Malditos preços, benditos preços

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Malditos preços, benditos preços
Os preços atraem muita emoção quando se mexem. É natural, alguns ganham e outros
perdem. Mas os preços fazem parte do funcionamento das economias. Há preços dos
bens e serviços, mas também do trabalho (salário), dinheiro e tempo (juros), das
empresas (ações) e até da nossa moeda em relação às outras (câmbio). A tentação dos
governos é a de mantê-los sob mira curta, por diversas razões, certamente para
combater a inflação e evitar excessos derivados de monopólios, mas, em alguns casos,
para tentar influenciar os rumos da economia.
A questão é que os preços têm um papel público também: eles sinalizam quando sobra
ou falta algo. Afinal, a lei mais conhecida da economia é a da demanda e oferta, em que
os preços sobem quando falta o produto e caem quando sobra. Um preço subindo pode
não ser apenas sinal de injustiça ou inflação, mas de escassez ou ineficiência que
mereça atenção. A liberdade dos preços traz a transparência necessária para ajudar na
correção de rumos, muitas vezes de forma natural, quando os preços sobem para
reduzir o consumo e aumentar a oferta (ou vice-versa).
É mais fácil concordar com a liberdade de preços de peixes, frutas e verduras do que de
outros preços da economia. Estocar esses produtos é difícil e requer flutuação dos
preços para equilibrar o mercado. Mas também é importante permitir a flutuação de
alguns preços menos óbvios, cuja informação é relevante para a economia.
Um exemplo clássico é o preço da gasolina. Muitos países têm regras para determinálo. Mas se o preço da gasolina se afasta da cotação internacional por muito tempo
acaba gerando distorções. O consumo não se adapta ao preço internacional mais alto
(relacionado ao que pode ser importado ou exportado). E quem vai ofertar não tem o
sinal do preço correto para decidir quanto investe na produção. No limite, as estatais
podem ser obrigadas a importar mais caro do que vendem no mercado doméstico, o
que pode levar a prejuízos importantes.
Prejuízos alteram outro preço significativo da economia: as ações de empresas. Quedas
sistemáticas e relevantes das ações refletem mudança do valor das empresas, um sinal
de alerta importante. É necessário avaliar o que está gerando a destruição de valor e,
caso necessário, realizar mudanças fundamentais.
Os juros básicos da economia determinados pelo Banco Central são também um preço
importante da economia. Quando os juros sobem, normalmente é sinal de pressões
inflacionárias e ciclo de atividade em alta. Quando caem, o inverso, inflação recuando
e/ou atividade fraca. O Banco Central faz bem em insistir que os ciclos ainda não foram
abolidos no Brasil, sinalizando que os juros podem eventualmente subir ou descer,
apesar da mensagem básica de que devem ficar no atual patamar por um tempo
prolongado.
Outro preço importante é a taxa de câmbio, que reflete o valor dos nossos bens
relativos aos preços internacionais (ou comercializáveis, aqueles determinados no
mercado internacional). No curto prazo, o câmbio pode ser determinado pelo governo,
tanto mais quanto mais reservas tiver e mais controles de capitais introduzir. No longo
prazo, o câmbio vai ser aquele que equilibrar as necessidades da economia, isto é, o
câmbio consistente com um saldo na balança comercial e de serviços, compatível com
persistentes entradas de capitais que, por sua vez, ajudem a financiar os investimentos
necessários para o crescimento sustentado da economia. Uma taxa de câmbio mais
depreciada que o equilíbrio de longo prazo (que leve a uma balança mais alta e a uma
escassez de poupança externa, dado o investimento necessário) vai acabar gerando
uma inflação corretiva, devolvendo o valor do câmbio real ao seu equilíbrio.
O salário é o preço do trabalho na economia. Reflete o excesso ou escassez de mão de
obra na economia. Nos últimos anos ele tem subido acima da inflação, refletindo
crescimento maior da demanda que da oferta. A demanda tem aumentado devido ao
crescimento mais forte dos setores intensivos em mão de obra (serviços, por exemplo),
enquanto a oferta tem sido afetada por um crescimento mais lento da força de trabalho
(por questões demográficas, entre outros). Reduzir os encargos da folha de
pagamentos pode aliviar empresas individuais, mas não altera a falta de oferta e a
necessidade de maior produtividade da mão de obra. Medidas que incentivem maior
demanda por trabalho podem exacerbar o descompasso atual com a oferta. A
competitividade da economia depende da produtividade crescer acima (ou na
proporção) do aumento dos salários.
Finalmente, os preços da energia também variam, apesar de ser um setor naturalmente
mais regulado pelo governo. Quando há sobra (falta) de energia, esta é vendida no
mercado livre a preços menores (maiores). Com os reservatórios mais baixos no final
do ano, os preços no mercado livre subiram, sinalizando oferta menor. Da mesma
forma, quando as termoelétricas mais caras são ligadas, em momentos de escassez,
preços maiores acabam sendo repassados ao consumidor. Esse aumento é necessário
para o consumidor agir para economizar o necessário.
Os preços nos ajudam a identificar escassez e ineficiências e desenhar políticas para
correção de rumos. Muitas vezes há exageros. A regulação dos mercados é
fundamental. Mas não podemos dispensar o sistema de preços como um guia
importante do que acontece na economia. É necessário observar os preços da
economia para sinalizar escassez, excessos ou ineficiências e tomar medidas
fundamentais para corrigir os problemas. Sem isso o risco é de gerar distorções na
economia maiores do que qualquer flutuação excessiva de preços pudesse ter
ocasionado.
Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA.
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