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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EVOLUÇÃO X CRIACIONISMO NA ESCOLA: QUAIS OS
OBJETIVOS DO ENSINO DE BIOLOGIA?
Pedro Teixeira (PUC-RIO)
RESUMO
Ciência e religião são vistas pelo senso comum duas perspectivas que estão em polos
opostos e rivais. Talvez o caso de Galileu seja o mais emblemático dessa relação. No
entanto, os debates entre evolução e criacionismo surgidos com a publicação de “A
Origem das Espécies” (1859) chamam especial atenção. A teoria da evolução darwiniana
causou grande impacto no meio científico e reação por parte de diferentes religiões por ir
de encontro às crenças cristãs para a qual Deus havia criado o universo e todos os seres
vivos, tais como eles são em suas formas atuais, bem como o ser humano a sua imagem
e semelhança. No entanto, é no início do século XX que o criacionismo e o antievolucionismo ganham força através do movimento fundamentalista. Nas últimas
décadas, o criacionismo tem se expandido. No Brasil, há claros sinais de um movimento
criacionista ou anti-evolucionista, através, por exemplo, da Sociedade Criacionista
Brasileira; da Associação Brasileira para a Pesquisa da Criação, além da atuação
específica de algumas igrejas. Embora a teoria evolutiva através da seleção natural tenha
sido alvo de muitas controvérsias, atualmente ela é considerada um eixo central para a
biologia tanto como disciplina acadêmica, quanto disciplina escolar. Partindo desses
pressupostos, esta pesquisa procura compreender, de um ponto de vista teórico, como o
ensino de evolução deva estar centrado na teoria evolutiva e não numa perspectiva de
mudança de crença dos estudantes, especialmente daqueles que professam uma fé
criacionista. A partir de uma abordagem intercultural, o ensino de biologia não pode
adotar uma postura cientificista, na qual a ciência teria mais valor do que outras formas
de conhecimento, como a religião. Nesse sentido, a busca por um pluralismo
epistemológico em que as fronteiras entre as diferentes formas de conhecimento sejam
claras pode evitar tanto um relativismo exacerbado quanto um dogmatismo científico.
PALAVRAS-CHAVE: ciência e religião; evolução e criaciacionismo; ensino de
ciências.
INTRODUÇÃO
Ciência e religião são vistas pelo senso comum como estando em polos opostos e
rivais de longa data. Talvez se possa se apontar o caso de Galileu como o mais
emblemático dessa relação, embora análises recentes tenham feito um esforço no sentido
de desmistificá-lo (HENRY, 1998; NUMBERS, 2009). No entanto, os debates entre
evolução e criacionismo, surgidos ainda quando da publicação de A Origem das Espécies
por Darwin em 1859, chamam especial atenção. A teoria da evolução darwiniana causou
grande impacto no meio científico e reação por parte de membros de diferentes religiões
por ir de encontro às crenças religiosas cristãs para a qual Deus havia criado o universo e
todos os seres vivos, tais como eles são em suas formas atuais, bem como o ser humano
a sua imagem e semelhança (MAYR, 1982).
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No entanto, é no início do século XX que o criacionismo e o anti-evolucionismo
ganham força através do movimento fundamentalista, nos EUA (NUMBERS, 2006). Esse
movimento via a evolução como a raiz dos horrores da primeira guerra mundial e, em
contraposição, defendia o relato bíblico literal como explicação para o surgimento do
universo e dos seres vivos e combatia o ensino da teoria evolutiva. Embora tal movimento
não tenha conseguido banir a evolução das escolas em, definitivo, deixou um forte legado.
Ao longo do século XX, o criacionismo foi se transformando e adotando elementos do
discurso da ciência como forma de se afirmar “criacionismo científico” ou, mais
recentemente, “design inteligente”(PADIAN, MATZKE, 2009).
Nas últimas décadas, o criacionismo tem se expandido para outros países
(NUMBERS, 2006). No Brasil, ainda que não haja um movimento criacionista ou antievolucionista tão forte como nos EUA, há sinais dessa penetração, como a Sociedade
Criacionista Brasileira, a Associação Brasileira para a Pesquisa da Criação, além da
atuação da Igreja Adventista e Testemunhas de Jeová. Como Dorvillé (2010) aponta,
essas instituições têm promovido seminários e palestras até mesmo em órgãos públicos
de educação, além de publicações diversas.
É preciso chamar atenção, contudo, para outro grupo religioso que tem tido
resistência com relação à teoria evolutiva: os evangélicos pentecostais e neopentecostais.
