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Economia Solidária e Desenvolvimento.
*Carlos Schmidt
1)Introdução:
Parece que se estabelece no momento atual de crise uma mudança
de hegemonia do pensamento econômico. Pudera! A força da
realidade é tão avassaladora que só alguns empedernidos não
reconhecem a necessidade de algum nível de intervenção do Estado,
nem que seja para salvar os interesses dos que outrora viam no
Estado apenas um garantidor da ordem.
No entanto, passada a tormenta, em particular no Brasil, onde
causou mais medos que estragos1, tudo volta a ser como “Antes no
quartel de Abrantes”. Os mesmos tenores do neoliberalismo com sua
audiência multiplicada pela mídia corporativa alertam contra a
intervenção do Estado. O que é mais preocupante é que grande parte
dos heterodoxos intimidados no passado pela avalanche ortodoxa,
que tiveram coragem efêmera para defender suas convicções na
crise, voltam a assumir posições de cautela, postulando sempre
medidas tópicas que não afetam a arquitetura do pensamento
ortodoxo.
Nós, na contramão dessas idéias elegantes e bem comportadas
veiculadas nos saraus dos economistas, vamos argumentar no
sentido da mudança sistêmica, em particular, situando o papel da
Economia Solidária na referida mudança sistêmica.
Vemos a Economia Solidária como uma parte de uma totalidade em
movimento, onde os espaços abertos pelas crises do sistema
permitem introduzir cunhas, mas que não são auto-referenciados.
Ao contrário de alguns formuladores Pós-Modernos da Economia
Solidária (LAVILLE, 2006) não há vemos fechada em si mesma,
criando espaços “legais” de convivência, construindo identidades
fragmentadas.
Recusamos como Bensaid “As solidariedades que se desfazem na
decomposição do “eu múltiplo”2 e nas subjetividades pulverizadas de
uma socialização em migalhas (Bensaid, 2008, p. 85) Mesmo por que
dessa forma, a Economia Solidária não vai sair da sua posição
marginal, e muitas vezes indigente, se não construir elos e uma
pauta comum com o conjunto dos explorados (Schmidt,2002).
A Economia Solidária tanto no que se refere aos demais
trabalhadores como no conjunto da sociedade, precisa conquistar
apoio para se afirmar. Como diz Polanyi “as oportunidades das
classes em luta dependerão da sua habilidade em ganhar apoio fora
da sua coletividade, e isso dependerá da possibilidade de executarem
tarefas estabelecidas por interesses mais amplos que o seu próprio.
(Polanyi, 2000, p. 185)
Por isso há necessidade de a Economia Solidária demonstrar que é
funcional para o desenvolvimento, não aquele apenas identificado
com o crescimento econômico, mas o desenvolvimento que também
distribui renda e riqueza, atende aos Direitos Humanos, preserva a
natureza e aprofunda a democracia.
Este texto contará de quatro seções. A primeira é esta introdução, a
segunda relaciona a Economia Solidária com um campo de
possibilidades aberto pela crítica da razão utilitária. A terceira trata
da relação da Economia Solidária com a forma de desenvolvimento
antes descrita e a quarta será composta de considerações finais.
2) Crítica à razão utilitária
Todo o edifício neoclássico se fundamenta na presunção que o que
move o ser humano é o seu interesse individual. O tipo ideal,o “
homem econômico” busca sempre maximizar seu interesse individual.
Este sempre foi e sempre será assim e em qualquer lugar do planeta.
A trajetória de cada povo não conta. Mesmo “___” o funcionamento
da economia como um todo do é o resultado da agregação da ação
de indivíduos que operam segundo a lógica antes descrita, e resulta
no mercado livre.
Segundo os neoclássicos qualquer entrave que a sociedade coloca ao
funcionamento do livre mercado, que é a expressão da liberdade de
escolha dos indivíduos, resulta em “disfunções” e crise e acaba
cobrando seu preço da própria sociedade.
A liberdade dos indivíduos negociarem seus ativos, Capital ou força
de trabalho, não supõem qualquer assimetria entre eles (os
indivíduos) e só é resultado de suas escolhas livres.
