05/CC/2015 - Instituto dos Registos e Notariado

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N.º 05/ CC /2014
N/Referência:
PROC.: C. P. 73/2014 STJ-CC
Consulente:
Município de ….
Data de homologação:
17-12-2014
.
Logradouro de prédio em regime de propriedade horizontal – da admissibilidade da sua integração na
Assunto:
composição de fração autónoma.
Palavras-chave:
Logradouro, parte comum, fração autónoma, artigo 1421.º CCivil.
Relatório
1. Vem o município de … solicitar emissão de parecer destinado a obter pronúncia, da parte deste Instituto,
sobre a questão de saber da admissibilidade, em face das disposições legais aplicáveis, de na conformação do
regime da propriedade horizontal, maxime no respetivo título constitutivo, se estabelecer que da composição de
alguma fração autónoma fique a fazer parte integrante porção do solo afetado a logradouro. Basicamente, a
dúvida está em saber se a lei prescreve que o logradouro do prédio (rectius, do edifício implantado no prédio, do
qual o logradouro é também constituinte) seja parte imperativamente comum, excluída portanto da margem de
livre definição que, quanto à repartição entre zonas comuns e zonas sujeitas a domínio exclusivo, o instituto
concede aos interessados, ou se, diversamente, o solo afetado a tal destinação constitui uma parte do prédio em
relação à qual, usando daquela “margem de livre definição” que referimos, aos interessados é lícito integrá-la na
composição material e jurídica de uma ou várias frações autónomas, ficando consequentemente sujeita à
propriedade exclusiva do(s) condómino(s) respetivos.
2. Dados os termos em que vem formulada a consulta, remetemos, simultaneamente em jeito de esclarecimento
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e de advertência quanto ao alcance e valor da posição que, quanto à matéria a versar, seguidamente se adotará,
para o que no parecer emitido no P. C.P. 24/2013 justamente a esse título se ressalvou. Passamos a citar:

“(…) cumprirá antes de mais dizer que, de acordo com o artigo 75.º-A/1 do Código do Registo Predial
(CRP),a entidade competente para o ato de registo é o conservador, pelo que a este que pertence a
apreciação e a decisão do caso concreto, a tomar sempre segundo um critério de estrita legalidade
(artigo 68.º do CRP), de forma independente, e livre de qualquer ordem ou influência administrativa que
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não radique em circular interpretativa ou em instrução geral sobre interpretação jurídica de normas e
princípios que devam ser aplicados no exercício da atividade.”

“É, por isso, no processo próprio de registo, e através do competente pedido, que os interessados hão
de suscitar, pela primeira vez, um juízo de viabilidade do registo, e é ao serviço de registo, através dos
seus órgãos, não aos serviços centrais, que, em primeira instância, compete uma resposta para o caso
concreto.”

“Em regra, só depois de proferida uma decisão pelo serviço de registo pode o superior hierárquico ser
chamado a intervir, ainda assim, se desta decisão tiver sido interposto recurso hierárquico, nos termos
previstos e regulados nos artigos 140.º e seguintes do CRP, e, portanto, quando o interessado se não
conforme com o entendimento (negativo) firmado em sede de qualificação registal.”

