Artigos e Estudos Comentados Clorotalidona no tratamento da Hipertensão Arterial Sistólica Resumo do artigo “Association between Chlorthalidone treatment of systolic hypertension and long-term survival” Introdução - No Systolic Hypertension in the Elderly Program (SHEP) trial, conduzido entre 1985 e 1990, o tratamento da hipertensão arterial (HTA) com clorotalidona (associado ao atenolol quando necessário) mostrou redução de eventos cardiovasculares quando comparada com placebo, mas os resultados quanto à mortalidade não foram significativos. Objectivo - O objectivo deste trabalho foi o de avaliar o ganho na esperança de vida, nos doentes aleatorizados para o tratamento activo, ao fim de 22 anos. Material e métodos - Verificação da mortalidade no seguimento a longo prazo de um estudo aleatorizado, controlado com placebo, de doentes com idade superior a 60 anos, com HTA sistólica isolada. O recrutamento de doentes do estudo SHEP decorreu entre Maio de 1985 e Janeiro de 1988. No final de um seguimento de 4,5 anos todos os doentes foram aconselhados a receber tratamento activo para a HTA. O intervalo de tempo decorrido entre a aleatorização de doentes e a verificação de óbitos (Dezembro de 2006) foi de aproximadamente 22 anos. Dados avaliados - mortalidade cardiovascular e mortalidade de todas as causas. Resultados - no final de um seguimento de 22 anos, o aumento da esperança de vida, expresso pela área entre as curvas de sobrevida dos grupos tratamento activo (n=2365) e placebo(n=2371), foi de 105 dias (95% CI, -39-242; p=.07) para a mortalidade de todas as causas, e de 158 (95% CI, 36-287;p=,009) para a mortalidade cardiovascular. Cada mês de tratamento associou-se a aproximadamente um aumento de sobrevida de 1 dia. O grupo de tratamento activo teve maior sobrevida referente a mortalidade cardiovascular versus grupo placebo (HR, 0,89; 95% CI, 0,80-0,99; p=,03) , mas sobrevida semelhante quanto a mortalidade de todas as causas (HR, 0,97; 95% CI, 0,90- 1,104; p=,42). Ocorreram 1416 mortes no grupo tratamento activo e 1435 no grupo placebo. A mortalidade cardiovascular foi mais baixa no grupo de tratamento activo versus grupo placebo. O tempo até ao percentil 70 de sobrevida foi 0,56 anos (95% CI, - 0,14-1,23) superior no grupo tratamento activo versus placebo (11,53 versus 10,98 anos; p=,03) para mortalidade de todas as causas, e de 1,41 anos ( 95% CI, 0,342,61; 17,81 versus 17,39 anos; p=,01) para sobrevida livre de mortalidade cardiovascular. Conclusões - No estudo SHEP, o tratamento da hipertensão sistólica isolada baseada na clorotalidona durante 4,5 anos, associou-se a uma maior esperança de vida aos 22 anos de seguimento. Kostis, JB, Cabrera J, Cheng JQ et al. Association between chlorthalidone treatment of systolic hypertension and longterm survival. JAMA 2011; 306:2588-2593. Brenda Moura Assistente Hospitalar Graduada de Cardiologia, Hospital Militar D. Pedro V, Porto. 36 Recebido para publicação: Setembro de 2012 Aceite para publicação: Setembro de 2012 Revista Factores de Risco, Nº27 OUT-DEZ 2012 Pág. 36-37 Comentário «... a clorotalidona é seguramente um fármaco com lugar merecido no tratamento da HTA.» Este trabalho mostra que o tratamento da HTA sistólica isolada aumenta a esperança de vida. De facto, verifica-se que o grupo de doentes que receberam clorotalidona desde o início do estudo, tiveram uma esperança de vida superior aos que iniciaram tratamento para a HTA no final do estudo, cerca de 4,5 anos depois. Vinte e dois anos depois do inicio da aleatorização, o grupo de doentes do braço tratamento activo teve maior sobrevida. Estes resultados são ainda mais importantes se atendermos a que a idade média dos doentes aquando a aleatorização do SHEP foi de 72 anos(1). Estes dados estão em consonância com os resultados do HYVET(2), no qual doentes hipertensos com idade superior a 80 anos, medicados com Indapamida (e perindopril caso necessário) apresentaram redução da mortalidade por todas as causas. É do conhecimento geral que há um intervalo