Marx, que tem outra perspectiva, insere sua análise da economia
capitalista numa perspectiva histórica, onde em um processo
determinado de acumulação primitiva se cristaliza a separação entre
os proprietários dos meios de produção e entre aqueles que só
possuem sua força de trabalho.Estes primeiros tem que vender sua
força de trabalho para os primeiros cuja motivação é maximizar a
taxa de lucro (o lucro sobre o capital investido reportado a um
intervalo de tempo)
A lógica dos vendedores da força de trabalho é a sobrevivência, e
dada uma dinâmica observada, que quase sempre a oferta de
trabalho é maior que sua demanda, se produz um exército de reserva
de força de trabalho que pressiona o seu valor para baixo, para o
nível da sobrevivência. Assim a relação entre trabalhadores e
capitalistas é assimétrica.
O que é considerado como custo de reprodução da força de trabalho
varia segundo as lutas sociais e a história das formações econômicas
sociais. O componente histórico de reprodução da força de trabalho
se ampliou para além da sobrevivência biológica dos trabalhadores
nos países mais desenvolvidos.
As sociedades construíram, a partir dos conflitos de classe e de sua
história, instituições que regulam a relação salarial (Boyer,1986) que
se relacionam com seu regime de acumulação e, na perspectiva dos
trabalhadores, vivem avanços e recuos, conforme o momento
histórico.
O problema da visão marxiana é que ela não abre espaço para
motivações da ação humana que não seja o interesse, agora
coletivizado e referido ao interesse de classe (Caillé,2009) Os
marxianos na sua maiores são prisioneiros da lógica do interesse,
quando percebem a gênese do mercado como uma evolução natural
a partir de comportamentos espontâneos das pessoas, sem valorizar
devidamente as intervenções extraeconômicas na constituição e
consolidação dos mercados (Hood,2001 e Polanyi, 2000).
Existe um grupo de intelectuais organizados em torno da revista
MAUSS3, que vem desenvolvendo um programa de pesquisa
questionador da denominada razão utilitária. Com base em pesquisa
de antropólogos, etnólogos e inclusive na neurociência, postulam
outras lógicas motivadoras da ação humana em geral e econômica,
em particular.
Em muitas transações de bens realizados em sociedades arcaicas, o
centro da transação não era o bem, e sim a relação entre as pessoas.
Desenvolvia-se uma dinâmica de dádiva e reciprocidade que se
distancia fortemente do interesse material (Caillé,2009). Ao contrário
dos cálculos dos agentes que estão na base da lei do valor, quando
as trocas são feitas no registro do interesse material.
A empatia entre seres humanos constatada pela neurociência e
estudos etnológicos e antropológicos (Caillé,2009) sustenta relações
entre os homens que escapam a lógica da ação utilitária, pode-se
assim desenvolver comportamentos comunitaristas excludentes e
xenofóbicos, contrariando o cálculo econômico, mas também abre
espaço para a cooperação e a solidariedade.
O que hoje é denominado economia solidária, que tem a autogestão
no seu ethos, pode ser vista sob o prisma da emergência das
características comportamentais do comportamento humano antes
descrito.
Uma síntese possível do questionamento da razão utilitária com o
pensamento marxiano seria considerar o interesse de classe como um
vetor da luta pela transformação, e os comportamentos não utilitários
como a base para novas relações de produção baseadas na
cooperação e solidariedade.
A existência de um longo período de vigência do sistema capitalista
reifica suas relações de produção, onde os assalariados, se por um
lado trabalham para sobreviver e estão excluídos do cálculo
maximizador associado aos proprietários do capital, se submetem à
disciplina do Capital.
Os trabalhadores das empresas de economia solidária, que o Capital
excluiu do mercado de trabalho, num processo lento e muitas vezes
penoso, tendem a assumir o comportamento cooperativo e solidário4
(Vieitez, Dal Ri,2001).
Esta trajetória entre a “mentalidade de firma” e a de trabalhador
autogestionário é complexa e depende de vários fatores5, que
interagem entre si de uma forma bem diferente do esquematismo
proposto pela teoria dos jogos no seu “clássico do lema do
prisioneiro”. A decisão de cooperar não é vinculada apenas ao
interesse individual, e a confiança desenvolvida entre os membros
dos coletivos é fundamental.
Numa perspectiva mais ampla podemos considerar a possibilidade
que reiteradas crises do sistema capitalista acompanhadas de suas
mazelas (desemprego, violência, degradação ambiental, etc) abram
espaço para o questionamento radical do sistema e a sociedade possa
se voltar para alternativas radicalmente diferentes. Certamente as
experiências da economia solidária podem constituir um germe de
novas relações de produção para o conjunto da sociedade.