“Vale isto por dizer que a pronúncia que se segue não deverá versar sobre o caso concreto, senão
sobre a questão jurídica que, em abstrato, dele podemos extrair, e que, ainda assim, o que aqui ficar
escrito, podendo servir de orientação, não assume, todavia, caráter vinculativo ou qualquer restrição ou
condicionamento dos poderes de qualificação que legalmente estão cometidos ao conservador, nem,
obviamente, o liberta da responsabilidade pela decisão a tomar diante do pedido de registo.”
Posto o que cumpre emitir
Pronúncia
1. Digamo-lo já: em nossa opinião, o logradouro não é parte imperativamente comum do prédio submetido ao
regime da propriedade horizontal. Que o mesmo é dizer que, no nosso modo de ver, nada na lei impede que a
composição de uma ou de várias frações autónomas seja integrada por porção de terreno assim definida (quer
dizer: assim caracterizada e assim destinada).
Vejamos melhor.
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2. Antes de tudo, impõe-se fixar a noção de logradouro. De que realidade se fala?
Debalde se procurará no Código Civil uma definição; não obstante, estabelece a segunda parte do n.º 2 do art.
204.º que por prédio urbano se há de entender “qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe
sirvam de logradouro.”
MENEZES CORDEIRO, sobre o ponto, in Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo II, Coisas, 2000, p. 124 (e
notas respetivas), discorre assim:
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“O Supremo explica que ‘logradouro’, na falta de definição legal, surge como um conceito jurídico
indeterminado, que só se torna preciso aquando da sua aplicação ao caso concreto. Ele abrange – ou pode
abranger –
(…) o terreno adjacente à casa, com carácter de quintal, pátio ou jardim, terreno de horta, com árvores,
na dependência da moradia, servindo de aproveitamento ou suporte às necessidades ocasionais dos donos da casa.1
O logradouro
(…) será o que é ou pode ser gozado, fruído ou disfrutado por alguém (…). Casa e terreno constituirão
normalmente uma unidade cujas características variarão de região para região e até dentro da mesma localidade. 2
O logradouro está afeto ao edifício, normalmente para habitação: dá apoio aos moradores. Mas pode,
também, apoiar um edifício industrial ou comercial: parque de estacionamento, área de depósito de materiais,
jardim de resguardo ecológico, campos de desporto, pistas de ensaios ou, simplesmente, área verde exigida
pelos planos de urbanização, como anexo às edificações.”
Muito útil, para a nossa análise, igualmente se nos afigura o seguinte excerto retirado de P. DE LIMA e A. VARELA,
Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., 1987, p. 196:
“(…) não devem considerar-se prédios rústicos os logradouros de prédios urbanos, como os jardins,
pátios ou quintais.”
Quer dizer: parece haver relativo consenso, na doutrina e na jurisprudência, de que por logradouro (que aliás
constitui uma realidade eminentemente pré-jurídica à qual o direito, nas soluções que desenhe, não pode ser
indiferente) se deve entender o espaço de terreno adjacente a uma dada edificação, à qual presta serventia da
mais variada tipologia, e com a qual, unitariamente, forma um determinado prédio urbano. Trata-se, pois, de uma
categoria genérica, em cujo âmbito cabe um leque muito vasto de usos ou concretas ocupações, sendo comum
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referir, como exemplos típicos, quer o “espaço” de “pátio”3 quer o espaço de “jardim”.
1
RCb 17-Nov.-1981, CJ VI (1981) 5, 70/I); cf., ainda, RCb 22-Jan.-1991 (…), XVI, I, 55/II.
2
STJ 25-Mar.-1993 (…), CJ/Supremo I, 2, 34/II.
3
Palavra a que no “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” da Academia das Ciências de Lisboa, II,
2001, p. 2782, se faz corresponder os seguintes significados: “1. Espaço descoberto, cercado por muros ou outras
construções, contíguo a um edifício (…). 2. Recinto descoberto situado no interior de um edifício (…). 3. Átrio. 4. Espaço
descoberto rodeado de edifícios (…).”
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3. O direito (ius in re) de propriedade horizontal nasce da subordinação dum determinado prédio ao regime da
propriedade horizontal, para o que se recorre, quase sempre, à técnica do negócio jurídico, não raro de caráter
unilateral. A este ato, por via do qual se institui e modela o concreto e específico regime de propriedade
horizontal a vigorar sobre o prédio dele objeto, designa a lei por título constitutivo (cfr. CCivil, arts. 1417.º e
1418.º).
Submetido que seja ao regime da propriedade horizontal, cessa o prédio de ser, para o direito, uma coisa
unitária, surgindo, em sua substituição, “uma multiplicidade de coisas, as frações autónomas, a que estão
indissociavelmente afetas partes comuns do edifício” (CARVALHO FERNANDES, Da natureza jurídica do direito de
propriedade horizontal, Cadernos de Direito Privado, 15, p. 4). O direito de propriedade horizontal, segundo o
que resulta “da conjugação, entre outros, dos arts. 1414.º, 1415.º e 1420.º”, caracteriza-se “como o conjunto,
incindível, de poderes que recaem sobre uma fração autónoma de um prédio urbano e sobre as partes comuns
do mesmo edifício” (C. FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 3.ª ed., 2001, p. 350).
Integrar uma parte do prédio a composição duma fração autónoma – o que cabe ao título constitutivo decidir –
significa fazer com que sobre essa parte fique a incidir a propriedade exclusiva do condómino titular dessa
fração; não integrar uma parte do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal a composição duma fração
autónoma, pelo contrário, e por exclusão, significa fazer com que sobre essa parte fique a incidir a
