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Um olhar sobre o erro médico diante da relação de consumo
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UM OLHAR SOBRE ERRO MÉDICO DIANTE DA
RELAÇÃO DE CONSUMO
Laila Marchi Barreto e Larissa Marques Vaz Santana
Introdução; 1. O consumidor, o fornecedor e o serviço; 1.1 O
consumidor; 1.2 O fornecedor; 1.3 O serviço; 1.4 Prestação de serviços
médicos: relação de consumo; 2. A forma de se apurar a
responsabilidade do profissional liberal; 3. Quando haverá a
responsabilização do médico; 4. Inversão do ônus da prova; Conclusão
INTRODUÇÃO
A idéia de reparação por conta do erro médico nasceu em decorrência da mudança
de pensamento na sociedade. Antes, entendia-se o erro médico como inevitável, inerente à
profissão em virtude dos escassos recursos oferecidos pela Medicina. Hoje, enfrenta-se uma
situação totalmente contrária, na qual não só se busca proteger o lesado, como também se observa
uma predisposição da sociedade em imputar qualquer mau resultado ao profissional.
Verifica-se que o fato de não se alcançar o resultado esperado acarreta uma reação
de revolta e desespero no paciente, uma sensação de impotência diante do desconhecido ou das
perspectivas futuras, o que acaba conduzindo à quebra da tão importante relação de confiança
médico-paciente. Ignorando os passos técnicos utilizados para se tentar chegar ao objetivo
pactuado, o indivíduo tende a questioná-los e até mesmo a duvidar da habilidade e competência
do profissional.
Dessa forma, busca-se com o presente trabalho estudar, sob a ótica da relação de
consumo, a prestação de serviços na área médica, considerando-se as peculiaridades desta seara
em relação às demais profissões. Por ser a participação e atuação do próprio paciente decisiva
para determinar o sucesso ou não do tratamento; pelo caráter não exato da ciência médica; ou,
ainda, pelo fato de que cada organismo apresenta reação diversa dos demais, ainda que lhe seja
aplicado tratamento uniforme, deve o serviço prestado pelo médico ser analisado de forma ímpar
quando se pretenda apurar sua possível responsabilidade na esfera cível.
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1) O CONSUMIDOR, O FORNECEDOR E O SERVIÇO
Primeiramente, deve-se indagar se o exercício da medicina, como é conhecido
hoje (relação médico-paciente), pode ser visto como uma verdadeira relação de consumo e,
assim, estar sujeito à aplicação das regras contidas no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Necessário, para responder a tal questão, estudar as definições legais de
consumidor, fornecedor e serviço no CDC. Ressalte-se, de logo, que no momento em que foi
elaborado tal código, buscou-se definir em seu corpo o maior número de conceitos possível, na
tentativa de torná-lo bastante em si mesmo.
1.1- O consumidor
Consumidor, consoante o art. 2º do CDC, "é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final". FILOMENO (1993), citando
Othon Guido Sidou, define consumidor como "aquele que compra para gastar em uso próprio",
concluindo que "consumidor é qualquer pessoa, física ou jurídica, que isolada ou coletivamente,
contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de
bens, bem como a prestação de um serviço".
Consumidor pode ser pessoa física ou jurídica e, quanto a este aspecto, é
importante ressaltar a situação das empresas de previdência privada (pessoas jurídicas), que
contratam serviços médicos. Sem dúvida, estas empresas "consomem" os serviços médicos,
porém, jamais poderão ser consideradas consumidores nesta relação, posto que não utilizam o
trabalho do médico em benefício próprio, como consumidor final, mas repassam-no através dos
planos e seguros de saúde, ofertados ao mercado, estes sim, utilizados pelos consumidores, os
pacientes. Na realidade, trata-se de um credenciamento onde o fornecedor do serviço, para o
consumidor, é o plano de previdência privada, sendo necessário, pois, que a prestação de serviços
seja direta e não intermediada.
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1.2- O fornecedor
Fornecedor, conforme conceito estabelecido pelo próprio CDC (art. 3º), "é toda
pessoa física ou jurídica pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação
de serviços".
Assim, o fornecedor é o responsável pela colocação de produtos e serviços à
disposição do consumidor.
