Mixoma da Aurícula Direita na Criança

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Acta Pediatr. Port., 2002; N. 2; Vol. 33: 117-9
Mixoma da Aurícula Direita na Criança
M. JOÃO PALARÉ, MANUEL FERREIRA, M. JOÃO BRITO, M. OLIVEIRA,
M. PEDRO MAGALHÃES, M. CÉU MACHADO
Departamento de Pediatria — Hospital Fernando Fonseca
Serviço de Cardiologia Pediátrica e Cirurgia Cardiotorácica
Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa
Resumo
Introdução
Os mixomas cardíacos são tumores raros na idade pediátrica.
Em 20% dos casos surgem na aurícula direita. Apresenta-se o caso
clínico de uma criança de 5 anos referido à urgência pelo médico de
família por palidez, taquicárdia, sopro cardíaco e hepatomegália. As
ecografias transtorácica e transesofágica confirmaram massa intracardíaca removida cirurgicamente com sucesso O diagnóstico histológico
foi mixoma da aurícula direita. Os poucos casos de mixoma cardíaco
descritos na literatura podem ser atribuídos não só à raridade do
tumor na criança mas também à falta de suspeição clínica ou a
diagnósticos não realizados atempadamente.
Os tumores cardíacos na criança são raros, sendo os
mais frequentes: rabdomioma, fibroma, teratoma, mesote'jorna do nódulo aurículo-ventricular, mixoma e sarcoma.
Recentemente assumiram maior importância pelo seu fácil
diagnóstico através da ecografia e pela possibilidade de
remoção cirúrgica (1)•
Os mixomas cardíacos ocorrem em todos os grupos
etários, sendo mais comuns entre os 30-40 anos e no
sexo feminino (2). Representam 50% dos tumores primários cardíacos no adulto e 5% na criança (3) havendo um
caso descrito em recém-nascidos (4) . Setenta e cinco por
cento ocorrem na aurícula esquerda, 20% na aurícula
direita e 5% nos ventrículos (5), estando os tumores biatriais
descritos em 3-5% dos casos (6, 7).
Palavras-Chave: Tumor cardíaco, mixoma auricular direito.
Summary
Right Atrial Myxoma in the Child
Cardiac myxomas are rare in children. Twenty percent of the
cases rare located in the right atrium. We present a case of a five
years old child referred to the emergency department by his family
doctor, presenting pallor, tachycardia, cardiac murmur and hepatomegaly. The echocardiography and transesophageal echocardiogram
confirmed and intracardiac mass which was removed surgically with
success. The histological diagnosis was right atrial myxoma. The few
myxoma cases described in literature may be due to the rarity of this
tumor in children together with the low index of suspicion and
inherent delay in diagnosis.
Key-Words: Cardiac tumor, right atrial myxoma.
Correspondência: M. João Brito
Departamento de Pediatria
Hospital Fernando Fonseca
Amadora — Sintra
Aceite para publicação em 13/03/2002.
Entregue para publicação em 28/02/2001.
Caso Clínico
Criança de cinco anos, sexo masculino, raça caucasiana, natural e residente em Portugal, internado em Outubro de 1999 por palidez, taquicárdia, atrito pericárdico e
hepatomegália.
Primeiro filho de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos. História familiar irrelevante. Nos antecedentes
pessoais há a referir pneumonia neonatal. Crescimento
estaturo-ponderal e desenvolvimento psicomotor adequados e imunizações actualizadas.
Em saúde aparente é observado pelo médico assistente que o referencia ao serviço de urgência por palidez,
taquicárdia, sopro cardíaco difícil de caracterizar e hepatomegália. No exame objectivo salienta-se bom estado geral,
apirético, eupneico e pálido. Sem edema e pulsos periféricos normais. Frequência cardíaca elevada para o grupo
etário (F.C.-147 b.p.m.) e tensão arterial adequada para a
idade e para o sexo. À auscultação cardíaca não se ouvia
sopro mas atrito pericárdico e a auscultação pulmonar era
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normal. Fígado palpável 2 cm abaixo do rebordo costal
direito, de consistência normal, sem ultrapassar a linha
média e sem refluxo hepatojugular.
Analiticamente, anemia microcítica e hipocrómica
(Hb-9.0 mg/dl, VGM-70.8 fl, HGM-21.7 pg), leucocitose
(14000 mm3), proteína C reactiva de 4.6 mg/dl, LDH de
566 UI/L com transaminases hepáticas e creatinoquinase
normais. A avaliação do equilíbrio electrolítico, ácido base
e função renal eram normais e a hemocultura negativa.
