Casos Conteciosos 1961 – Camarões Setentrional

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CASO DO CAMARÕES SETENTRIONAL
(CAMARÕES v. REINO UNIDO)
(1961-1963)
(EXCEÇÕES PRELIMINARES)
Sentença de 2 de dezembro de 1963
O Caso do Camarões Setentrional, entre a República Federal dos Camarões e o Reino Unido da GrãBretanha e Irlanda do Norte, foi instituído por uma demanda de 30 de maio de 1961, na qual o governo da
República dos Camarões solicitou à Corte que esta declarasse que na aplicação do
acordo de tutela para o território de Camarões sob a administração britânica, o Reino Unido, no que diz
respeito a Camarões Setentrional, não respeitou certas obrigações decorrentes do acordo. O governo do Reino
Unido, por sua vez, levantou exceções preliminares.
Por 10 votos a 5, a Corte declarou que não poderia decidir o mérito da demanda da República de
Camarões.
Os juízes Spiropoulos e Koretsky apensaram à sentença, declarações de suas opiniões dissidentes. O
juiz Jessup, apesar de concordar inteiramente com a sentença da Corte, também anexou uma declaração. Os
juízes Wellington Koo, Sir Percy Spender, Sir Gerald Fitzmaurice e Morelli juntaram opiniões individuais.
Os juízes Bedawi e Bustamante y Rivero e o juiz ad hoc Beb a Don juntaram opiniões dissidentes.
Em sua sentença, a Corte recordou que Camarões constituía uma parte das possessões a cujos
direitos a Alemanha renunciou no Tratado de Versalhes, tendo sido colocado sob o sistema de mandatos da
Liga das Nações. Camarões foi, desse modo, dividido em dois mandatos, um administrado pela França e outro
pelo Reino Unido. Este último dividiu seu próprio território em dois: Camarões Setentrional, administrado
como sendo parte da Nigéria e Camarões Meridional. Após a criação das Nações Unidas, os territórios de
Camarões foram colocados sob o regime internacional de tutela através dos acordos aprovados pela
Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 1946.
O território administrado pela França obteve sua independência tornando-se a República de
Camarões em 1° de janeiro de 1960 e tornou-se membro das Nações Unidas em 20 de setembro de 1960. No
que concerne ao território administrado pelo Reino Unido, a Assembléia Geral das Nações Unidas
recomendou à autoridade administradora a organização de plebiscitos a fim de determinar a vontade dos
habitantes. Após os plebiscitos, Camarões Meridional uniu-se à República de Camarões em 1° de outubro de
1961 e Camarões Setentrional ligou-se à República da Nigéria em 1° de junho de 1961, a qual havia
conquistado sua independência em 1° de outubro de 1960. Em 21 de abril de 1961 a Assembléia Geral das
Nações Unidas endossou o resultado dos plebiscitos e decidiu que o acordo de tutela referente à administração
de Camarões pelo Reino Unido deveria ser extinto sem ambas as partes dos territórios agregados à República
de Camarões e à Nigéria respectivamente - Resolução 1608 (XV).
A República dos Camarões votou contra a adoção dessa Resolução, após expressar sua insatisfação
com a maneira através da qual o Reino Unido administrou e realizou os plebiscitos em Camarões Setentrional
sustentando que o desenvolvimento político do território e o curso normal da consulta ao povo foram
alterados. Estas críticas foram agrupadas em um Livro Branco, o qual foi respondido pelos representantes do
Reino Unido e da Nigéria. Após a adoção da Resolução, a República dos Camarões, em 1° maio de 1961,
dirigiu um comunicado ao Reino Unido no qual fez menção a um litígio referente à aplicação do acordo de
tutela, bem como propôs a conclusão de um Acordo Especial com o intuito de levar a disputa perante a Corte.
O Reino Unido respondeu negativamente em 26 de maio de 1961. Quatro dias mais tarde a República de
Camarões submeteu um requerimento à Corte.
O Reino Unido argüiu uma série de exceções preliminares. A primeira delas sustentava a inexistência
de disputas contra a República de Camarões, argumentando que a única controvérsia existente à data da
demanda se dava entre esta e as Nações Unidas. A Corte decidiu que os pontos de vista opostos das partes em
relação à interpretação e aplicação do acordo de tutela revelava a existência de uma disputa no sentido
reconhecido pela jurisprudência da Corte.
Uma outra exceção preliminar do Reino Unido baseou-se no artigo 32 (2) do Regulamento da Corte.