1.3- O serviço
FILOMENO (1993), citando Philip Kotler, dispõe que os serviços podem ser
considerados como "atividades, benefícios ou satisfações" que são oferecidas à venda. O § 2º do
art. 3º do CDC, aponta "serviço" como sendo "qualquer atividade fornecida no mercado de
consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".
Observa-se, contudo, que a definição é meramente exemplificativa, uma vez que
qualquer atividade remunerada, fornecida no mercado de consumo, é tida legalmente como
serviço.
1.4- Prestação de serviços médicos: relação de consumo
Feitas as devidas considerações de cunho conceitual, será analisado se na
prestação de serviço médico há relação de consumo.
Alguns estudiosos do Direito ainda não consideram que os ditames legais das
relações de consumo possam ser aplicados aos profissionais liberais, justificando que se trata de
um trabalho autônomo e criativo. Entendem, ainda, que esses profissionais já possuem seus
Códigos regulamentares e de ética próprios de suas categorias, como os da OAB, CNM, CREA
etc. De fato, o médico, enquanto profissional liberal, pode ser considerado prestador de serviços?
Há relação de consumo?
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Observe-se a posição de Antônio Ferreira Couto Filho e Alex Pereira Souza:
"A relação médico/paciente não pode ser considerada mera relação de consumo. É
preciso que se faça uma reflexão de transcendental importância de que o serviço de
saúde é sui generis, posto que possui uma função social ímpar, incomparável com
qualquer outra.
A vida e a saúde não são bens de consumo, não podendo ser comparadas a um produto
qualquer. Também não podem ser vistas como serviços prestados oriundos da relação
médico/paciente, até porque desta relação não são oferecidos bens de consumo".
Merece ser rechaçado, entretanto, o discurso de tais doutrinadores, vez que o
cerne da questão não é a vida ou a saúde, mas a relação estabelecida entre médico e paciente.
Fica evidenciado que este, ao contratar a execução de um serviço médico, desde uma simples
consulta a um procedimento cirúrgico, é um consumidor dos serviços oferecidos por este
profissional. Por sua vez, o médico, ao oferecer seus conhecimentos de forma remunerada aos
consumidores, está se enquadrando no conceito de fornecedor contido no CDC.
Na linguagem do CDC, o paciente é o consumidor para quem se presta um
serviço; o médico, o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços médicos; e o
ato médico, uma atividade exercida mediante remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem
vínculo empregatício. Nesse sentido, o ilustre professor Sílvio Rodrigues.
Importante ressaltar que quando o CDC se refere a “serviço”, depreende-se que se
trata de "qualquer" atividade fornecida ou oferecida ao mercado consumidor. Os serviços
médicos não deixam de ser uma atividade fornecida ao mercado, assim como os de um pedreiro,
carpinteiro, dentista, advogado, médico veterinário, incluindo, de forma um pouco diversa, as
pessoas jurídicas que prestam serviços como as clínicas e escritórios.
Analisando-se os aspectos relativos a esses três elementos (consumidor,
fornecedor e serviço), pode-se concluir que o trabalho ofertado ao mercado consumidor
(potenciais pacientes), mediante remuneração, encaixa-se no conceito de serviço disposto pelo
CDC. Portanto, o atendimento médico é um serviço à luz do CDC.
Ressalte-se que tornar claras as regras de convívio e de procedimento entre as
partes só traz benefícios para ambos os lados. Para o paciente, não haverá dúvidas quanto ao
mecanismo a ser escolhido para a defesa de seus direitos. Para os profissionais, serão
beneficiados aqueles efetivamente preocupados com seus pacientes e com o respeito à profissão
abraçada.
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2) A FORMA DE SE APURAR A RESPONSABILIDADE DO PROFISSIONAL LIBERAL
Em relação aos fornecedores de serviço, determina o CDC, de maneira geral, que
sua responsabilidade seja apurada de forma objetiva, como se verifica da leitura do art. 14, caput:
"Art. 14: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação
de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos”.
Contudo, quanto aos profissionais liberais, o referido diploma prescreveu a
averiguação de responsabilidade mediante a comprovação de culpa, conforme estabelece o § 4º
do mesmo artigo.
Para que se entenda o motivo que conduziu o legislador pátrio a estabelecer tal
diferenciação, importante distinguir as “obrigações de meio” das “obrigações de resultado”.
