análise do controle viral e caracterização de subpopulações de

Propaganda
MINISTÉRIO DA SAÚDE
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Mestrado em Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
ANÁLISE
DO
CONTROLE
VIRAL
E
CARACTERIZAÇÃO
DE
SUBPOPULAÇÕES DE CÉLULAS IMUNES EM INFECÇÕES PELO
VÍRUS DA HEPATITE E GENÓTIPO 3 DE ORIGEM SUÍNA E HUMANA
EM MACACOS CYNOMOLGUS (Macaca fascicularis) NA FASE DE
CONVALESCÊNCIA.
DIANA CHAVES PEREIRA MEJIDO
Rio de Janeiro
Abril de 2014
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
DIANA CHAVES PEREIRA MEJIDO
Análise do controle viral e caracterização de subpopulações de células imunes em
infecções pelo Vírus da hepatite E genótipo 3 de origem suína e humana em macacos
cynomolgus (Macaca fascicularis) na fase de convalescência.
Dissertação apresentada ao Instituto Oswaldo
Cruz como parte dos requisitos para obtenção do
título de Mestre em Biologia Parasitária
Orientador (es): Prof. Dr. Marcelo Alves Pinto
RIO DE JANEIRO
Abril de 2014
ii
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
Programa de Pós-Graduação em Biologia Parasitária
DIANA CHAVES PEREIRA MEJIDO
ANÁLISE DO CONTROLE VIRAL E CARACTERIZAÇÃO DE SUBPOPULAÇÕES
DE CÉLULAS IMUNES EM INFECÇÕES PELO VÍRUS DA HEPATITE E GENÓTIPO
3 DE ORIGEM SUÍNA E HUMANA EM MACACOS CYNOMOLGUS (Macaca
fascicularis) NA FASE DE CONVALESCÊNCIA.
ORIENTADOR (ES): Prof. Dr. Marcelo Alves Pinto
Aprovada em: 16 / 04 / 2014
EXAMINADORES:
Profa. Dra. Luzia Maria de Oliveira Pinto - Presidente (IOC/Fiocruz)
Profa. Dra. Rita de Cássia Nasser Cubel Garcia (UFF)
Profa. Dr. Eduardo de Mello Volotão (IOC/Fiocruz)
Prof. Dra. Adriana de Abreu Corrêa (UFF)
Prof. Dr. Túlio Machado Fumian (IOC/Fiocruz)
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2014
iii
Dedico este trabalho à minha eterna
coragem de lutar pelo que acredito e à
legitimidade do desejo do jovem por
transformação.
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, João Marcelo Ferreira Mejido e Rosa Maria Chaves Pereira Mejido,
pelo amor e apoio incondicionais.
Ao meu noivo, Rodrigo Chaloub Dieguez, por todo amor, companheirismo e
compreensão sempre.
À minha grande amiga, Monique Ribeiro de Lima, pela fraternidade, apoio e amizade
em todos os momentos.
Ao Dr. Renato Marchevsky, pelo exemplo profissional, por toda a solidariedade,
amizade e apoio, fundamentais para a concretização deste trabalho.
Ao meu orientador, Dr. Marcelo Alves Pinto, pela oportunidade, por todo o suporte,
incentivo e ensinamentos fundamentais à realização deste trabalho.
À amiga Noemi Rovaris Gardinali do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em
Virologia – IOC, pelo imenso auxílio no desenvolvimento das atividades referentes a
este projeto e por todo o companheirismo.
Aos companheiros do Laboratório Desenvolvimento Tecnológico em Virologia – IOC,
em especial a Natália Lanzarini, Yohan Kevorkian, Juliana Guimarães e Juliana
Melgaço pelo companheirismo e auxílio prestado em vários momentos no decorrer do
mestrado.
À amiga Ana Carolina Carajavile pela cumplicidade, amizade e apoio profissional.
Às amigas Michelle Menezes e Nilcéia Ramos por todo carinho, suporte e palavras de
motivação, sem as quais, dificilmente, eu teria conseguido finalizar este trabalho.
Aos amigos de turma Geovane Lopes, André Dias e Milene Yoko pela cumplicidade
no curso deste mestrado.
Ao Dr. Túlio Fumian do Laboratório de Virologia Comparativa e Ambiental – IOC, pelo
auxílio no desenvolvimento do PCR em tempo real.
Às equipe do Laboratório de Microscopia confocal da UERJ e do Laboratório de
Pesquisa sobre o Timo – IOC, pelo auxílio nas atividades de imunofluorescência.
v
A todos àqueles que contribuíram diretamente ou indiretamente para a realização
deste trabalho.
Ao Instituto Oswaldo Cruz – IOC e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq, pelo auxílio financeiro que possibilitou a realização
deste trabalho.
vi
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
ANÁLISE DO CONTROLE VIRAL E CARACTERIZAÇÃO DE SUBPOPULAÇÕES DE CÉLULAS
IMUNES EM INFECÇÕES PELO VÍRUS DA HEPATITE E GENÓTIPO 3 DE ORIGEM SUÍNA E
HUMANA EM MACACOS CYNOMOLGUS (Macaca fascicularis) NA FASE DE
CONVALESCÊNCIA.
RESUMO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM BIOLOGIA PARASITÁRIA
Diana Chaves Pereira Mejido
O vírus da Hepatite E (HEV) apresenta-se relacionado à crescente ocorrência de
casos da doença em países industrializados. Os achados deste em inúmeras espécies
animais e sua transmissão associada ao consumo de produtos de origem animal, o
definem como um agente zoonótico de importância para a Saúde Pública. Frente à
escassez de informações sobre a patogenia da hepatite E, optou-se por avaliar o
controle viral e caracterizar as células imunes envolvidas na resposta intra-hepática
na fase de convalescência da infecção experimental com o HEV3 recuperado de
suínos e humanos em macacos cynomolgus (Macaca fascicularis). No diagnóstico
molecular por qRT-PCR em tecidos coletados 67 dpi, pôde-se detectar o RNA viral
indicativo de permanência do vírus no trato biliar de dois animais e no fígado de um
animal, inoculados com HEV suíno. Em imunomarcações específicas para a detecção
do antígeno viral, todos os animais expressaram HEV Ag na fase tardia de infecção,
principalmente em células sinusoidais. A discordância na detecção do HEV RNA e do
HEV Ag sugere sensibilidades diferentes dos ensaios durante a fase da
convalescência. A hiperplasia das células de Kupffer não foi observada no período de
estudo, entretanto, a frequência elevada de células de kupffer comarcadas com HEV
no grupo suíno sugere uma maior imunoreatividade tecidual ao HEV3 suíno em fase
tardia da infecção. Quanto à expressão da enzima iNOS, observou-se pouca presença
em células de Kupffer e maior expressão em células circulantes sinusoidais e
hepatócitos, envolvidos na resposta inflamatória convalescente da hepatite E, com
maior produção de iNOS nos animais inoculados com HEV suíno. O envolvimento
significativo de linfócitos TCD4 e TCD8 foi observado na resposta imune celular, com
predominância da população de TCD8. Concluímos que infecções com HEV3 de
diferentes origens produzem padrões distintos de imunoreatividade hepática. A
interação de células de Kupffer com o antígeno viral frente à infecção com o HEV3
varia com a origem dos inóculos. Assim como a produção de NO parenquimal, que
parece atuar no controle do binômio infecção/dano tecidual na convalescência,
predominantemente no grupo infectado com HEV3 de origem suína. O envolvimento
das células TCD4 e TCD8 na resposta imune intra-hepática também mostrou-se
influenciado pelo inóculo, com uma frequência maior destes linfócitos no grupo
infectado com o HEV3 suíno. Sendo assim, a distância filogenética entre as espécies
origem dos inóculos (suínos ou humanos) e a espécie hospedeira (primatas), parece
influenciar na mediação do processo inflamatório para a resolução da hepatite E.
vii
INSTITUTO OSWALDO CRUZ
ANALYSIS OF VIRAL CONTROL AND CHARACTERIZATION OF IMMUNE CELL
SUBPOPULATIONS IN INFECTIONS BY HEPATITIS E GENOTYPE 3 OF SWINE AND HUMAN
ORIGIN IN CYNOMOLGUS MONKEYS (MACACA FASCICULARIS) IN CONVALESCENCE
PHASE.
ABSTRACT
MASTER DISSERTATION IN BIOLOGIA PARASITÁRIA
Diana Chaves Pereira Mejido
Hepatitis E virus (HEV) is presented related to the increasing occurrence of the disease
in industrialized countries. The findings of this in several animal species and their
associated transmission by consumption of animal products, define it as a zoonotic
agent of importance to public health. Facing the lacking of information on the
pathogenesis of hepatitis E, we chose to evaluate the viral control and characterize the
immune cells involved in intrahepatic response during convalescence phase of
experimental infection with HEV3 recovered from pigs and humans in cynomolgus
monkeys (Macaca fascicularis). Through molecular diagnostics by qRT - PCR in
tissues collected 67 dpi, we could detect viral RNA indicative of virus persistence in
the biliary tract of two animals and the liver of one animal inoculated with swine HEV.
In specific immunostaining for the detection of viral antigen, all animals expressed HEV
Ag in the late phase of infection, especially sinusoidal cells. The discrepancy in the
detection of HEV RNA and HEV Ag suggests different sensitivities of the tests during
the period of convalescence. The hyperplasia of Kupffer cells was not observed during
the study period, however, the high frequency of Kupffer cells stained with HEV in the
swine group suggests a greater tissue immunoreactivity for swine HEV3 in late stage
of infection. Regarding the expression of iNOS, low presence was observed on Kupffer
cells and higher expression in sinusoidal circulating cells and hepatocytes, involved in
the inflammatory response of convalescent hepatitis E, with greater production of iNOS
in animals inoculated with swine HEV. Meaningful involvement of CD4 and CD8 T
lymphocytes was observed in the cellular immune response, with predominance of
CD8 population. We conclude that infections with HEV3 from different sources produce
distinct patterns of immunoreactivity in the liver. The interaction of Kupffer cells with
viral antigen in response of infection with HEV3 varies with the source of inoculum. As
parenchymal NO production, which seems to control the binomial infection / tissue
damage during convalescence, predominantly in HEV3 infected with swine origin
group. The involvement of CD4 and CD8 T cells in the intrahepatic immune response
also proved to be influenced by inoculum with a higher frequency of these lymphocytes
in group infected with swine HEV3. Thus, the phylogenetic distance between the
species origin of inocula (porcine or human) and the host species (primates) seemed
to influence the mediation of the inflammatory process for the resolution of hepatitis E.
viii
ÍNDICE
RESUMO......................................................................................................
viii
ABSTRACT..................................................................................................
ix
1 INTRODUÇÃO.........................................................................................
1
1.1 A Hepatite E .................................................................................
1
1.1.1 O vírus da Hepatite E (HEV).....................................................
1
1.1.2 Histórico, padrões epidemiológicos e modos de transmissão...
4
1.1.3 Cenário atual – Do diagnóstico aos aspectos clínicos e
prevenção ........................................................................................
8
1.2 Imunopatogênese da infecção pelo vírus da Hepatite E............
12
1.2.1 O curso da hepatite E...............................................................
12
1.2.2 Patogenia - os mecanismos de lesão hepática.......................
14
1.2.3 Resposta imune.......................................................................
18
1.3 Genótipo 3 - Potencial zoonótico e impacto na Saúde Pública..
22
1.4 Primatas não humanos como modelos experimentais para a
Hepatite E.............................................................................................
24
2 JUSTIFICATIVA........................................................................................
26
3 OBJETIVOS.............................................................................................
27
3.1 Objetivo Geral...............................................................................
27
3.2 Objetivos Específicos...................................................................
27
4 MATERIAL E MÉTODOS.........................................................................
28
4.1 Animais..........................................................................................
28
4.2 Infecção experimental de macacos cynomolgus com HEV
genótipo 3.............................................................................................
28
4.3 Detecção do RNA viral do HEV e quantificação da carga viral
em fase tardia de infecção..................................................................
31
4.3.1 Detecção e quantificação do RNA do HEV através de PCR em
tempo real (qRT-PCR)......................................................................
31
4.3.2 Detecção do RNA genôminco e do RNA intermediário
replicativo do HEV por Nested-PCR / sequenciamento....................
34
4.4 Imunomarcação em amostras de tecidos hepáticos.................
35
4.4.1 Detecção do antígeno viral do HEV por imunofluorescência
indireta..............................................................................................
35
ix
4.4.2 Análise e quantificação fenotípica celular e da produção de
óxido nítrico por imunomarcações simultâneas em amostras
hepáticas...........................................................................................
38
4.4.2.1 Quantificação das imunomarcações com o software ImageJ.
40
4.5 Análise estatística..........................................................................
41
5 RESULTADOS.........................................................................................
42
5.1 Detecção do RNA do HEV por qRT-PCR e Nested-PCR ...........
42
5.2 Detecção do antígeno viral do HEV por imunofluorescência
indireta em amostras hepáticas..........................................................
43
5.3 Quantificação dos fenótipos celulares e da expressão da
enzima óxido nítrico sintetase induzida (iNOS) em amostras de
tecido hepático ....................................................................................
5.3.1 Detecção de células de Kupffer e de células de Kuffer positivas
para o HEV Ag durante o período de resolução da hepatite
E........................................................................................................
5.3.2 Análise da expressão de iNOS em fase tardia de infecção pelo
HEV...................................................................................................
45
45
47
5.3.3 Análise fenotípica para a identificação das populações de
linfócitos TCD4 e TCD8 em fase tardia de infecção...........................
49
6 DISCUSSÃO............................................................................................
54
7 CONCLUSÕES.......................................................................................
61
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................
63
APÊNDICES................................................................................................
76
x
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1.1
Organização genômica do HEV ..................................................
2
Figura 1.2
Região epidêmica no Vale de Caxemira, Índia, 1978....................
5
Figura 1.3
Linha do tempo com o histórico do vírus da hepatite E..................
5
Figura 1.4
Curso da infecção pelo HEV......................................................... 14
Figura 1.5
Ciclo replicativo do HEV................................................................ 16
Figura 4.1
Desenho experimental da infecção de macacos cynomolgus
com o HEV3, realizado por Carvalho et al., 2013 .......................
30
Figura 5.1
Detecção do RNA do HEV por Nested-PCR................................. 43
Figura 5.2
Detecção do antígeno viral do HEV (proteína de capsídeo viral ORF2) por imunofluorescência indireta em amostras hepáticas
de cynomolgus, coletadas em fase tardia de infecção (67
dpi)................................................................................................ 44
Figura 5.3
Detecção de células de Kupffer (CD68+) por imunofluorescência
indireta no parênquima hepático de cynomolgus, em fase tardia
de infecção................................................................................... 45
Figura 5.4
Frequência de células de Kupffer (CD68+) no parênquima
hepático dos animais dos grupos experimentais avaliados
(inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano
n=2 e controle n=2)....................................................................... 46
Figura 5.5
Detecção de células de Kupffer infectadas com o HEV
(CD68+HEV+) no parênquima hepático de macacos
cynomolgus, por imunofluorescência indireta, em fase tardia de
infecção........................................................................................ 46
Figura 5.6
Frequência de células de Kupffer comarcadas com o HEV
(CD68+HEV+) no parênquima hepático dos animais dos grupos
inoculados com HEV suíno n=6 e com HEV humano n=2............. 47
Figura 5.7
Detecção de células produtoras de óxido nítrico (iNOS+) no
parênquima hepático de macacos cynomolgus, por
imunofluorescência indireta, em fase tardia de infecção............... 48
Figura 5.8
Frequência de células produtoras de iNOS no parênquima
hepático dos animais dos grupos experimentais (inoculado com
HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano n=2 e controle
n=2).............................................................................................. 48
Figura 5.9
Frequência de células HEV+iNOS+ no parênquima hepático
dos animais dos grupos experimentais (inoculado com HEV
suíno n=6 e HEV humano n=2) ...................................................
Figura 5.10
49
Detecção de células CD4+ e de linfócitos TCD4 (CD3+CD4+) no
parênquima hepático de macacos cynomolgus, por
imunofluorescência
indireta,
em
fase
tardia
de
infecção........................................................................................ 50
xi
Figura 5.11
Frequência de células CD4+ e de linfócitos T CD4 (CD3+CD4+)
no parênquima hepático dos animais dos grupos experimentais
(inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano
n=2 e controle n=2)....................................................................... 50
Figura 5.12
Detecção de células CD8+ e de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+)
no parênquima hepático de macacos cynomolgus, por
imunofluorescência
indireta,
em
fase
tardia
de
infecção........................................................................................ 51
Figura 5.13
Frequência de células CD8+ e de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+)
no parênquima hepático dos animais dos grupos experimentais
avaliados (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV
humano n=2 e controle n=2) ......................................................... 52
Figura 5.14
Frequência de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+) e T CD4
(CD3+CD4+) no parênquima hepático dos animais infectados
experimentalmente e dos animais controle................................... 53
Figura 5.15
Frequência das subpopulações celulares avaliadas no
parênquima hepático dos animais dos grupos experimentais
(inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano
n=2 e controle n=2) 67 dpi............................................................. 53
xii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1.1
Classificação proposta para o vírus da hepatite E.......................
3
Tabela 1.2
Características epidemiológicas e clínicas dos genótipos do
HEV.............................................................................................
7
Grupos experimentais, parâmetros histopatológicos e
virológicos....................................................................................
29
Descrição dos primers e sonda utilizados no qRT-PCR para
detecção do HEV RNA (Jothikumar et al., 2006) .......................
33
Descrição dos primers utilizados na PCR (1° round) e Nested
(2° round) para detecção do genótipo 3 do HEV..........................
34
Descrição dos anticorpos primário e secundário utilizados e das
respectivas diluições empregadas na marcação anti-HEV por
imunofluorescência indireta.........................................................
37
Descrição dos anticorpos primários e secundários utilizados nas
marcações duplas por imunofluorescência, com as diluições
empregadas e as diferentes espécies onde os anticorpos foram
produzidos (Hosts).......................................................................
39
Detecção quantitativa (qRT-PCR) e qualitativa (Nested-PCR)
do genoma do HEV em diferentes tecidos obtidos de macacos
cynomolgos aos 67 dias de infecção ..........................................
