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J. Bras. Nefrol. 1998; 20(1): 40-42
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Comentário Editorial
Prognóstico do transplante renal a longo
prazo
O artigo dos colegas da Escola Paulista de Medicina neste número do
J.B.N. é oportuno para analisarmos problemas relacionados ao transplante renal em evidência nos últimos meses. 1
Os autores analisaram os fatores que influenciaram a sobrevida do enxerto e do paciente, daqueles pacientes transplantados e que chegam
ao 1o ano com função renal normal.
Demonstraram um fato, já bastante conhecido, que a sobrevida do enxerto foi significativamente maior quando o doador vivo era idêntico,
mas a sobrevida do enxerto não foi diferente entre os haploidênticos e
doadores cadáver. Este fato é muito importante quando a Secretaria de
Saúde do Estado quer implantar a distribuição dos rins por tipagem HLA
numa população de receptores não superior a 2000 pacientes, onde o
único benefício que traria à tipagem HLA seria o doador com 6 identidades HLA, AB e DR, que nesta população de receptores é muito difícil de
ser encontrada.
Assim, no nosso meio, onde não existe um programa nacional de distribuição de órgãos, onde os programas são regionais, por Estado, ou por
Regiões, a implantação da escolha de doadores pelo HLA não traria
nenhum benefício, mas sim aumentaria o tempo de isquemia e, conseqüentemente, piorar a sobrevida.
A influência da isquemia renal na gênese de rejeição celular aguda é
fato bastante conhecido e múltiplos são os fatores envolvidos. 2,3
Mostramos que pacientes receptores de rim de cadáver, com retardo
da função inicial, tiveram maior número e maior gravidade de rejeição celular aguda, quando comparados com receptores de doadores
vivos não relacionados, onde todos evoluíram com função renal inicial presente. 3
É fato conhecido que o maior tempo de isquemia fria aumenta a prevalência de insuficiência renal aguda pós-transplante de cadáver, 5 e a distribuição do rim por HLA, com certeza, aumentará este tempo, pois o rim
dificilmente será implantado no mesmo serviço onde foi retirado.
Outro dado demonstrado no presente trabalho foi o efeito maléfico, a
longo prazo, de pelo menos um episódio de rejeição celular aguda, fato
já demonstrado. 5,6 Além de evitar isquemia facilitando rejeição aguda,
conforme comentamos, este dado leva os transplantadores a tentar evitar ao máximo a ocorrência de rejeição aguda, com melhores esquemas
imunossupressores, com o uso de bloqueador de receptor de interleucina 2 7 ou o emprego de micofenolato mofetil. 8
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L. E. Ianhez - Prognóstico do transplante renal a longo prazo
O tratamento da rejeição celular aguda torna uma conduta muito importante, tendo alguns autores indicado que o tratamento da primeira crise
já deva ser feito com anticorpos mono ou policlonais, se a rejeição for
grave. 9
Um dado muito importante observado no nosso Serviço foi que quando
a função renal se normaliza após o tratamento da crise (avaliado pelo
clearance de creatinina calculado), este paciente não evolui para a perda crônica do enxerto. Dados semelhantes surgiram na literatura no
último ano. 10,11
Outro fato interessante observado pelos autores foi a menor sobrevida
do enxerto quando os receptores são da raça negra. Este é um problema
de ordem sócio-econômica muito importante no nosso meio. 12 Estes
dados foram confirmados pela literatura estrangeira, bastante citados no
trabalho e também foram confirmados no nosso Serviço, 13 embora colegas de Salvador, analisando a sobrevida do enxerto e do paciente com
doador vivo relacionado a longo prazo, de 65 pacientes negros e mulatos comparado com 62 pacientes brancos, não tenham encontrado diferença significativa da sobrevida do enxerto e do paciente. 14
As causas desta pior sobrevida do enxerto são múltiplas e muito bem
analisadas pelos autores. Considero mais importante a condição sócioeconômica da população negra e mulata no Brasil.
Mostramos que pacientes de classe sócio-econômica baixa, onde estão
os negros e mulatos, transplantados em hospital público, tiveram maior
incidência de infecção e mais mortalidade por infecção que pacientes
da classe sócio-econômica alta, transplantados em hospital privado. 15
Mostramos, ainda mais, que o grau de reabilitação pós-transplante foi
extremamente baixo em pacientes transplantados no HC-FMUSP, quando comparado com aqueles transplantados em hospital privado, pela
mesma equipe. 16
Na atual lista única para transplantes e no número reduzido de transplantes que o país realiza por falta de investimento na saúde, não
estaria indicada uma seleção sócio-econômica e cultural do grande
número de receptores para se obter uma maior sobrevida e reabilitação do paciente?
A situação é idêntica às admissões nas UTI dos grandes hospitais públicos, onde o médico é obrigado a escolher aquele paciente que tem
melhor possibilidade de sobrevivência, pois as vagas são limitadas.
Luiz Estevam Ianhez
Professor Livre-Docente, Unidade de Transplante Renal,
Divisão de Clínica Urológica, Hospital das Clínicas da FMUSP
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L. E. Ianhez - Prognóstico do transplante renal a longo prazo
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