Neutropenia febril e câncer – parte 1

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emergências oncológicas
Neutropenia febril e câncer –
parte 1
Introdução
A
DERADA UMA EMERGÊNCIA MÉDICA. DURANTE O
PERÍODO DE NEUTROPENIA PÓS-QUIMIOTERAPIA,
Divulgação
a febre pode ser o único indicativo de infecção, já
que os sinais e sintomas de inflamação estarão
atenuados. A incidência de febre relacionada à neutropenia é documentada entre 10% e 50% em pacientes com tumores sólidos e até 80% nas
neoplasias hematológicas após pelo menos um ciclo
de quimioterapia. O advento dos antibióticos de
largo espectro permitiu o uso de regimes quimioterápicos mais agressivos, visto que as infecções
respondiam por cerca de 75% da mortalidade relacionada à quimioterapia.
Definição
Luiz Gustavo Torres
* Médico oncologista do
Centro de Tratamento
Oncológico (CENTRON)
Contato:
[email protected]
Daniel Tabak
* Hematologista-Oncologista;
diretor médico do Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON);
membro titular da Academia
Nacional de Medicina
Contato: [email protected]
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junho/julho 2011 Onco&
Critérios para definição de paciente de alto risco:
FEBRE EM PACIENTE NEUTROPÊNICO É CONSI-
A febre em pacientes neutropênicos é definida
como temperatura isolada (única medida) de 38,3
graus Celsius ou sustentada de 38 graus (duas
tomadas em intervalo de 1 hora). Deve-se ter
atenção especial para idosos e usuários crônicos de
glicocorticoides, nos quais é maior o risco de infecção, mesmo na ausência de febre.
A neutropenia é usualmente definida como
contagem absoluta de neutrófilos (CAN) < 500
células/mm3 ou <1000 células/mm3, com estimativa
de queda a patamar <500 células/mm3 nos dois dias
subsequentes.
Alto risco x baixo risco
As atuais recomendações para avaliação, tratamento
e profilaxia são estruturadas na avaliação de risco.
Decisões em torno da escolha do regime antibiótico
empírico, necessidade de antibioticoterapia venosa
e de internação hospitalar devem ser tomadas após
a devida classificação de risco de complicações infecciosas graves.
1. Neutropenia severa: neutropenia (CAN) < 100
células/mm3 com duração estimada maior que
sete dias
2. Presença de uma das condições abaixo:
- Instabilidade hemodinâmica;
- Mucosite oral ou gastrointestinal (odinofagia, diarreia);
- Sintomas gastrointestinais (dor abdominal,
náuseas e vômitos);
- Alterações neurológicas (sonolência, confusão mental);
- Infiltrado pulmonar, hipoxemia ou DPOC
associada;
- Sinal de insuficiência hepática (elevação
de transaminases > 5 vezes o limite superior);
- Sinal de insuficiência renal (clearance de
creatinina < 30 ml/minuto).
*Pacientes com doença neoplásica fora de controle, performance status (PS) ruim e idade avançada
devem ser considerados de alto risco, mesmo
quando não forem preenchidos os critérios acima.
Avaliação clínica:
1. Exame físico: a realização de um exame clínico
minucioso é de fundamental importância na avaliação do neutropênico febril. É importante lembrar
que nessa população espera-se que os sinais de inflamação sejam sutis. Atenção especial deve ser
dada a pele, mucosas, seios nasais, região perianal
e sítio de inserção de cateter venoso central.
2. Exames laboratoriais: hemograma completo
(com contagem diferencial de leucócitos), ureia,
creatinina, eletrólitos, transaminases, bilirrubinas e
dois sets de hemocultura (sendo cada set composto
por amostra de ambas as vias do cateter e sangue periférico ou sangue
periférico de sítios de punção diferentes em caso de ausência de acesso
venoso central).