42
Tabela 4.1
Tabela 4.2
Tabela 4.3
Tabela 4.4
Tabela 4.5
Tabela 5.1
xiii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ºC
Grau Celsius
L
Microlitro
m
Micrometro
ALT
Enzima alanina aminotransferase
BSA
Albumina do soro bovino (do inglês bovine serum albumin)
CD3
Cluster of diferenciation 3
CD4
Cluster of diferenciation 4
CD8
Cluster of diferenciation 8
CD68
Cluster of diferenciation 8
CD69
Cluster of diferenciation 69
cDNA
DNA complementar ao mRNA
CECAL
Centro de Criação de Animais de Laboratório
CEUA
Comissão de Ética no Uso de Animais
DAPI
4’-6-diamidino-2-fenilindol
Dntp
Desoxinucleotídeos trifosfatados
dpi
dias pós infecção
DTT
Ditiotreitol
ELISA
Enzyme-linked immunosorbent assay
eNOS
Óxido nítrico sintase endotelial
ET-NANBH
Enterically transmitted non-A, non-B hepatitis
FITC
Isotiocianato de fluoresceína
g
Força centrífuga relativa à aceleração padrão de gravidade
G1
Genótipo 1
G2
Genótipo 2
G3
Genótipo 3
G4
Genótipo 4
Grp78
chaperona etc
HAV
Vírus da hepatite A
HBV
Vírus da hepatite B
HCV
Vírus da hepatite C
HEV
Vírus da hepatite E
xiv
HEV3
Vírus da Hepatite E genótipo 3
HIV
Vírus da imunodeficiência humana
HSPGs
Proteoglicanos sulfatados de heparina
ICTV
Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus
IFN-
Interferon-gama
IgA
Imunoglobulina A
IgG
Imunoglobulina G
IgM
Imunoglobulina M
IHA
insuficiência hepática aguda
IL-1
Interleucina-1
IL-4
Interleucina-4
iNOS
Óxido nítrico sintase induzida
IV
Intravenosa
kDa
kilodaltons
LADTV
Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia
LPS
Lipopolissacarídeo
MFI
Média de intensidade de fluorescência
MgCl2
Cloreto de magnésio
mRNA
Ácido ribonucleico mensageiro
NBA
Nível de Biossegurança Animal
NCBI
National Center for Biotechnology Information
NIH
National Institutes of Health
NK
Células “natural killer”
NKT
Células T “natural killer”
NO
Óxido nítrico
OMS
Organização Mundial de Saúde
ORF
Fase de leitura aberta (do inglês Open reading frames)
p
Probabilidade de significância (valor-p)
pb
Pares de bases
PBMC
Células mononucleares de sangue periférico
PBS
Solução tamponada fosfato salina
PBST
Solução tamponada fosfato salina Tween
PCR
Reação em cadeia da polimerase
PDTIS
Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde
xv
PTN
Proteína
p/v
Peso por volume
qRT-PCR
Reação em cadeia da polimerase com transcrição reversa em tempo
real
RdRp
RNA polimerase dependente de RNA
RE
Retículo endoplasmático
RNA
Ácido ribonucléico
RNAss
RNA de fita simples
SCPRIM
Serviço de Criação de Primatas do CECAL
SFDA
State Food and Drug Administration
SIV
Vírus da imunodeficiência símia
SRV/D
Retrovírus tipo D dos símios
TGI
Trato gastrointestinal
TNF-
Fator de necrose tumoral-alfa
UERJ
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
xvi
Mejido, DCP
Introdução
1 INTRODUÇÃO
1.1 A Hepatite E
1.1.1 O vírus da Hepatite E (HEV)
A hepatite E foi caracterizada, há somente três décadas, como uma virose
emergente de transmissão entérica, associada a inúmeros surtos epidêmicos
precedentes de origem etiológica desconhecida. Em virtude da complexidade de sua
patogenia e epidemiologia, esta doença multifacetada tem atraído cada vez mais a
atenção da comunidade científica, já que são escassas as informações acerca da
biologia do vírus, como agente etiológico, e da própria infecção, que hoje ganha
importância mundial. Em países em desenvolvimento, especialmente na Ásia e na
África, são comuns surtos de hepatite E aguda, enquanto em países industrializados,
na Europa, Ásia e América do Norte, casos esporádicos e autóctones da doença têm
sido cada vez mais frequentes. Sendo assim, apesar de se apresentar como uma
enfermidade autolimitante, crescentes epidemias e casos eventuais da doença a
tornam uma das principais causas de hepatites entéricas atualmente, com enorme
impacto na saúde pública global (Kumar et al., 2013; Yugo e Meng, 2013).
Descrições históricas de epidemias apontam a existência da hepatite E tempos
antes desta ter sido reconhecida como uma nova hepatite viral (Purcell e Emerson,
2008; Aggarwal, 2011 e Kmush et al., 2013). Sendo assim, a real identificação e
caracterização do vírus da Hepatite E (Hepatitis E virus - HEV) se deu apenas em
1990, em um trabalho realizado por Reyes e colaboradores. Este trabalho inicial
permitiu a caracterização do recém descoberto vírus através do isolamento de
partículas virais da bile de macacos cynomolgus infectados experimentalmente com o
vírus desconhecido oriundo de casos de hepatite entérica, constituindo um marco para
estudos conseguintes sobre a hepatite E (Reyes et al., 1990).
Após a identificação do HEV, abordagens moleculares foram utilizadas para a
caracterização da partícula viral e o sequenciamento completo do genoma do vírus foi
realizado. O HEV apresenta partícula viral icosaédrica não envelopada, com genoma
de aproximadamente 7,2 Kb, composto por uma fita simples de RNA com polaridade
positiva. No genoma foram identificadas três sequências de leitura aberta, open
reading frames (ORFs), responsáveis pela expressão de proteínas estruturais e não
1
Mejido, DCP
Introdução
estruturais do vírus (Figura 1.1). A região ORF1, presente na extremidade 5’, possui
1.693 aminoácidos e codifica para uma poliproteína não estrutural (~ 180 kDa), que
sofre modificações pós-traducionais, produzindo cinco proteínas distintas: uma
metiltransferase, um domínio y, uma protease cisteína (papain-like), uma helicase e
uma RNA polimerase dependente de RNA. A região identificada como ORF2,
presente na extremidade 3’, possui 660 aminoácidos e codifica a principal proteína
estrutural que compõe o capsídeo viral (região não glicosilada com ~ 74 kDa e região
glicosilada com ~ 88 kDa). E, a região ORF3, sobreposta às demais, com apenas 114
aminoácidos, codificando uma pequena fosfoproteína imunogênica (~ 13 kDa), que
associada ao citoesqueleto, efetua papel fundamental na montagem de novas
partículas virais (Tam et al., 1991; Chandra et al., 2008; Ahmad et al., 2011; Holla et
al., 2013).
Figura 1.1 - Organização genômica do HEV. O genoma do HEV, apresenta uma fita de RNA simples de
polaridade positiva, com três ORFs. O RNA apresenta um cap 7mG no terminal 5` e uma cauda poli A no
terminal 3`, com pequenas regiões não codificantes em cada terminal. A região ORF1 codifica para uma
poliproteína, gerando as PTNs: metiltransferase, domínio y, protease cisteína, domínios, V e X, helicase
e RNA polimerase dependente de RNA. A região ORF2 codifica para PTNs do capsídeo. A região ORF3
se sobrepõe às demais e apresenta dois domínios maiores na extremidade N, D1 e D2, e outros dois
ricos em prolina na extremidade C, P1 e P2, codificando uma fosfoproteína imunogênica.
Fonte: Adaptação de Holla et al., 2013.
O Comitê Internacional para Taxonomia de Viroses (International Committee
for Taxonomy of Viruses, ICTV) classifica o HEV como o único membro do gênero
2
Mejido, DCP
Introdução
Hepevirus, pertencente à família Hepeviridae (King et al., 2012). Na classificação de
Baltimore, o vírus se encontra no grupo V, por ser RNA fita simples de polaridade
positiva (Baltimore, 1971). Contudo, com base no sequenciamento do genoma do
HEV a partir de isolados de diferentes localizações geográficas, foi possível a
identificação de quatro genótipos distintos, denominados 1, 2, 3 e 4 (Kumar et al.,
2013 e Holla et al., 2013).
À partir da caracterização genética do HEV, novas linhagens foram
identificadas em mamíferos (humanos, suínos, mangustos, cervos, ratos, coelhos e
furão). Recentemente, outras linhagens, genética e filogeneticamente distintas, foram
identificadas em várias outras espécies animais, como morcegos e até mesmo
galinhas e peixes. Desta forma, a fim de otimizar a classificação taxonômica existente,
foi proposto um novo arranjo na nomenclatura atual (Tabela 1.1), no qual as linhagens
e os genótipos encontram-se categorizados em gêneros de acordo com as diferentes
espécies hospedeiras relacionadas (Meng, 2013).
Tabela 1.1 - Classificação proposta para o vírus da hepatite E. Sugestão de modificação da
nomenclatura atual, com a inclusão de gêneros distintos do HEV relacionados às espécies
hospedeiras. Fonte: Adaptação com tradução de tabela de Meng, 2013.
Gêneros Propostos
Hospedeiros naturais
Orthohepevirus
Genótipo 1
Genótipo 2
Genótipo 3
Genótipo 4
Genótipo 5 sugestivo
Genótipo 6 sugestivo
Espécies relacionadas
Homem
Homem
Homem, porco doméstico e selvagem, cervo, mangusto, coelho e rato
Homem, porco doméstico e selvagem, gado e ovelha
Rato e furão
Porco selvagem
Avihepevirus
Genótipo 1
Genótipo 2
Genótipo 3
Espécies relacionadas
Galinha (Austrália e Coreia)
Galinha (Estados Unidos e Canadá)
Galinha (Europa e China)
Piscihepevirus
Espécies relacionadas
Vírus da HE de trutas
Trutas
Chiropteranhepevirus
Espécies relacionadas
Vírus da HE de Morcego
Morcego
3
Mejido, DCP
Introdução
1.1.2 Histórico, padrões epidemiológicos e modos de transmissão
A hepatite E é inúmeras vezes referida na literatura como uma doença
emergente, devido ao seu recente reconhecimento, na década de 90. No entanto, há
evidências de focos históricos, documentados e datados de 1794 até o primeiro surto
com relação etiológica confirmada em 1955-56, consistentes com o caráter
epidemiológico da doença (Purcell e Emerson, 2008; Aggarwal, 2011 e Kmush et al.,
2013).
A primeira epidemia bem documentado de hepatite E ocorreu em 1955-1956
em Nova Délhi, na Índia, devido à contaminação da água potável local, acometendo,
nesta ocasião, cerca de 29.000 pessoas (Vishwanathan, 1957). Naquela época,
considerou-se esta epidemia como de hepatite A, devido à transmissão entérica e às
manifestações clínicas observadas. Entretanto, em 1980, a análise retrospectiva dos
soros armazenados dos pacientes afetados neste surto indicou o envolvimento de um
novo agente viral infeccioso.
Ainda no século XX, após este primeiro relato epidêmico, especialmente entre
as décadas de 70 e 90, inúmeros surtos passaram a ser relacionados à um agente
etiológico até então desconhecido, causador de hepatite entérica, designado
inicialmente como vírus da hepatite entérica não-A e não-B (enterically transmitted
non-A, non-B hepatitis - ET-NANBH), devido à similaridade da infecção e
apresentação clínica com os já conhecidos vírus da hepatite A e B (Wong et al., 1980
e Kumar et al., 2013).
Em 1978, outra epidemia de grande porte no Vale da Caxemira, na Índia (Figura
1.2), chamou a atenção dos pesquisadores por apresentar características clínicas e
epidemiológicas únicas, semelhantes às hepatites virais, sem que houvesse, no
entanto, a presença dos marcadores sorológicos conhecidos de hepatite A ou B
(Khuroo, 1980a). Sendo assim, a existência de uma nova forma do vírus como
provável causa desta epidemia foi apresentada em uma Reunião Anual da Sociedade
Indiana de Gastroenterologia, em 1979, e em seguida, amplamente comunicada em
trabalhos científicos (Khuroo, 1980a; Khuroo, 1980b e Khuroo, 2011).
4
Mejido, DCP
Introdução
Figura 1.2 – Região epidêmica no Vale de Caxemira, Índia, 1978. A imagem ilustra a precariedade
das fontes de água de abastecimento à população, em um canal, que recebia o esgoto e lixo de
toda localidade. Na mesma fonte de água, utensílios e roupas eram lavados e a pesca era
realizada. A epidemia causou um número estimado de 52.000 casos de hepatite com
manifestações ictéricas e cerca de 1.700 óbitos. Fonte: Khuroo, 2011.
A Figura 1.3 apresenta uma série histórica dos surtos epidêmicos de hepatite
E, desde os primeiros relatos no século XVIII, quando as epidemias de icterícia
passaram a ser documentadas, até a sua identificação em 1983 por Balayan e
caracterização em 1990 por Reyes e colaboradores (Balayan et al., 1983 e Reyes et
al., 1990).
Figura 1.3 – Linha do tempo com o histórico do vírus da hepatite E. Dados históricos coletados desde os
primeiros surtos epidêmicos possivelmente relacionados ao HEV no Século XVIII, até a sua
caracterização no Século XX. Fonte: Balayan et al., 1983; Reyes et al., 1990 e Teo, 2012.
5
Mejido, DCP
Introdução
Após a descoberta da hepatite E e a caracterização molecular e genética de
seu agente etiológico, há um crescente interesse nas últimas décadas em ampliar os
conhecimentos acerca dos aspectos únicos de sua epidemiologia e transmissão. A
epidemiologia da hepatite E, norteada pelos quatro genótipos principais da doença e
sua distribuição geográfica, abrange desde casos esporádicos e infecções subclínicas
até surtos de grande magnitude com milhares de casos (Kmush et al., 2013).
Discrepâncias epidemiológicas e clínicas são observadas entre os locais onde há a
ocorrência de hepatite E, como em países em desenvolvimento, onde a hepatite E é
endêmica e em países desenvolvidos, nos quais casos esporádicos têm sido relatados
(Aggarwal, 2011).
A hepatite E afeta preferencialmente jovens adultos, com faixa etária de 15 à
30 anos, e apresenta morbidade e mortalidade elevada entre gestantes (Scobie e
Dalton, 2013). Sua transmissão ocorre majoritariamente por via oro-fecal, seja por
meio hídrico ou através da contaminação de alimentos. Entretanto, formas alternativas
de transmissão foram descritas, principalmente em locais não endêmicos, como as
formas zoonótica, vertical e transfusional (Emerson e Purcell, 2003; Kumar, 2013 e
Kmush et al., 2013).
Os quatro genótipos identificados do vírus foram relacionados a dois padrões
epidemiológicos distintos da HE. Os genótipos 1 (G1) e 2 (G2) do HEV se encontram
disseminados em países em desenvolvimento, em áreas com condições precárias de
saneamento, onde a HE é endêmica. O genótipo 1, identificado na Ásia e na África e
o Genótipo 2, descrito no México e na África, são restritos ao homem e a sua
transmissão ocorre principalmente via veiculação hídrica. Já os genótipos 3 (G3) e 4
(G4), encontram-se relacionados aos casos esporádicos de hepatite E em países
desenvolvidos. O genótipo 3, com ampla distribuição geográfica, e o Genótipo 4,
encontrado na China, na Europa e no Japão, associam-se à transmissão por consumo
de carnes cruas ou mal cozidas de animais tidos como reservatórios da hepatite E,
como os suínos (Bradley, 1992; Harrison, 1999; Ahmad et al., 2011; Kumar et al., 2013
e Scobie e Dalton, 2013).
A relação entre os genótipos do HEV, suas formas de transmissão e aspectos
epidemiológicos e clínicos encontra-se sumarizada na Tabela 1.2.
6
Mejido, DCP
Introdução
Tabela 1.2 – Características epidemiológicas e clínicas dos genótipos do HEV. Fonte: Arends et al.,
2014.
Genótipos
G1-G2
G3-G4
Reservatórios
Humanos. Possível zoonose (G1 foi
demonstrado em suínos).
Porcos e outras espécies de animais.
Zoonose.
Transmissão
Oro-fecal. Transmissão hídrica (maioria)
ou via alimentos contaminados. Outras
formas descritas: nosocomial, vertical e
via contato direto pessoa a pessoa
(escassa descrição).
Distribuição
Países em desenvolvimento.
G1: principalmente na Ásia.
G2: África e México.
Demografia
(Indivíduos infectados)
Jovens adultos, gestantes e viajantes.
Transmissão via ingestão de alimentos
de origem animal crus ou mal cozidos
(especialmente carne de porco).
Outras formas descritas: transfusão de
sangue, transplante de órgãos.
Principalmente em países
desenvolvidos.
G3: distribuição cosmopolita.
G4: Ásia (principalmente).
Mais comumente em indivíduos de
meia-idade e homens idosos. Pessoas
com doença hepática ou
imunossuprimidos.
Doença em humanos
Geralmente HE assintomática ou
infecções agudas autolimitantes
(semelhantes a hepatite A). Pode ocorrer
a forma grave da doença em mulheres
grávidas ou em indivíduos que já
possuam doença hepática crônica.
HE aguda autolimitante (forma mais
comum). HE crônica em indivíduos
imunossuprimidos (portadores do HIV
ou recém transplantados).
Nos locais onde hepatite E é endêmica, como na China, no subcontinente
indiano, nas regiões sudeste e central da Ásia, no Oriente Médio e em partes do
nordeste e oeste da África, epidemias são recorrentes. Apesar de haver pouca
informação sobre a transmissão por contato direto pessoa a pessoa, como ocorre em
outras infecções entéricas, os surtos de HE são geralmente de grande proporção,
afetando milhares de pessoas (Kumar, 2013).
Atualmente, o HEV é considerado o maior causador de hepatite aguda clínica
dentre adultos, com a presença dos genótipos 1 e 2 na região Central e no Sudeste
da Ásia. Já nas regiões Norte e Leste da África, apenas o Vírus da Hepatite B (HBV)
supera o HEV em número de casos (Kmush et al., 2013 e Purcell e Emerson, 2008).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), anualmente, cerca de 20 milhões
de infecções, mais de 3 milhões de casos agudos e aproximadamente 57.000 mortes
têm sido relacionadas somente aos genótipos 1 e 2 do HEV (WHO, 2013).
Em muitos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Inglaterra, França,
Holanda, Áustria, Espanha, Grécia, Japão, Taiwan, Hong Kong e Austrália, dentre
outros, a Hepatite E é vista apenas em casos ocasionais de hepatite aguda (Aggarwal,
2011). Entretanto, nestes países tornam-se cada vez mais frequentes os relatos de
7
Mejido, DCP
Introdução
casos autóctones zoonóticos de HE, causados pelos genótipos 3 e 4 (Arends et al.,
2014). A fim de compreender a real ameaça do HEV como agente zoonótico
emergente, estudos sobre a presença dos genótipos 3 e 4 vêm ganhando visibilidade
entre inúmeros países industrializados. As particularidades do genótipo 3, os
pormenores de sua relação com a forma crônica da hepatite E e o seu impacto na
saúde pública serão detalhados no tópico 1.3 da Introdução, tendo em vista o tema
central desta dissertação.
1.1.3 Cenário atual – Do diagnóstico aos aspectos clínicos e prevenção
Sabe-se que a infecção pelo HEV é considerada uma importante causa de
hepatite aguda em epidemias e casos esporádicos de hepatites virais entéricas,
através da transmissão fecal-oral. O diagnóstico de rotina da hepatite E baseia-se na
detecção de anticorpos anti-HEV IgM e/ou IgG (testes sorológicos) ou na detecção
direta do RNA viral, a partir de amostras biológicas (fezes, bile, sangue, soro, plasma,
biópsia hepática) (Arends et al., 2014).
Atualmente, os imunoensaios sorológicos comercialmente disponíveis para o
diagnóstico da Hepatite E diferem em sensibilidade e especificidade, apresentando
resultados variáveis e pouco confiáveis (Drobeniuc et al., 2010). Em função da falta
de padronização nos testes sorológicos disponíveis, os resultados obtidos em estudos
de soroprevalência realizados em diferentes localizações geográficas variam
drasticamente. Esta dificuldade no diagnóstico da hepatite E tem constituído um dos
grandes desafios para a identificação de casos isolados ou focos da doença,
inviabilizando o tratamento precoce e a obtenção de informações fidedignas a partir
de inquéritos soroepidemiológicos (Yugo e Meng, 2013).
Na prática, os obstáculos para o desenvolvimento de ensaios sorológicos
padronizados para a Hepatite E são atribuídos à variabilidade genética e antigênica
do HEV (Mushahwar, 2008). Desta forma, o desempenho falho dos ensaios
diagnósticos disponíveis pode ser contornado pela seleção de alvos antigênicos
comuns aos quatro genótipos do vírus, como a região pORF2 (Okamoto, 2007).
Ensaios baseados em sistemas recombinantes, por exemplo, utilizam bactérias ou
outros vírus para a expressão de antígenos chaves para a resposta imune frente ao
HEV, como a região pORF2 supracitada. Neste sentido, estas novas abordagens vêm
sendo empregadas a fim de produzir um teste diagnóstico mais preciso para HEV, que
8
Mejido, DCP
Introdução
atenda às necessidades de triagem clínica e epidemiológica da doença (Drobeniuc et
al., 2010).
Apesar dos avanços atuais em busca de um ensaio imunológico padronizado
para o diagnóstico de HE, ainda se faz necessária a confirmação dos resultados
sorológicos por técnicas moleculares, a fim de minimizar falsos-negativos ou positivos.
Estas ferramentas de diagnóstico molecular, em especial o PCR para a detecção do
RNA viral, ainda são imprescindíveis para o diagnóstico da hepatite E, assegurando
resultados mais confiáveis (Arends et al., 2014).