compropriedade de todos os condóminos. “Portanto, todas as partes do edifício que não tenham constituído
fração autónoma ficam a ser comuns” (F. RODRIGUES PARDAL e M. BAPTISTA DIAS DA FONSECA, Da Propriedade
Horizontal, 6.ª ed., 1993, p. 122).
4. Mas o título constitutivo não é inteiramente livre de definir, relativamente à totalidade do prédio, o que dele
pode ser zona comum e o que dele pode ser fração autónoma, porquanto, relativamente a certas partes, o
legislador, no n.º 1 do art. 1421.º CCivil, estabeleceu de forma imperativa a sua natureza comum.
Dessas, interessa-nos particularmente referir as que se indicam na al. a) do referido número 1, nos termos da
qual são comuns “O solo, bem como os alicerces colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes
que constituem a estrutura do prédio.”
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Ao lado desse reduto, imperativamente comum, definiu o legislador, no n.º 2, um conjunto de elementos
“apenas” presumidamente comuns, à cabeça dos quais incluiu, na al. a), “os pátios e jardins anexos ao edifício.”;
e, por fim, no n.º 3, estabeleceu que o título constitutivo pode afetar as zonas comuns (independentemente da
origem legal ou voluntária desse estatuto) ao uso exclusivo de algum dos condóminos.
Na interpretação que fazemos do normativo acabado de referir, e confrontando especialmente o que
conjugadamente se dispõe al. a) do n.º 1 e na al. a) do n.º 2, referindo-se ali a natureza imperativamente comum
do solo, e aqui a natureza só presumidamente comum dos pátios e jardins anexos ao edifício, a parte do solo (do
fundo) do prédio que a lei não permite que não seja comum corresponde somente ao polígono da implantação
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do edifício – basicamente, à zona delimitada pelos alicerces ou fundações, sobre os quais se erguem as paredes
que dão volume à edificação; já o terreno anexo – o logradouro – só será comum, no todo ou em parte, por força
da presunção da al. a) do n.º 2, se o título constitutivo, na definição da composição das frações autónomas,
nestas, no todo ou em parte, o não integrar. Por um lado, e como acentuámos, “pátios e jardins anexos”
constituem indiscutivelmente afetações ou ocupações usuais – concretizações, se se quiser – da categoria
“logradouro”; por outro lado, admitido que os “pátios e jardins anexos” são logradouro, e que são logradouro que
a lei permite, mediante estipulação do título constitutivo, que façam parte integrante de frações autónomas
(excluindo-os da presunção de sujeição à compropriedade), nós não vemos como possa defender-se que todo o
solo que, sendo logradouro, todavia não possa qualificar-se como “pátio e jardim anexo”, tenha por isso que ficar
sob a alçada da natureza imperativamente comum. Pela nossa parte, confessamo-nos incapazes de
teleologicamente justificar semelhante distinção normativa com base na determinação do “tipo de logradouro” de
que se trate.
Alinhamos assim, na controvérsia em análise, com CARVALHO FERNANDES, Lições, cit., p. 352, para quem o “solo
só é necessariamente parte comum no que respeita à zona de implantação do edifício.”, posto resultar “do n.º 2
[do art. 1421.º] que os pátios e jardins a ele anexos, em geral o seu logradouro, só são comuns se outra
qualificação não resultar do título constitutivo.”4 E julgamos ser também esta a posição dominante na
jurisprudência dos nossos tribunais superiores.5
5. Só uma palavra final para sublinhar um aspeto que julgamos importante: é que, admitir que o logradouro
possa integrar uma fração autónoma, como admitimos, leva evidentemente implicado que tenha que se aplicar,
na individualização/identificação das frações autónomas com logradouro, não menos rigor do que aquele que se
exige na individualização/identificação duma qualquer fração autónoma. Assim, mormente quando várias frações
integrem área de logradouro, ou mesmo quando só uma o integre mas não de forma esgotante, não bastará,
para adequadamente identificar cada fração nessas condições, dizer que da sua composição faz parte um
logradouro com tantos metros quadrados – posto que, só com isso, não fica a conhecer-se a exata localização e
delimitação de cada logradouro e, consequentemente, de cada fração que (também) dele se componha. Será
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preciso mais: que se indique, usando a fórmula verbal que ao caso couber, em que parte do prédio, exatamente,
esse logradouro se situa, de modo a não se suscitarem quaisquer dúvidas relacionadas com a determinação da
pertinência (zona comum ou fração autónoma, e qual fração autónoma) de cada centímetro de solo.
4
Do lado oposto, defendendo a natureza imperativamente comum dos logradouros (mas não, ao que cremos, dos
logradouros que sejam “pátios e jardins anexos), cfr. P. DE LIMA e A. VARELA, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., 1987, pp.
420-421, e SANDRA PASSINHAS, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., reimp.,
2004, pp. 30-31.
5
Cf. O Ac. do STJ de 22/06/2004, proferido no P. 04A2054, in www.dgsi.pt (http://bit.ly/Stj22062004).
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Este é, salvo melhor, o nosso parecer.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de17 de dezembro de 2014.
António Manuel Fernandes Lopes, relator, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, Luís Manuel Nunes
Martins, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Blandina Maria da Silva Soares.
Este parecer foi homologado em 17.12.2014 pelo Senhor Vice-Presidente do Conselho Diretivo, em
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substituição.
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