O rastreamento microbiológico em outros materiais (urina, escarro,
líquor, pele e fezes) deve ser realizado quando houver indicação
clínica. Broncoscopia para coleta de lavado broncoalveolar deve ser
considerada em caso de infiltrado pulmonar suspeito.
Estudos recentes para avaliação da utilidade de marcadores inflamatórios (proteína C reativa, procalcitonina, interleucina 6 e 8) em
pacientes neutropênicos com câncer foram inconsistentes. Não devem
ser usados, portanto, para guiar terapia antimicrobiana.
3. Exames de imagem: radiografia de tórax deve ser solicitada mesmo
na ausência de sintomas respiratórios. Tomografias devem ser realizadas apenas quando clinicamente indicadas.
Terapia antibiótica
A antibioticoterapia empírica deve ser direcionada aos patógenos mais
comuns e mais virulentos, que podem oferecer risco iminente de morte
ao neutropênico. Há algumas décadas, estudos apontavam taxa de mortalidade de até 70% em caso de retardo no início dos antibióticos. Relatos
subsequentes a partir do final dos anos 70, após a implementação da
antibioticoterapia de largo espectro, demonstraram clara associação entre
o uso precoce dos antibióticos e a queda na taxa de mortalidade.
O isolamento de bactérias gram-positivas acontece em maior frequência se comparado ao isolamento de gram-negativas. No entanto, as infecções por gram-negativas estão relacionadas a maior
taxa de mortalidade. A cobertura inicial contra P. aeruginosa permanece amplamente recomendada pela alta mortalidade associada
a essa infecção.
Alto risco
Pacientes considerados de alto risco devem receber antibioticoterapia venosa com cobertura abrangente para germes gram-negativos,
incluindo P. aeruginosa. São consideradas terapias de primeira linha:
cefepima, piperacilina-tazobactam e carbapenêmicos. Uma metanálise
recente comparou o uso isolado de betalactâmicos a associação betalactâmicos e aminoglicosídeos, demonstrando equivalência das terapias com perfil de toxicidade favorável a monoterapia.
Amplamente aceita e recomendada, a monoterapia com cefepima
tem sido recentemente questionada. Uma metanálise publicada em
2007 por Yahav e colaboradores envolvendo 19 ensaios randomizados
apontou um aumento na mortalidade associada ao uso do cefepima
quando comparado a outros betalactâmicos (RR 1,41; 95% IC, 1,081,84). Apesar desse resultado conflitante, a monoterapia com cefepima
continua sendo recomendada.
A cobertura adicional empírica para gram-positivos não deve ser
realizada de rotina em pacientes com neutropenia febril. Além de não
estar associada a benefício clínico, o uso da vancomicina pode promover resistência em cepas como enterococos e S. aureus. Estafilococos
coagulase-negativos, que são a principal causa de bacteriemia identificável em pacientes neutropênicos, são patógenos fracos e raramente
provocam rápida deterioração clínica. Sendo assim, não há urgência
para a associação empírica da vancomicina.
No entanto, existem algumas situações clínicas em que a utilização empírica da vancomicina deve ser fortemente considerada. A
frequente associação de choque séptico a S. aureus e a difusão de
cepas resistentes a meticilina (MRSA) levam à recomendação de uso
em caso de instabilidade hemodinâmica. Infecções por estreptococos viridans podem ser resistentes a betalactâmicos e fluoroquinolonas e estão usualmente ligadas a condições encontradas em
pacientes neutropênicos, como mucosite gastrointestinal ou uso profilático de quinolonas.
Uma alternativa à vancomicina em pacientes intolerantes é a
linezolida. Em ensaio multicêntrico e randomizado, Jaksic e colaboradores compararam o uso da vancomicina (1 g a cada 12 horas)
com o da linezolida (600 mg a cada 12 horas), tendo encontrado
taxa de mortalidade equivalente e perfil de toxicidade discretamente
favorável à linezolida.
