Serviço e Disciplina de Clínica Médica Sessão ClínicaClínica- 31/08/2015 Auditório Honor de Lemos SobralSobral- Hospital Escola Álvaro Alvim Orientador: Prof. Dr. Alcino Hauaji Relator: Dr. Eduardo AbiAbi-Kair Miguel Netto Debatedora: Dra. Ana Carolina Xavier Milagre Identificação: E.G.F., 61 anos, feminina, casada , aposentada, caucasiana, natural de Campos dos Goytacazes. Queixa principal: “Vômitos frequentes”. História da doença atual: Paciente refere que há 6 meses iniciou quadro de dor abdominal e vômitos frequentes, que pioravam com a alimentação, melhoravam parcialmente com antieméticos, associada a emagrecimento de cerca de 20 Kg, anorexia e icterícia progressiva. Sintomas levaram-na a procurar gastroenterologista, que solicitou ultrassonografia de abdome total e endoscopia digestiva alta. Após realização do exame foi indicada cirurgia no dia seguinte, onde foi realizada uma derivação bilio-digestiva (março de 2015). A vesícula biliar não foi retirada, pois estava aderida ao estômago e ao intestino. A paciente permaneceu uma semana internada. Refere que após a alta, em sua residência, os vômitos pioraram, agora biliosos e escuros, associados a dor abdominal de forte intensidade em região epigástrica. Foi novamente internada por queixa de vômitos incoercíveis, anorexia, distensão abdominal e parada de eliminação de fezes e gases, apresentando a imagem radiográfica abaixo (FIGURA 1), sendo abordada cirurgicamente novamente após 01 mês da intervenção cirúrgica inicial. Após 03 dias de pós-operatório, referiu melhora branda dos sinais e sintomas e recebeu alta médico-hospitalar. Em domicílio, porém, continuou a vomitar, acentuando a perda ponderal, não tolerando alimentos sólidos em grande quantidade. História patológica pregressa: Nega hipertensão, nega diabetes. História de miopatia de membros inferiores há 20 anos, que fora progredindo atualmente com força muscular grau I. Constipação crônica de longa data em uso de bisacodil e domperidona. História familiar: Mãe e pai hipertensos, falecidos, acometidos de doença cerebrovascular. 3 filhos saudáveis. Nega neoplasias na família. História fisiológica: Menopausa há 14 anos. • Exame físico – maio de 2015 Acordada, bem orientada no tempo e espaço, regular estado geral, emagrecida, eupnéica, acianótica, ictérica (2+/4), hipocorada (2+/4). AR: MV audível bilateralmente sem ruídos adventícios. ACV: RCR em 2t com BNF s/ sopros. P.A.: 100/60 mmHg, FC: 90 bpm. ABD: flácido, globoso, doloroso difusamente a palpação superficial e profunda, sem visceromegalias, peristalse audível. MMII: sem edema, pulsos palpáveis, panturrilhas livres. Exames complementares: • Radiografia de Abdome(Figura 1): Exames laboratoriais: 04/07/15 Ht: 28,4%; Hb: 9,3 g/dL; Leucócitos: 11.100 mil/mm3 , basófilos: 0%; eosinófilos: 4%; promielócitos: 0; mielócitos: 0; metamielócitos: 0; blastos: 0; bastonetes: 4%; neutrófilos: 30%; linfócitos: 55%; monócitos: 7%; Plaquetas: 236.000 / mm3. Bilirrubina Total: 24,9 mg/dL; BD: 21,5 mg/dL; BI: 3,4 mg/dL Creatinina: 0,6 mg/dL; Uréia: 69 mg/dL; Glicose: 71 mg/dL; Fosfatase alcalina: 591 U/L; Gama glutamil transferase: 495 U/L; TGO: 139/L; TGP: 87 U/L; Na: 129 mEq/L; K: 3,0 mEq/L 06/07/15: TAP: 19.5; atividade: 42.2%; INR: 1.78 Endoscopia digestiva alta: Hérnia hiatal por deslizamento; estenose pilórica com deformidade antral e estase alimentar gástrica acentuada; gastrite endoscópica enantematosa de antro. Biópsia gástrica: Gastrite crônica, leve e inativa, ausência de atrofia e metaplasia intestinal. Pesquisa de H. pylori negativa. Hipóteses diagnósticas / conduta Mulher, 61 anos, com queixa de “vômitos frequentes” Dor abdominal Icterícia Progressiva Emagrecimento Anorexia Procedimento cirúrgico: derivação biliodigestiva Vesícula biliar aderida ao estômago e ao intestino Vômitos biliosos e escuros + dor abdominal em região epigástrica Vômitos incoercíveis + anorexia + distensão abdominal + parada de eliminação de fezes e gases Nova intervenção cirúrgica Vômitos persistentes + perda ponderal + intolerância a alimentos sólidos em grande quantidade Exames iniciais 04/07/2015 06/07/2015 Ht/Hb 