Specmax Vamos fazer um exemplo para mostrar a avantagem de ter como anel A um anel qualquer (e não necessariamente uma k-álgebra finitamente gerada, com k corpo algebricamente fechado!). O problema com a teoria classica é que as variedades algébricas não têm propriedades que muitos espaços topológicos têm, por exemplo Hausdorff. Se trata do preço de usar como corpo k um corpo algebricamente fechado. Na teoria moderna também Spec(A) não é Hausdorff, mas muitas vezes tomar os pontos fechados (os ideais maximais) dá espaços mais conhecidos. Dado um anel comutativo unitário A seja Specmax(A) (o espectro maximal de A) o subconjunto de Spec(A) que consiste dos ideais maximais de A. A topologia de Zariski em Spec(A) induz uma topologia sobre Specmax(A) que chamaremos também de topologia de Zariski. É um problema interessante perguntar quando Specmax(A) é Hausdorff (tem material em literatura que enfrenta esse problema). Por outro lado o fato que Specmax(A) é quase-compacto é fácil e vale para qualquer anel A, a demonstração é a mesma do caso de Spec(A). Lembramos do resultado seguinte. Teorema (Lema de Urysohn). Seja X um espaço topológico compacto de Hausdorff (ou mais em geral um espaço normal) e sejam A e B dois fechados disjuntos de X. Então existe uma função continua f : X → [0, 1] que vale 0 em todo ponto de A e 1 em todo ponto de B. Seja X um espaço topológico. Seja C(X) o conjunto das funções continuas X → R com a topologia Euclidiana usual em R. Então C(X) tem operações de soma e produto por componentes: se f, g ∈ C(X) definamos f + g e f · g pondo (f + g)(x) := f (x) + g(x) e (f · g)(x) := f (x)g(x). Com essas operações C(X) é um anel comutativo unitário. O resultado seguinte mostra que o intervalo fechado [0, 1] em R pode ser visto como espectro maximal com a topologia de Zariski. A fonte do que segue é um exercı́cio do livro Atiyah-Macdonald, página 14 (exercı́cio 26 do capı́tulo 1, “Rings and Ideals”). Teorema. Seja X o intervalo fechado [0, 1] com a topologia usual de R. Para todo x ∈ X seja vx : C(X) → R a função que leva f para f (x): se trata de um homomorfismo de aneis. A função ψ : X → Specmax(C(X)) x 7→ mx := ker(vx ) é um homeomorfismo (isomorfismo de espaços topológicos). 1 2 Demonstração. ψ é bem definida pois para todo x ∈ X o homomorfismo vx é sobrejetivo (pois as constantes são continuas) logo C(X)/mx ∼ =R é um corpo, assim mx ∈ Specmax(C(X)). A injetividade segue do lema de Urysohn: se x 6= y são elementos de X então {x} e {y} são fechados, logo existe uma função continua f : X → R tal que f (x) = 0 e f (y) = 1. Segue que f ∈ mx − my , logo mx 6= my . Mostraremos agora a sobrejetividade. Seja m ∈ Specmax(C(X)), e seja \ Σ := f −1 ({0}). f ∈m Se x ∈ Σ então m ⊆ mx , logo m = mx por maximalidade de m. Assim basta mostrar que Σ 6= ∅ (se trata do analogo do Nullstellensatz versão fraca!). Como X é compacto e Σ è uma interseção de fechados (preimagem do ponto fechado {0} por meio de funções contı́nuas), para mostrar que Σ não é vazio basta mostrar que toda subfamı́lia finita de Σ tem interseção não vazia. Sejam então f1 , ..., fn ∈ m. Temos que mostrar que existe x ∈ X tal que f1 (x) = ... = fn (x) = 0. Supomos que isso não seja verdade, e consideramos f := n X fi2 ∈ m. i=1 Dado x ∈ X, temos f (x) = 0 se e somente se f1 (x) = ... = fn (x) = 0 (pois os fi (x) pertencem a R), e isso não acontece por hipótese. Mas então f ∈ m é sempre diferente de zero em X, logo é um elemento invertı́vel em C(X) (cujo inverso é g(x) := 1/f (x), composição da função contı́nua α 7→ 1/α com f ). Isso significa que m é um ideal maximal que contem um elemento invertı́vel: absurdo. Vamos mostrar que Specmax(C(X)) é Hausdorff. Seja S = Spec(C(X)) com a topologia de Zariski, onde se f ∈ C(X) o conjunto seguinte é aberto: D(f ) := {p ∈ S | f 6∈ p} = S − V (f ). Sejam mx e my dois elementos distintos de Specmax(C(X)). Para “separar” mx e my com abertos disjuntos de Specmax(C(X)) encontramos duas funções continuas f, g : X → R tais que x ∈ D(f ), y ∈ D(g) e D(f ) ∩ D(g) ∩ Specmax(C(X)) = ∅. Em outras palavras f (x) 6= 0, g(x) 6= 0 e não existem z ∈ X tais que f (z) 6= 0 6= g(z), ou seja f g = 0. Indicamos com B(a, r) a bola aberta de centro a e raio r em X. Seja d a distância entre x e y. Escolhendo (pelo lema de Urysohn) uma função contı́nua f : X → R que vale 1 em B(x, d/5) e 0 em X − B(x, 2d/5), e uma função contı́nua g : X → R que vale 1 em B(y, d/5) e 0 em X − B(y, 2d/5), por construção f (x) 6= 0, g(y) 6= 0 e f g = 0. Para mostrar que ψ é um homeomorfismo basta então mostrar que é uma função continua, pelo resultado seguinte: 3 Lema. Uma função continua e bijetiva com domı́nio compacto e codomı́nio Hausdorff é um homeomorfismo. Demonstração. Seja f : X → Y uma função continua e bijetiva, com X compacto e Y Hausdorff. Para mostrar que é homeomorfismo basta mostrar que f manda fechados em fechados, pois isso é equivalente a dizer que a preimagem de um fechado por meio da inversa é um fechado. Seja então F um fechado de X. Como X é compacto e F é fechado, F é compacto, logo f (F ) é compacto pois f é contı́nua. Um subespaço compacto de um espaço de Hausdorff é fechado, e isso conclui a demonstração. Vamos então mostrar que ψ é contı́nua. Seja V (I) ∩ Specmax(C(X)) um fechado, onde I E C(X). A sua preimagem via ψ é {x ∈ X | mx ∈ V (I)} = {x ∈ X | mx ⊇ I} = {x ∈ X : f (x) = 0 ∀f ∈ I} \ = f −1 ({0}), f ∈I que é um fechado pois as f ∈ I são continuas, em R os pontos são fechados e interseção arbitraria de fechados é um fechado. Observe que se X é um espaço topológico qualquer faz sentido considerar a função ψ : X → Specmax(C(X)) que leva x para mx = ker(vx ). ψ é uma função continua, e Specmax(C(X)) é sempre quase-compacto. Em muitos casos Specmax(C(X)) é Hausdorff e a imagem de ψ é densa. Nesses casos Specmax(C(X)) coincide com a compactificação de Stone-Cech βX de X. A compactificação de Stone-Cech de um espaço topológico X é um espaço topológico βX quase-compacto e Hausdorff com um morfismo (função continua) estrutural ψ : X → βX tal que para toda função continua f : X → K onde K é um espaço compacto e Hausdorff existe uma única função continua βf : βX → K compatı́vel, ou seja βf ◦ ψ = f .