O aprendizado da inflação

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ARTIGO
O aprendizado da
inflação
A convivência com elevadas taxas de inflação foi um problema crônico da história econômica brasileira recente. De
fato, entre as décadas de 1980 e 1990, o
índice de preços chegou a ultrapassar
a marca dos três dígitos, registrando
variação de 6.000% ao ano (a.a.), em
meados de 1990, segundo o Índice Geral de Preços (IGP). A busca por uma
solução para o desafio da inflação colocou-se, inclusive, como tarefa essencial
para equacionar outros entraves, como
a estagnação e a incidência do imposto
inflacionário, mobilizando economistas
dos mais variados campos políticos e teóricos, na elaboração de uma sucessão
de planos de estabilização que, mesmo
fracassados, foram fundamentais no
processo de aprendizado do controle
inflacionário. No período entre 1986 e
1994, o Brasil conviveu com seis planos
e quatro moedas diferentes, suscitando
importantes debates acerca da natureza
do processo inflacionário e das políticas
que deveriam ser implementadas para a
estabilização dos preços. Naturalmente,
Rumos abriu espaço para este debate.
Edmar Bacha, então presidente do
IBGE, em entrevista à revista, na edição
de Janeiro/Fevereiro de 1986, notava
que, a despeito das controvérsias quanto
à inflação inercial, o combate à indexação
representava importante ponto de convergência: “Acho que há um consenso generalizado hoje em dia, que só encontra
reação nos monetaristas mais ortodoxos,
de que é necessário ter, paralelamente
a uma política monetária fiscal restritiva, uma atuação específica na frente da
indexação, para assegurar que essa con36
tração fiscal e monetária resulte, de fato, em
queda dos preços, em queda da inflação, não O aprendizado
em queda da produção”(p. 8). De fato, os pla- do combate à
nos de estabilização consideravam a inércia
inflação, afinal,
o principal fator a contribuir para o caráter
crônico da inflação e contaram com a ferra- não era apenas
de economistas
menta do congelamento de preços.
Bacha, no entanto, advertia quanto aos e do governo,
desafios de medidas desta natureza: “[...] mas também
Fazer com que, de fato, os preços nas pra- da sociedade
teleiras dos supermercados baixem é uma
brasileira.
questão mais complicada, porque envolve
toda a estrutura de canais de comercialização interna e toda a lógica de um sistema privado,
cuja atuação vai estar jogando contra o governo. Na
medida em que os estoques oficiais sejam desovados
simplesmente, o que pode acontecer é a mera transferência para o setor privado, que poderá manter
tudo estocado, a partir da hipótese de que esse esforço governamental tem fôlego curto”(p. 8). Esta
avaliação mostrar-se-ia premonitória, uma vez que
a opção pelo controle de preços para combate à indexação revelou-se inadequada, sendo capaz de estabilizar as taxas de inflação apenas momentaneamente. Bacha parece ter ido ao cerne do conflito que
levou esta tentativa ao fracasso: a própria descrença
da população e do mercado na capacidade do governo em controlar os preços.
Se o congelamento fracassou, a necessidade de
desindexação para o combate à inflação continuou
premente, entre os Planos Cruzado e Collor II, resultando em importante aprendizado que culminou na elaboração do Plano Real. Ademais, o diagnóstico do desajuste das finanças públicas, como o
cerne da inflação e a prévia comunicação à população dos estágios do Plano, o difere de seus precursores. João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro
do Planejamento, examina a questão, na edição de
Setembro/Outubro de 1994: “Nós estamos verificando que, para a sociedade brasileira, a estabilizaJULHO | AGOSTO 2016
RUMOS
volvimento econômico, uma contenda recorrente
entre os economistas brasileiros. Enquanto alguns
identificavam a premência das políticas de combate à inflação, acreditando que o crescimento viria
em seguida da estabilidade, Coutinho argumentava por outro caminho: “Desde o primeiro momento, a estabilização deveria associar-se, de maneira
deliberada, a um plano de desenvolvimento. E
entendo que essa é a maior deficiência da equipe
econômica anterior: a obsessão em sustentar a estabilização, sem pensar no desenvolvimento. Essa
obsessão em sustentar a estabilização, a qualquer
custo, pode levar a caminhos que fraudam, inviabilizam, o desenvolvimento” (p. 19).