Surgido também nos EUA no início do século XX, o pentecostalismo logo chegou ao
Brasil, porém tem aumentado expressivamente nos últimos 30 anos. Caracterizado pela
ênfase nos dons do Espírito Santo, o pentecostalismo não realiza estudos teológicos
aprofundados e tende a ter uma posição de rejeição a tudo que é mundano. Entretanto,
esse movimento religioso passou por profundas mudanças, formando o que alguns
pesquisadores têm chamado de neopentecostalismo (FRESTON, 1993; MARIANO,
1999). Estas denominações, em geral, têm crescido nas periferias pobres de grandes
centros urbanos, com destaque para o Rio de Janeiro (JACOB, 2003; CPS/FGV, 2011;
JACOB et al., 2013). Caracterizam-se por uma leitura literal da Bíblia, por uma moral
que exalta determinados valores conservadores, pela Teologia da Prosperidade e pela
flexibilização de hábitos e costumes do pentecostalismo clássico (MARIANO, 1999). A
figura do demônio, relativizada por outras denominações cristãs, possui grande
importância para os neopentecostais. Tudo aquilo que não está ligado à religião ou a Deus,
é considerado como demoníaco, inclusive a evolução biológica. Silas Malafaia (2009),
um dos principais líderes evangélicos atualmente no Brasil, afirma que há um “interesse
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satânico (...) [para] cegar o entendimento dos incrédulos para que eles não tenham
conhecimento sobre a verdade e sejam libertos por ela” (MALAFAIA, 2009, p. 33).
É interessante destacar que, para Mayr (2009), a evolução é o conceito mais
importante da biologia atualmente. Por este motivo, pesquisadores e documentos
curriculares brasileiros têm defendido que a evolução seja o eixo principal do ensino de
biologia (BRASIL, 1998; TIDON, LEWONTIN, 2004; BRASIL, 2006). Diferentes
trabalhos no Brasil e no restante do mundo indicam, todavia, que o ensino de evolução
enfrenta muitas dificuldades (SANTOS, 2002; ALMEIDA, FALCÃO, 2010; SMITH,
2010a; 2010b; OLEQUES, BARTHOLOMEI-SANTOS et al., 2011; WILES, ALTERS,
2011), entre elas os conflitos com diferentes crenças religiosas que realizam uma leitura
literal da Bíblia (RUTLEDGE, WARDEN, 2000; RUTLEDGE, MITCHELL, 2002; ELHANI, SEPULVEDA, 2009; TEIXEIRA, 2012). No caso brasileiro, as pesquisas
chamam atenção especialmente para os estudantes evangélicos pentecostais e
neopentecostais.
É importante ressaltar a posição de diferentes autores os quais têm defendido que
a religiosidade dos estudantes deve ser respeitada e que o objetivo do ensino de ciências
deve ser o entendimento e não uma mudança de crença (COBERN, 1994; SMITH,
SIEGEL, 2004; REISS, 2008; 2009). Assim, o ensino da teoria da evolução deve estar
orientado para a sua compreensão enquanto teoria científica, construída a partir de
evidências empíricas e de intensos e múltiplos estudos, sem que isto seja imposto como
uma verdade absoluta ao estudante cujas crenças porventura podem entrar em choque
com a visão da ciência. Seguindo esta perspectiva, o multiculturalismo oferece
importantes contribuições para discutir qual cultura estamos ensinando quando
ensinamos ciências, que critérios devem ser usados para definir o que é ciência e de que
forma o conhecimento científico, o conhecimento religioso e o currículo escolar se
articulam (COBERN, LOVING, 2001; EL-HANI, MORTIMER, 2007). Nessa pesquisa,
aprofundo essa discussão, me aproximando da visão desses autores que defendem que o
ensino de evolução deve estar voltado para a compreensão desta teoria e não para a
mudança de crença dos estudantes.
ENSINO DE EVOLUÇÃO, MULTICULTURALISMO E OS OBJETIVOS DO
ENSINO DE BIOLOGIA
Embora a teoria evolutiva através da seleção natural tenha sido alvo de muitas
controvérsias desde sua proposição por Darwin e Wallace (BROOKE, 1991; MEYER,
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EL-HANI, 2005), atualmente ela é considerada um eixo central para a biologia tanto
como disciplina acadêmica (MAYR, 1982), quanto disciplina escolar (TIDON,
LEWONTIN, 2004). Esta concepção pode ser encontrada nos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 1998) e fica ainda mais explícita nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (OCEM):
Um tema de importância central no ensino de Biologia é a origem e evolução da vida.
