Artigo MECANISMO DA DOR: COMO CRONIFICAR? A dor é conceituada como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano real ou potencial dos tecidos orgânicos. Sabe-se que as diferentes reações das pessoas frente ao mesmo estímulo prejudicial estão relacionadas às experiências prévias ameaçadoras ou de outras emoções negativas com base nesta sensação. A diferença da dor aguda para a crônica, do ponto de vista da evolução da espécie, está no conceito de que a primeira é um mecanismo vital de proteção que nos permite viver em ambientes repletos de perigos potenciais e se considera um mecanismo adaptativo. Já a segunda classificação está associada a um fenômeno mal adaptativo, representado pelo funcionamento patológico do sistema nervoso. A dor crônica é definida como a percepção do estímulo prejudicial, além da duração normal do tempo de reparo da lesão do tecido orgânico e, segundo a Associação Internacional do Estudo da Dor (IASP), esse tempo é de aproximadamente três meses. Portanto, se a percepção de um estímulo doloroso perdura por mais de noventa dias, considera-se que a dor se tornou crônica. Quando a dor não se torna crônica significa que o nosso Sistema Descendente Inibitório da Dor está funcionando corretamente. É sabido que algumas alterações favorecem o mau funcionamento desse sistema, dentre elas, quantidades insuficientes de neurotransmissores inibitórios da dor, sendo os mais conhecidos: a noradrenalina e a serotonina. Quando essas substâncias se encontram em quantidades suficientes no sistema nervoso, o controle da dor é favorecido. E por que alguns indivíduos são mais propensos a perpetuar o estímulo doloroso? Atualmente se sabe que alguns fenômenos estão envolvidos nesse processo, sendo os principais a sensibilização periférica e a sensibilização central. A primeira se refere às alterações do ambiente químico dos terminais dos receptores das células que carreiam o estímulo doloroso, propiciando maior atividade desses receptores com consequente aumento dos estímulos que chegam ao cérebro e regiões que percebem a dor, já a segunda se inicia com aumento dos estímulos na periferia, resultando em amplificação da sensação na medula espinhal, no cérebro e em outras estruturas da via final da percepção da dor. Dessa forma, a sensibilização central permite que estímulos normalmente não dolorosos periféricos desencadeiem sensações desagradáveis percebidas como dor pelo aumento da atividade dos neurônios medulares e cerebrais. Portanto, resumidamente pode-se concluir que a dor se torna crônica através de uma associação de fatores, sendo os principais: a qualidade do estímulo doloroso e a importância de sua representação para cada indivíduo; a alteração no Sistema Descendente Inibitório da Dor; o favorecimento das Sensibilizações Periférica e Central. Frente a um indivíduo com dor crônica, conhecendo basicamente o que foi descrito ser a fisiopatologia de um fenômeno mal adaptativo, como a Medicina de Reabilitação atua para o tratamento? A especialidade considera que o tratamento deve ser multidisciplinar visto que o surgimento e a perpetuação da dor crônica envolvem várias esferas. Imagem do Google Primeiramente, como toda especialidade médica, deve-se considerar a realização do diagnóstico da causa da dor através da investigação clínica de doenças que podem resultar em dor, dentre as mais frequentes: doenças inflamatórias, infecciosas, endocrinológicas, metabólicas e neoplásicas. Na grande maioria dos pacientes, esta investigação básica inicial descarta tais patologias e, portanto, se avaliam consequentemente as alterações biomecânicas, a presença de imobilismo associado à perda de massa muscular, com subsequente sobrecarga das estruturas osteomusculares. Diversos estudos mostraram que a prevalência da dor muscular nos quadros dolorosos atinge de 75% a 93% das pessoas. Realizado o diagnóstico etiológico, considera-se a introdução de medicamentos para dor crônica, dentre eles: medicamentos que aumentam a disponibilidade da noradrenalina e da serotonina para auxiliar o Sistema Descendente Inibitório da Dor; medicamentos que diminuam o disparo dos estímulos dolorosos; e finalmente outros que alteram a percepção desse estímulo. Uma técnica utilizada em muitos casos é o bloqueio paraespinhoso nos casos em que a avaliação pelo exame físico constatou a presença da sensibilização. Prossegue-se, contudo, com a eliminação dos fatores perpetuantes da dor, sejam eles por alterações biomecânicas, por sobrecarga do aparelho músculo esquelético, associadas ou não com o imobilismo. Para tanto, nota-se aqui a importância do profissional fisioterapeuta e terapeuta ocupacional constituindo a equipe multidisciplinar na reabilitação do paciente com dor. Como citado anteriormente, por ser uma condição que engloba várias esferas pessoais, o tratamento da dor tem respostas melhores se também associado com tratamento psicológico, pois, a pessoa com dor apresenta alterações do estado psíquico que devem ser abordadas, já que ela também é uma experiência emocional. Outra área importante é a da nutrição no tratamento da pessoa com dor, pois o ganho de gordura favorece a instalação e a piora de vários quadros de dor, e também está comprovado pela literatura que há diminuição de diversos nutrientes nesses pacientes que podem perpetuar e piorar o quadro doloroso. Não podemos esquecer também do impacto social da dor incapacitante, pois ela favorece o isolamento social, perdas e afastamentos do trabalho, podendo, contudo onerar o sistema previdenciário, e por esses motivos, a avaliação e orientações do assistente social tornam-se importantes. Portanto, após essa breve explanação fica claro que o tratamento de reabilitação do paciente com dor deve ser realizado por diversos profissionais, pois a DOR não é uma entidade isolada, e que quem a sofre tem alterações do sistema nervoso, da mecânica do movimento do corpo, do metabolismo, da nutrição e do psicológico. Dr. Leonardo Sanches Municelli Arquivo Pessoal CRM 139.687 Médico formado pela Faculdade de Medicina da USP - São Paulo. Residência Médica em Medicina Física e Reabilitação pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Pós-graduado em ‘‘Principles and Practice of Crinical Research’’ pela Harvard Medical School. Especialização em Tratamento da Espasticidade (Toxina botulínica e fenol) pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Área de atuação: Tratamento e Reabilitação da dor incapacitante. Reabilitação do paciente com incapacidades. Tratamento da Espasticidade. 7