Entre os custos das políticas macroeconômicas adotadas visando assegurar a manutenção
da estabilidade, as altas taxas de juros figuram
como um dos mais elevados. Com efeito, após o
rápido crescimento da economia, nos primeiros
meses subsequentes ao Plano Real, estimulado,
principalmente, pelo efeito do desaparecimento
do imposto inflacionário e pela entrada de capital estrangeiro, as taxas de crescimento recuaram. Desde então, a economia brasileira jamais
retomou, de forma sustentada, o desempenho do
PIB que verificava antes do início dos planos de
estabilização. Se cumprirmos com sucesso a longa trajetória de aprendizado rumo ao controle da
inflação, resta agora resgatarmos as lições do desenvolvimento.
Noel Joaquim Faiad
FERNANDA FEIL
É graduada em Business & Commerce pela
Monash University/Australia e em economia
pela USP. Possui mestrado em economia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Atualmente, é gerente de Estudos Econômicos
(Gesec) da ABDE
Noel Joaquim Faiad
ANDREJ SLIVNIK
É economista, formado pela Universidade de
Campinas, e mestrando pela mesma instituição.
Atua como técnico na Gesec.
BEATRIZ MARCOJE
É graduanda de economia na Universidade
Federal Fluminense e estagiária da Gesec.
Acervo Pessoal
ção – talvez pela primeira vez, nos últimos 60 anos,
ou seja, desde que começou o Brasil moderno – é,
hoje, um valor universal tal como é o desenvolvimento, a democracia e a distribuição de renda [...]
Então, eu acho que é um grande mérito do governo
ter entendido que já havia clima na sociedade para,
a despeito de todas as circunstâncias desfavoráveis, traçar um plano de estabilização deste tipo”
(p. 11). O aprendizado do combate à inflação, afinal,
não era apenas de economistas e do governo, mas
também da sociedade brasileira.
O Plano Real foi concebido em três fases: ajuste
fiscal, criação de um padrão estável de valor e estabelecimento de regras de emissão da nova moeda.
O ajuste fiscal começou a ser implantado ainda em
junho de 1993, com o lançamento do Programa de
Ação Imediata, que visava reorganizar as finanças do
setor público. A segunda etapa, criação de um padrão
estável de valor, foi implantada por meio da Unidade
Real de Valor (URV), uma moeda paralela, “virtual”,
que serviu como referência de conta e medida de valor. Sua implantação possibilitou a transição gradual
de um regime monetário para o outro, dispensando
o congelamento, a prefixação ou a adoção de qualquer choque ou intervenção do governo, eliminando
gradativamente o componente inercial da inflação.
Quanto à terceira etapa, o Plano estabeleceu metas
para a expansão monetária que serviram para restringir a liquidez do mercado, atuando como contrapeso ao aumento do poder aquisitivo proveniente
do fim da inflação. As altas taxas de juros da política
monetária, além de servir para controlar o aumento
da demanda agregada, atraíam capital internacional,
aspecto importante para o funcionamento da âncora
cambial estabelecida pelo plano, que previa um sistema de bandas assimétricas, oscilando abaixo do teto
de R$1,00/US$.
A despeito do sucesso do Plano Real em combater a inflação, as medidas adotadas não deixaram de
receber críticas. Nesse sentido, o economista Luciano Coutinho, em entrevista à edição de Janeiro/
Fevereiro de 1995, chamava atenção para os efeitos
colaterais das políticas adotadas até então: “[...]
Uma estabilização sustentada, permanentemente,
numa taxa de câmbio sobrevalorizada, distorce por
completo o crescimento, mata a possibilidade de
investimentos competitivos em áreas de eficiência,
estimula de modo desmensurado as importações e
fragiliza o balanço de pagamentos” (p. 19).
No pano de fundo da crítica de Coutinho, encontra-se a preocupação em aliar estabilidade e desen-
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