No que concerne o curso clínico da doença, sabe-se que a hepatite E se
assemelha às demais hepatites virais, em especial à Hepatite A, com sintomatologia
branda e muitas vezes inespecífica. Sintomas como febre, perda do apetite, dor
abdominal, náuseas e fezes esbranquiçadas são comuns na forma aguda da doença,
podendo progredir com icterícia e hepatomegalia, ou até mesmo insuficiência hepática
aguda (IHA) em casos mais graves (Teo, 2010 e Aggarwal, 2011).
De modo geral, a forma subclínica da hepatite E, com leve infecção seguida de
autoresolução, afeta adultos jovens, de 15 a 45 anos, e a doença grave, com casos
de insuficiência hepática fulminante, acomete indivíduos imunossuprimidos e
mulheres grávidas (Taneja et al., 2009). A taxa de letalidade geral de hepatite E aguda
pode variar de 0,5-1% em adultos à 20-25% entre as mulheres grávidas (Jaiswal et
al., 2001). Esta mortalidade elevada em gestantes ocorre normalmente no terceiro
trimestre da gravidez e ganha destaque como uma característica importante da
infecção pelo HEV (Arends et al., 2014). Acredita-se que a gravidade da doença em
pacientes grávidas pode ser atribuída a alterações na resposta imunológica, ou à
mudanças hormonais características da gravidez (Navaneethan et al., 2008 e Bose et
al., 2011).
Como ocorre em todos os aspectos da hepatite E, as manifestações clínicas da
doença também estão associadas ao genótipo viral envolvido na infecção. Observouse que os genótipos 1 e 2 causam infecções que acometem, em sua maioria,
adolescentes e jovens adultos, enquanto os genótipos 3 e 4 são mais comumente
observados entre homens de meia idade e idosos (Arends et al., 2014). Como
particularidade da infecção pelo G3, por exemplo, pode-se citar casos da forma
crônica da HE em indivíduos imunossuprimidos, nos quais há persistência do RNA
viral no organismo (soro e fezes) por 6 meses ou mais. Ainda não há relatos da doença
em sua forma crônica associada aos genótipos 1 ou 2 do vírus (Kamar et al., 2012).
9
Mejido, DCP
Introdução
Apesar do caráter hepatotrópico do HEV, manifestações extra-hepáticas raras
da doença também vêm sendo relatadas, relacionadas à infecções causadas pelos
genótipos 1 e 3 do vírus. Casos de distúrbios neurológicos (Polirradiculopatia,
síndrome de Guillain-Barré, paralisia oculomotora, convulsões e neurite braquial
bilateral), disfunções renais (glomerulonefrite), pancreatite aguda e anormalidades
hematológicas foram observados tanto em países hiperendêmicos, como em países
desenvolvidos, em casos esporádicos (Kamar et al., 2012; Kamara, Izopetb e
Rostaing, 2013 e Arends et al., 2014).
Quanto ao tratamento da HE, este é indicado em casos agudos graves, em
indivíduos com doença hepática crônica pré-existente ou imunossuprimidos, e/ou
quando não há a autoresolução esperada dos sintomas. A terapia antiviral mais aceita
atualmente é a administração de Rivavirina, que promove o clearance viral dentro de
uma a duas semanas após o início do tratamento. O uso da ribavirina parece
apresentar alta eficácia na resolução da HE, até mesmo em sua forma crônica e este
tratamento vêm sendo utilizado na maior parte dos casos que requerem intervenção.
A maior limitação no uso da ribavirina ocorre em grávidas, sendo contraindicado o seu
uso durante toda a gestação (Gerolami et al., 2013; Alric et al., 2011 e Scobie e Dalton,
2013).
Apesar do sucesso alcançado no uso de antivirais para o tratamento da HE, a
melhor forma de combater a doença ainda é a prevenção. As medidas profiláticas,
neste caso, devem ser direcionadas para combater os diferentes modos de
transmissão do HEV. Em países endêmicos, a prevenção consiste basicamente na
adoção de políticas públicas que assegurem o saneamento básico, com o
fornecimento de água potável e a conscientização da população local, com educação
sanitária e divulgação da doença. Medidas de ação individuais, como a melhoria das
condições de higiene pessoal, também são essenciais no combate à doença. Já em
países desenvolvidos, a prevenção da transmissão zoonótica consiste na adoção de
vigilância sanitária de produtos de origem animal, em especial para o rastreamento da
infecção pelo HEV entre criações comerciais de suínos. O incentivo ao cozimento
adequado da carne também é fundamental em áreas onde há a transmissão zoonótica
da doença (Hendrickx, Vorsters e Damme, 2012).
As dificuldades inerentes ao estabelecimento de um modelo de cultivo celular
para o HEV atrasou em anos a produção de uma vacina eficaz contra a Hepatite E.
Em consequência da ausência de um modelo in vitro de infecção do HEV, reprodutível
10
Mejido, DCP
Introdução
o suficiente para o desenvolvimento de vacinas atenuadas ou inativadas, o
desenvolvimento de uma vacina recombinante passou a ser a abordagem alternativa
mais viável (Hendrickx, Vorsters e Damme, 2012).
Desta forma, até o presente momento, apenas uma vacina profilática foi
licenciada para a HE, a HEV 239 ou Hecolin®, como é comercialmente conhecida.
Esta foi produzida na China, pela empresa Xiamen Innovax, e aprovada pela State
Food and Drug Administration (SFDA) do país apenas em 2011. A Hecolin® utiliza a
bactéria Escherichia Coli como plataforma recombinante para a expressão do
antígeno de interesse do HEV, uma proteína de capsídeo (epítopo da região ORF2).
Os estudos clínicos em humanos, comprovaram sua eficácia, efeito protetor e
segurança e, assim, sua administração passou a ser recomendada em países de alto
risco de transmissão e endemicidade (Wu et al., 2012; Zhang et al., 2013 e Arends et
al., 2014).
Muito ainda se discute quanto ao planejamento ideal para a administração da
vacina para Hepatite E entre as regiões consideradas endêmicas ou não-endêmicas.
Em áreas não endêmicas, sugere-se que a vacina seria útil para viajantes com destino
às regiões consideradas endêmicas para Hepatite E ou para indivíduos
imussuprimidos e recém transplantados. Por outro lado, em áreas endêmicas, a
vacina seria imprescindível para mulheres grávidas, nas quais o tratamento é
contraindicado, e pessoas com doença hepática crônica pré-existente, devido à
suscetibilidade à forma grave da doença. Atualmente, a utilização da vacina para a
HE ainda parece restrita à China, onde foi produzida. A comercialização da única
vacina licenciada para a Hepatite E não alcançou as demais regiões, onde programas
de imunização bem definidos precisam ser implementados (Wu et al., 2012 e Kumar
et al., 2013).
O potencial zoonótico do HEV também deve ser levado em consideração
quando tratamos de formas de prevenção da doença. Devido aos crescentes relatos
de infecções zoonóticas relacionadas à Hepatite E, passou-se a questionar sobre a
necessidade de implementação de medidas de controle da transmissão por
reservatórios animais. Frente à este cenário, atualmente alguns autores têm discutido
a implementação da imunização em rebanhos de suínos, como uma estratégia
alternativa de prevenção da doença nas regiões não endêmicas. O controle da
circulação do HEV em criações de suínos, por meio da vacinação, poderia minimizar
o risco de infecção em países industrializados, aumentando a segurança no consumo
11
Mejido, DCP
Introdução
de produtos de origem animal e prevenindo casos de transmissão ocupacional. (Pavio,
Meng e Renou, 2010 e Meng, 2013).
1.2 Imunopatogênese da infecção pelo vírus da Hepatite E
1.2.1 O curso da hepatite E
Os mecanismos que norteiam a patogenia da Hepatite E ainda não foram
completamente elucidados. As informações disponíveis atualmente sobre a Hepatite
E, obtidas a partir de estudos realizados em voluntários, da observação de casos em
surtos da doença ou através de infecções experimentais em modelos animais, foram
fundamentais para a compreensão das características da infecção. Entretanto, estes
trabalhos responderam parcialmente às inúmeras questões quanto à patogênese da
doença, que ainda permanecem em aberto, tornando imprescindível a realização de
trabalhos com descrições mais robustas da interação HEV/organismo hospedeiro.
Atualmente, sabe-se que o HEV é um vírus hepatotrópico, que utiliza a via oral
para entrada no hospedeiro. O tropismo do vírus pelo fígado foi documentado em
inúmeros trabalhos e, teoricamente, seu acesso ao órgão ocorre através da circulação
portal. Todavia, o trajeto do vírus no organismo, do trato gastrointestinal até o seu
órgão alvo ainda não foi propriamente descrito (Krawczynski, Meng e Rybczynska,
2011).
Os primeiros estudos de infecção experimental com o HEV, com voluntários
humanos ou com primatas, geraram a maior parte das informações disponíveis sobre
o curso da doença. Nestes trabalhos, observou-se um período de incubação médio
de 4 a 6 semanas antes do aparecimento dos sintomas (Balayan et al., 1983; Chauhan
et al., 1993 e Arankalle et al.,1993). Entretanto, o intervalo de incubação do HEV
parece variar em determinadas circunstâncias. No estudo realizado por Arankalle e
colaboradores (1993), por exemplo, observou-se um período de incubação bem mais
curto, de 9 à 13 dias, em rhesus grávidas inoculadas experimentalmente com o G1 do
vírus por via intravenosa, se comparado aos 40 dias de incubação do grupo controle
de rhesus inoculadas não grávidas. Períodos de incubação mais extensos, com até 2
meses de duração também foram descritos (Labrique, Kuniholm e Nelson, 2010 e
Krain, Nelson e Labrique, 2014).
12
Mejido, DCP
Introdução
Chauhan e sua equipe (1993) realizaram um estudo de infecção experimental
com o HEV em um voluntário humano, no qual foi possível correlacionar as
características clínicas e o perfil bioquímico pós infecção. Os sintomas puderam ser
observados 30 dias pós-inoculação. Já a avaliação da função hepática através da
detecção dos níveis da enzima alanina aminotransferase (ALT) demonstrou um pico
na produção de ALT no dia 46 pós infecção. O pico na detecção de ALT ocorre quase
concomitantemente ao aparecimento dos sintomas clínicos, que se agravaram após
a elevação na produção da enzima, revelando uma relação direta entre o aumento de
ALT e as manifestações clínicas da doença.
Em casos de Hepatite E aguda humanos, a viremia foi detectada
precocemente, na fase inicial da doença, durando até um mês após o aparecimento
dos primeiros sintomas (Krawczynski Meng e Rybczynska, 2011; Lu et al., 2013; Krain,
Nelson e Labrique, 2014 e Kamar et al., 2014. Em alguns destes casos de Hepatite E
aguda, relatou-se a persistência da viremia por mais de um mês, com duração que
ultrapassa a normalização das transaminases hepáticas, indicando que as lesões
hepática não estão atreladas à replicação viral. A resolução clínica da doença no
fígado, portanto, não implica na eliminação do vírus do organismo e a viremia
prolongada nestes casos pode estar relacionada à existência de sítios extra-hepáticos
de replicação do vírus (Zhang et al., 2002 e Chandra et al., 2010).
A detecção do HEV no fígado, na bile e nas fezes de indivíduos infectados
parece ocorrer de forma simultânea, antes ou durante a elevação de ALT. Sendo
assim, novas partículas virais podem ser liberadas nas fezes antes do início das
alterações patológicas no fígado (Krawczynski e Bradley, 1989). Conforme descrito
em inúmeros trabalhos, a detecção do RNA do vírus nas fezes inicia-se
aproximadamente uma semana antes do surgimento dos sintomas, podendo
permanecer detectável até cerca de duas semanas após o mesmo (Balayan et al.,
1983; Chauhan et al., 1993. e Krawczynski, Meng e Rybczynska, 2011).
No curso da infecção por HEV, a produção de anticorpos específicos coincide
com o início dos sintomas e com o declínio na carga viral. O aparecimento de IgM
anti-HEV ocorre em paralelo ao início dos sinais clínicos e ao pico de ALT. A avaliação
da cinética de resposta humoral em pacientes com HE aguda, realizada por Huang e
colaboradores (2010), demonstrou títulos elevados de IgM na fase aguda por até 8
semanas, que diminuem completamente, com níveis praticamente indetectáveis após
32 semanas. Logo em seguida ao aparecimento de IgM, anticorpos IgG são
13
Mejido, DCP
Introdução
produzidos, podendo ser detectados durante as fases aguda e de convalescência. A
produção de IgG permanece elevada por 1 ano, reduzindo apenas após a resolução
clínica da doença (Arends et al., 2014).
A Figura 1.4 apresenta de forma esquemática o curso da HE de forma
resumida, a fim de facilitar a compreensão da sequência de eventos pós infecção em
humanos.
Figura 1.4 – Curso da infecção pelo HEV. A figura aponta os eventos pós infecção típicos da HE. O
período da sintomatologia coincide com o pico nos níveis séricos de ALT, indicativo de lesão hepática.
O RNA viral pode ser detectado no soro e fezes no início da infecção, com durações diferentes (vide
as barras indicativas). A produção de IgM anti-HEV aumenta rapidamente com o iniciar dos agravos ao
fígado, diminuindo ao longo das semanas após a infecção, enquanto os títulos de IgG específicos
aumentam gradativamente, durante a fase de convalescência, permanecendo detectável por anos.
Adaptação de Krain, Nelson e Labrique, 2014.
1.2.2 Patogenia - os mecanismos de lesão hepática
Atualmente, inúmeras lacunas ainda persistem no entendimento dos
mecanismos patogênicos do HEV. Os empasses teóricos quanto ao ciclo de
replicação do vírus parecem dificultar ainda mais a compreensão de sua patogenia.
Além disso, a dificuldade no estabelecimento de modelos eficientes em cultura de
células para a avaliação da infecção pelo HEV, inviabilizou, por muitos anos, a
14
Mejido, DCP
Introdução
compreensão do ciclo replicativo do vírus (Rogée et al., 2013). Entretanto, hoje, com
os avanços no cultivo celular do HEV e com os crescentes estudos em modelos
animais, pode-se considerar que a compreensão da patogenia da Hepatite E tem
progredido.
Inúmeros trabalhos têm proposto modelos recém desenvolvidos de sistemas
de cultivo celular para HEV, que constituem uma ferramenta fundamental para a
investigação não só da replicação viral, como para a avaliação dos fatores de
virulência do vírus. Grande parte das informações que se têm atualmente sobre o ciclo
replicativo do HEV provem de estudos pontuais em linhagens de células
transformadas, tanto de origem hepática, como de origens diferenciadas, como a
A549 de carcinoma pulmonar ou a Caco-2 de carcinoma de cólon (Cao e Meng, 2012
e Holla et al., 2013).
Um recente estudo publicado por Rogée e colaboradores (2013), por exemplo,
apresenta dois novos modelos de cultivo celular in vitro do HEV, uma linhagem
derivada de hepatoma humano, a HepaRG, e outra linhagem de células tronco
embrionárias de suínos, a PICM-19.
Estas linhagens foram selecionadas por
apresentar morfologia e expressão gênica semelhantes aos hepátocitos, o que
permite mimetizar as interações HEV / célula-alvo com maior precisão. Os resultados
demonstraram que ambas as linhagens suportam a replicação completa do vírus, não
observada em outros modelos, propostos em trabalhos anteriores. Com base em
estudos in vitro como este, foi possível avaliar a expressão de algumas das proteínas
virais envolvidas nas etapas de replicação (Cao e Meng, 2012).
Inicialmente, em seu ciclo, o HEV se liga ao hepatócito por receptores ainda
desconhecidos. Sabe-se que a proteína HEV 239 de capsídeo viral, altamente
conservada entre os genótipos do HEV em mamíferos, pode se ligar à receptores de
superfície do tipo proteoglicanos sulfatados de heparina (HSPGs) (He et al., 2008) e
chaperonas, como a Grp78 (Yu et al., 2011), entretanto, a participação destes e o de
outros receptores permanece incerta (Cao e Meng, 2012 e Holla et al., 2013).
Aparentemente, após sua adsorção na superfície da célula-alvo, por ligação a
receptores específicos, o HEV penetra na célula por endocitose mediada por clatrina
(Kapur et al., 2012). No citoplasma, ocorre o desnudamento do capsídeo, seguido da
liberação do RNA viral. A primeira etapa do processo de replicação envolve a tradução
da região gênica ORF1 em poliproteína precursora, originando, dentre outras PTNs
não estruturais, a replicase de RNA (RdRp), responsável pela síntese do RNA
15
Mejido, DCP
Introdução
intermediário replicativo de fita negativa, complementar ao RNA genômico. A
replicação se dá no retículo endoplasmático, onde a forma intermediária de RNA
servirá de molde para a síntese de novas partículas virais positivas. Estas fitas
positivas, por sua vez, irão codificar para as proteínas e ORF2 e ORF3, envolvidas no
empacotamento do RNA genômico em vírions maduros. Por fim, as recém formadas
partículas do HEV saem por brotamento a partir da membrana apical do hepatócito,
sendo conduzidas aos ductos biliares, bile, vesícula biliar e ao intestino, alcançando o
ambiente nas fezes (Cao e Meng, 2012; Holla et al., 2013 e Arends et al., 2014). A
Figura 1.5 abaixo representa de forma esquemática as etapas de replicação do HEV.
Figura 1.5 - Ciclo replicativo do HEV. a.) Primeiramente, o HEV se liga à superfície do hepatócito
através de receptores específicos. b.) O vírus penetra na célula por endocitose mediada por clatrina,
liberando seu genoma de RNA fita simples positiva (RNAss + em verde) no citoplasma. c.) O RNA
genômico serve como molde para a tradução da poliproteína ORF1. d.) A RNA polimerase dependente
de RNA produzida sintetiza o RNA intermediário replicativo fita negativa (RNAss - em azul). e.) A forma
intermediária serve de molde para a produção de novas fitas positivas de RNA. f.) A partir do RNAss
+ sintetizado, ocorre a tradução e codificação das PTNs ORF2 e ORF3. g.) No retículo endoplasmático,
a PTN ORF2 participa do empacotamento do RNA genômico no capsídeo viral e na montagem de
novas partículas virais. h.) Os vírions recém formados são transportados, com o auxílio da PTN ORF3,
até a membrana apical. i.) Finalmente, os novos vírions maduros infectantes são liberados dos
hepatócitos infectados, completando o ciclo. Adaptado de Holla et al., 2013.
16
Mejido, DCP
Introdução
Dentre os níveis de complexidade envolvidos no surgimento de uma doença
viral, sabe-se que o estudo da estrutura das populações virais torna-se imprescindível
ao entendimento da interação agente (linhagens e quasispécies) / hospedeiro.
Eventos moleculares, como mutações, recombinações e rearranjos genômicos,
produzem a diversidade populacional de vírus e de suas estruturas, gerando inúmeras
possibilidades de mecanismos de ação, de replicação e transmissão viral (Domingo,
2010 e Wargo e Kurath, 2012). Na tentativa de elucidar os mecanismos envolvidos na
patogênese da hepatite E, busca-se atualmente um maior entendimento sobre o
fitness replicativo do HEV, ou seja, sobre a sua funcionalidade viral, como a
capacidade de produzir progênies infecciosas.
Feng e colaboradores (2014), em um estudo recente sobre fitness viral,
apontaram evidências de que o HEV, considerado até então não envelopado, possa
adquirir envelope através sequestro de membrana do hospedeiro, como uma forma
de “camuflagem” ao sistema imune. Esta estratégia de sequestro de membranas de
células hospedeiras foi descrita no vírus da hepatite A, como um mecanismo de
escape à ação de anticorpos neutralizantes (Feng et al., 2013). O trabalho sugere,
portanto, que os vírus da hepatite A e E, filogeneticamente isolados entre si, circulam
no sangue recobertos com a membrana hospedeira, ou “pseudoenvelopados”, e são
liberados nas fezes na forma não envelopada, que confere resistência aos fatores
ambientais, facilitando, assim, sua propagação.