Conceitos relativos a esse assunto são tão importantes que devem compor não apenas um
bloco de conteúdos tratados em algumas aulas, mas constituir uma linha orientadora das
discussões de todos os outros temas. (...) A presença do tema origem e evolução da vida
ao longo de diferentes conteúdos não representa a diluição do tema evolução, mas sim a
sua articulação com outros assuntos, como elemento central e unificador no estudo da
biologia. (BRASIL, 2006, p. 22).
Apesar de sua notória importância, diversos estudos apontam que a teoria
evolutiva é um tópico que apresenta dificuldades no processo de ensino-aprendizagem.
Seja nos livros didáticos (ALMEIDA, FALCÃO, 2005; 2010), nas concepções de
professores (CARVALHO, CLÉMENT, 2011; OLEQUES, BARTHOLOMEI-SANTOS
et al., 2011; TEIXEIRA, 2012), de licenciandos em biologia (DORVILLÉ, SELLES,
2009; EL-HANI, SEPULVEDA, 2009) ou de alunos (SANTOS, 2002), tópicos como as
teorias de Lamarck e Darwin, o caráter não-teleológico da evolução, o conceito de
adaptação, dentre outros, são alguns dos conteúdos que se mostram de difícil
compreensão.
Para além das dificuldades acima indicadas, há um grande número de pesquisas
sobre o complexo relacionamento entre o ensino de evolução e crenças religiosas
criacionistas. Rutledge e Warden (2000) afirmam que a oposição de grupos religiosos e
as crenças religiosas de professores de biologia estão entre os fatores que mais
influenciam o debate entre evolução e criacionismo nas escolas norte-americanas. Os
autores pesquisaram as relações entre o entendimento e aceitação da teoria evolutiva e o
conhecimento acerca da natureza da ciência por parte de professores de escolas públicas
de ensino médio em Indiana, nos EUA. Eles apontam que há uma relação positiva
estatisticamente significativa entre essas variáveis, isto é, os professores que possuíam
maior conhecimento de evolução também eram os que mais a aceitavam e mais entendiam
sobre a natureza da ciência. Inversamente, aqueles que menos entendiam a teoria
evolutiva eram os que menos a aceitavam e que menos conheciam a natureza da ciência.
Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos com professores nos EUA
(RUTLEDGE, MITCHELL, 2002; TRANI, 2004), e também no Brasil (COIMBRA,
SILVA, 2007; OLEQUES, BARTHOLOMEI-SANTOS et al., 2011), nos quais as
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concepções religiosas também surgem como um dos fatores marcantes entre aqueles
professores que apresentam uma baixa aceitação da teoria evolutiva.
Especificamente acerca das relações entre evolução biológica e crenças religiosas,
outras pesquisas mostram que quanto maior o caráter fundamentalista da fé professada,
menor a aceitação da evolução biológica (SMITH, 2010a). Em pesquisa com estudantes
protestantes do último ano de um curso de licenciatura em ciências biológicas, El-Hani e
Sepúlveda (2009) encontraram dois grupos distintos: (1) um que possuía visão mais
compatível com a ciência, estabelecendo diálogo constante entre as ideias científicas,
visões teísticas sobre criação divina e a ação permanente de Deus sobre o mundo natural;
(2) e outro que evitava deliberadamente se apropriar do discurso científico, uma vez que
o concebiam como conflituoso com suas visões religiosas. Esses autores destacam que os
alunos do segundo grupo tinham visões religiosas mais fundamentalistas se comparados
com os do primeiro e que isto está correlacionado a uma busca por certezas, algo que não
encontram no conhecimento científico. A rejeição por parte de fundamentalistas também
foi pesquisada entre mulçumanos (BOUJAOUDE, WILES et al., 2011), mostrando que,
embora o debate entre criacionismo e evolução seja mais tipicamente abordado em
contextos cristãos (NUMBERS, 2006; ENGLER, 2007), também se faz presente em
outras religiões.
Além disso, é interessante notar que El-Hani e Sepúlveda (2009) afirmam que os
estudantes de crenças fundamentalistas praticam o que Cobern (1996) chama de
“apartheid cognitivo”, ou seja, colocam a ciência em um “compartimento” separado por
não se encaixar na maneira como costumam pensar. Isto permite que eles não sintam suas
crenças ameaçadas e tenham sucesso acadêmico, pois conseguem responder às questões
colocadas pelos professores em suas avaliações. Assim, “entendiam” a teoria da evolução,
mas não “acreditavam” completamente nela. Tal fato também já foi reportado em outras
pesquisas (BLACKWELL, POWELL et al., 2003; FONSECA, 2005; ALMEIDA, 2012).