Algumas profissões liberais são consideradas como “de meio”, a exemplo da profissão médica.
Outras, por sua vez, são classificadas “de resultado”, como a profissão de engenheiro. Imperioso,
portanto, estabelecer se a obrigação é de meio ou de resultado, para que se caracterize
perfeitamente a responsabilidade do profissional liberal.
Oscar Ivan Prunx, manifestando o seu entendimento acerca do assunto, considera a
exceção posta pelo parágrafo 4º do art. 14 em desconformidade com as legítimas exigências
atuais, frustrando, assim, as expectativas sociais. Sustenta o autor que a teoria da culpa não é
adequada para ser aplicada em todos os casos de responsabilidade civil de ordem pessoal dos
profissionais liberais. Por ser esta categoria muito abrangente, englobando, de um lado médicos,
advogados, por exemplo, e de outro engenheiros, carpinteiros etc, não há como estabelecer, como
fez o Código, uma regra única para toda ela.
Para o basilar entendimento do que enseja a reparação do dano sofrido por erro
médico é salutar salientar que os médicos, na maioria de seus procedimentos, assumem obrigação
de meio, que está calcada na conduta vigilante desde o contato inicial até o término do
tratamento, sem, contudo, estar vinculada à cura do cliente. A maneira mais eficiente de analisar
a conduta temerária dos profissionais centra-se na teoria da culpa, decomposta em negligência
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(inação, ato omissivo do profissional), imprudência (precipitação dos atos profissionais) e
imperícia (deficiência de conhecimentos técnicos da profissão, ou inabilidade).
Dessa forma, na teoria da culpa existe ação, nexo de causalidade e dano, que
devem persistir no resultado final para ensejar o pleito indenizatório. Quando a obrigação do
profissional liberal, mesmo que escolhido "intuito personae" for de meio - precisamente o caso
dos médicos - desde que não se trate do campo da anestesiologia e da cirurgia plástica e estética
(exceções da profissão médica, pois, nestas hipóteses há uma obrigação de resultado), a
responsabilidade somente existirá mediante a apuração de culpa.
Repise-se que o contrato médico é um típico contrato de meio e não de resultados,
ressalvado o exposto acima. Logo, a sua inexecução só ocorre quando comprovada
inequivocamente a conduta negligente, imprudente ou sem perícia do médico. Se o profissional
da medicina utiliza-se, cuidadosa e atenciosamente, de todos os meios necessários para curar o
paciente, a sua obrigação encontra-se extinta, sendo indiferente se houve ou não a cura.
Caio Mario da Silva Pereira ensina:
"Nas obrigações de resultado a execução considera-se atingida quando o devedor
cumpre objetivo final; nas de meio, a inexecução caracteriza-se pelo desvio de certa
conduta ou omissão de certas precauções a que alguém se comprometeu, sem se cogitar
do resultado final"
Da mesma forma, na precisa lição de Carlos Roberto Gonçalves:
"Para o cliente é limitada a vantagem da concepção contratual da responsabilidade
médica, porque o fato de não obter a cura do doente não importa em reconhecer que o
médico foi inadimplente. Isto porque a obrigação que tais profissionais assumem é uma
obrigação de meio e não de resultados. O objeto do contrato médico não é a cura,
obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo
circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência. Comprometem-se
ao tratar o cliente com zelo utilizando-se de todos os recursos adequados, não se
obrigando, contudo, a curar o doente."
Veja-se o que diz a jurisprudência acerca do assunto:
"Responsabilidade civil do médico é de meio e não de fim ... em se tratando de médico
a culpa não decorre do resultado da operação, mas dos meios empregados, se a
prescrição da medicação foi pertinente e cercada das cautelas recomendáveis e não
havendo prova de que o profissional da medicina foi negligente, imperito ou
imprudente no acompanhamento do tratamento, não há como considerar procedente a
ação de indenização." (RT 613/46).
“INDENIZAÇÃO - Responsabilidade civil - Erro médico - Obrigação de meio e não de
resultado - Dever de indenizar, no entanto, quando comprovadas negligência ou
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imperícia do profissional - Ação procedente - Recurso não provido” - JTJ 134/153 (TJ/ SP).