A realização de estudos como o último, sobre a virulência do HEV e seus
mecanismos de interação com o sistema imune hospedeiro agrega valiosas
informações sobre a patogênese da hepatite E, ainda pouco compreendida. Além
disso, a confirmação da aquisição de envelope por vírus não envelopados, como os
vírus das hepatites A e E, poderá indicar um novo paradigma para a classificação
usual dos vírus, até então dicotômica (Takahashi et al., 2010; Feng e Lemon, 2014).
Apesar das inúmeras questões em aberto no que diz respeito à infecção e
patogenia do HEV, sabe-se que o vírus não é citopático, e que as lesões hepáticas
podem ser atribuídas a danos imunomediados por células T citotóxicas e células
natural killer (Prabhu et. al, 2011). A resposta imune frente ao HEV, gera uma doença
inflamatória, com a ocorrência de necroses focais no parênquima hepático,
hepatócitos abaloados, corpos acidofílicos e infiltrados inflamatórios ao redor das
veias centro lobulares e também nos espaços porta. Além destes achados
histopatológicos, áreas de necrose associada a infiltrados inflamatórios intra17
Mejido, DCP
Introdução
lobulares, infiltrados linfocitários e hipertrofia e acúmulo de macrófagos e células de
Kupffer têm sido observados tanto no homem, quanto em primatas não humanos
infectados experimentalmente com o vírus (Mitsui et al., 2004; Ohnishi et al., 2006;
Arankalle et al., 2007 e Taniguchi et al., 2009).
Por fim, ainda que o HEV seja considerado um vírus tipicamente hepatotrópico,
estudos anteriores apontam a sua capacidade de replicação em outros órgãos,
especialmente ao longo do trato gastrointestinal (TGI), como em linfonodos e em
segmentos do intestino delgado e grosso (kamar et al., 2014). Nestes trabalhos, a
identificação de sítios extra-hepáticos de replicação do HEV foi realizada através da
detecção molecular do RNA intermediário replicativo, de polaridade negativa em
localizações não usuais, tanto em suínos inoculados experimentalmente (Williams et
al., 2001), como em suínos (Choi e Chae, 2003) e galinhas (Billam et al., 2008)
infectados naturalmente (via oral). Não se sabe ao certo quais seriam as implicâncias
destes achados para a patogenia da HE, mas sugere-se que a presença do HEV em
diversos tecidos de suínos pode indicar uma via alternativa de transmissão
interespecífica, por meio de xenotransplantes (Murphy, 1996).
1.2.3 Resposta imune
Apesar dos avanços nos estudos atuais sobre a hepatite E, as informações
sobre a resposta imune do hospedeiro frente à infecção pelo HEV ainda são limitadas.
A maior parte dos estudos disponíveis sobre a resposta imunomediada pelo HEV se
baseia em análises em sangue periférico de pacientes ou animais experimentalmente
infectados. Entretanto, alguns fatores devem ser considerados quando estuda-se
hepatites virais (Wedemeyer et al., 2013).
A composição de células envolvidas na resposta imune varia enormemente
entre o sangue e o fígado. As células NK, por exemplo, representam apenas 10 a 15%
das células mononucleares de sangue periférico (PBMC) contra mais de 40% das
células imunes hepáticas (Lunemann et al., 2012). Além disso, o ambiente
tolerogênico do fígado, torna ainda mais complexa a resposta imune mediada por
vírus hepatotrópicos (Protzer, Maini e Knolle, 2012). Sendo assim, pouco ainda se
sabe sobre a resposta imune intra-hepática específica ao HEV, crucial ao
18
Mejido, DCP
Introdução
entendimento dos mecanismos de ação do mesmo em seu sítio preferencial no
organismo.
Em relação à imunidade inata, sabe-se que as células NK, os seus subtipos e
as células NKT desempenham um papel importante na fase aguda da HE. Estes
achados foram observados por Srisvatava e colaboradores (2008), que descreveram
uma aumento significativo no número de células NK e NKT e na ativação das mesmas
em PBMC de pacientes com hepatite E aguda em comparação a indivíduos
saudáveis.
A resposta humoral específica anti-HEV é caracterizada pela presença de
anticorpos IgM e IgG, com atividade neutralizante, que conferem proteção durante a
infecção natural e/ou por meio de imunização (Schofield et al., 2000 e Wedemeyer et
al., 2013). Estudos demonstraram que PTNs do capsídeo viral, codificadas por ORF2,
constituem os principais alvos antigênicos para anticorpos neutralizantes (Zhang et
al., 2005).
Liu et al. (2003) e Wong et al. (2004) encontraram uma alta sensibilidade e
especificidade na detecção de IgM anti-HEV na fase aguda da doença, reafirmando a
importância deste anticorpo como marcador do estágio inicial da doença. Na infecção
aguda pelo HEV, os níveis de IgM específicos podem não apresentar correlação com
a viremia, o que pode indicar a infecção por genótipos diferentes do vírus (Wu et al.,
2009). Em outro estudo, Saravanabalaji e colaboradores (2009) demonstraram que,
nas duas primeiras semanas após o início do aparecimento de icterícia, os títulos de
anticorpos IgM e IgG anti-HEV são significativamente maiores em pacientes com
insuficiência hepática fulminante do que em pacientes com HE aguda autolimitante,
sugerindo, assim, o envolvimento relevante da resposta imune humoral em casos
graves da doença.
A resposta imunomediada por células é altamente sensível e de longa duração
após infecções virais subclínicas, conforme demonstrado para os vírus da Hepatite C
(HCV) (Al-Sherbiny et al., 2005) e HIV (Alimonti et al., 2006). A imunidade conferida
por células de memória na hepatite C, por exemplo, também é de longa permanência
e pode ser detectada até 20-30 anos após a exposição, apesar da diminuição da
resposta imune humoral (Takaki et al., 2000). Em inúmeros trabalhos, estabeleceu-se
uma relação entre a recuperação de hepatites agudas do tipo B e C e a resposta
marcante de células T específicas. Embora haja poucos estudos sobre a
imunopatogênese da HE, os resultados destes apontam um perfil de resposta celular
19
Mejido, DCP
Introdução
semelhante aos das demais hepatites virais. (Krawczynski, Meng e Rybczynska, 2011
e Wedemeyer et al., 2013).
Srivastava e colaboradores (2007) estudaram as frequências de células TCD4
e TCD8 produtoras de IFN-, TNF- e IL-4, em pacientes com hepatite E aguda após
a estimulação com a proteína de capsídeo do HEV, ORF2. Embora houvesse um
aumento no total de células CD4+, as proporções de células TCD4 e TCD8 ativadas,
visualizadas pelo marcador de ativação CD69, permaneceram inalteradas em
resposta ao estímulo com ORF2. No entanto, os níveis de IFN- e transcrições de
mRNA para IFN- encontravam-se elevados em PBMC frente ao estímulo com ORF2.
Este estudo sugeriu que o aumento observado da produção de IFN- em pacientes
com hepatite E aguda pode ser importante tanto para a resposta protetora, como na
patogênese da infecção, visto que em outras hepatites virais (hepatite B e C) o IFN-
pode exercer diretamente atividade anti-viral ou pode promover danos teciduais pela
morte de células infectadas (recrutamento de neutrófilos, macrófagos, células NK e
células NKT). No mesmo trabalho, os autores sugerem que a reatividade imunológica
limitada em PBMC, como não terem sido detectadas células CD8+ específicas ao HEV
ou a ativação de linfócitos mediante estímulo, pode estar relacionada ao “sequestro”
de eventos imunológicos para o compartimento intra-hepático.
Em um trabalho mais recente, o mesmo grupo de pesquisadores relatou uma
expansão mais acentuada de células B secretoras de IgG anti-HEV em pacientes com
HE fulminante, quando comparados a pacientes com infecções assintomáticas e
pacientes do grupo controle. Estes achados sugerem que respostas imunes celulares
antivirais menos acentuadas e resposta antivirais do tipo humoral elevadas estão
associadas com uma doença mais grave durante a infecção por HEV (Srivastava et
al., 2011).
Husain et al. (2011) estudaram as células mononucleares do sangue periférico
(PBMC) de pacientes com hepatite E aguda assintomática e de indivíduos saudáveis
(negativos em triagem para anticorpos anti-HEV), para a caracterização dos subtipos
de células T presentes (por citometria de fluxo) e avaliação de suas respostas efetoras
específicas ao HEV, pela produção de IFN- (por ELISPOT). Os indivíduos doentes
apresentaram um aumento no número de células TCD8 e TCD4 específicas em
comparação com aos indivíduos saudáveis do grupo controle. A produção específica
de IFN- em resposta ao estímulo com as proteínas ORF2 e ORF3 recombinantes do
20
Mejido, DCP
Introdução
HEV também mostrou-se maior nos pacientes do que nos indivíduos saudáveis. A
partir
destes
resultados
foram
mapeadas
as
regiões
imunodominantes,
correspondentes aos aminoácidos 181-249 e 301-489 da proteína ORF2 do vírus.
Estes dados fornecem evidências quanto à ativação de células T efetoras durante a
fase aguda da hepatite E e, como estas respostas podem desempenhar um papel
importante na eliminação viral.
Pouco ainda se sabe sobre as características da resposta adaptativa intrahepática específica ao HEV, considerando-se as particularidades da imunidade
tecidual. Prabhu et al. (2011) e Drebber et al. (2013) descreveram a predominância
da população de células TCD8 em biópsias hepáticas de pacientes com HE grave,
com falência hepática, e com HE aguda respectivamente, através de análises por
imunohistoquímica. Estes estudos sugeriram que a resposta imune adaptativa
constitui a maior linha de defesa ao HEV em seu sítio de replicação, sendo esta,
responsável pelos danos hepáticos durante a infecção.
Dentre as moléculas do sistema imune envolvidas nos processos inflamatórios
e na capacidade de destruição de microrganismos intracelulares como os vírus, podese destacar o óxido nítrico (NO) (Feldman et. al., 1993). A sua isoforma induzida
(iNOS), que libera quantidades micromolares de NO é expressa transitoriamente por
meio de estímulos antigênicos e inflamatórios, de endotoxinas como o LPS e de
citocinas como IL-1, TNF- e IFN-, que podem agir individualmente ou em conjunto
(Kajita et al., 2011). A enzima iNOS é induzida como uma primeira linha de defesa,
mediando a citotoxicidade não-específica de macrófagos contra patógenos e células
tumorais e regulando as respostas específicas das células T, através da supressão
da proliferação alogênica e mitogênica dos linfócitos. Entretanto, uma grande
quantidade de NO pode lesar os tecidos circunjacentes, direta ou indiretamente,
através da geração de produtos de oxidação como o peroxinitrito ou o íon hidroxila
(Hoey et al., 1997).
Um estudo recente realizado por Hazam e colaboradores (2013) correlacionou
a frequência dos genes das isoformas iNOS (óxido nítrico sintetase induzível) e eNOS
(óxido nítrico sintetase endotelial) e seus polimorfismos aos níveis de gravidade da
hepatite E. Mostrou-se um aumento significativo da frequência de iNOS e eNOS no
grupo de indivíduos com insuficiência hepática, quando comparados ao grupo de
pacientes com HE aguda e ao grupo controle com indivíduos saudáveis. Sendo assim,
21
Mejido, DCP
Introdução
foi possível sugerir que iNOS e eNOS podem constituir marcadores importantes na
avaliação da gravidade da infecção pelo HEV.
A realização de estudos mais robustos sobre a resposta imunológica dirigida
ao HEV, especialmente em tecido hepático, torna-se fundamental à compreensão da
patogenia da doença, bem como ao estabelecimento de formas de tratamento e ao
delineamento de estratégias vacinais.
1.3 Genótipo 3 - Potencial zoonótico e impacto na Saúde Pública
Atualmente, o genótipo 3 do HEV (HEV3) apresenta-se relacionado à crescente
ocorrência de casos de hepatite E em países industrializados. Os achados deste
genótipo em inúmeras espécies de mamíferos e sua transmissão geralmente
associada ao consumo de produtos de origem animal o definem como um agente
zoonótico de importância para a Saúde Pública. (Bradley et al., 1992; Harrison, 1999;
Ahmad et al., 2011; Kumar et al., 2013). As taxas cada vez mais elevadas de
soroprevalência da hepatite E em países desenvolvidos, na Europa, na América do
Norte, e no Leste da Ásia, estão relacionadas a infecções assintomáticas causadas
pelo G3 (Arends et al., 2014). Os casos de hepatite E autóctones nestes países têm
sido cada vez mais frequentes e representam uma ameaça silenciosa à indivíduos
imunossuprimidos ou com doenças hepáticas crônicas pré-estabelecidas (Krain et al.,
2014).
Em sua maioria, as infecções causadas pelo HEV3 ocorrem através do
consumo da carne mal cozida de porco ou de outros animais reservatórios,
especialmente de fígado, embutidos ou carnes de outras vísceras, contaminadas com
o vírus. Conforme dito anteriormente, o G3 têm sido identificado em uma gama cada
vez maior de reservatórios animais, incluindo além de suínos (porcos doméstico e
javalis), outras espécies, como cervos, mangustos e ratos. A infecção em ostras e
mariscos provenientes de águas contaminadas com esgoto também foi descrita como
uma possível fonte de infecção do HEV3. A circulação urbana e silvestre do G3 entre
espécies animais continua sendo investigada, para a avaliação do atual risco
zoonótico do HEV (Meng, 2013; Kamar et al., 2014 e Krain et al., 2014).
Estudos sobre a viabilidade do HEV em carnes através da ingestão de carnes
cruas ou mal passadas têm sido realizados, a fim de determinar formas de prevenção
22
Mejido, DCP
Introdução
da infecção. Em relação à estabilidade térmica do vírus, sabe-se que este permanece
viável por uma hora, mesmo após o aquecimento da carne a 56°C e que o cozimento
das carnes a 71°C por 20 minutos parece ser eficaz para a inativação do vírus por
completo (Emerson, Arankalle e Purcell, 2005; Barnaud et al., 2012 e Scobie e Dalton,
2013). Além dos cuidados no manejo dos alimentos, medidas de controle, através da
inspeção sanitária de produtos de origem animal, devem ser preconizadas para a
contenção da hepatite E, já que inúmeros casos assintomáticos relacionados ao G3
têm sido descritos.
O HEV3 encontra-se amplamente disseminado em granjas comerciais de
suínos nos países industrializados, atingindo soroprevalências elevadas, de
aproximadamente 80 a 100%, em países como os Estados Unidos, a Espanha e o
Brasil. Esta circulação expressiva do HEV entre criações de suínos representa um
problema econômico uma nova ameaça à segurança alimentar e saúde pública
mundial (Yugo e Meng, 2013).
Outras vias possíveis de transmissão do HEV3 foram descritas, como a
transmissão ocupacional, por contato direto com animais infectados (Meng et al.,
2002; Perez-Gracia et al., 2007 e Galiana et al., 2008); a transmissão através da
doação de sangue, por doadores infectados que encontram-se em período virêmico
(Baylis et al., 2012) e a transmissão via transplantes, alogênicos (Kamar et al., 2011
e Krain et al., 2014) ou xenotransplantes (Meng, 2003).
A transmissão ocupacional geralmente afeta indivíduos que trabalham
diretamente com animais, como veterinários e trabalhadores de abatedouros.
Entretanto, estudos recentes têm sugerido a transmissão da hepatite E através do
contato direto com animais de estimação, aumentando a gama de indivíduos afetados
(Krain et al., 2014). Okamoto e colaboradores (2004), por exemplo, encontraram uma
elevada soropositividade para HEV em gatos criados como pet no Japão. Estas
inferências sobre o risco zoonótico do HEV3, ainda que escassas, demonstram que
pouco ainda se sabe sobre a gama de hospedeiro do vírus e seus mecanismos de
propagação.
No Brasil, o HEV foi detectado em amostras coletadas a partir de diferentes
espécies animais. Estudos preliminares realizados no país demonstraram que o HEV3
encontra-se amplamente disseminado entre rebanhos comerciais de suínos, o que
não reflete o número de infecções relatadas, já que apenas um caso humano de
hepatite E aguda, associada ao genótipo 3, foi descrito no Brasil (dos Santos et al,
23
Mejido, DCP
Introdução
2009; Gardinali et al., 2012). Como evidências da circulação do HEV no país pode-se
citar a recente identificação do único caso humano autóctone descrito de hepatite E e
a presença de marcadores sorológicos anti-HEV na população, relacionado ao
consumo de carne suína (Lopes et al., 2010).
Além de sua relevância como agente zoonótico, o HEV3 apresenta-se como o
único causador da forma crônica da hepatite E em países desenvolvidos. A
cronicidade na hepatite E pode ser considerada quando ocorre a persistência na
replicação do vírus no organismo por mais de 3 meses, sem que haja a resolução na
fase aguda (Kamar et al., 2013). Estes casos crônicos ocorrem em sua maioria em
receptores de transplantes de órgãos sólidos, mas inúmeros casos também têm sido
observados em indivíduos HIV positivos e em indivíduos tratados com quimioterapia
(Kamar et al., 2014).
Geralmente, a via de transmissão do HEV em indivíduos transplantados ocorre
através da ingestão de alimentos cárneos oriundos de animais infectados. Entretanto,
alguns casos de transmissão do vírus pelo órgão enxertado também foram relatados.
Os
mecanismos
de
permanência
do
HEV3
no
organismo
permanecem
desconhecidos, mas sabe-se que a reativação viral ocorre após o transplante, devido
ao tratamento imunossupressor que evita a rejeição do órgão pelo receptor. A atenção
para a infecção pelo HEV em pacientes transplantados deve ser redobrada, uma vez
que a doença crônica nestes casos pode rapidamente evoluir para cirrose e
insuficiência hepática (Kamar et al., 2008 e Fujiwara et al., 2014).
A relação do G3 com a forma crônica da hepatite E levanta questões quando
aos mecanismos que tornam possível sua permanência no organismo. Desse modo,
faz-se necessária a investigação de fatores intrínsecos à patogênese da infecção,
como a avaliação do tempo de permanência do vírus no hospedeiro, a possibilidade
de evasão do sistema imune ou até mesmo de latência, que permitam entender como
se dá a evolução para a cronicidade.
1.4 Primatas não humanos como modelos experimentais para a Hepatite E
Quando empregam-se animais no estudo de doenças humanas, busca-se
modelos com maior proximidade genética, anatômica e fisiológica ao homem, a fim
de mimetizar a infecção que se deseja estudar. Na tentativa de acessar as
características de infectividade e patogenicidade do HEV, inúmeros estudos em
24
Mejido, DCP
Introdução
modelos animais foram realizados desde a sua descoberta. Os primeiros estudos nos
quais tentou-se estabelecer a infecção experimental com o HEV foram realizados em
primatas não humanos e em voluntários humanos. Nesta época, a avaliação da
susceptibilidade à hepatite E em modelos animais baseava-se na reprodução clínica
da doença, tal qual em humanos, já que o vírus sequer havia sido caracterizado por
estudos moleculares (Purcell e Emerson, 2001).
Infecções experimentais com o HEV foram bem sucedidas em espécies de
primatas do velho mundo, como macacos rhesus, cynomolgus (gênero Macaca),
chimpanzés e macacos verdes africanos, e do novo mundo, como saguis e macacos
da noite. Os primatas reproduzem com similaridade os mecanismos envolvidos no
processo necroinflamatório hepático característico da hepatite E em humanos. A partir
de estudos com infecção experimental nestes animais, foi possível observar
evidências da infecção, como a produção de anticorpos, alterações bioquímicas
decorrentes das lesões hepáticas, alterações histopatológicas no fígado e a
eliminação de partículas virais nas fezes (Tsarev et al., 1993 e Purcell e Emerson,
2001).
Apesar do sucesso na reprodução da infecção por todos os genótipos do HEV
em primatas não humanos, observou-se algumas limitações no uso destes modelos.
O processo inflamatório hepático decorrente da infecção com HEV mostra-se mais
brando em primatas e não se observa a hiperbilirrubinemia comum em humanos
(Krawczynski, Meng e Rybczynska, 2011). O estabelecimento da forma grave da
doença em rhesus grávidas inoculadas com o genótipo 1 do HEV não obteve sucesso
(Tsarev et al., 1995) e, até o momento, também não foi possível estabelecer um
modelo para HE crônica em primatas.