Em consequência destes achados, faz sentido questionar o que significam
“entender” e “acreditar” e qual seria o objetivo do ensino de evolução. Cobern (1994;
2000) critica o que chama de “cientificismo”, isto é, a visão de que o conhecimento
científico parte de pressupostos racionais, objetivamente derivado da razão e é
universalmente aceito. Assim, caberia apenas “entendê-lo” e não “acreditar” nele. Por
outro lado, uma crença estaria ligada a uma dimensão irracional, necessária quando se
lida com aquilo que é visto como sagrado. Além disso, seria subjetiva e uma questão de
opinião privada. Nesse sentido, Cobern (2000) afirma que negar a razão das crenças leva
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a dois problemas em sala de aula: i) prejulgar se uma proposição é um conhecimento ou
uma crença diminui a gama de assuntos que podem ser discutidos em sala de aula; ii) o
professor assume tacitamente que entender leva à aceitação; analogamente, se um aluno
não aceita uma dada proposição – vista pelo professor como a correta – ele não entendeu
aquela proposição. Cobern (1994) também defende que não há uma diferença
inquestionável do ponto de vista epistêmico entre conhecer e acreditar. De um ponto de
vista prático, ambos representam o que alguém tem razão para acreditar como verdadeiro
ou válido. Para Cobern (1994), o ensino de evolução deve partir de um diálogo em sala
de aula baseado em materiais sobre a história cultural do darwinismo e de forma alguma
ter por objetivo o “doutrinamento” em uma perspectiva de cientificismo.
Smith e Siegel (2004) defendem que acreditar normalmente – mas nem sempre –
segue o entendimento. Argumentam que entender possui quatro dimensões:
conectividade (compreender as relações entre as ideias que baseiam uma dada
proposição), fazer sentido (atribuir um significado àquela proposição); aplicação (ser
capaz de aplicar tal proposição em um contexto acadêmico ou não acadêmico);
justificação (envolve a apreensão de pelo algumas razões que justificam aquela
proposição).
Em crítica a Cobern (2000), Smtih e Siegel (2004) afirmam que o fato de alguém
acreditar que uma proposição é verdadeira não faz com que essa proposição seja
verdadeira. Além disso, embora concordem com a afirmação de que pressupostos
científicos não possam ser provados empiricamente, discordam de que eles não possam
ser sustentados racionalmente.
Smith e Siegel (2004) sugerem, tal qual Cobern (1994), que o objetivo do ensino
de evolução seja o conhecimento e o entendimento e não uma mudança de crença dos
estudantes. No caso de alunos que não demonstram mudança de crença, o ideal seria
explorar tal situação para debater as diferenças entre o pensamento científico e outras
formas de produção de conhecimento, bem como que uma teoria, tal qual a evolução, é a
melhor explicação do ponto de vista científico para aquele determinado fenômeno. Outros
autores também têm destacado o entendimento, mais do que a mudança de crença, como
o objetivo do ensino de evolução (DORVILLÉ, SELLES, 2009; EL-HANI,
SEPULVEDA, 2009; REISS, 2008; 2009).
É interessante notar que diferentes abordagens multiculturais têm sido propostas
para se discutir o currículo e o ensino de biologia e podem contribuir para pensarmos as
relações entre teoria evolutiva e criacionismo no contexto escolar. Segundo El-Hani e
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Mortimer (2007), isso se deve a: i) o surgimento do construtivismo como uma forte
tendência no ensino de ciências; ii) uma mudança nos estudos sobre currículo, mais
focados em processos históricos de construção dos conhecimentos escolares; iii) uma
atitude mais crítica de diversos grupos sociais e culturais em relação à ciência ocidental
moderna; iv) a crítica da postura do ocidente em relação a outras formas de conhecimento,
por programas de pesquisa como o pós-modernismo e o multiculturalismo. A partir disso,
alguns questionamento podem ser feitos, tais como: a cultura de quem estamos ensinando
quando ensinamos ciências? Que critérios devemos usar para definir o que conta e o que
não conta como ciência? A ciência é universal? Como entender a pretensão da ciência em
ser universal? Ao ensinarmos a teoria da evolução a estudantes cujas crenças religiosas
por vezes entrarão em choque com ela, não estaríamos sendo cientificistas?