28,4/ 9,3 -- Leucócitos 11.100 -- Basófilo 0% -- Eosinófilo 4% -- Promi/ Miel / Metam 0% -- Blastos 0% -- Bastonetes 4% -- Linfócitos 55% -- Monócitos 7% -- Plaquetas 236.000 -- BT 24,9 -- BD/BI 21,5/3,4 -- Creatinina 0,6 -- Uréia 69 -- Glicose 71 -- Fosfatase Alcalina 591 -- Gama GT 495 -- TGO/TGP 139/87 -- Na/ K 129/3,0 -- TAP/INR -- 42,2%/1,78 • Anemia; • Aumento de bilirrubinas BD>BI (colestase); • Aumento de FA e Gama GT (colestase); • Alteração de transaminases, com elevação maior de TGO; • Hiponatremia e hipocalemia; • TAP alterado. EDA: Hérnia hiatal por deslizamento; estenose pilórica com deformidade antral e estase alimentar gástrica acentuada; gastrite endoscópica enantematosa de antro. Biópsia gástrica: Gastrite crônica, leve e inativa, ausência de atrofia e metaplasia intestinal. Pesquisa de H. pylori negativa. Raio X de abdome • Sinais de obstrução de delgado: Distensão de alças, “Sinal do empilhamento de moedas”; • Dilatação da via biliar; • Gás em vias biliares (Pneumobilia ou aerobilia); Possíveis etiologias Síndrome Colestática Colelitíase + Complicações Síndrome Consumptiva Obstrução do lúmen do tubo digestivo Neoplasias Periampulares Possíveis etiologias 1ª hipótese: Neoplasias Periampulares • Carcinoma de cabeça do pâncreas (mais comum, 85% dos casos), carcinoma de ampola de Vater, colangiocarcinoma distal (colédoco), tumor de duodeno próximo à ampola de Vater; A favor: • • • • • Mais comum a partir dos 60 anos – incidência aumenta com a idade; Manifestações clínicas iniciais apresentadas pela paciente: perda ponderal (92% dos casos), Síndrome colestática clássica (Icterícia+dor epigástrica+emagrecimento), fraqueza, náuseas e vômitos; Possível doença irressecável: Indicação de derivação biliodigestiva Doença localmente avançada (invasão de duodeno e vias biliares extrapancreáticas): vesícula aderida a duodeno e estômago; Obstrução do lúmen do tubo digestivo: Obstrução pela doença localmente avançada com metástase peritoneal, por tumor sincrônico intestinal ou linfonodomegalia; Possíveis etiologias 1ª hipótese: Neoplasias Periampulares Contra: • • • É mais comuns em homens negros; Ausência de sinais ao exame físico: Vesícula de Courvoisier-Terrier (vesícula distendida e palpável), Síndrome de Trousseau (síndrome paraneoplásica, episódios de tromboflebite recorrente); Aerobilia: Íleo biliar. Possíveis etiologias 2ª hipótese: Colelitíase com evolução para coledocolitíase + Íleo biliar + Síndrome de Bouveret • Litíase biliar com migração de cálculo para o colédoco provocando obstrução parcial ou completa do fluxo biliar (colestase). Indicação de derivação biliodigestiva para descompressão da via biliar. Porém, devido a não realização de colecistectomia (vesícula aderida) houve evolução do quadro com possível migração e impactação de cálculos para o intestino levando a obstrução (Íleo biliar) e piloro causando obstrução gástrica (Síndrome de Bouveret); A favor: • Mais frequente em mulheres e a prevalência de litíase aumenta com a idade; • Clínica: dor abdominal, náuseas e vômitos que pioravam com a alimentação, perda ponderal, anorexia, icterícia progressiva (colestase); • Possível dilatação significativa de colédoco (>1,5-2cm diâmetro): indicação de derivação • Inflamação local associada – vesícula aderida ao estômago e ao intestino; Possíveis etiologias 2ª hipótese: Colelitíase com evolução para coledocolitíase + Íleo biliar + Síndrome de Bouveret A favor: • Obstrução Intestinal (Íleo biliar): Vômitos biliosos e escuros, incoercíveis, dor abdominal intensa, anorexia, distensão abdominal, parada de eliminação de fezes e gases e imagem radiográfica (pneumobilia); • Obstrução gástrica (Síndrome de Bouveret): persistência de episódios de vômitos, perda ponderal, intolerância alimentos sólidos em grande quantidade, EDA com estenose pilórica e deformidade antral; Contra: • No relato apresentado a dor abdominal não foi muito bem caracterizada. Ausência de sinais característicos como a dor biliar (dor de moderada a forte intensidade do tipo “fisgada” ou “aperto”) localizada em hipocôndrio D ou epigastro; • Síndrome consumptiva exuberante, mais