Vários outros modelos animais, incluindo porcos, coelhos e galinhas, foram
estabelecidos para o estudo de múltiplos aspectos da infecção pelo HEV
(Krawczynski, Meng e Rybczynska, 2011). Desde a descoberta do potencial zoonótico
do HEV, os suínos têm sido utilizados como modelos animais para a infecção pelos
genótipos 3 e 4 do HEV (Meng et al., 1998). Entretanto, mesmo com os recentes
avanços na proposição de novos modelos animais e o estabelecimento de cultivos
celulares para a avaliação da infecção pelo HEV, a utilização de primatas,
principalmente de macacos rhesus e cynomolgus, permanece como a alternativa mais
viável para o entendimento da patogenia da hepatite E e para testes de
imunogenicidade em estudos vacinais.
25
Mejido, DCP
Justificativa
2 Justificativa
O crescente número de casos da hepatite E em áreas endêmicas e em outras
regiões, com surtos esporádicos e casos fatais, atesta a relevância de estudos sobre
o HEV, como patógeno emergente. Atualmente, dentre os genótipos caracterizados
do HEV, o G3 têm-se destacado como um importante agente zoonótico causador da
hepatite E em países desenvolvidos (Teo, 2010; Leblanc et al., 2010 e Krain, Nelson
e Labrique, 2014). Apesar da baixa prevalência da doença no Brasil, a comprovação
da circulação do HEV3 em criações comerciais de suínos no país apresenta uma
alerta relevante à saúde pública, quanto ao risco de um aumento no número de casos
de hepatite E por transmissão zoonótica (dos Santos et al., 2009 e Gardinali et al.,
2012).
Sabe-se que a hepatite E apresenta-se como uma doença hepatotrópica de
caráter necroinflamatório característico durante a fase aguda (Kmush et al., 2013).
Todavia, atualmente, ainda são escassas as informações disponíveis na literatura
sobre esta virose, em especial no que tange a imunopatogenia da infecção. O
envolvimento da imunidade celular, por exemplo, permanece parcialmente
compreendido em análises em PBMC de humanos infectados, durante a fase aguda
da hepatite E. Além disso, pouco se sabe sobre os eventos imunopatogênicos no
fígado. Os crescentes relatos de casos de infecção persistente e cronicidade em
indivíduos imunossuprimidos, relacionados à infecção pelo HEV3, atestam a
importância de estudos mais contundentes sobre a fase tardia da infecção.
A proposta do presente estudo se fundamenta, portanto, na caracterização de
subpopulações de células imunes envolvidas no controle viral em fase tardia de
infecção em primatas não humanos inoculados com o HEV3 de diferentes origens.
Serão utilizadas amostras teciduais obtidas durante a fase de convalescência (67 dpi),
coletadas a partir das necrópsias de macacos cynomolgus infectados com o HEV3 de
origem suína e humana. Através desta abordagem, pretende-se avaliar a
permanência do vírus no organismo e os eventos imunológicos compartimentalizados
no fígado durante a fase de convalescência, bem como caracterizar a resposta imune
celular nesta fase da infecção considerando-se as origens dos inóculos utilizados.
Sendo assim, este projeto contribuirá para a elucidação da resposta imune
intra-hepática envolvida no controle viral em fase tardia de infecção pelo HEV3, cujo
entendimento será de suma importância para a compreensão do curso da doença.
26
Mejido, DCP
Objetivos
3 OBJETIVOS
3.1 Objetivo geral
Avaliar o controle viral e caracterizar as células envolvidas na resposta
imunológica intra-hepática frente à infecção experimental com o HEV3 de origem
suína e humana em macacos cynomolgus (Macaca fascicularis) durante a fase de
convalescência.
3.2 Objetivos específicos
 Detectar o HEV RNA e sua carga viral em amostras de fígado, baço, intestino
(duodeno), vesícula biliar, bile, soro, fezes e urina, coletadas 67 dias pós
infecção (dpi);
 Detectar o antígeno viral, HEV Ag, no parênquima hepático em fase de
convalescência da infecção;
 Avaliar as frequências de células de Kupffer, de linfócitos TCD4 e TCD8 e
caracterizar o envolvimento destas populações celulares na resposta
imunológica intra-hepática durante a fase tardia de infecção pelo HEV3 suíno e
humano;
 Avaliar a produção de óxido nítrico no parênquima hepático através da
determinação da frequência de células produtoras de iNOS (óxido nítrico
sintetase induzível), como resposta tardia frente à infecção produzida pelo
HEV3 suíno e humano.
27
Mejido, DCP
Material e Métodos
4 MATERIAL E MÉTODOS
4.1 Animais
As amostras de tecidos, soro, bile, urina e fezes utilizadas no presente estudo
foram previamente coletadas dos primatas utilizados no primeiro trabalho do LADTV
envolvendo infecção experimental pelo HEV. Este estudo foi realizado no ano de
2009, intitulado “Experimental infection with human and swine genotype 3 hepatitis E
virus induces hematological changes in cynomolgus monkeys Macaca fascicularis”
(Carvalho et al., 2013). Para a infecção experimental, doze macacos cynomolgos
adultos jovens, com peso médio entre 1,5 - 6,0 kg, foram fornecidos pelo Serviço de
Criação de Primatas do Cecal - SCPRIM. Os animais foram previamente triados, tendo
estabelecido como critério de exclusão a sorologia positiva para o vírus da
imunodeficiência símia (SIV), o retrovírus tipo D (SRV/D) e o Vírus da Hepatite A
(HAV). Nesta fase pré-estudo, apenas animais hígidos, soronegativos para o HEV e
sem quaisquer alterações inflamatórias hepáticas prévias foram incluídos.
Os animais foram alojados indoor no Biotério de Experimentação de Primatas
do IOC (NBA 2) e mantidos em gaiolas individuais sob condições controladas
(temperatura: 22 ± 1 ° C, umidade: 55 ± 5% e ciclos de luz/escuro de 12h). Para a
realização deste trabalho, o protocolo experimental foi aprovado pela Comissão de
Ética no Uso de Animais da Fiocruz (CEUA / Fiocruz), sob a Licença L-0033/07.
4.2 Infecção experimental de macacos cynomolgus com HEV genótipo 3
Na infecção experimental realizada por Carvalho et al. (2013), dez macacos
cynomolgus (Macaca fascicularis) foram inoculados por via intravenosa e distribuídos
entre três grupos distintos de acordo com os inóculos: 1) seis animais inoculados com
o HEV3 recuperado de suínos (natural ou experimentalmente infectados); 2) dois
animais inoculados com o HEV3 isolados de casos humanos (pacientes com Hepatite
E aguda ou fulminante) e 3) controle negativo, de dois animais inoculados com solução
tamponada fosfato-salina (PBS a 10%).
28
Mejido, DCP
Material e Métodos
A Tabela 4.1 abaixo apresenta a distribuição de animais por grupo
experimental, bem como os parâmetros histopatológicos e de detecção molecular do
RNA viral determinados por Carvalho e colaboradores (2013).
Tabela 4.1 – Grupos experimentais, parâmetros histopatológicos e virológicos.
Animais
(ID)
Idade
(anos)
Danos
hepáticos
67 dpi
(scores)*
I3
15
Q11
18
Grupo
inoculado com
HEV3 suíno
X15
O1
G3
F3
Grupo
inoculado com
HEV3 humano
Grupos
Grupo controle
Detecção do RNA do HEV (dpi)**
Soro
Fezes
2
39 - 53
21 - 53
2
11
17
19
1
2
1
1
1
14
---14
7 - 14
----
7 - 21
14 - 21
5 - 18
7 - 18
----
R7
7
0
----
14 - 27
J3
14
1
----
----
I2
Q12
16
18
0
----
----
0
----
----
* Classificação das lesões inflamatórias com base no número de infiltrados de células mononucleares
focais por 10 lóbulos hepáticos: 0 = ausência de inflamação, 1 = 1-2 infiltrados focais (fraco), 2 = 2 a 5
infiltrados focais (leve), 3 = 6 a 10 infiltrados focais (moderada) e 4 = mais de 10 infiltrados focais (grave)
(Halbur et al., 2001).
** Dias pós infecção onde foi detectado o RNA viral (Carvalho et al., 2013).
O experimento teve duração de 67 dias, contados a partir dia 0 de infecção. A
confirmação da infecção com o HEV3 realizou-se a partir da detecção do RNA viral
no soro e fezes, da avaliação da função hepática e confirmação de hepatite E
subclínica nos animais. Ao longo do experimento, os parâmetros hematológicos,
bioquímicos e virológicos dos animais foram continuamente avaliados.
O desenho experimental da infecção encontra-se representado de forma
resumida na Figura 4.1.
29
Mejido, DCP
Dia 0
Infecção com o HEV3
(Administração do
inóculo por via IV)
Material e Métodos
- Coleta de sangue total;
- Coleta de fezes e saliva;
- Realização de biópsias hepáticas;
Confirmação da infecção: detecção do RNA
viral por PCR e detecção de anticorpos antiHEV por ELISA no soro.
Monitoramento clínico, avaliação da função
hepática e da resposta imune humoral frente à
infecção.
67 dpi
Eutanásia e necropsia dos
animais.
Necrópsia:
- Coleta de sangue, urina e bile;
- Obtenção de fragmentos de
tecidos (fígado, baço, intestino,
vesícula biliar).
Figura 4.1 – Desenho experimental da infecção de macacos cynomolgus com o HEV3, realizada por
Carvalho et al., 2013.
Durante os 67 dias do experimento, os animais foram monitorados clinicamente
por veterinários, com intervalo semanal, para aferição de temperatura, pesagem e
avaliação de anormalidades clínicas e laboratoriais e/ou sintomas específicos.
Amostras de sangue total foram coletadas por punção venosa (0, 7, 14, 25, 32, 39,
46, 53 e 67 dpi) para a detecção molecular do RNA genômico do HEV e para a
detecção sorológica de anticorpos específicos anti-HEV. Também foi realizada a
coleta das fezes dos animais (0, 5, 7, 12, 14, 18, 21, 25, 27, 32, 35, 39, 42, 49, 53, 56,
63 e 67 dpi) para a detecção do RNA do HEV e quantificação da carga viral. As
amostras de soro e fezes foram armazenadas em freezer à -20 °C até o seu
processamento. Para a detecção de IgA, foram coletadas amostras de saliva dos
animais (0, 7, 14, 21, 28, 35, 42, e 53), com os dispositivos de coleta OraSure®
(OraSure Technologies Incorporated, Pennsylvania, EUA). Durante as coletas das
amostras, os animais foram anestesiados com cloridrato de cetamina a 20 mg/kg
(Vetanarcol, König, Argentina) em associação com cloridrato de xilazina a 0,1 mg/kg
(Syntec Brasil, São Paulo, Brasil). Ao final do experimento (67dpi), todos os animais
foram eutanasiados com overdose de tiopental de sódico a 2,5% (25 mg/kg)
(Thiopentax, Cristália, São Paulo, Brasil), por via intravenosa, seguida de
exsanguinação por punção cardíaca. Durante a necropsia, foram coletadas amostras
30
Mejido, DCP
Material e Métodos
de bile, urina, fezes, e fragmentos de linfonodos, glândula salivar, baço, estômago,
vesícula biliar, fígado, intestino delgado e intestino grosso (Carvalho et al., 2013).
No presente estudo, foram utilizadas amostras coletadas em fase de
convalescência da infecção, ou seja, à partir de 55 dpi, quando os níveis de IgM e ALT
já decresceram no soro e não há a detecção do RNA viral no soro e/ou nas fezes.
Foram utilizadas as amostras congeladas de soro, urina (freezer a -20°C), bile e
fragmentos de fígado, baço, duodeno e vesícula biliar (nitrogênio líquido) coletados a
partir das necropsias dos animais infectados, 67 dpi. Amostras de fezes congeladas
(freezer a -20°C) também foram utilizadas no atual estudo, entretanto, estas só foram
coletadas até 64 dpi, antecedendo em três dias o final do experimento (67 dpi).
4.3 Detecção do RNA viral do HEV e quantificação da carga viral em fase
tardia de infecção
4.3.1 Detecção e quantificação do RNA do HEV através de PCR em tempo real
(qRT-PCR)
Para avaliar a presença HEV em fase tardia da infecção, realizou-se a detecção
do RNA genômico. A quantificação da carga viral foi realizada em amostras de fígado,
baço, duodeno, vesícula biliar, soro, urina e bile, no momento da necropsia, 67 dpi, e
em amostras de fezes, 64 dpi. Todas as amostras encontravam-se mantidas
congeladas até o seu processamento.
Para a extração do RNA, algumas amostras foram processadas previamente,
atendendo às recomendações dos kits comerciais utilizados. As amostras de fezes
foram processadas para a obtenção de suspensões fecais a 10% p/v, obtidas a partir
da diluição de 1g de fezes em 10 mL de tampão fosfato salino (PBS, 0,01M, pH 6,8).
As suspensões foram clarificadas por centrifugação (4.800 × g por 20 min a 4°C),
filtradas (microfiltro de 0,45 μm) e estocadas a - 20°C em criotubos de 2 mL. Em
função da viscosidade natural das amostras de bile, estas foram descongeladas e
diluídas em água RNAse free (1:10), no mesmo dia da extração. Os fragmentos de
tecidos congelados foram seccionados e pesados previamente em balança analítica,
para a obtenção de fragmentos de 30mg, requeridos para a extração, conforme
indicado pelo kit. A fim de assegurar a integridade dos tecidos congelados, estes foram
mantidos em gelo seco, durante as etapas de corte e pesagem.
31
Mejido, DCP
Material e Métodos
A extração do RNA de amostras de soro, urina, bile e suspensões fecais
(suspenções) foi realizada com o kit comercial Qiamp Viral RNA kit (Qiagen, Valencia,
CA, EUA), enquanto para fragmentos de tecidos, utilizou-se o kit RNAeasy Minikit da
Quiagen (Qiagen, Valencia, CA, EUA), seguindo as instruções do fabricante. O RNA
total foi extraído a partir de 140 µL das amostras de soro, bile e das suspenções fecais
e de 30mg dos fragmentos de tecidos selecionados. Em todas as extrações, também
foram utilizados amostras controle, negativas e positivas, para validação do ensaio.
Como controle positivo na extração das suspenções (soro, bile e suspensões fecais),
foi utilizada uma amostra de suspensão fecal de suínos sabidamente infectados com
HEV, obtidas em um trabalho anterior realizado pela equipe do LADTV (dos Santos et
al., 2009). Já na extração das amostras de fragmentos teciduais, foi utilizada como
controle
uma
amostra
positiva
de
biópsia
hepática
de
suíno
infectado
experimentalmente com HEV, cedida pelo Departamento de Veterinária, do Instituto
da Universidade de Wageningen e Centro de Pesquisa, Wageningen, Holanda (Van
Der Poel et al., 2001).
Com 25 µL do RNA extraído de cada amostra, foi realizada a transcrição
reversa para a obtenção do DNA complementar (cDNA). Nesta etapa, o mix acrescido
à reação foi preparado previamente com a enzima Superscript® III Reverse
Transcriptase (200 U/mL - Invitrogen, CA, EUA), primer randômico (200 U/mL Invitrogen, CA, USA) e demais reagentes, como água RNAse free, tampão FS (1X),
DTT (3,5 mM), dNTP (0,2 mM) e RNAsin Ribonuclease Inhibitor (0,6mM). A reação,
de volume final de 50 µL (25 µL de RNA da amostra + 25 µL do mix), foi submetida a
ciclos de 25 ºC por 5 min, 50 ºC por 60 minutos e 70 ºC por 20 min (programados em
termociclador).
Posteriormente, os respectivos cDNAs sintetizados de cada amostras foram
amplificados pela reação de PCR em tempo real (qRT-PCR) com marcador TaqMan®,
de acordo com o protocolo descrito por Jothikumar et al. (2006). Foi utilizado o
equipamento 7500 Real-Time PCR System (Applied Biosystems, Foster City, CA,
EUA). As sequências dos primers e da sonda utilizados, descritos por Jothikumar et
al. (2006) anelam-se em uma região altamente conservada de ORF3, constando na
tabela 4.2.
32
Mejido, DCP
Material e Métodos
Tabela 4.2 – Descrição dos primers e sonda utilizados no qRT-PCR para detecção do HEV RNA
(Jothikumar et al., 2006).
Primers
Sequências
JVHEVF (foward)
5′-GGTGGTTTCTGGGGTGAC-3′
JVHEVR (reverse)
5′-AGGGGTTGGTTGGATGAA-3′
JVHEVP (sonda)
5′-TGATTCTCAGCCCTTCGC-3′
Posição no genoma
(região ORF3)
5261–5330
As reações de qRT-PCR foram realizadas em duplicata por amostra, com um
volume final de 25 µL de reação, sendo 12,5 µL de Universal PCR Master Mix (Life
Technologies Corp, EUA), 6,5 µL de água RNAse free, 0,25 µL dos primers, 0,5 µL da
sonda TaqMan® e 5 µL de cDNA (Jothikumar et al., 2006).
No programa de
amplificação para a qRT-PCR, foram utilizadas as seguintes condições: um ciclo de
50 °C por 2 minutos, outro ciclo inicial de desnaturação a 95 °C por 15 minutos e 45
ciclos seguidos de desnaturação a 95 °C por 10 segundos e de hibridação / extensão
a 55 °C por 1 minuto.
Neste ensaio de qRT-PCR, utilizou-se diluições seriadas (101-106) de um clone
de plasmídeo previamente gerado a partir de uma estirpe do HEV3 isolado de suínos
do Brasil, caracterizado em um trabalho anterior do grupo do LADTV realizado por dos
Santos et al. (2009). O plasmídeo foi clonado com o kit TOPO® TA cloning®
(Invitrogen, Carlsbad, CA, EUA) e os primers descritos por Jothikumar et al., 2006 e,
em seguida, purificado utilizando o kit QIAprep spin miniprep (QIAgen, CA, EUA) para
a quantificação com o Nanodrop ND-1000 de acordo com instruções do fabricante
(Wilmington, DE). Desta forma, uma curva padrão foi gerada utilizando as diluições
em série do plasmídeo, para fornecer os parâmetros necessários à quantificação da
carga viral.
Os dados da amplificação do cDNA das amostras foram coletados e analisados
com o Software v2.0 da Applied Biosystems 7500®. As amostras foram consideradas
positivas de acordo com o valor de CT, ou seja, quando o sinal emitido cruzou a linha
de limiar (threshold) apresentando uma curva sigmóide característica. O número de
cópias do genoma viral foi determinado para cada amostra, ajustando os valores de
acordo com os volumes ou massa utilizados em cada etapa, desde a extração até o
qRT-PCR.
33
Mejido, DCP
Material e Métodos
4.3.2 Detecção do RNA genôminco e do RNA intermediário replicativo do HEV
por Nested-PCR / sequenciamento
O Nested-PCR foi realizado para a confirmação dos resultados obtidos no
qRT-PCR, nas amostras consideradas positivas, seguindo uma adaptação do
protocolo estabelecido por Wang et al. (1999). Além da detecção do RNA genômico,
também foi realizada a detecção do RNA intermediário replicativo, ou seja, da fita
negativa complementar, sintetizada apenas no momento da replicação. Para a
detecção do HEV RNA foi realizado o 1° round de amplificação com o PCR
convencional a partir do cDNA das amostras. O mix contendo os reagentes para a RTPCR foi preparado com água RNAse free, tampão para PCR 1X, MgCl2 (3,5 mM),
dNTP (0,4 mM), primers foward 1 (ORF1-F1) e reverse 1 (ORF1-R1) específicos para
a região ORF1 (0,6 µM) e a enzima Taq platinum DNA polimerase (5 U). A reação de
50 µL totais (42 µL de mix + 8 µL de cDNA) foi submetida à amplificação com um ciclo
inicial de desnaturação a 94 °C por 2 minutos, 40 ciclos de 94 °C por 1 minuto, 50 °C
por 1 minuto e 72 °C por 1 min e um ciclo de extensão de 72 °C por 7 minutos.