Indicações para associação empírica da vancomicina:
- Suspeita de sepse relacionada a cateter venoso;
- Instabilidade hemodinâmica;
- Pneumonia documentada radiologicamente;
- Hemocultura positiva (gram-positivo, mesmo antes da identificação
final);
- Infecção de pele ou partes moles;
- Colonização por MRSA;
- Mucosite severa, em caso de pacientes em profilaxia com fluoroquinolona.
*Em pacientes considerados de alto risco e alérgicos a betalactâmicos, a associação de ciprofloxacina a vancomicina ou clindamicina é uma boa opção.
A adição inicial dos aminoglicosídeos deve ser considerada apenas
no caso de instabilidade hemodinâmica. O risco de infecção por bactérias gram-negativas resistentes também precisa ser avaliado pela
história clínica do paciente ou pelo padrão de sensibilidade do hospital. Nesse caso, o uso dos aminoglicosídeos pode estar indicado. Em
pacientes com disfunção renal, o ciprofloxacino aparece como opção
aos aminoglicosídeos.
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Doses dos antibióticos usualmente usados em
neutropenia (em adultos com função renal normal)
Ceftazidima
2 g a cada 8 horas
Cefepima
2 g a cada 8-12 horas
Piperacilina/Tazobactam
4,5 g a cada 6 horas
Imipenem
500 mg a cada 6 horas
Meropenem
1-2 g a cada 8 horas
Vancomicina
1 g a cada 12 horas
Linezolida
600 mg a cada 12 horas
Metronidazol
500 mg a cada 6-8 horas
Anfotericina B lipossomal
3 mg/kg/dia
Itraconazol
200 mg (IV) a cada 12 horas (4 doses)
seguidos de 200 mg/dia
Voriconazol
6 mg/kg a cada 12 horas (2 doses)
seguidos de 3 mg/kg a cada 12 horas
Caspofungina
70 mg/dia (1 dose)
seguidos de 50 mg/dia
*Cancer principles and practice of oncology, 8th edition, DeVita,
Hellman and Rosenberg’s
Baixo risco
Pacientes com baixo risco de complicação durante o curso da neutropenia podem ser considerados candidatos a antibioticoterapia por
via oral. Devem estar ausentes todos os critérios considerados de alto
risco. Dois grandes estudos randomizados de comparação entre terapia
oral com ciprofloxacina e amoxicilina-clavulanato versus terapia
venosa mostraram equivalência. Deve-se levar em conta, no entanto,
que os pacientes foram acompanhados em unidade hospitalar e não
em regime ambulatorial.
O uso isolado da ciprofloxacina deve ser desencorajado mesmo
nos pacientes de baixo risco, pela cobertura imprópria para germes
gram-positivos. Se comparada à ciprofloxacina, a levofloxacina tem
maior cobertura para gram-positivos e pode oferecer boa cobertura
para P. aeruginosa quando usada na dose de 750 mg/dia. No entanto,
até a presente data faltam dados mais robustos na literatura para justificar também a monoterapia com levofloxacina mesmo na população
de baixo risco.
A terapia antimicrobiana oral apresenta óbvias vantagens, como
menor custo, menos toxicidade e melhor aceitação dos pacientes.
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Poucos estudos publicados, no entanto, investigam a segurança da
manutenção dos pacientes em regime ambulatorial quando comparado
à terapia padrão intra-hospitalar. Estudos recentes têm sugerido que
após breve período de internação (24 horas) seria seguro manter os
pacientes em regime ambulatorial. Esse breve período de observação
serviria para confirmar a estabilidade clínica, descartar sepse fulminante, avaliar o suporte familiar e realizar o rastreamento microbiológico com a coleta de amostras para culturas. Tendo-se optado pelo
seguimento ambulatorial do tratamento, é fundamental que o paciente
tenha acesso à equipe médica 24 horas por dia, 7 dias por semana e
pronto acesso ao hospital.
Quando a antibioticoterapia deve ser modificada?