compatível com quadro de neoplasia; • Pneumobilia por íleo biliar ou por manipulação prévia (RX posterior à derivação biliodigestiva). Condução do caso 1) Internação hospitalar; 2) Correção de distúrbios hidroeletrolíticos; 3) Sintomáticos; 4) Exames laboratoriais: • Hemograma, bioquímica, provas de atividade hepática 5) Exames de imagem • • Tomografia computadorizada de abdome total Colangiorressonância Condução do caso Colelitíase + Complicações • Tratamento cirúrgico, retirada de possíveis cálculos impactados; • Realização de colecistectomia em um segundo tempo cirúrgico. Neoplasias Periampulares Considerando doença avançada: • Tratamento paliativo: implante de endopróteses, derivação biliodigestiva cirúrgica, desobstrução duodenal (gastrojejunostomia); • Tratamento quimioterápico: gencitabina; • Prognóstico ruim. Referências Guimarães S., Moura JC., Pacheco Jr* AM., Silva RA.: Ileo biliar – uma complicação da doença calculosa da vesícula biliar. REV. BRAS. GERIATR. GERONTOL., RIO DE JANEIRO, 2010; 13(1):159-163; Coelho JCU e Freitas AT. Tratamento cirúrgico da icterícias obstrutivas. Medicina, Ribeirão Preto. 30:220-233, abr/jun. 1997; Ariche A, Czeiger D, Gortzak Y, et al. Gastric outlet obstruction by gallstone: Bouveret syndrome. Scand. J. Gastroenterol. 2000;35(7):781-783; FRANCHI-TEIXEIRA AR et al. Icterícia obstrutiva: conceito, classificação, etiologia e fisiopatologia. Medicina, Ribeirão Preto, 30: 159-163, abr./jun. 1997. EVOLUÇÃO CLÍNICA • USG abdominal total: colecistopatia crônica litiásica e nódulo pancreatico a esclarecer. • Laparoscopia - conversão laparotomia exploradora em (21/03/15): Processo inflamatório intenso acometendo vesícula biliar, hilo hepático, duodeno – Neoplasia?; Peritôneo, fígado e outros sistemas de aspecto normal; Colecistite crônica + fístula colecistoduodenal + estenose duodenal; Realizada gastroenteroanastomose em Y de Roux; Alta hospitalar em 27/03/15. • 30 dias após, queixas sub-oclusivas / oclusivas; • Reabordagem cirúrgica em (21/04/15) – Sub-oclusão? Oclusão intestinal?; • Laparoscopia + enterectomia: Lise de aderências e identificação de cálculo em íleo distal com enterectomia infra-ileal, retirada de cálculo + enterorrafia; • Alta hospitalar em 24/04/15. • Abcesso de parede com drenagem do mesmo em (05/05/15); • Atendimento em unidade de emergência para investigação de quadro ictérico associado a vômitos aproximadamente 60 dias após ato cirúrgico (16/06/15); • Atendimento por febre, calafrios, icterícia associados à dispepsia progressiva, anorexia e hipotensão (04/07/15); • Submetida a laparotomia exploradora por icterícia de padrão obstrutivo em 07/07/15; • visualização macroscópica de Tumor de vesícula biliar com invasão de via biliar principal e de placa biliar sem condições de ressecção. • Admissão em unidade de terapia intensiva durante pós-operatório imediato; • Óbito em 13/07/15 por Choque séptico – Sepse biliar. Diagnóstico: Colecistite crônica agudizada, complicada por fístula e íleo biliares. Neoplasia de vias biliares. Neoplasias da Vesícula Biliar • Doenças raras, péssimo prognóstico; • Neoplasia mais comum do trato biliar; • Maior acometimento em mulheres idosas; • Adenocarcinoma – tipo histológico mais comum; Fatores de risco: • Colelitíase – principalmente (risco maior nos cálculos maiores que 2,5-3 cm; • Vesícula em porcelana – 12-60% de risco de CA no futuro; • Fístula colecistoentérica; • Pólipos da vesícula biliar; • Colecistite xantogranulomatosa; • Retocolite ulcerativa; • Obesidade; • Cistos de colédoco; • Infecções por Salmonella typhi Quadro clínico: • Sinais e sintomas inespecíficos; • Perda ponderal; • Massa em HCD e/ou anorexia; • Piora clínica de doença biliar prévia; Diagnóstico: • USG; • TC de Abdome ou Colangio-RNM complementam a avaliação; • Diagnóstico feito por histologia em colecistectomias por outras causas. Tratamento: • T1 (invasão até a muscular) – Colecistectomia simples; • T2 ou T3 – Colecistectomia estendida; • T4 ou M1 (Invasão da V. porta; A. hepática, Mx à distância ou para mais de um órgão adjacente, fora o fígado – Sem proposta curativa. Obrigado