Com o produto amplificado no 1° round da PCR, foi realizado o 2° round da
Nested PCR. Nesta etapa, utilizou-se dos mesmos reagentes da primeira amplificação
no mix, exceto pelos primers, utilizando-se agora os primers foward 2 (ORF1-F2) e
reverse 2 (ORF1-R2). Nesta segunda etapa, uma reação de 50 µL (47 µL de mix + 3
µL do produto amplificado no 1° round) foi amplificada com um ciclo inicial de
desnaturação a 94 °C por 2 minutos, 30 ciclos de 94 °C por 1 minuto, 50 °C por 1
minuto e 72 °C por 1 min e um ciclo de extensão final de 72 °C por 7 minutos. As
sequências dos primers utilizados no 1° e no 2°round de amplificação encontram-se
dispostos na tabela 4.3.
Tabela 4.3 – Descrição dos primers utilizados na PCR (1° round) e Nested (2° round) para detecção
do genótipo 3 do HEV.
Sequências
Posição no
genoma
ORF1-F1 (foward)
5’- CTGGCATYACTACTGCYATTGAGC-3’
56 - 79
ORF1-R1 (reverse)
5’- CCATCRARRCAGTAAGTGCGGTC-3’
451 - 473
ORF1-F2 (foward)
5’- CTGCCYTKGCGAATGCTGTGG-3
104 - 124
ORF1-R2 (reverse)
5’- GGCAGWRTACCARCGCTGAACATC-3
367 - 389
Primers
34
Tamanho do
produto
418 pb
287 pb
Mejido, DCP
Material e Métodos
Para a detecção do RNA intermediário replicativo, o cDNA foi obtido de forma
diferente à citada no item 4.3.1. Nesta etapa, foi utilizado apenas o primer foward
ORF1-F1 e a enzima MMLV (Life Technology, USA) e seus reagentes. Em uma
primeira etapa, realizou-se banho de gelo por 5 minutos, adicionando 5 μL do RNA a
5 μL do primer mix (1 μL de forward e 4 μL de água ultrapura), seguindo com a
desnaturação em um ciclo de 95 ºC por 5 min. Em seguida adicionou-se 10 μL do mix
RT a 5 μL do desnaturado e os tubos foram submetidos à ciclos de 42 ºC /30 min e
94 ºC /5 min, procedendo-se com o PCR e a Nested, conforme o protocolo descrito
anteriormente.
Por fim, foi realizada a eletroforese em gel de agarose (1,5%) dos produtos
amplificados, a 90 volts (V) por aproximadamente 40 minutos. Ao fim da corrida o gel
foi foto documentado para a análise dos resultados. Os fragmentos correspondentes
a amostras positivas foram excisados do gel para purificação com o kit QIAquick PCR
purification (Qiagen, CA, EUA) e sequenciamento.
A reação de sequenciamento foi feita acrescentando-se 2 µL dos primers
foward e reverse (4 pmol), 3 µL das amostras e 2,5 µL de água, chegando a um volume
final de reação de 7,5 µL. Os produtos foram enviados à Plataforma Multi-usuário de
sequenciamento – PDTIS/ Fiocruz, onde foram sequenciados no equipamento ABI
PRISM 3100 (Applied Biosystems). As sequências foram analisadas no programa
BLAST® (NCBI – NIH).
4.4 Imunomarcação em amostras de tecidos hepáticos
4.4.1 Detecção do antígeno viral do HEV por imunofluorescência indireta
O ensaio de imunofluorescência indireta foi empregado em amostras
congeladas de fígados dos cynomolgus submetidos à infecção experimental com o
HEV3, coletadas 67 dpi. Para a detecção do antígeno viral (HEV Ag), especificamente
da região ORF2, que compõe as proteínas de capsídeo do HEV, foram realizadas
marcações simples em secções hepáticas.
Para a realização da imunomarcação, os fragmentos de fígado, mantidos em
nitrogênio líquido desde a sua obtenção, foram seccionados e emblocados
congelados em moldes plásticos com utilização de resina Cryo glue® (Carl Zeiss,
35
Mejido, DCP
Material e Métodos
Alemanha). Durante todo o processamento, os fragmentos de fígado permaneceram
em gelo seco, afim de evitar seu descongelamento. Após o endurecimento da resina,
os blocos foram retirados dos moldes, envoltos com papel alumínio e papel de filtro
identificado e armazenados em nitrogênio líquido até seu processamento.
Os blocos contendo os fragmentos de fígados dos animais foram seccionados
em criostato de bancada modelo MTC (Slee Mainz, Alemanha) a -27 °C, para a
obtenção de cortes histológicos de 5 μm de espessura. A fim de garantir a aderência
dos cortes, foram utilizadas lâminas com superfície aderente laminas Superfrost plus®
(Easypath, Brasil). As lâmina previamente identificadas com a data e a identificação
dos animais, foram confeccionadas com dois cortes (em duplicata), imediatamente
fixadas com acetona gelada (-10°C) por 3 minutos e armazenadas em freezer a -70°C
por curto período de tempo até o seu processamento.
Para detecção do HEV Ag, foi realizada a imunofluorescência com marcação
simples nos cortes histológicos dos fígados de todos os animais. Inicialmente, as
lâminas foram retiradas do freezer a -70°C e alocadas em suporte contendo PBS pH
7.2, para lavagem e retirada da resina que recobre o tecido. O entorno dos cortes foi
delimitado com lápis hidrofóbico (quadrados em volta dos cortes), formando “poços”,
que retêm a solução de bloqueio ou os anticorpos na área do tecido.
Em seguida, realizou-se o bloqueio das lâminas para evitar ligações
inespecíficas, recobrindo os cortes com 100 µL de solução de bloqueio previamente
preparada (leite em pó molico desnatado 1%, BSA 2,5%, soro fetal bovino 8% e
volume completar de PBS pH 7.2 para 50 mL (alíquotas de 1mL foram mantidas
congeladas em freezer a -20°C até o uso)). As lâminas com o bloqueio foram
acondicionadas em câmara úmida vedada com parafilme e incubadas durante 3 horas
em estufa à 37°C.
Durante o tempo de incubação com o bloqueio, foram preparadas as diluições
dos anticorpos primários e secundários em PBS, apresentados na tabela 4.4.
36
Mejido, DCP
Material e Métodos
Tabela 4.4 – Descrição dos anticorpos primário e secundário utilizados e das respectivas diluições
empregadas na marcação anti-HEV por imunofluorescência indireta.
Anticorpo primário
Anticorpo
(Host)
Marca
(Catálogo)
Anticorpo policlonal
anti-HEV Ag
(Coelho)
Fitzgerald
Industries
International®
(70R-HR003)
Anticorpo Secundário
Diluição
Anticorpo
(Host)
Anticorpo policlonal
secundário anti-IgG de
coelho conjugado a
FITC (Cabra)
1:150
Marca
(Catálogo)
Sigma®
(F-0511)
Diluição
1:500
Após o término do bloqueio, as lâminas foram alocadas em suporte para
lavagem com imersão em PBS pH 7.2. O PBS foi trocado para a realização de três
lavagens sucessivas. Em seguida, foram aplicados 100 µL do anticorpo primário antiHEV Ag (1:150) por corte e as lâminas foram acondicionadas em câmara úmida
vedada com parafilme e incubadas por 3 horas à 37°C. Após o tempo de incubação
com anticorpo primário, as lâminas foram novamente lavadas com PBS pH 7.2, com
três lavagens sucessivas para a retirada do excesso de anticorpos não ligados. Após
as lavagens, foram aplicados 100 µL de anticorpo secundário conjugado à Alexa
Fluor® 488 (em escuro) por corte, repetindo-se a incubação das lâminas em câmara
úmida 3 horas à 37°C. Logo após o término da incubação, as lâminas foram lavadas
três vezes com imersão em PBS pH 7.2.
Após as marcações com os anticorpos, os cortes foram recobertos com Azul
de Evans 1:20.000 por aproximadamente 30 segundos, para contracorar o
parênquima hepático. As lâminas foram lavadas uma vez com PBS pH 7.2 para
eliminar o excesso do corante. Depois, aplicou-se 1 gota de SlowFade® Gold Antifade
Reagent com DAPI (Life Technologies Corporation, EUA) sobre os cortes, para a
marcação dos núcleos, manutenção da viabilidade dos cortes e proteção contra o
enfraquecimento dos fluoróforos. Por fim, as lamínulas foram colocadas sobre os
cortes e seladas nas bordas com esmalte. As lâminas prontas para a leitura foram
então armazenadas no freezer à -20 °C no escuro. Em razão da indisponibilidade no
uso do confocal da Plataforma PDTIS/Fiocruz, que encontra-se em manutenção, as
leituras das lâminas confeccionadas neste ensaio foram realizadas no microscópio
confocal LSM Meta 510 (Carl Zeiss, Alemanha) do Laboratório de Microscopia
confocal da UERJ. As imagens foram capturadas com o auxílio do software Zen 2009
patch 2 (Carl Zeiss, Alemanha).
37
Mejido, DCP
Material e Métodos
4.4.2 Análise e quantificação fenotípica celular e da produção de óxido nítrico
por imunomarcações simultâneas em amostras hepáticas
Para as imunomarcações duplas realizadas neste estudo, foram utilizados
apenas anticorpos que apresentavam reação cruzada confirmada para macacos
cynomolgus (Macaca fascicularis). Antes da aquisição dos anticorpos, consultou-se o
site
Nonhuman
Primate
Reagent
Resource
do
NIH
(http://www.nhpreagents.org/NHP/default.aspx), que recomenda a utilização de
reagentes para as espécies de primatas não humanos utilizadas em pesquisa
científica. As informações detalhadas de todos os anticorpos utilizados no presente
trabalho encontram-se dispostas no Apêndice A.
Cortes histológicos das amostras de fígado dos dez macacos cynomolgus
utilizados neste estudo foram imunomarcados para a detecção de alguns subtipos
celulares e avaliação da procução de óxido nítrico pela expressão de iNOS. As
seguintes combinações de anticorpos primários foram utilizadas neste estudo: antiCD68/anti-HEV Ag, para a quantificação de células de Kupffer (CD68+) e de células
de Kupffer comarcadas com o HEV Ag (CD68+/HEV Ag+); anti-CD68/anti-iNOS, para
a quantificação de células de kupffer produtoras de iNOS (CD68+iNOS+); antiiNOS/anti-HEV, para a quantificação de células produtoras de óxido nítrico (iNOS+) e
de células comarcadas para o antígeno viral produtoras de óxido nítrico (HEV
Ag+iNOS+); anti-CD3/anti-CD4, para a quantificação de células CD4+ e de células
CD3+CD4+; anti-CD3/anti-CD8, para a quantificação de células CD8+ e de células
CD3+CD8+.
As marcações foram realizadas nas lâminas previamente preparadas e
congeladas com os cortes histológicos. A lavagem e processamento das lâminas até
o bloqueio foram realizadas como no item 3.4.1. O bloqueio e as marcações duplas
foram adaptados do protocolo Double immunofluorescence – simultaneous protocol
(Abcam®), otimizando as marcações por imunofluorescência indireta, com a
incubação simultânea dos anticorpos gerados em diferentes espécies (hosts). Para o
bloqueio das lâminas, adicionou-se à cada corte de tecido 100 µL de solução de
bloqueio com 1% de BSA em PBST (1mL de Tween 20 em 1L de PBS), por uma hora
a temperatura ambiente. Durante o tempo de bloqueio, foram preparadas a mistura
de anticorpos primários e a mistura de anticorpos secundários de acordo com a
38
Mejido, DCP
Material e Métodos
marcação desejada. Os anticorpos foram diluídos em solução de bloqueio (1% de BSA
em PBST). A tabela 4.5 esquematiza as marcações duplas e as diluições empregadas
para cada anticorpo.
Tabela 4.5 – Descrição dos anticorpos primários e secundários utilizados nas marcações duplas por
imunofluorescência, com as diluições empregadas e as diferentes espécies onde os anticorpos foram
produzidos (Hosts).
Esquema de marcações simultâneas
Marcações
Duplas
CD68/iNOS
Anticorpos primários
Anticorpos secundários
Anticorpo policlonal anti-IgG de coelho
conjugado a Alexa Fluor® 647 (Burro)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de camundongo
conjugado a Alexa Fluor® 488 (Cabra)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de coelho
conjugado a Alexa Fluor® 647 (Burro)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de camundongo
conjugado a Alexa Fluor® 488 (Cabra)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de camundongo
conjugado a Alexa Fluor® 647 (Burro)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de coelho
conjugado a FITC (Cabra)
1:500
Anticorpo polyclonal anti-IgG de rato
conjugado a Alexa Fluor® 647 (cabra)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de camundongo
conjugado a Alexa Fluor® 488 (Burro)
1:500
Anticorpo polyclonal anti-IgG de rato
conjugado a Alexa Fluor® 647 (cabra)
1:500
Anticorpo policlonal anti-IgG de camundongo
conjugado a Alexa Fluor® 488 (Burro)
1:500
Anti-CD68 (Coelho)
1:100
Anti-iNOS (Camundongo)
1:150
CD68/HEV
Anti-CD68 (Coelho)
1:100
Anti-HEV (Camundongo)
1:150
iNOS/HEV
Anti-iNOS (Camundongo)
1:150
Anti-HEV (Coelho)
1:150
Anti-CD3 (Rato)
1:100
CD3/CD4
Anti-CD4 (Camundongo)
1:100
CD3/CD8
Anti-CD3 (Rato)
1:100
Anti-CD8 (Camundongo)
1:100
Após o bloqueio, as lâminas foram lavadas três vezes com PBS (pH 7.2). Em
seguida, foram aplicados 100 µL por corte da mistura de anticorpos primários
desejados. As lâminas foram acondicionadas em câmara úmida e incubadas por 90
minutos à 37°C. Logo após, as lâminas foram novamente lavadas três vezes com PBS
(pH 7.2). Procedeu-se com a incubação com 100 µL da mistura de anticorpos
secundários por corte, em câmara úmida, por mais 90 minutos à 37°C (no escuro).
39
Mejido, DCP
Material e Métodos
Por fim, as lâminas foram lavadas três vezes com imersão em PBS pH 7.2 e montadas
com SlowFade® Gold Antifade Reagent com DAPI, conforme descrito no item 3.4.1.
As lâminas confeccionadas foram armazenadas no freezer à -20 °C no escuro até a
sua leitura.
As leituras das lâminas com marcação dupla foram realizadas em sua maioria
no microscópio confocal LSM Meta 510 (Carl Zeiss, Alemanha) do Laboratório de
Microscopia Confocal da UERJ. Para a quantificação das marcações, sete campos
de cada lâmina, lidos à um aumento de 400x, foram aleatoriamente obtidos com o
auxílio do software Zen 2009 patch 2 (Carl Zeiss, Alemanha). Em função de um
período de manutenção do equipamento na UERJ, a continuidade das leituras das
lâminas marcadas para CD3/CD4 e para CD3/CD8 foram realizadas no microscópio
de imunofluorescência Imager.A2 (Carl Zeiss, Alemanha) no Laboratório de Pesquisas
sobre o Timo do IOC/Fiocruz.
4.4.2.1 Quantificação das imunomarcações com o software ImageJ
A quantificação realizada a partir das imagens capturadas foi realizada com o
auxílio do software ImageJ (NIH, USA). Conforme citado no item 3.4.2, foram
capturados aleatoriamente sete campos de cada lâmina, utilizando-se objetiva de 40X
(aumento de 400X), ou seja, em campos microscópios de alto aumento (High Power
Fields – HPF).
Duas abordagens de quantificação foram realizadas a fim de aumentar a
confiabilidade nas leituras. Na primeira abordagem, as células marcadas (marcação
específica) e o total de células por campo (núcleos corados com DAPI) foram contados
para estabelecer o valor percentual dos diferentes subtipos de células de interesse (%
de células positivas por número total de células/campo). Além disso, foram
determinadas as médias de intensidade de fluorescência (MFI) das células marcadas
por campo, valor representativo do número de moléculas marcadas. Os valores
médios obtidos de cinco seleções correspondentes ao background foram subtraídos
dos MFI de cada marcação. Os resultados obtidos em MFI para cada molécula foram
proporcionais as frequências de células marcadas pelo total de células/campo obtidas,
assegurando a acurácia dos resultados por dois métodos distintos.
40
Mejido, DCP
Material e Métodos
Desta forma, os sete campos capturados de cada lâmina (animal), foram
avaliados quanto à frequência (%) dos fenótipos celulares determinados por diferentes
marcações (ex.: células CD68+, CD4+, linfócitos TCD8 (CD3+CD8+)).
4.5 Análise estatística
Os resultados das quantificações fenotípicas por imunofluorescência foram
analisados estatisticamente com o auxílio do programa Prism 5 (GraphPad software,
San Diego, CA, USA), utilizando-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, com a
comparação múltipla de Dunn. O nível de significância adotado nesta análise foi p ≤
0,05.
41
Mejido, DCP
Resultados
5 RESULTADOS
5.1 Detecção do RNA do HEV por qRT-PCR e Nested-PCR
A fim de avaliar a permanência do HEV no organismo dos animais 67 dpi, em
fase de convalescência, pesquisou-se o RNA genômico e sua quantificação em
amostras de soro, bile, fezes, urina, fígado, baço, duodeno, e vesícula biliar por qRTPCR, confirmando-se resultados positivos por Nested-PCR. Foi possível detectar
carga viral em amostras de dois dos seis animais que receberam inoculo proveniente
de suínos infectados (animais I3 e O1), conforme apontam os resultados dispostos na
tabela 5.1. Nos grupos de animais inoculados com HEV3 de origem humana e no
grupo controle negativo o RNA viral não foi detectado.
Tabela 5.1 - Detecção quantitativa (qRT-PCR) e qualitativa (Nested-PCR) do genoma do HEV em
diferentes tecidos obtidos de macacos cynomolgos aos 67 dias de infecção.
Identificacao
do animal
Origem
inoculo
Resultados qRT-PCR
Amostra de
tecido positivas
Carga viral
(RNA/gr ou mL)
CT*
Nested -PCR
Vesícula
6x101
40,7
+
Bile
2,1x102
38,5
+
Vesícula
5,3x103
34,3
+
Fígado
-
-
+
I3
Suíno
O1
*CT, Limiar do ciclo
Inicialmente nenhum animal apresentou a detecção HEV RNA no fígado. Sendo
assim, extraiu-se o RNA em triplicata das amostras de fígado, repetindo-se o qRTPCR. Neste ensaio, em uma das três amostras de fígado do animal O1, observou-se
um resultado sugestivo (CT > 40), sem que fosse possível determinar a carga viral
(Tabela 5.1). O Nested-PCR do cDNA desta triplicata foi realizado juntamente com as
demais amostras consideradas positivas no qRT-PCR para a confirmação dos
resultados e sequenciamento. Todas as amostras positivas no PCR em tempo real,
tiveram seus resultados confirmados pela Nested-PCR, inclusive a amostra de fígado
do animal O1 (Figura 5.1).
42
Mejido, DCP
Resultados
1
2
3
4
5
6
pb
300
200
100
Figura 5.1 – Detecção do RNA do HEV por Nested-PCR. 1. Marcador de peso molecular em pares de
base (pb); 2. Controle positivo de fígado infectado com HEV; 3. Bile do animal I3; 4. Vesícula biliar do
animal I3; 5. Vesícula biliar do animal O1 e 6. Fígado do animal O1.
O sequenciamento dos produtos amplificados foi realizado, confirmando que as
sequências detectadas nas amostras correspondiam ao HEV. Para avaliar a hipótese
de replicação viral ainda na fase tardia da infecção, foi realizado o Nested-PCR para
a detecção do RNA intermediário replicativo em todas amostras consideradas
positivas para o genoma viral. Não foi possível detectar o RNA intermediário
replicativo nas amostras testadas.