Conclui-se, portanto, que sendo de meio a obrigação, a responsabilização deverá
fazer-se respeitando os critérios estabelecidos pela teoria subjetivista, ou seja, com a
demonstração antecipada da culpa do profissional (art. 14 § 4º). Sendo de resultado, a inversão do
ônus da prova deverá ser obrigatória, devendo o profissional liberal responder apenas com
presunção de culpa (cujos efeitos práticos são idênticos à responsabilidade objetiva que é
aplicada pelo CDC aos demais fornecedores).
3) QUANDO HAVERÁ A RESPONSABILIZAÇÃO DO MÉDICO
O médico tem o dever de esclarecer ao paciente o funcionamento do tratamento a
ser empregado, conforme disposto no art. 46 do Código de Ética Médica: "É vedado ao médico:
Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do
paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida".
Entretanto, deve se levar em conta o grau de discernimento deste paciente e/ou de
seus responsáveis, principalmente no que concerne às regras que devem ser seguidas pelo próprio
paciente para o sucesso do tratamento, bem como os possíveis e potenciais riscos. Ressalte-se que
somente em iminente risco de vida é que se pode intervir, clínica ou cirurgicamente, contra (ou
sem) a vontade do paciente ou seus familiares.
Desta forma, visando um enquadramento dos serviços médicos ao Código de
Defesa do Consumidor, bem como uma maior proteção sob o aspecto legal, entende-se que o
profissional desta área deve informar ao paciente as condições, o prognóstico e os tratamentos
disponíveis para a doença, indicando a conduta mais apropriada tecnicamente e, deixando ao
paciente a decisão de seguir ou não o caminho apontado pelo profissional.
O médico será responsável por um ato danoso quando deixar de cumprir com seus
deveres, que são: dever de informar e aconselhar, dever de assistir e dever de prudência.
O dever de informar e aconselhar consiste inicialmente na necessidade de o
médico estabelecer com seu paciente as condições de pagamento, o serviço a ser prestado, os
convênios que atende, o preço da consulta, etc.
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Nessa fase de informação e aconselhamento o médico deverá dar todas as
condições para que o paciente opte por contratar ou não seus serviços, inclusive alertando-o
quanto à sua especialidade e o estado de saúde do paciente, tudo em linguagem simples e
acessível.
O dever de assistir caracteriza-se pela boa prestação dos serviços contratados,
atendendo aos chamados e procurando manter-se informado das condições de saúde do paciente
durante o tratamento. Para tanto, deve o profissional dar condições ao paciente para que o
encontre com facilidade em caso de necessidade, sendo que a ocorrência de danos pela falta de
assistência pode vir a caracterizar o abandono, levando à responsabilização.
Ressalte-se que o médico pode deixar de atender o paciente (desde que essa recusa
não cause dano imediato), entretanto jamais poderá abandoná-lo.
O dever de prudência relaciona-se à forma de agir do médico. Este não poderá
fazer testes em seus pacientes ou realizar operação que envolva enorme risco de vida, sem a
autorização, ainda que tácita, do paciente ou seus familiares. Como é notório, em casos de
extrema urgência em que o enfermo esteja inconsciente, não será necessário o consentimento da
família, cabendo ao profissional a decisão de emergência.
Diante de todo o exposto, conclui-se que o médico que violar um desses deveres
estará agindo com culpa. Verifica-se que a comprovação da culpa do médico segue aos mesmos
parâmetros da apuração da culpa comum: o juiz irá analisar se o médico se utilizou de todos os
procedimentos e cuidados que deveriam ter sido adotados em determinado caso concreto. Se este
os observou, não agiu com culpa; se não os observou, responderá pelos danos causados.
Ingressa-se, neste instante, no tormentoso terreno da comprovação de culpa. Vejase porquê. Geralmente, a relação médico-paciente se dá em ambiente reservado, seja ele o
consultório ou uma sala de cirurgia, de forma sigilosa e sem a presença de terceiros. Acrescentese a isso que quando necessária uma perícia médica, esta é feita por um outro profissional da área
médica que pode estar passando por igual dificuldade ou simplesmente desejar "proteger a
classe", comprometendo, assim, a imparcialidade.