O índice cardiotorácico na radiografia do tórax era
normal. O electrocardiograma mostrava ritmo sinusal (F.C.147 b.p.m.), L QRS no quadrante inferior direito, aumento da onda P sem alteração da repolarização. O
ecocardiograma bidimensional revelou dimensões normais
das cavidades, boa função ventricular, doença ligeira da
válvula tricúspide e massa volumosa esférica (Fig. 1),
pediculada, aderente ao sulco aurículo-ventricular posterior, ocupando grande parte da aurícula direita, cujo
movimento comprometia a função da válvula tricúspide.
Pequeno derrame pericárdico. A ecografia transeofágica
peri-operatória revelou massa constituída por 2 lobos de
dimensões diferentes.
FIG. 1 — Ecografia cardíaca demonstrando massa intracardíaca
volumosa.
Foi submetido a cirurgia cardíaca sob circulação
extracorporal com remoção total de massa com 3.8 x 3.8
cm de diâmetro (Fig. 2). O exame anatomopatológico
e histológico confirmou o diagnóstico de mixoma cardíaco.
O pós-operatório decorreu sem complicações e 6
meses após o diagnóstico a criança estava excelente, o
seguimento ecocardiográfico revela boa contractilidade
cardíaca e ausência de massa tumoral residual.
A ecografia bidimensional dos pais não mostrou
alterações.
FIG. 2 — Exame anatomopatológico do mixoma cardíaco.
Discussão
Os mixomas são tumores benignos, de origem subendotelial, que se desenvolvem a partir das células embrionárias primitivas, multipotentes, descendentes do blastema
cardíaco primitivo, pelo que a fossa ovale é normalmente
o local de sequestração (8). Segundo alguns autores, o
mixoma poderá provir de um trombo mural organizado,
modificado por forças mecânicas (1).
O mixoma atrial direito corresponde a 1% dos tumores cardíacos primitivos primários na criança e é pouco
comum na idade pré-escolar (9). A predominância no
sexo feminino descrita no adulto não está definida na
criança (9).
O quadro clínico resulta da obstrução do fluxo sanguíneo através das válvulas aurículo-ventriculares, fenómenos tumorais embólicos nomeadamente coronários e
cerebrais, e sinais sistémicos (febre, anorexia, perda de
peso, exantema, artralgias). Episódios recorrentes de síncope e morte súbita estão também descritos (2). Ocasionalmente podem ser assintomáticos (1).
O quadro clínico da nossa criança está relacionado
com disfunção da válvula tricúspide tal como é descrito
nos doentes com mixoma auricular direito.
Existem formas familiares descritas mas são excepcionais. Alguns autores colocam a hipótese de transmissão
genética autossómica dominante pelo que é importante
excluir pela ecografia a existência de massa intracardíaca
nos pais e fratrias. Raramente aparece associado a cardiopatia congénita (8). O mixoma cardíaco complexo pode
surgir em associação com lêntigo cutâneo-mucoso, adenoma pituitário e síndrome de Cushing (2), o que não foi
observado no nosso doente. Este tipo de mixoma não
difere histologicamente do mixoma isolado (8).
A anemia normocítica normocrómica e a moderada
elevação da proteína C reactiva resulta do processo infla-
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matório crónico que existe em 20% dos mixomas da
aurícula direita (8). Pode surgir anemia hemolítica resultante da destruição mecânica dos glóbulos vermelhos
pelo tumor (2) . O nosso doente apresentava anemia microcítica e hipocrómica associada a processo carencial.
O aumento da interleucina 6 sérica está relacionada com
as manifestações sistémicas de doença crónica (2) .
A ecografia bidimensional é um meio de diagnóstico
sensível para a detecção de massas intracardíacas. A ecografia transeofágica na população pediátrica é mais informativa quanto ao local de inserção e permite a diferenciação com a existência de trombo (9) . O doppler mostra
as características obstrutivas do tumor ou a disfunção
válvular (4).
Estes tumores são histologicamente benignos e não
invadem as camadas subendocárdicas (9) .
A cirurgia do mixoma cardíaco tem 5% de mortalidade (1). A recorrência não é comum, está associada a
ressecção incompleta ou a múltiplos focos não reconhecidos (2). O prognóstico a longo prazo após ressecção
cirúrgica é óptimo.
Numa criança com sinais de insuficiência cardíaca
congestiva, sistémicos ou fenómenos embólicos não explicados, é necessário um elevado índice de suspeição
clínica (w) para o diagnóstico.
Os poucos casos de mixoma cardíaco descritos na
literatura podem ser atribuídos não só à raridade do tumor
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na criança mas também à falta de suspeição clínica ou a
diagnósticos não realizados atempadamente.
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