5.2 Detecção do antígeno viral do HEV por imunofluorescência indireta em
amostras hepáticas
Na avaliação da presença do antígeno viral durante fase de convalescência da
infecção, foram consideradas marcações positivas aquelas que apresentaram um
padrão de coloração citoplasmática específica, não identificado nas lâminas sem
anticorpo primário (controle de reação) e nos cortes de fígado de animais controles.
Todos os animais infectados apresentaram marcações positivas do antígeno viral nas
amostras de fígado durante a fase tardia da infecção pelo HEV3 (Figura 5.2).
Através da detecção do HEV por imunofluorescência foi possível observar a
presença do antígeno viral tanto em hepatócitos, como em células localizadas nos
sinusóides hepáticos. Observou-se, entretanto, que as marcações positivas nos
sinusóides eram mais frequentes, o que pode indicar a presença do vírus no interior
de células de Kupffer, células epiteliais sinusoidais ou de outras tipos celulares
circulantes, como macrófagos, linfócitos e células NK. Estes achados sugerem a
43
Mejido, DCP
permanência
Resultados
do
antígeno
do
HEV
no
fígado
de
primatas
infectados
experimentalmente em fase de convalescência.
a
b
Q11
I3
X15
d
R7
O1
g
h
i
F3
F3
j
J3
f
e
O1
G3
c
l
L
Q12
m
I2
Figure 5.2 – Detecção do antígeno viral do HEV (proteína de capsídeo viral - ORF2) por imunofluorescência
indireta em amostras hepáticas de cynomolgus,
coletadas em fase tardia de
infecção (67 dpi). Setas brancas
Q12
I2
indicam marcações positivas para HEV: a. Marcações no parênquima hepático e em células presentes no
sinusóide do animal I3 – aumento de 400x; b, c e d. Marcações em células presentes nos sinusóides
hepáticos dos animais Q11, X15 e R7 respectivamente - aumento de 400x; e e f. Marcação evidenciada no
hepatócito (nucléolo característico) do animal O1 - aumento de 400x e CROP (zoom) respectivamente; g.
Marcação em célula presente no sinusóide hepático do animal G3 - aumento de 400x; h e i. Marcações em
células presentes no sinusóide hepático do animal F3 - aumento de 630x; j. Marcações em célula presente
em infiltrado inflamatório no sinusóide hepático do animal J3 (retângulo pontilhado mostra células do
infiltrado negativas) - aumento de 400x; m; l e m. ausência de marcações nos animais do grupo controle
negativo Q12 e I2 respectivamente. A identificação do animal encontra-se no canto inferior esquerdo de
cada imagem. Anticorpo anti-HEV/FITC (verde); Núcleos corados com DAPI (azul) e parênquima contra corado com
Azul de Evans (vermelho).
44
Mejido, DCP
Resultados
5.3 Quantificação dos fenótipos celulares e da expressão da enzima óxido
nítrico sintetase induzida (iNOS) em amostras de tecido hepático
5.3.1 Detecção de células de Kupffer e de células de Kuffer positivas para o
HEV Ag durante o período de resolução da hepatite E
A análise quantitativa de células de Kupffer foi realizada com o objetivo de
avaliar sua presença no leito sinusoidal e em infiltrados inflamatórios durante a fase
de convalescência da infecção pelo HEV3. Concomitantemente, por marcação dupla,
pesquisou-se o antígeno viral do HEV associado à estas células (Tabela 4.5). A Figura
5.3 apresenta as imagens capturadas das marcações de células de Kupffer (CD68+)
nos grupos de animais infectados e controle. Quantitativamente, não observamos
diferença significativa entre as populações de células de Kupffer (CD68+) dos grupos
infectados e controle (p = 0,0583). Ao analisar a origem dos inóculos (suíno e
humano), pôde-se observar a redução na frequência de células CD68+ no parênquima
hepático nos animais inoculados com o HEV humano em relação aos animais
inoculados com HEV suíno (0.01 ≤ p < 0.05) (Figura 5.4).
a
b
X15
I3
F3
d
R7
c
e
f
I2
J3
Figura 5.3- Detecção de células de Kupffer (CD68+) por imunofluorescência indireta no
parênquima hepático de cynomolgus, em fase tardia de infecção (imagens representativas de
todos os grupos experimentais). Setas brancas indicam marcações positivas para CD68: a, b, e
c. Células de Kupffer nos sinusóides hepáticos dos animais I3, X15, e F3 (grupo inoculado com
HEV suíno) - aumento de 400x; d e e. Células de Kupffer nos sinusóides hepáticos dos animais
R7 e J3 (grupo inoculado com HEV humano) - aumento de 400x e 630x respectivamente e f.
Célula de kupffer evidenciada no sinusóide hepático do animal I2 (grupo controle não infectado
com HEV) - aumento de 400x. A identificação dos animais encontra-se no canto inferior esquerdo
de cada imagem. Anticorpo anti-CD68/Alexa fluor 647 (vermelho), anti-HEV/FITC (verde) e núcleos
corados com DAPI (azul). As imagens apresentam seleções das áreas de interesse marcadas, para melhor
visualização, respeitando-se os aumentos utilizados nas imagens originais.
45
Mejido, DCP
Resultados
*
Frequência de células de
Kupffer (CD68+) / campo (%)
4
3
2
1
0
HEV suíno
HEV humano
Controle
Figura 5.4 – Frequência de células de Kupffer (CD68+) no parênquima hepático dos animais dos
grupos experimentais avaliados (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano n=2
e controle n=2). As barras representam as médias entre os valores com erro padrão. A seleção
marcada com * representa diferença significativa (0.01 ≤ p < 0.05).
Também foi possível detectar células CD68+HEVAg+, evidenciadas apenas
nos grupos de animais infectados (Figura 5.5). Quantitativamente, estas células
comarcadas predominaram no grupo inoculado com HEV suíno (p = 0,0293) (Figura
5.6).
a
b
Q11
I3
O1
d
F3
c
e
R7
f
J3
Figura 5.5 - Detecção de células de Kupffer infectadas com o HEV (CD68+HEV+) no parênquima
hepático de macacos cynomolgus, por imunofluorescência indireta, em fase tardia de infecção
(imagens representativas de todos os grupos experimentais). As setas brancas indicam as
comarcações CD68+/HEV+: a, b, c e d. Células de Kupffer infectadas com o HEV nos sinusóides
hepáticos dos animais I3, Q11, O1 e F3 (grupo inoculado com HEV suíno) - aumento de 400x; e e f.
Células de Kupffer infectadas com o HEV nos animais R7 e J3 (grupo inoculado com HEV humano) aumento de 400x. A identificação dos animais encontra-se no canto inferior esquerdo de cada imagem.
Anticorpo anti-CD68/Alexa fluor 647 (vermelho), anti-HEV/FITC (verde) e núcleos corados com DAPI
(azul). As imagens apresentam seleções das áreas de interesse marcadas, para melhor visualização,
respeitando-se os aumentos utilizados nas imagens originais.
46
Mejido, DCP
Resultados
Frequência de células CD68+ infectadas
(CD68+HEV+) / campo (%)
2.5
*
2.0
1.5
1.0
0.5
0.0
HEV suíno
HEV humano
Figura 5.6 - Frequência de células de Kupffer comarcadas com o HEV (CD68+HEV+) no parênquima
hepático dos animais dos grupos inoculados com HEV suíno n=6 e com HEV humano n=2. As barras
representam as médias com erro padrão e a seleção marcada com * caracteriza uma diferença
significativa entre os grupos (0.01 ≤ p < 0.05).
A relação das células CD68+HEV+ sobre o total de células CD68+
(CD68+HEV+ / CD68+) mostrou-se quatro vezes maior no grupo inoculado com HEV
suíno (0,52) se comparada ao grupo inoculado com HEV humano (0,13). Este dado
aponta uma maior capacidade de associação das células de Kupffer ao antígeno viral
na infecção pelo HEV3 suíno durante a fase de convalescência.
5.3.2 Análise da expressão de iNOS em fase tardia de infecção pelo HEV
A frequência de células produtoras da enzima iNOS no parênquima hepático
foi avaliada através de imunomarcações duplas (anticorpos indicados na Tabela 4.5).
Em todos os animais foi possível detectar positividade para iNOS (Figura 5.7). A
expressão desta enzima ocorreu predominantemente no grupo de animais infectados
em relação ao controle (P< 0,0001). Quanto à origem do inoculo, a maior frequência
de células iNOS+ ocorreu no grupo inoculado com o HEV suíno (0.001≤ p < 0.01)
(Figura 5.8). Analisando a coexpressão simultânea de CD68 e produção de iNOS nos
cortes hepáticos, observamos a ausência de comarcações iNOS+CD68+ em todas as
amostras testadas. Quanto à presença de células HEVAg+iNOS+, não foram
observadas diferenças significativas entre os grupos infectados (p=0,9867) (Figura
5.9).
47
Mejido, DCP
Resultados
a
Q11
b
X15
G3
d
R7
c
e
f
I2
J3
Figura 5.7 - Detecção de células produtoras de óxido nítrico (iNOS+) no parênquima hepático de
macacos cynomolgus, por imunofluorescência indireta, em fase tardia de infecção (imagens
representativas de todos os grupos experimentais). As setas brancas indicam as comarcações iNOS+:
a, b, e c. Células produtoras de NO, no parênquima hepático dos animais Q11, X15 e G3 (grupo
inoculado com HEV suíno) - aumento de 400x; d e e. Células produtoras de NO, no parênquima hepático
dos animais R7 e J3 (grupo inoculado com HEV humano) - aumento de 400x e 630x respectivamente;
f. Célula produtora de NO, no parênquima hepático do animal I2 (grupo controle não infectado) - aumento
de 400x. A identificação dos animais encontra-se no canto inferior esquerdo de cada imagem. Anticorpo
anti-iNOS/Alexa fluor 647 (vermelho), anti-HEV/FITC (verde) e núcleos corados com DAPI (azul). As
imagens apresentam seleções das áreas de interesse marcadas, para melhor visualização, respeitandose os aumentos utilizados nas imagens originais.
**
Frequência de células produtoras de óxido
nítrico (iNOS+) / campo (%)
10
**
8
6
4
2
0
HEV suíno
HEV humano
Controle
Figura 5.8 Frequência de células produtoras de iNOS no parênquima hepático dos animais dos grupos
experimentais (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano n=2 e controle n=2). As
barras representam as médias com erro padrão e a seleção marcada com * caracteriza uma diferença
significativa entre os grupos (0.01 ≤ p < 0.05).
48
Mejido, DCP
Resultados
Frequência de células infectadas produtoras
de óxido nítrico (HEV+ iNOS+) / campo (%)
0.5
0.4
0.3
0.2
0.1
0.0
HEV suíno
HEV humano
Figura 5.9 Frequência de células HEV+iNOS+ no parênquima hepático dos animais dos grupos
experimentais (inoculado com HEV suíno n=6 e HEV humano n=2). As barras representam as médias
com erro padrão e não foi observada diferença significativa entre os grupos (p = 0.9867).
A relação entre as células HEV+iNOS+ sobre o total de células produtoras de
iNOS (HEV+iNOS+ / iNOS+) mostrou-se maior no grupo inoculado com HEV humano
(0,16) quando comparada ao grupo inoculado com HEV suíno (0,04). Embora tenha
sido maior a frequência de células produtoras de iNOS no grupo inoculado com HEV
suíno, observa-se uma maior capacidade da produção de iNOS por células
associadas ao antígeno viral no grupo infectado com o HEV humano.
5.3.3 Análise fenotípica para a identificação das populações de linfócitos TCD4
e TCD8 em fase tardia de infecção
Para acessar a resposta imune celular intra-hepática durante a fase de
resolução da hepatite E em macacos cynomolgos (Tabela 3.4.2), as populações de
células CD4+, CD8+, CD3+CD4+ e CD3+CD8+ foram identificadas e quantificadas no
parênquima hepático. Foram observadas marcações positivas para células CD4+ e
para linfócitos T CD4 (CD3+CD4+) nos três grupos experimentais (Figura 5.10). A
frequência aumentada de células CD4+ foi observada entre os animais inoculados
com o HEV (p = 0,0170), sendo que no grupo inoculado com HEV suíno foi observada
uma frequência maior de células CD4+ em relação ao grupo inoculado com HEV
humano (0.01 ≤ p < 0.05). A frequência de células CD3+CD4+ entre os grupos
demonstrou-se significativamente aumentada nos animais infectados (p = 0,0085),
com um aumento de células CD3+CD4+ no grupo inoculado com HEV suíno em
relação ao grupo controle (0.01 ≤ p < 0.05) (Figura 5.11).
49
Mejido, DCP
Resultados
a
Q11
I3
X15
d
O1
c
b
e
J3
f
I2
Figura 5.10 - Detecção de células CD4+ e de linfócitos T CD4 (CD3+CD4+) no parênquima hepático
de macacos cynomolgus, por imunofluorescência indireta, em fase tardia de infecção (imagens
representativas de todos os grupos experimentais). As setas brancas indicam as células CD4+ e as
setas amarelas indicam os linfócitos T CD4: a. Células CD4+ em infiltrado inflamatório – animal I3
(grupo inoculado com HEV suíno); b, c e d. Células CD4+ e linfócitos T CD4 no parênquima hepático
e sinusóides – animais Q11, X15 e O1 (grupo inoculado com HEV suíno); e. Células CD4+ e linfócitos
T CD4 no parênquima hepático – animal J3 (grupo inoculado com HEV humano) e f. Células CD4+ animal I2 (grupo controle não infectado). Aumento de 400x. A identificação dos animais encontra-se no
canto inferior esquerdo de cada imagem. Anticorpo anti-CD3/Alexa fluor 647 (vermelho), anti-CD4/FITC
(verde) e núcleos corados com DAPI (azul). As imagens apresentam seleções das áreas de interesse
marcadas, para melhor visualização, respeitando-se os aumentos utilizados nas imagens originais.
*
Frequência de células CD4+ e
de linfócitos TCD4 / campo (%)
10
*
8
6
4
2
0
HEV suíno
HEV humano
Células CD4+
Controle
Linfócitos T CD4
células CD4+
linfócitos TCD8 (CD3+/CD8+)
Figura 5.11 Frequência de células CD4+ e de linfócitos T CD4 (CD3+CD4+) no parênquima hepático
dos animais dos grupos experimentais avaliados (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV
humano n=2 e controle n=2). As barras representam as médias dos valores com erro padrão e a
seleção marcada com * caracteriza uma diferença significativa entre os grupos (0.01 ≤ p < 0.05).
50
Mejido, DCP
Resultados
Também foram analisadas as marcações positivas para células CD8+ e
CD3+CD8+, representadas na Figura 5.11. A frequência de células CD8+
demonstrou-se significativamente aumentada nos animais infectados com HEV (p =
0,0004). Em relação a origem do inoculo observou-se um aumento significativo de
células CD8+ no grupo inoculado com HEV suíno em relação ao grupo controle (p <
0,001). O mesmo comportamento foi observado para células CD8+ no grupo de
animais inoculados com HEV humano, mostrando-se significativamente maior que o
grupo controle (0.01 ≤ p < 0.05) (Figura 5.12).
As
frequência
de
população
de
células
CD3+CD8+
mostrou-se
significativamente aumentada entre os animais infectados (p < 0,0001). Nesta análise,
observou-se uma predominância de células CD3+CD8+ no grupo inoculado com HEV
suíno, em relação ao grupo inoculado com o HEV de origem humana (p = 0.001 a
0.01), e em relação ao grupo controle (p < 0,001) (Figura 5.13).
a
I3
b
G3
X15
e
d
F3
c
f
I2
J3
Figura 5.12 - Detecção de células CD8+ e de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+) no parênquima hepático
de macacos cynomolgus, por imunofluorescência indireta, em fase tardia de infecção (imagens
representativas de todos os grupos experimentais). As setas brancas indicam as células CD8+ e as
amarelas indicam os linfócitos T CD8: a. Linfócitos T CD8 em infiltrado inflamatório – animal I3 (grupo
inoculado com HEV suíno); b, c e d. Células CD8+ e linfócitos T CD8 indicados no parênquima hepático
e sinusóides – animais X15, G3 e F3 (grupo inoculado com HEV suíno); e. Linfócitos T CD4 no
parênquima hepático – animal J3 (grupo inoculado com HEV humano) e f. Célula CD8+ - animal I2
(grupo controle não infectado). Aumento de 400x. A identificação dos animais encontra-se no canto
inferior esquerdo de cada imagem. Anticorpo anti-CD3/Alexa fluor 647 (vermelho), anti-CD8/FITC
(verde) e núcleos corados com DAPI (azul). As imagens apresentam seleções das áreas de interesse
marcadas, para melhor visualização, respeitando-se os aumentos utilizados nas imagens originais.
51
Mejido, DCP
Resultados
***
*
Frequência de células CD8+ e
de linfócitos TCD8 / campo (%)
5
***
**
4
3
2
1
0
HEV suíno
HEV humano
Células CD8+
células CD8+
Controle
Linfócitos T CD8
linfócitos TCD8 (CD3+/CD8+)
Figura 5.13 - Frequência de células CD8+ e de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+) no parênquima hepático
dos animais dos grupos experimentais avaliados (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV
humano n=2 e controle n=2). As barras representam as médias com o erro padrão. As seleções com
* (0.01 ≤ p < 0.05), ** (0.001≤ p < 0.01) e *** (p < 0.001) representam as diferenças significativas entre
os grupos.
As frequências de células CD3+CD8+ e CD3+CD4+ também foram avaliadas
considerando-se todos os animais infectados, independente da origem dos inóculos.
Nesta análise observou-se que a frequência da população CD3+CD4+ foi
significativamente maior nos animais infectados em relação aos animais não
infectados (0.001≤ p < 0.01). O mesmo comportamento foi observado em relação à
população CD3+CD8+ (p < 0.001). Ao se comparar as frequências das populações de
células CD3+CD4+ e CD3+CD8+ nos animais infectados, foi possível observar uma
frequência significativamente maior da população de células CD3+CD8+ (0.001≤ p <
0.01) (Figura 5.14). A relação entre células TCD4 e TCD8 (CD3+CD4+ / CD3+CD8+)
também mostra-se maior nos animais infectados com HEV suíno (0,59) e HEV
humano (0,69) em relação ao grupo controle (0,012).
52
Mejido, DCP
Resultados
***
Frequência de linfócitos
TCD4 e TCD8 / campo (%)
2.0
**
**
1.5
1.0
0.5
0.0
Grupo de animais infectados
com HEV3
Grupo controle
linfócitos
linfócitos
TCD8 TCD8
(CD3+/CD8+)
(CD3+/CD8+)
linfócitos
TCD4
(CD3+/CD4+)
Linfócitos
TCD8
(CD3+CD8+)
Linfócitos
T CD4
(CD3+CD4+)
Figura 5.14 - Frequência de linfócitos T CD8 (CD3+CD8+) e T CD4 (CD3+CD4+) no parênquima
hepático dos animais infectados experimentalmente e dos animais controle. As barras representam as
médias com o erro padrão. As seleções com ** (0.001≤ p < 0.01) e *** (p < 0.001) representam as
diferenças significativas entre os grupos.
A Figura 5.15 apresenta os resultados sumarizados com as subpopulações de
Frequência das subpopulações celulares (%)
células imunes avaliadas no estudo para todos os grupos experimentais.
10
8
HEV suíno
HEV humano
6
Controle
4
2
0
CD68
iNOS
CD4
TCD4
CD8
TCD8
Figura 5.15 - Frequência das subpopulações celulares avaliadas no parênquima hepático dos
animais dos grupos experimentais (inoculado com HEV suíno n=6, inoculado com HEV humano n=2 e
controle n=2) 67 dpi.
53
Mejido, DCP
Discussão
6 DISCUSSÃO
Durante as últimas três décadas, a hepatite E, tradicionalmente considerada
como uma doença endêmica em países em desenvolvimento, têm sido cada vez mais
relacionada a casos autóctones de transmissão zoonótica em países industrializados.