temporal entre os resultados dos ensaios clínicos e a sua aplicação na actividade clínica. Segundo resultados do NHANES III(3), o controle da HTA diminui com a idade, de 74% em doentes jovens, para 33% em doentes com mais de 70 anos. A observação de que cada mês de tratamento resulta no prolongamento de 1 dia de vida, como evidenciado neste seguimento a longo prazo do SHEP, pode constituir um forte estímulo ao tratamento destes doentes, quer aumentando a adesão à terapêutica por parte destes, quer reduzindo alguma inércia terapêutica dos médicos. Outro ponto a realçar diz respeito ao fármaco utilizado. Muita controvérsia tem havido sobre os diuréticos para tratamento da HTA. Recomendações existem no sentido de que as tiazidas sejam farmacos de 1.ª linha - no entanto, se existe evidência do benefício deste grupo terapêutico, não é com o fármaco mais frequentemente utilizado na prática clínica, a hidroclorotiazida, mas com a clorotalidona. Durante anos foram vistos como fármacos com semelhantes caraterísticas, e os resultados obtidos com um extrapolados para outros, porque do mesmo grupo terapêutico, mas presentemente esta noção tem-se vindo a alterar. (de facto, embora em populações diferentes, uma avaliação ao fim de 10 anos dos doentes do estudo MRFIT, havia mostrado melhoria dos resultados associada à substituição de hidroclorotiazida por clorotalidona evidenciando diferença entre estes fármacos(4)). Em 2011, uma meta-análise publicada por Messerly(5), revelava que a eficácia da hidroclorotiazida nas doses utilizadas na prática clínica (12,5 a 25 mg/dia, para evitar as alterações induzidas por doses maiores) era inferior à dos outros fármacos anti-hipertensores. O papel de cada diurético parece merecer avaliação individual, sendo este o pensamento de entidades como a NICE(6) que, nas suas últimas recomendações, em 2011, aconselha a utilização de diuréticos do grupo das tiazidas, mas específica que se deve optar pela clorotalidona (12,5 a 25mg/dia) ou pela indapamida (1,5 mg/dia se libertação prolongada ou 2,5 mg/dia). Um facto parece evidente – após anos em que foi preterida por outros fármacos do mesmo grupo, a clorotalidona é seguramente um fármaco com lugar merecido no tratamento da HTA. Uma outra questão de relevo é o chamado the legacy effect. Após o final do estudo, se o fármaco demonstrou benefício (neste caso a clorotalidona reduziu a incidência de insuficiência cardíaca, AVC e enfarte do miocárdio), todos os participantes são aconselhados a fazer a medicação, incluindo os anteriormente no braço placebo. Quando os doentes do braço tratamento activo mantêm o efeito favorável, diz-se que beneficiam do legacy effect. Este tem sido relatado não só na HTA, mas tambem na diabetes mellitus. Apesar de não existir uma explicação cabal para este efeito, ele merece a nossa atenção. E chama-nos a atenção para a necessidade imperiosa de um tratamento precoce. Concluindo, são 3 as ilações que podemos retirar deste trabalho: A HTA sistólica isolada do idoso é uma condição que exige tratamento cuidadoso. A clorotalidona é um fármaco com importante papel no tratamento desta entidade e merece ser reabilitada. O legacy effect é uma noção que temos de introduzir na nossa prática clínica. Brenda Moura Referências 1. SHEP Cooperative Research Group. JAMA.1991;265 (24):3255-3264 2. Beckett N, et al. Treatment of Hypertension in Patients 80 Years of Age or Older. N Engl J Med. 2008. 3. Wong ND, Lopez VA, L´Italien G, et al. Inadequate control of hypertension in US adults with cardiovascular disease comorbidities in 2003-2004. Arch Intern Med. 2007;167(22): 2431-2436. 4. Mortality after 10 ? years for hypertensive participants in the Multiple Risk Factor Intervention Trial. Circulation 1990;82:1616-1628. Messerly F, Makami H, Benjo A, et al. Antihypertensive efficacy of HCTZ as evaluated by ABPM. A meta-analysis of randomized trials. J Am Coll Cardiol 2011;57:590-600. 5. National Institute for Health and Clinical Excellence. Hypertension (CG 127) August 2011. 37