3) Economia Solidária e Desenvolvimento
3.1) Como dissemos anteriormente, existem várias concepções de
desenvolvimento, a mais representativa da economia standard é a de
Rostow. Nesta, cada nação deveria passar por um conjunto de etapas
que são as mesmas pelas quais transitaram as nações hoje
presumidas desenvolvidas. (Herlein, Schmidt)
Esta concepção além de identificar desenvolvimento com crescimento
econômico não reflete a realidade, na medida em que o
relacionamento econômico entre países dentro do quadro capitalista
interfere na sua trajetória econômica. O conceito de desenvolvimento
desigual e combinado que tanto reflete a articulação entre países
como entre regiões de um país, como ainda das diferentes relações
sociais de produção existentes, mostram a funcionalidade para o
capitalismo hegemônico das formas “atrasadas” no seu processo de
acumulação (Lowyn,M.2002).
No que se refere ao Brasil, ao analisar o comportamento da burguesia
brasileira, Florestan Fernandes afirmou que “ela se comporta, por
igual, com tudo que lhe fosse vantajoso: e para ela era vantajoso
tirar proveito dos tempos desiguais e da heterogeneidade da
sociedade brasileira, mobilizando as margens que decorriam tanto do
“atraso” (Fernandes,1975 p. 204)
Esta burguesia que se constitui em sócio menor do capitalismo
mundial hegemonizado pelos países “desenvolvidos”, se articulava
com a oligarquia e forças do “atraso” para reprimir as aspirações
populares. Cedia parte do excedente criado pelas atividades por ela
comandadas para o Capital monopolista internacional (Fernandes,
2008), reprimia as reivindicações dos setores que poderiam, como foi
o caso dos países “desenvolvidos”, construir um mercado ampliado
para seus produtos.
Se as formas de associação com o capital internacional e sua inserção
no mercado mundial se altera com o tempo como diz Lipietz, com
razão (Lipietz,1988), elas permanecem marcadas pela subordinação
que o termo forma de adesão ao regime internacional, cunhado pelos
regulacionistas para caracterizar a forma institucional que dá conta
das relações econômicas internacionais dos países, não permite
representar as assimetrias existentes.
Em países periféricos do porte da Argentina, Brasil e México se
ensaiou através de um processo denominado substituição de
importações, a endogenização da dinâmica de acumulação, o que
resultou em expansões econômicas espasmódicas (algumas de
duração relativamente longa) mas sempre esbarram no estreito
mercado interno.
Com toda a ambiguidade que comporta o conceito de “fordismo
periférico” (Lipietz,1988), este evidencia que a penetração do
fordismo no chão de fábrica nos países periféricos não implica na
mudança da forma institucional relação salarial, que, articulada com
outras formas institucionais constituem um modo de regulação que
permitiu o desenvolvimento intensivo da acumulação do capital nos
países centrais, durante quase 30 anos do pós-guerra.
No Brasil, em particular, um conjunto de reformas democráticas e
econômicas não foram realizadas pelas razões evocadas antes por
Florestan Fernandes. As tentativas tímidas de Vargas e de Goulart se
traduziram no suicídio de um e na disposição do outro.
O próprio regime militar assumiu algumas tarefas de autonomização
da economia brasileira, mas também esbarrou tanto na estreiteza do
mercado interno6 e na submissão ao Imperialismo, quando aceita as
condições de pagamento da dívida externa7.
A burguesia brasileira mais uma vez confirma as teses de Florestan
Fernandes, apóia a intervenção estatal quando lhe convém, mas no
momento que está no seu imaginário, parece avançar sobre seus
espaços de valorização do Capital, promove forte oposição8. Por
outro lado, apesar das condições draconianas de pagamento de dívida
externa, impostas pelo imperialismo e seus organismos de apoio
(FMI, Banco Mundial), não hesita em apoiar os ditames do Capital
internacional.
Após o período de impasse e crise da década de 80 (década perdida)
finalmente emerge o neoliberalismo no Brasil e o desenvolvimento sai
de moda, mesmo aquele associado ao crescimento econômico. A
pauta é estabilidade econômica, competitividade, abertura comercial
e do mercado de capitais, privatizações, desregulamentação do
mercado de trabalho, e não intervenção do estado. A prosperidade é
vista com conseqüência desta contra reforma.