Nestes países, a hepatite E apresenta-se como enzoótica, com o HEV genótipo 3
presente em diversas espécies animais, em especial os suínos. A esporadicidade dos
casos de hepatite E provocada pelo genótipo 3 em países desenvolvidos passou a ser
questionada atualmente, visto que, em sua maioria, os casos são assintomáticos e
sequer chegam a ser reportados. Além disso, os ensaios diagnósticos empregados
nas triagens epidemiológicas
apresentam
sensibilidades variáveis, gerando
resultados divergentes quanto a real prevalência do genótipo 3 nestas áreas (Teo,
2010).
No Brasil, a presença do HEV em amostras de fígado e vísceras de suínos
oriundos de granjas comerciais e em efluentes nos matadouros, mesmo os
inspecionados pelos Serviços de Inspeção Federal (SIF), trazem uma alerta à saúde
pública no país. No único caso autóctone humano identificado no país (Lopes dos
Santos et al. 2010), a análise filogenética da linhagem isolada neste achado apontou
a presença do genótipo 3b como causador, mesmo genótipo encontrado nas vísceras
dos suínos em matadouros (Gardinali et al., 2012). Desta forma, é provável que a
transmissão zoonótica do HEV3 esteja relacionada aos casos humanos de hepatite E
no Brasil.
Frente ao crescente número de casos de hepatite E atribuídos ao genótipo 3
em países industrializados, torna-se fundamental a realização de estudos que
contribuam ao entendimento deste agente zoonótico, como patógeno emergente. No
presente estudo, investigamos subtipos celulares envolvidos na resposta imunológica
intra-hepática e o controle viral em fase de convalescência da infecção pelo HEV3 em
macacos cynomolgos.
A fim de avaliar a permanência do vírus no organismo em fase tardia de
infecção, foram acessadas amostras de soro, bile, fezes, urina, fígado, baço, duodeno
e vesícula biliar, coletadas no momento da necrópsia, testadas quantitativamente e
qualitativamente para a presença do RNA viral. Os animais que apresentaram
positividade para o RNA do HEV aos 67 dias pós inoculação, em amostras de bile e
vesícula biliar, pertenciam ao grupo infectado com o HEV suíno. Em geral, a carga
54
Mejido, DCP
Discussão
viral era baixa, variando entre 101 - 103 cópias de RNA/ mL ou g (bile e vesícula biliar).
A detecção do RNA viral no fígado por qRT-PCR só foi possível mediante a extração
do RNA a partir de triplicatas dos fragmento hepáticos, sendo detectado em apenas
uma das três amostras de fígado do animal O1 (baixa carga viral). Em estudo recente
realizado pelo grupo do LADTV, Carvalho et al. (2013) abordaram principalmente a
fase aguda desta infecção, detectando o RNA viral no soro e nas fezes destes animais
até 67dpi. Neste trabalho, apenas o animal I3 apresentou detecção de RNA do HEV
no soro e nas fezes até 53 dpi, enquanto no animal O1 a detecção do RNA viral nas
mesmas amostras foi possível até 14 e 18 dpi, respectivamente (Tabela 4.1). Desta
forma, os achados prévios e do estudo em questão indicam que apenas a ausência
na detecção do RNA viral no soro e nas fezes não é suficiente para indicar a cura
virológica desta infecção e apontam para a permanência do vírus nas vias biliares
durante a fase de resolução, principalmente em animais que receberam inóculo suíno.
Os dados encontrados corroboram os achados de Kawai et al. (1999), que
estudaram a infecção pelo HEV em macacos rhesus, confirmando a ausência de RNA
viral nos hepatócitos e positividade nas vias biliares durante a fase de convalescência.
Outros autores também observaram a detecção do RNA do HEV em vias biliares de
suínos infectados até 50 dpi, fato que confirmou a excreção viral para o ducto biliar e
para as fezes na fase tardia da infecção (Lee et al., 2009). A persistência de carga
viral nas vias biliares representa uma alerta importante à saúde publica, visto que a
ingestão de fígado e vísceras de suínos mal processadas apresentam um risco de
transmissão pelo HEV (Riveiro-Barciela et al., 2014).
Para a confirmação da capacidade de replicação do HEV3, neste trabalho
pesquisou-se também o RNA intermediário replicativo do vírus nas amostras positivas
para a presença do RNA genômico. A presença da fita negativa não foi detectada em
nenhuma das amostras aos 67 dpi, fato que sugere a baixa capacidade replicativa
viral durante a fase de convalescência. Kawai e colaboradores (1999) detectaram a
presença da fita replicativa do vírus apenas em fase aguda em macacos rhesus
experimentalmente inoculados com o isolado de Myanmar, e ausência durante a
recuperação da infecção, confirmando nossos achados. Trabalhos realizados em
suínos, apontaram a presença da fita positiva do RNA do HEV em sítios extrahepáticos durante e logo após a fase aguda da infecção (Choi and Chae, 2003; Lee
et al., 2009), contudo a detecção da fita de RNA replicativo parece ocorrer
55
Mejido, DCP
Discussão
exclusivamente durante a fase aguda da infecção (27 dpi) (Halbur et al., 2001;
Williams et al., 2001).
No presente trabalho, também foi realizada a detecção do antígeno do HEV
(HEV Ag) por imunofluorescência indireta em amostras hepáticas (detecção de ORF2capsídeo viral). A presença do antígeno viral em hepatócitos e células circulantes
sinusoidais do fígado, e a detecção do RNA viral nas vias biliares durante a fase de
convalescência, mesmo sem evidencia de replicação, reforça a hipótese da existência
de sítios de persistência do HEV no fígado e no trato biliar, suportado pelo perfil
imunotolerante hepático (Invernizzi, 2013). Também não há descrições anteriores que
indiquem a presença de vírus no epitélio biliar na vesícula durante a fase tardia da
infecção pelo HEV3.
A aparente discrepância entre a detecção do HEV Ag e do genoma viral pode
ser justificada pelas diferentes sensibilidades destes ensaios diagnóstico nesta fase
da infecção. Apesar do qRT-PCR ser considerado padrão ouro para diagnóstico do
HEV, trabalhos anteriores sugerem a detecção do antígeno viral como marcador em
fase aguda da infecção. Zhang et al. (2006) e Gupta et al. (2013) demonstraram alta
concordância entre a detecção molecular do RNA do HEV (qRT-PCR) e do antígeno
viral (imunoenzimática) no soro em fase aguda, sugerindo a detecção do último como
marcador diagnóstico alternativo. Ha e Chae (2004) também encontraram resultados
similares na detecção do RNA do HEV por qRT-PCR e do antígeno viral por
imunohistoquímica, durante a fase aguda, em amostras hepáticas de suínos.
Entretanto, ainda são escassas as informações sobre os marcadores diagnósticos
para a detecção do vírus durante a fase de convalescência, onde existe baixa carga
viral. Tendo em vista as mudanças dinâmicas nas relações entre os marcadores
diagnósticos para HEV durante as fases da infecção (Zhang et al., 2006), o presente
trabalho sugere que a diferença observada na detecção do HEV por qRT-PCR e por
imunofluorescência no fígado, em fase convalescente, devem ser melhor investigadas
em um maior número de amostras em trabalhos futuros.
A detecção do antígeno ocorreu predominantemente em células localizadas
nas paredes e no lúmen dos sinusóides hepáticos corroborando resultados anteriores
(Asher et al., 1990). É importante ressaltar que células localizadas no compartimento
sinusoidal correspondem à 40% do número total de células do fígado, como células
endoteliais sinusoidais, células de Kupffer e células estreladas hepáticas, que
56
Mejido, DCP
Discussão
delimitam a parede sinusoidal, e linfócitos intra-hepáticos, células NKT hepáticas (pit
cells), dentre outros tipos celulares circulantes no lúmen (Silva, 2011).
Como pouco se sabe sobre a resposta imune frente à infecção pelo HEV em
fase convalescente, neste estudo, foram avaliadas frequências de populações
celulares de interesse e sua possível influência nos eventos intra-hepáticos 67 dpi. A
fim de caracterizar as lesões inflamatórias presentes no parênquima hepático na fase
de recuperação, identificamos, em todos os animais, a presença de células de Kupffer,
células CD4+, CD8+, linfócitos TCD4 e TCD8, além da presença do iNOS como
marcador da produção de óxido nítrico intrahepatico.
Quanto à análise da frequência de células de kupffer (CD68+), não foi
observada diferença significativa entre os grupos inoculados e controle (p = 0,0583).
Nossos resultados confirmam os achados recentes de Drebber et al. (2013), que
avaliaram casos humanos em fase aguda e não observaram diferenças na população
de células de Kupffer entre indivívuos infectados com o HEV3 e não infectados.
Contudo, Zhao et al. (2001) descreve o aumento deste tipo célular em pacientes com
hepatite E aguda. Dados recentes do nosso grupo apontam para uma monocitose no
sangue periférico de macacos cynomolgus na fase aguda da infecção pelo HEV3,
principalmente quando a origem do inóculo era suína, contudo essa diferença não foi
percebida durante a convalescência (Carvalho et al., 2013). Comparativamente,
nossos dados apontam para uma baixa frequência de células de kupffer no
microambiente hepático, principalmente no grupo inoculado com HEV humano em
relação ao grupo com inóculo suíno.
Ao avaliarmos a frequência de células de Kupffer comarcadas com o HEV Ag
(CD68+HEVAg+), foi observada uma frequência elevada deste tipo celular no grupo
inoculado com HEV suíno em relação ao grupo de indivíduos inoculados com HEV
humano. Além disso, a relação entre células CD68+HEV+ e o total de células CD68+
(CD68+HEV+ / CD68+) também é maior no grupo inoculado com HEV suíno. De forma
inédita esses resultados apontam, ainda de forma preliminar, possíveis diferenças
quanto à capacidade imunorreativa destas células, observadas pela interação com o
antígeno viral, frente à infecção com inóculos do HEV3 de origens distintas. Diferenças
entre as lesões hepáticas produzidas pela infecção com inóculos de HEV suíno e
humano também foram descritas em suínos por Halbur et al. (2001).
A expressão de iNOS no grupo de animais inoculados com HEV é observada
na fase de recuperação da infecção. Os poucos infiltrados inflamatórios observados
57
Mejido, DCP
Discussão
associados à redução da carga viral no plasma e no fígado nesta fase da infecção,
sugerem que o óxido nítrico atuaria como um dos mecanismos de controle do dano
tecidual e/ou da replicação viral. Foi constatada sua maior expressão no grupo
inoculado com o HEV suíno se comparado ao grupo inoculado com HEV humano.
Como justificativa para este achado, sugerimos que a distância filogenética entre as
espécies "doadoras" dos inoculos (suínos ou humanos) e a espécie receptora
(primatas não humanos) poderia modular a expressão de NO pela células produtoras
no parênquima hepático e consequentemente seus efeitos biológicos em nível
tecidual, tais como o antiviral e antinflamatório no período de convalescência.
Quanto ao efeito citotóxico do NO, outros autores também relacionam a maior
expressão de iNOS e eNOS nos casos humanos com maior dano hepático (hepatite
aguda/falência hepática fulminante) (Hazam Deka & Kar 2013). Coincidentemente,
nossos achados histopatológicos nesta fase da infecção relacionam uma maior
atividade inflamatória hepática nos animais inoculados com HEV suíno do que nos
inoculados com HEV de origem humana (scores de dano hepático apresentados na
tabela 4.1) (Carvalho et al., 2013), esta relação também se preserva quando
comparamos a expressão de iNOS entre estes grupos.
A frequência observada de células comarcadas iNOS+CD68+ revelou de forma
inesperada que as células de Kupffer estão pouco envolvidas na expressão de NO em
fase de convalescência da infecção, sugerindo que outros tipos celulares, como
macrófagos circulantes ou hepatócitos assumiriam a expressão iNOS, corroborando
os achados de Kandemir, Polat e Kaya (2002). Contudo não observamos diferença na
expressão de iNOS quando comparamos a frequência de células comarcadas para
HEV Ag e iNOS (HEV Ag+iNOS+) entre os grupos inoculados com HEV suíno e HEV
humano. Estes achados sugerem que a produção de iNOS não depende da presença
do HEV Ag no citoplasma das células parenquimais, nem exclusivamente da ativação
de células de Kupffer, o que relaciona a expressão de iNOS ao processo de resolução
da infecção (cura virológica).
A avaliação da presença de células CD4+ e CD8+ no parênquima hepático em
fase de convalescência, aponta para uma frequência significativamente reduzida de
células CD4+ no grupo inoculado com HEV humano em relação ao grupo inoculado
com HEV suíno. Quanto à presença de células CD8+, os grupos inoculado com HEV
suíno e humano mostraram um significante aumento em relação ao grupo controle.
58
Mejido, DCP
Discussão
Desta forma, pôde-se sugerir uma relação entre a população de células CD8+ e a
resolução da infecção na fase de convalescência.
A contagem de células CD3+CD4+ no parênquima hepático, durante a fase de
convalescência, mostrou uma frequência elevada no grupo inoculado com HEV suíno
em relação ao grupo controle. Quanto à contagem de células CD3+CD8+, esta foi
significativamente maior no grupo inoculado com HEV suíno, tanto em relação ao
grupo inoculado com o HEV de origem humana quanto em relação ao grupo de
animais não infectados. No presente estudo, quando comparadas as frequências de
células CD3+CD4+ e CD3+CD8+ na fase de convalescência, foi evidenciada a
elevação destas populações nos animais infectados em relação aos animais controle.
Quando comparadas as frequências das populações de células CD3+CD4+ e
CD3+CD8+ nos animais infectados, demonstrou-se a predominância da população de
células CD3+CD8+. Estes resultados confirmam o envolvimento da resposta imune
celular intra-hepática na resolução da infecção pelo HEV 3, corroborando os achados
de trabalhos anteriores em PBMC, quanto à contribuição das células T na patogênese
da infecção pelo HEV (Naik et al, 2002; Srivastava et al, 2007 e Suneetha et al., 2012).
Como exemplo, Wu e colaboradores (2008) avaliaram a resposta específica das
células T em PBMC de pacientes durante a fase aguda da hepatite E até sua
recuperação. Os resultados encontrados demonstraram que células T específicas ao
HEV estão envolvidas na patogênese de infecção aguda e recuperação na hepatite
E. Entretanto, há uma escassez de informação sobre a avaliação dos eventos
imunológicos intra-hepáticos para a hepatite E.
Quando observamos as relações entre linfócitos TCD4 e TCD8 (CD3+CD4+ /
CD3+CD8+) também constatamos a predominância de linfócitos CD3+CD8+ em
relação à CD3+CD4+ nos animais infectados com o HEV3, confirmando os resultados
de Drebber e colaboradores (2013). Estes avaliaram a resposta imune celular em
biópsias hepáticas de 11 pacientes com hepatite E aguda, infectados com o genótipo
3 do vírus. Neste, observou-se que grande parte das células presentes nos infiltrados
correspondiam à linfócitos T (CD3), com elevada frequência da população de células
CD3+CD8+, seguida de células CD3+CD4+.
Diante do discutido acima, cabe ressaltar que este é o primeiro trabalho que
associa e avalia os eventos imunológicos, virológicos e patológicos intra-hepáticos
frente à infecção com o HEV3 durante o período de convalescência, fornecendo
informações inéditas e relevantes sobre o curso da hepatite E no modelo cynomolgos.
59
Mejido, DCP
Discussão
Os parâmetros imunológicos estudados mostraram-se distintos quando testados
quanto a origem do inoculo, mesmo sendo ambos HEV3, fato que pode ser resultante
da distância filogenética do doador para o receptor. Finalizando, o presente trabalho
propõe que a distância filogenética interespecífica pode resultar no aumento da
intensidade na resposta imune do hospedeiro durante a resolução da infecção pelo
HEV3.
60
Mejido, DCP
Conclusões
7 CONCLUSÕES
Neste trabalho, a avaliação da permanência do vírus no organismo e a
caracterização das subpopulações celulares envolvidas na resposta imunológica
intra-hepática e no controle viral em fase tardia da infecção pelo HEV3 suíno e humano
em macacos cynomolgus (Macaca fascicularis) permitiu concluir que:
 A detecção do RNA do HEV durante a fase de resolução da infecção aponta a
permanência do vírus no fígado e no trato biliar, apenas em animais que
receberam inóculos provenientes de suínos.
 Em todos os animais infectados, foram observadas marcações positivas para o
antígeno viral no fígado durante a fase de convalescência da infecção,
especialmente em células sinusoidais.
 Houve discordância entre os resultados obtidos na detecção do RNA do HEV e
do antígeno viral, apontando diferentes sensibilidades entre os ensaios na fase
de convalescência da infecção.
 Não foi observado um envolvimento significativo das células de Kupffer durante
a fase de convalescência da infecção pelo HEV, contudo, foram observadas
diferenças quanto à interação destas células com o antígeno viral frente à
infecção com inoculos HEV3 de origens distintas.
 Mediante a ausência da expressão de NO por células de Kupffer no parênquima
hepático é evidente que outros tipos celulares são capazes de produzir NO na
fase de convalescência, como macrófagos circulantes ou mesmo hepatócitos,
contribuindo assim para o contrrrole viral no órgão alvo.
 A produção de óxido nítrico no fígado parece atuante como resposta
inespecífica para o controle viral e, consequentemente, do dano tecidual em
fase convalescente da infecção predominantemente em animais infectados com
HEV suíno.
 Há um envolvimento importante de linfócitos TCD4 e TCD8 na resposta imune
celular intra-hepática frente ao HEV3 durante a fase tardia de infecção, o que
corrobora achados de trabalhos anteriores realizados em PBMC.
 Há uma predominância na frequência de linfócitos TCD8 em relação à de
linfócitos TCD4 na resposta tardia frente ao HEV3, independente da origem do
inóculo, em fase de convalescência.
61
Mejido, DCP
Conclusões
 A distância filogenética entre as espécies da onde os inóculos foram originados
(suínos ou humanos) e a espécie hospedeira (primatas) pode influenciar na
produção de óxido nítrico, na gravidade do processo inflamatório hepático, nas
respostas imunológicas e no tempo de permanência do vírus no organismo
hospedeiro durante a resolução da hepatite E.
62
Mejido, DCP
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Apêndices
APÊNDICES
Apêndice A – Tabela com as descrições dos anticorpos primários e secundários utilizados no estudo.
Anticorpos primários para marcação por imunofluorescência
Anticorpo
Marca
α-HEV
LifeSpan BioSciences
α-CD3 Purified
α-CD4 - Purified
α-CD8 Purified
α-CD68 Purified
Serotec
BD Pharmingen™
BD Pharmingen™
abcam
α-iNOS
LifeSpan BioSciences
Catálogo
Alvo
Hospedeiro Reatividade Clonalidade
Marcadores dos fenótipos das células
LS-C67673
HEV
Camundongo
Monoclonal
Isotipo
Clone
IgG1
4B2
MCA1477T
562971
557084
ab125047
IgG1
IgG1, κ
IgG1, κ
IgG
CD312
SK3
RPA-T8
CD3
Rato
Monoclonal
Cynomolgus
Camundongo
CD4
Monoclonal
Camundongo
CD8
Monoclonal
CD68
Coelho
Polyclonal
Marcadores de ativação
LS-C36859-1000 NOS2 / iNOS Camundongo
Human
Monoclonal
IgG1, k
Anticorpos secundários para marcação por imunofluorescência
Anticorpo
Goat polyclonal Secondary Antibody to Rat IgG (Alexa Fluor® 647)
Goat polyclonal Secondary Antibody to Mouse IgG (Alexa Fluor® 488)
Donkey polyclonal Secondary Antibody to Mouse IgG (Alexa Fluor® 488)
Donkey polyclonal Secondary Antibody to Rabbit IgG (Alexa Fluor® 647)
Donkey polyclonal Secondary Antibody to Rabbit IgG (Alexa Fluor® 488)
76
Marca
abcam
abcam
abcam
abcam
abcam
Catálogo
ab150159
ab150113
ab150105
ab150075
ab150073
Reatividade Clonalidade
Rato
Camundongo
Camundongo Policlonal
Coelho
Coelho
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