mundanas ao mesmo tempo. Se optarmos por um cristianismo fácil e barato, que pode coexistir com valores relativos e carnais, o resultado será a tristeza e o desagrado do Espírito do Senhor, o que resultará num relacionamento superficial, falso e hipócrita com Deus e numa vida vazia e infrutífera. A Bíblia diz em Tiago 4:4-5: “Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus. Ou vocês acham que é sem razão que a Escritura diz que o Espírito que Ele fez habitar em nós tem intensos ciúmes?” A palavra “adúlteros”, neste texto, não se refere ao adultério no sentido estrito da palavra (caso extraconjugal), mas sim a uma espécie de “adultério espiritual”, onde a prática adúltera é a amizade com o mundo. A palavra “amizade” é a tradução do grego phileo, que é umas das palavras gregas com a idéia de “amor” usadas no Novo Testamento. O significado de phileo transmite a idéia de amizade, ou seja, a idéia de um carinho intenso que desenvolve entre pessoas que desfrutam da companhia de uma das outras. Phileo denota um relacionamento fundamentado pela escolha e não pela obrigatoriedade.79 Quando o cristão decide, por si mesmo, “se tornar amigo do mundo”, buscando uma relação cada vez maior com ele, se conformando a padrões diferentes dos padrões únicos de Deus, ele provoca “ciúmes no Espírito Santo” e o entristece. Nesse estado de “amizade com o mundo”, o relacionamento com Cristo e seu Espírito é substituído por um relacionamento cada vez mais próximo com as coisas mundanas. Os propósitos mudam, passando a serem egoístas. O cristão passa a buscar cada vez mais os seus próprios desejos carnais, se afastando do que realmente é importante aos olhos de Deus. Talvez essa amizade com o mundo seja um apego demasiado às coisas materiais ou um orgulho excessivo, ou mesmo pequenas atitudes erradas (pequenas mentiras, “jeitinhos”, etc.) que, aparentemente, não tem nada de mal, mas que com o tempo vão 78 79 Ibid., p. 165. Ibid., p. 156-157. 57 criando uma barreira cada vez maior entre o crente e o Espírito Santo. Isso tudo dentre muitas outras coisas que poderiam ser aqui descritas. Um bom exemplo da amizade com o mundo encontra-se em Apocalipse 3:15-17, na mensagem de Jesus dirigida à igreja de Laodicéia: “Conheço as suas obras, sei que você não é frio, nem quente. Quem dera você fosse frio ou quente! Assim, porque você é morno, estou a ponto de vomitá-la de minha boca. Você diz: Estou rico, adquiri riquezas e não preciso de nada. Não reconhece, porém, que é miserável, digno de compaixão, pobre, cego e nu.” Nesse texto está muito claro que houve uma inversão de valores por parte dos cristãos de Laodicéia. Tudo indica que eles não haviam adotado o estilo pervertido e mundano dos não cristãos. No entanto, ao que parece, eles davam muito valor a bens materiais, tinham uma grande ostentação e eram orgulhosos, a ponto de achar que tudo isso era o suficiente. A essência de tudo, o relacionamento, a humildade, a submissão e a dependência perante o Senhor e seu Espírito haviam sido substituídos por coisas que não valem nada aos olhos de Deus. O pior de tudo que aqueles crentes haviam se conformado com estas coisas. Quando isso acontece com o cristão, seja na área que for, ocorre o já mencionado “adultério espiritual”. Rick Renner falando sobre o assunto, escreve: “Constitui adultério espiritual para com o Senhor Jesus Cristo nós nos envolvermos de tal forma com o estado atual de coisas da sociedade que acabamos pensando como ela pensa, agindo como ela age e buscando as coisas que ela busca”.80 Quando algum crente chega neste estado, cabe a ele se arrepender, rever todos os seus valores distorcidos e trocados, para então reiniciar e restaurar seu relacionamento com o Espírito Santo (v. Apocalipse 3:19-20). Concluindo, é da vontade de Deus que cada cristão experimente um relacionamento e uma amizade íntima com seu Espírito, sendo guiado, ensinado e auxiliado, em todos os sentidos, por Ele. Só que para que isso possa se efetivar, se faz necessário um