Cobern e Loving (2001) procuram responder esses questionamentos de modo a
evitar tanto uma posição relativista, na qual todas as formas de conhecimento poderiam
ser consideradas como “científicas”, quanto uma postura cientificista, na qual a ciência
seria vista como superior a todas as outras formas de conhecimento. Nesse sentido, os
autores defendem que incluir outras formas de conhecimento, como os conhecimentos
ecológicos tradicionais, sob a denominação de ciência, faria com que elas enfrentassem
consequências negativas. Elas perderiam suas especificidades e tornar-se-iam meros
símbolos de uma inclusão cultural e não propriamente participantes válidos do discurso
da ciência.
Além disso, Cobern e Loving (2001) diferem a universalidade da ciência e o
cientificismo. Em sua visão, o problema não seria a capacidade de produção de
conhecimentos altamente eficazes sobre os fenômenos naturais, mas sim o uso da ciência
para dominar a opinião pública como se todos os outros discursos fossem inferiores.
Nesse sentido, os autores sugerem que o ensino de ciências esteja pautado em um
pluralismo epistemológico, no qual outros conhecimentos estejam presentes, porém
tornando claras suas diferenças para a ciência. Estabelecer essas fronteiras não implica
em diminuir a importância de outras formas de conhecimento, o que também é defendido
por outros autores (SOUTHERLAND, 2000; EL-HANI, MORTIMER, 2007). Nesse
sentido, o ensino de evolução pode ter por objetivo a compreensão dos alunos e não a sua
mudança de crença, demarcando as fronteiras entre o conhecimento científico e o
religioso, sem que haja uma desvalorização deste em relação àquele.
É interessante notar que mesmo entre religiões de características fundamentalistas,
há certos pontos de aceitação da teoria evolutiva. Como Smith (2010a) e Oliveira e Bizzo
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(2011) afirmam, estudantes que professam uma fé religiosa com esse perfil rejeitam mais
fortemente aspectos relacionados à idade da Terra e, principalmente, à evolução humana
do que a existência e validade de fósseis e processos de microevolução. No entanto,
apresentam mais aceitação da seleção natural e dos processos microevolutivos. Embora a
maior parte dos estudos sobre essa temática se pautem em diferenças epistemológicas
entre criacionismo e evolução – e, em um sentido mais amplo, entre ciência e religião –
Evans & Evans (2008) e Evans (2011) propõem que se estude essa relação em uma
perspectiva de conflito moral. Em suas pesquisas, esses autores mostram que pessoas que
professam uma fé religiosa – inclusive fundamentalista – tendem a rejeitar a visão
científica apenas em assuntos em que esta entre conflito com a visão religiosa e não em
tópicos em que não há essa divergência. Assim, mais do que o método científico, ou a
natureza da ciência, seriam rejeitadas as implicações morais da visão científica em
assuntos como a teoria da evolução. Embora essa perspectiva ainda careça de mais
estudos empíricos, afirmações como a de Malafaia (2009), destacada na introdução do
presente trabalho, dão indícios de um conflito moral intenso
CONCLUSÃO
Nesse trabalho, procurei explorar algumas questões envolvendo os debates entre
teoria da evolução e criacionismo. Apesar de ser mais típico da realidade estadunidense,
paulatinamente tem se tornado mais comum no Brasil. A atuação de entidades
criacionistas e o crescimento das religiões cristãs pentecostais e neopentecostais, têm
tornado os conflitos em torno dessa temática cada vez mais frequentes no contexto
escolar.
Partindo dessa realidade e de pesquisas da área, procurei explorar, de um ponto
de vista teórico, defendendo que o objetivo do ensino de evolução deva ser a compreensão
da teoria evolutiva e não uma mudança de crença dos estudantes. A partir de uma
perspectiva multicultural, o ensino de biologia não pode adotar uma postura cientificista,
na qual a ciência teria mais valor do que outras formas de conhecimento, como a religião.
Nesse sentido, a busca de um pluralismo epistemológico em que as fronteiras entre as
diferentes formas de conhecimento sejam claras pode evitar um relativismo exacerbado.
Por fim, abordei a uma nova possibilidade a ser explorada pelas pesquisas na área:
os conflitos morais. Embora as discussões em torno da natureza do conhecimento
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científico e do conhecimento religioso motivem a maioria dos estudos já realizados, casos
como a teoria evolutiva, podem gerar conflitos a pessoas que se ancoram firmemente à
moral religiosa.
A religião dos estudantes pode ser um desafio ao ensino de evolução. Por um lado
é preciso estar atento para que dessa realidade não emirjam atitudes preconceituosas e
cientificistas. Por outro é fundamental distinguir a visão científica da religiosa para que
se evite afirmar que o criacionismo tem o mesmo valor científico que a teoria evolutiva.
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020102
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