Carollina Casotti de Moraes1; André Altemiro Zanotti Mendes1; Jaqueline Rossi Marim1; Klissia Ferraço Malanquini1; João Miguel Malta Dantas2 1) Médicos residentes do serviço de Clínica Médica do Hospital e Maternidade São José, Colatina/ES. 2) Médico preceptor da residência de Clínica Médica do Hospital e Maternidade São José, Colatina/ES. INTRODUÇÃO Os tumores cardíacos primários têm sua existência conhecida de longa data, porém apresentam grande dificuldade diagnóstica e terapêutica devido aos poucos estudos disponíveis e à baixa incidência dessa patologia, que representa cerca de 0,02% dos tumores. Destes, cerca de 75% são benignos e 25% malignos1,2. Os mixomas são os tumores cardíacos primários mais comuns em adultos. Cerca de 75% de todos os mixomas são encontrados no átrio esquerdo e 18% no átrio direito5. RELATO DE CASO Paciente do sexo masculino, branco, 56 anos, sem comorbidades, etilista social e tabagista há 30 anos. Referenciado para investigação clínica devido a quadro de dor torácica tipo aperto aos esforços habituais, associada à dispneia, cansaço, tontura, lipotímia e um episódio de síncope, há seis meses. Ao exame físico o paciente não apresentava alterações. Pressão arterial 100/90 mmHg, frequência cardíaca 88 bpm. Ausculta respiratória sem alterações. Ecocardiograma transtorácico na admissão evidenciou tumoração sólida no interior do átrio esquerdo, pouco heterogênea, aderida ao septo secundum (fossa oval), pedunculada, medindo 6,6 x 2,3 x 3,5 cm, com ampla movimentação em direção à valva mitral na diástole, com obstrução importante e transitória da mesma, gerando estenose de grau moderado. Cineangiocoronariografia pré-operatória revela Artéria Coronária Direita com lesão focal de 50% seguida de lesão excêntrica de 75% em terço médio; Tronco Coronária Esquerda sem lesões oclusivas; Artéria Descendente Anterior com irregularidades parietais e imagem sugestiva de ponte miocárdica em terço médio e Artéria Circunflexa com lesão focal de 60% em terço médio. Submetido a exérese de tumor cardíaco associado a ponte safena para coronária direita, sem intercorrências, com tempo de circulação extracorpórea de 85 minutos. O material foi enviado para análise histopatológica, que confirma o diagnóstico de mixoma. Evolui no pós-operatório com derrame pleural à direita, sendo realizada toracocentese de alívio com drenagem de 500 ml de líquido sero-hemático e sem recidiva. Ecocardiograma de controle demonstra ventrículo esquerdo com movimentação septal anômala, função sistólica global preservada e função diastólica normal; ventrículo direito com função sistólica preservada; valva mitral sem alterações morfológicas, com insuficiência mitral mínima; valva tricúspide sem alterações morfológicas, com insuficiência mínima, demais valvas sem alterações; pericárdio de aparência normal, sem derrames; septo inter-atrial espessado, com aspecto pós manipulação cirúrgica, sem sinais de shunts. Alta hospitalar no décimo dia de pós operatório, sem queixas clinicas, sem déficits neurológicos focais, ausculta respiratória sem alterações. Ao exame físico bradicardia sinusal assintomática, com pressão arterial 130/70 mmHg. DISCUSSÃO Mixoma é um raro tumor cardíaco primário benigno que se origina das células endocárdicas, principalmente na área da fossa ovalis e ocasionalmente no tecido subendocárdico da parede atrial das válvulas cardíacas3,5. Esses tumores crescem em pedículos, na forma de pólipos, que se prolongam para dentro das câmaras cardíacas. Embora os mixomas cardíacos sejam histologicamente benignos, eles podem ser fatais devido a sua posição. Em casos extremos, a cavidade pode ser preenchida pela massa tumoral e pode estar coberta por trombos4,5,6. Mixomas têm um diâmetro médio de 5 a 6 cm, podendo chegar a 15 cm5. Estes tumores podem ser familiares e raramente são associados a outras anormalidades sistêmicas3. A média de idade em que ocorre é 56 anos e 70% são do sexo feminino. Algumas publicações mostravam uma prevalência de doença coronariana associada entre 0 e 11%. Contudo, dois trabalhos atuais mostram valores entre 20,3% e 36,6%, mais compatíveis com a faixa etária desses pacientes, quando há um maior percentual de fatores de risco para aterosclerose9,10. Os mixomas são de crescimento lento e os sintomas quando presentes, são inespecíficos. A presença de sintomas de doença coronariana nesses pacientes pode ser explicada, em muitos casos, pela embolização de fragmentos do tumor. A média de idade alta e a concomitância de outros fatores de risco para aterosclerose tornam a presença de coronariopatia uma importante possibilidade diagnóstica9,10. Os grandes mixomas podem prolapsar para o orifício da valva mitral durante a diástole ou podem obstruir o fluxo sanguíneo do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo e simular estenose mitral reumática3. A infiltração do tumor na parede do coração pode produzir sintomas de cardiomiopatia hipertrófica ou restritiva, com apresentação clínica de insuficiência cardíaca7 A remoção cirúrgica é curativa, embora os mixomas possam ser múltiplos ou recidivar em cerca de 5% dos casos. É recomendado sempre inspecionar todas as câmaras do coração para excluir a presença de novos tumores. A ecocardiografia pós-operatória de acompanhamento é recomendada3,8. No nosso serviço é de fundamental importância que seja realizada coronariografia pré-operatória em todos os pacientes submetidos a cirurgia cardíaca com mais de 40 anos, história de coronariopatia ou sintomas anginosos. CONCLUSÃO A presença do mixoma atrial em paciente com quadro de síncope aliado à doença arterial coronariana confere a este caso um requinte, pois na literatura a associação entre estas duas entidades é pouco explorada. Sabemos que o tratamento cirúrgico se configura o tratamento de eleição para a resolução do caso descrito, com elevada taxa de sucesso e com boa evolução clinica. Fig.1: Imagem ecocardiográfica demonstrando importante tumoração aderida à válvula mitral. Fig.2: Coronariografia evidenciando lesão em Artéria Coronária Direita. Fig.3: Aspecto macroscópico do tumor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- CHITWOOD W.R, et al. Clarence Crafoord and the first successful resection of a cardiac myxoma. Ann Thorac Surg 1992; 54: 997–8. 2- MCALLISTER H, et al. 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Role of coronary angiography in myxoma patients: a 14-year experience in one medical center. Cardiology. 1999; 92:232-5. Contato: Carollina Casotti de Moraes – Email: [email protected]