Um acompanhamento clínico rigoroso, com exame físico diário,
atenção a novos sintomas e monitoramento das culturas (com novas
coletas de qualquer sítio suspeito novo), é de fundamental importância
para um desfecho favorável. Febre persistente isolada em pacientes
clinicamente estáveis raramente indica necessidade de alteração do
regime antibiótico empregado. De forma geral, acréscimos ou mudança da terapia empírica inicial devem ser guiados por modificação
da condição clínica ou resultados das culturas. Exceção deve ser feita
aos pacientes considerados de baixo risco e, portanto, em uso de antibioticoterapia oral. Nesse grupo, se não houver controle da febre após
48 horas de antibióticos, deve-se considerar internação hospitalar para
terapia antimicrobiana venosa e vigilância clínica.
Apesar do uso frequente da vancomicina em pacientes neutropênicos, não há benefício demonstrado na sua adição em casos de febre
persistente ou recrudescente. Em estudo prospectivo, randomizado,
que avaliou a adição da vancomicina ao uso da piperacilina-tazobactan, Wade e colaboradores não encontraram diferença significativa,
tendo como desfecho o desaparecimento da febre após 72 horas.
Quando a vancomicina compõe o regime inicial, recomenda-se fazer
a descontinuação da droga caso não seja observado crescimento de
germes gram-positivos nas culturas coletadas na admissão após
período de 48 horas de incubação.
Caso de febre persistente
Em caso de febre persistente após 48-72 horas de antibiótico em
pacientes clinicamente estáveis, deve-se realizar novo rastreamento
para identificar o sítio infeccioso. Coleta de novo set de hemoculturas,
pesquisa de toxina de Clostridium difficile nas fezes (na presença de
diarreia e/ou dor abdominal) e tomografias conforme indicação clínica
(ex.: a dos seios da face e a do tórax são recomendadas em pacientes
com alto risco de infecção fúngica invasiva) devem ser considerados.
Causas não infecciosas como febre relacionada a droga, tromboflebite,
neoplasia de base e hematomas volumosos devem ser lembradas como
possíveis agentes causais.
Em pacientes clinicamente instáveis está indicada a substituição
do regime antibiótico (cefalosporinas ou piperacilina/tazobactam)
pelos carbapenêmicos em associação com aminoglicosídeos e cobertura fúngica anticândida com fluconazol ou novos antifúngicos (em
caso de pacientes em uso profilático de fluconazol).
Nos casos de febre persistente após o quarto dia de antibioticoterapia em pacientes estáveis mas ainda sem recuperação medular iminente, cabe considerar fortemente o rastreamento de infecção fúngica
invasiva (TC de tórax e seios da face) e iniciar terapia antifúngica empírica (com cobertura para fungos filamentosos, como aspergilose).
São aceitas as seguintes opções: anfotericina B (preferencialmente lipossomal), caspofungina, itraconazol e voriconazol.
Usado como profilaxia em pacientes de alto risco de infecção fúngica, o fluconazol não exerce papel profilático no desenvolvimento de
infecção por fungos filamentosos (aspergilose, zigomicose e fusariose),
que ocorrem quase que exclusivamente em pacientes com neutropenia
grave (< 100 cels/mm3) e prolongada (> 10 dias).
Por quanto tempo manter os antibióticos?
Nos casos em que é documentada infecção, clínica ou microbiologicamente, a duração da terapia deve ser ditada pelo germe e pelo
sítio envolvidos. Quando não se identifica agente ou foco de infecção
evidente, recomenda-se a descontinuação da terapia apenas após
atingido o patamar acima de 500 neutrófilos/mm3.
Referências bibliográficas
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compared with vancomycin in a randomized, double-bind study of febrile
neutropenic patients with cancer. Clin Infect Dis 2006; 42:597.
6. Wade JC, Glasmacher A. Vancomycin does not benefit persistently febrile
neutropenic people with cancer. Cancer Treat Ver 2004; 30:119-26.
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