Este estatui que, além da indicação da matéria conflituosa, a demanda deve definir precisamente, na medida
do possível, a natureza da pretensão e os fundamentos que a sustentam. Entretanto, sendo sua jurisdição
internacional, a Corte deliberou pela não atribuição do mesmo grau de importância verificado no direito
interno às questões de forma, em consonância com a posição adotada pela Corte Permanente de Justiça
Internacional anteriormente. Desse modo, decidiu pela conformação da demanda ao artigo 32 (2) do
Regulamento e que esta exceção preliminar é, em conseqüência, sem fundamento.
A Corte afirmou que uma análise dos fatos, à luz de certos princípios diretores, deveria ser suficiente
para a resolução da matéria em consideração.
Como um membro das Nações Unidas a República dos Camarões tinha o direito de instaurar um
processo perante a Corte, e esta foi acionada pelo depósito do requerimento. Contudo, a vinculação da Corte
distingue-se da administração da justiça. Mesmo reconhecendo a sua competência, ela não é compelida a
exercitá-la em todos os casos. Ela exerce uma função judicial submetida a limitações inerentes. Assim como
afirmou a Corte Permanente, não poderia ela se afastar das regras essenciais orientadoras de sua atividade
como tribunal.
A Resolução 1608 (XV), através da qual a Assembléia Geral das Nações Unidas decidiu que o
acordo de tutela deveria ser extinto no tocante à República dos Camarões Setentrional em 1° de junho de
1961, alcançou efeitos jurídicos definitivos. A República dos Camarões não alegou que as decisões da
Assembléia Geral seriam revertidas, que o acordo de tutela seria reavivado por uma sentença de mérito da
Corte, que Camarões Setentrional seria anexado à República dos Camarões, que sua união com a Nigéria seria
invalidada, ou ainda que o Reino Unido teria o direito ou autoridade de exercer qualquer ato com o intuito de
satisfazer os interesses da República dos Camarões. A função da Corte é declarar o direito, mas suas
sentenças devem poder ter conseqüências práticas.
Após 1° de junho de 1961, nenhum membro das Nações Unidas poderia exigir quaisquer dos direitos
que pudessem ter sido originalmente instituídos pelo acordo de tutela. Deve ser ressaltado que, se durante a
vigência do acordo a autoridade administrativa fosse responsável por um ato contrário a estas disposições
resultando em danos a outro membro das Nações Unidas ou a seus nacionais, uma pretensão de reparação não
seria exaurida através da extinção da tutela. Entretanto, a demanda da República dos Camarões objetivou
apenas a averiguação de uma infração ao direito, não incluindo nenhuma exigência de reparação. Mesmo
sendo objeto de consenso que o acordo de tutela foi destinado a criar uma forma de proteção judicial
invocável por qualquer membro das Nações Unidas no interesse geral, a Corte não poderia admitir que tal
proteção resistisse ao fim do acordo de tutela. Ao depositar sua demanda em 30 de maio de 1961, a República
dos Camarões exerceu um direito processual que lhe era cabível. Contudo, após 1° de junho de 1961, não
possuía ela a prerrogativa de requerer à Corte o julgamento de assuntos relacionados aos direitos dos
habitantes do território e ao interesse geral quanto ao adequado funcionamento do sistema de tutela.
A República dos Camarões visou apenas uma sentença declaratória da Corte afirmando que
anteriormente à extinção do acordo de tutela o Reino Unido havia infringido suas disposições. A Corte
observou que pode, em um caso apropriado, promover uma decisão declaratória, no entanto, esta deve possuir
uma aplicabilidade continuada. Naquela situação, havia uma controvérsia relacionada à interpretação e
aplicação do tratado, o qual não se encontrava mais em vigor, impossibilitando assim qualquer oportunidade
para um futuro ato de interpretação ou aplicação em consonância com a sentença que a Corte proferisse.
A despeito das dúvidas quanto à existência da competência da Corte para deliberar acerca da
controvérsia, no momento do depósito da demanda, as circunstâncias originadas desde então tornaram inócuo
qualquer julgamento. Sob tais condições, o prosseguimento da Corte neste caso configuraria um desrespeito
aos seus deveres. A resposta à questão de saber se deve haver função judicial requer, em certas situações, um
exame do mérito. Na atual circunstância, entretanto, era evidente a desnecessidade de sua função judicial.
Por estes motivos, a Corte não se considerou obrigada a pronunciar expressamente sobre todas as conclusões
do Reino Unido e decidiu que não poderia julgar o mérito da reivindicação da República dos Camarões.
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