Depois de um período de aumento do desemprego, de instabilidade
econômica, surge um governo (do presidente Lula) que parece
disposto a alterar esse quadro. No entanto o que acontece é que
apesar de algumas mudanças tópicas é mantida a arquitetura
macroeconômica anterior e, sobretudo, o quadro de concentração de
renda e da riqueza9.
Assim, um processo de desenvolvimento verdadeiramente inclusivo,
implica em completar tarefas democráticas, ou seja, uma agenda de
reformas (e não as contra reformas liberais) como a agrária, urbana,
democráticas (uma verdadeira carta dos direitos sindicais) tributária
(progressivas em relação á renda e o patrimônio), estas todas
postuladas no passado e não realizadas. Ao mesmo tempo se atualiza
a agenda das reformas, com mecanismos de participação direta da
população não só no plano local como nacional e acesso aos meios de
comunicação por parte das organizações populares.
Por outro lado deve apostar em outra macroeconomia, na qual a
estabilidade seja resultado do planejamento, onde a política industrial
possa se antecipar aos focos de tensão inflacionária, o movimento de
capitais e o cambio seja controlado pelo Estado, onde o rentismo seja
desestimulado e os bancos sob o controle público.
A integração regional deveria ser aprofundada, uma verdadeira
integração dos povos, onde os direitos sociais sejam ampliados e
homogeneizados. A integração econômica deveria ser aprofundada e
políticas de fomento de corte latino americano deveriam incluir no
processo de desenvolvimento regiões pouco desenvolvidas de
qualquer país da comunidade latino americana (Faria, 2004).
Seria necessário repensar a produção e o consumo, bem como a
agenda tecnológica compatível com este novo perfil produtivo,
compatível com as necessidades da maioria da população, incluindo
fortemente as preocupações ambientais e com a saúde da população,
no processo produtivo.
O conceito de “viver bem” difundido entre alguns povos indígenas da
América latina, pode apontar elementos importantes para construir
um novo paradigma de produção e consumo10.
Todas estas questões e outras que configuram o desenvolvimento
inclusivo, com justiça social, democrático e preservador do meio
ambiente, têm que ser confrontadas com sua possibilidade de
realização. Florestan levantava dúvidas que uma mudança
democrática na ordem burguesa fosse possível, nos marcos dessa
própria ordem, quiçá uma atualização ampla da agenda de
mudanças, tal como propusemos.
A evolução do capitalismo nesta virada de milênio coloca para todo o
planeta impasses que exige, cada vez mais, a necessidade de
mudanças, como as que nos referimos anteriormente. Nem a crise
que está instalada provocou alterações significativas nas formas de
regulação do sistema, nem no plano econômico e social, como
também no ambiental. A conferência de Copenhagen foi um fracasso.
A humanidade caminha para uma catástrofe social, econômica e
ambiental, ou as forças da mudança começam a ganhar terreno e
conseguem ganhar os corações e mentes para a necessidade de
alterar radicalmente as lógicas destrutivas.
Discutir topicamente, como em geral fazem os economistas inclusive
os críticos, não vai adiantar. As experiências de atuação na margem
acabam soterradas pela avalanche de acontecimentos sistêmicos.
Assim vemos como dissemos antes que, economia solidária pode ser
um vetor de mudanças, mas nada adiantará se ela não estiver
inserida num programa e numa aliança mais ampla com os demais
setores populares.
3.2) Para realizar uma aliança mais ampla e contribuir para a
mudança e para o desenvolvimento tal como nos referimos
anteriormente, a economia solidária precisa demonstrar que defende
interesses mais amplos que os participantes dela própria, conforme
postulações de Polanyi na introdução desse texto.
Num estudo amostral realizado (Vieitz, Dal Ri,2001) aparece a
distinção entre as empresas de economia solidária (Ecosol) e as
empresas capitalistas quanto ao seu objetivo. Embora tanto uma
quanto outra sejam constrangidas a acumular capital para sobreviver
em um ambiente concorrencial, os agentes econômicos na Ecosol tem
com objetivo a manutenção do seu posto de trabalho e fonte de
renda11, desta forma se diferencia dos capitalistas que buscam a
acumulação individual de capital, inclusive e, principalmente, na
forma de liquidez.