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4) INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
A regra geral, no direito processual brasileiro, é a de que o ônus da prova incumbe
a quem alega. Em outras palavras: a prova caberia sempre ao paciente ou vítima. Todavia, é fato
que o médico possui melhores condições de fornecer as provas necessárias à instrução
processual, uma vez que detém o conhecimento técnico e possui fácil acesso ao prontuário e
exames do paciente. O prontuário, aliás, deve ser requerido pelo autor e, se negada a sua exibição
em juízo, permitirá ao julgador admitir como verdadeiros os fatos narrados pelo autor.
A maior inovação trazida pelo CDC foi a possibilidade de inversão do ônus da
prova, apontada no art. 6º, inciso VIII:
“Art. 6º: São direitos do consumidor (...)
I- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a
seu favor, no processo civil, quando a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou
quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência;”
A inversão do ônus da prova, como se depreende de sua nomenclatura, significa
dizer que no CDC, diferentemente do processo civil, o acusado do dano terá que provar que não
obrou com culpa, negligência ou imprudência. Ao autor da demanda, caberá atestar apenas a
ocorrência do dano e o nexo causal entre o ato e aquele. Objetiva-se, com isso equilibrar as partes
na demanda judicial sempre que o consumidor for economicamente insuficiente ou quando a
alegação for verdadeira ou cuja presunção permitir ao juiz formar sua livre convicção.
Por essas razões, em situações especiais, como prevê o Código do Consumidor,
pode o juiz inverter o ônus da prova, transferindo ao médico a incumbência de provar que agiu
sem culpa. Neste caso, caberá ao paciente somente o encargo de provar que determinado serviço
não foi prestado da forma como deveria ter sido, uma vez que, v.g. foi acometido de grave
infecção.
CONCLUSÃO
Se aplicado nos limites da justiça e do equilíbrio, o Código de Proteção e Defesa
do Consumidor será a maior contribuição jurídica dos últimos 50 anos em nosso país,
principalmente no que esse diploma traz sobre a assistência médica, com destaque na relação
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entre o profissional e o consumidor desta área. Aplaude-se o cuidado de não tratar a saúde como
uma atividade estritamente comercial, e, em seguida, ressalta-se a importância que o Código
representa como instrumento de moderação e disciplina nas relações de consumo entre o
prestador de serviço e o usuário. Ainda, revela-se como uma garantia e um complemento de
ordem constitucional ("O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" - Art. 5°,
XXXII, da Constituição Federal), diante da vulnerabilidade da população no mercado de
consumo.
Na linguagem deste Código, de fato, paciente é o consumidor para quem se presta
um serviço; o médico, o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços; e o ato
médico, uma atividade mediante remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem vínculo
empregatício. Conclui-se, portanto, que há uma relação de consumo na prestação de serviços
médicos, sendo plenamente possível aplicar-lhe o CDC para dirimir eventuais conflitos e
estabelecer responsabilidades.
É princípio consagrado no Direito pertencer o ônus da prova a quem alega, e por
isso, a maior inovação trazida pelo CDC encontra-se no art. 6°, VIII, quando estatui que são
direitos básicos do consumidor "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão
do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do juiz, for verossímil a
alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência".
Importante o afloramento da consciência de cidadania dos direitos dos
consumidores e daqueles que se utilizam dos serviços dos profissionais liberais. A convivência
harmônica entre os prestadores de serviços médicos, de um lado, e os usuários, de outro, depende
da certeza de que os serviços hão de ser prestados com proficiência e respeito, e do bom senso
dos tomadores dos serviços ao analisarem e sopesarem a qualidade, a postura do profissional em
cada caso particular.
Frise-se que, a despeito de ser todo profissional passível de erros, não se deve
almejar o retrocesso histórico do código de Hamurabi (1790-1770 a.C.) ou da civilização romana,
que condenavam os erros médicos com a crucificação ou a mutilação. Igualmente, não se deve
estimular a não menos vergonhosa mentalidade da “indenização a todo custo”, vez que esta
poderia retrair a ciência médica aos longínquos tempos de total inércia científica.
Busca-se afastar, sobretudo, o profissional que não exerce, de forma visível, a sua
função de forma competente, responsável, humanitária, reconfortante, e que compromete com sua
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postura toda a classe. Deve-se repudiar qualquer contribuição para o descrédito do exercício da
medicina aplicada com consciência, ética e finalidade precípua de salvar as vidas que se colocam
e que são entregues em suas mãos.
REFERÊNCIAS
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Apresentação. Rio de Janeiro, ago.2002.
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