compromisso de vida sério e radical com Deus, caso contrário o que era para ser uma experiência única e pessoal com o Espirito Santo acaba por se tornar algo praticamente inexistente. Cabe a cada um buscar um relacionamento profundo e constante com o Espírito de Deus, o que resultará numa plenitude de vida cristã que se extende muito além das dimensões humanas, tendo como conseqüência um viver marcado pelo sobrenatural de Deus. 80 Ibid., p. 158-159. CONCLUSÃO Tudo o que foi exposto foi apenas uma descrição muito breve e concisa da atuação do Espírito Santo na vida pessoal dos homens, em especial dos cristãos. Cada tópico aqui abordado poderia ser explanado em muito mais profundidade. Além disso, sendo o Espírito Santo uma fonte para muitos assuntos, diversos outros tópicos relacionados a Ele ficaram de fora. Todavia, o intuito desta obra foi fornecer, de maneira simples, alguns princípios básicos e práticos das funções e atuação do Espírito de Deus na vida de cada cristão. Além disso, outro propósito deste trabalho também foi o de dar ao crente algumas diretrizes para que este possa experimentar em profundidade uma vida plena com o Espírito Santo. Diante do todos os aspectos abordados, conclui-se que a pessoa do Espírito Santo é absolutamente indispensável para que cada cristão possa experimentar o cumprimento pleno das promessas, propósitos e vontade de Deus em sua vida. Muitas pessoas são salvas e convertidas, mas após algum tempo parece que já não progridem mais do que isso. Ficam estagnadas, sem aprofundar seu relacionamento com o Senhor e sem ter experiências práticas, reais e contínuas com Ele, o que muitas vezes transforma o seu cristianismo numa religiosidade superficial e monótona. Uma coisa é ter o Espírito de Deus habitando em nossas vidas. Isso, todos o verdadeiros cristãos têm. Outra coisa, muito diferente, e estar cheio desse Espírito e viver um relacionamento pessoal, profundo, prático e íntimo com Ele. Isso, infelizmente, não faz parte da vida de todos os cristãos. Cabe a cada um escolher o estilo de cristianismo que quer viver. Deus respeita a individualidade de cada um, mas, independente disso, o Seu desejo é levar cada cristão a viver a sua fé em autenticidade e plenitude. O Seu desejo é dar experiências sérias, profundas e sobrenaturais para cada crente, isso dentro daquilo que Ele tem reservado para cada um. Deus também deseja derramar dons sobre cada cristão, tornando-o eficiente no serviço cristão. Outra coisa que é da total vontade do Senhor é produzir em cada filho Seu o caráter de Jesus, o que se dá através das características do fruto do Espírito. Além disso, o Espírito Santo almeja um relacionamento pessoal com cada cristão, relacionamento esse onde Ele venha a ensinar, guiar, auxiliar e fortalecer, sendo, acima de tudo, um amigo íntimo do crente. Tudo isso não é um estilo de espiritualidade disponível apenas para uns poucos escolhidos, mas são coisas que estão disponíveis para cada cristão. Todo crente não deveria 59 limitar sua fé a uma liturgia religiosa, mas estar sempre disposto a ir muito além disso. Só é possível ser um autêntico discípulo e seguidor de Jesus nos dias de hoje se houver um andar constante com e no Espírito Santo. A partir do momento em que isso é uma realidade, o cristão vive o evangelho de uma forma autêntica e abundante, exatamente como Deus quer que seja. Sua vida é marcada pelo Espírito do Senhor, o que implica num caráter transformado, numa visão diferente e espiritual das coisas, em manifestações sobrenaturais em seu viver diário e numa dependência única e constante de Deus. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Espírito Santo: O Deus que vive em nós. 3 ed. São José dos Campos: CLC Editora, 1993. Dicionário Bíblico Almeida, Edição 1999. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. versão CD - ROM - Bíblia On-line. DUEWEL, Wesley L. Em chamas para Deus. São Paulo: Editora Candeia, 1996. GRAHAM, Billy. 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