Portanto, dificilmente uma empresa de Ecosol vai lançar seus
excedentes na especulação financeira e sim investir na melhoria do
aparato produtivo, melhorias das condições de trabalho e das
condições de vida dos seus associados de forma direta (gastos de
consumo) ou indireta (fundos de pensão, assistência médica)
Portanto, predominantemente na economia real.
Assim, ao contrário das empresas capitalistas que tem se lançado na
especulação, estimuladas pelo ambiente financiarizado da economia
atual, as empresas de Ecosol não contribuem para instabilidade
econômica decorrente das operações especulativas, mas estimulam a
economia real, aquela geradora de emprego. Este já é um ponto de
convergência com os interesses dos trabalhadores e de amplos
setores da sociedade, mais ainda através de efeitos diretos, pelos
empregos que gera e indiretos pelas suas demandas ao restante da
economia, contribui para a o pleno emprego, e consequentemente
para a diminuição do exército industrial de reserva, que aumenta o
poder de barganha dos trabalhadores do setor privado.
Outra dimensão importante da economia solidária é a demonstração
de que as empresas podem funcionar sem a tutela do Capital, fato já
ressaltado por Marx em sua época (Bourdet). Para os objetivos
históricos dos trabalhadores, a demonstração da viabilidade da
autogestão é fundamental, na medida que o senso comum só
concebe a heterogestão como capaz de conduzir a gestão das
empresas.
Pode-se dizer que uma das razões do fracasso dos regimes ditos
socialistas foi a ausência de democracia, principalmente na gestão da
economia tanto no plano micro quanto macroeconômico. Nestes
casos houve a transformação nas relações de propriedade e não nas
relações de produção. Nas empresas imperava a heterogestão de
prepostos do partido único no poder, numa relação por vezes mais
despótica que na economia capitalista.
Cabe ressaltar a exceção yougoslava (Samary,1988) que por razões
diversas se desconectou do modelo estalinista e atribuiu às empresas
ampla margem de autonomia em regime de autogestão. No entanto,
grande parte do excedente da economia era captado por organismos
centralizados, que operava a redistribuição de parte significativa
deste através do sistema bancário oficial, de acordo com critérios
estabelecidos por um plano nacional, este infelizmente elaborado de
forma autoritária segundo as diretrizes do partido único no poder,
isto é, a autogestão parava na porta das empresas. Na sequência, se
reduziu o papel do planejamento e se introduziu o mercado com o
critério econômico, o que se revelou um fracasso, permanecendo o
controle político da burocracia e o debate bloqueado pela falta de
democracia.
Sem esgotar as possibilidades da Ecosol, vamos, por último, ressaltar
o potencial de desenvolvimento da empresa pela autogestão. A
produtividade, a redução de custos, a qualidade também é resultado
do engajamento dos trabalhadores (Singer ) que mobilizam sua
criatividade para enfrentar os problemas que surgem. A pesquisa já
referida (Vieitez, Dal Ri, 2001) indica, inclusive, que as empresas de
Ecosol tendem aplicar uma parte significativa do excedente em
investimento. A autogestão desenvolvida plenamente implica em
desalienação do trabalho, ainda que limitada pela inserção da Ecosol
em um ambiente capitalista.
3.3) A condição de desenvolvimento da Ecosol é que ela não se isole
na resolução de seus problemas imediatos. Ao se colocar no seio dos
movimentos sociais que tem a perspectiva da mudança sistêmica, a
Ecosol constrói alianças que permite seu desenvolvimento no
presente.12
No Brasil a Economia solidária tem uma expressão significativa em
termos do número de participantes13, mas que proporciona
rendimentos muito baixos para os mesmos. Cerca de 50% retira até
meio salário mínino e 26, 1% recebem de meio até um salário
mínimo (atlas da Ecosol, 2005) Por esses dados verificamos que
muitas vezes a economia solidária não é uma opção para seus
trabalhadores mas a única alternativa ao desemprego, é a razão
evocada por 45% dos participantes (idem, 2006) ou ainda da
complementação de renda (44% dos participantes). Isto significa que
a Ecosol ajuda a manter o exército industrial de reserva ou
complementa renda oriunda das transferências sociais do governo ou
ainda completa as necessidades daqueles que recebem baixos
salários em atividades assalariadas.
Por outro lado as principais dificuldades apontadas pelas empresas de
Ecosol foram por ordem, comercialização (61%), acesso ao crédito
(49%) e assistência técnica (27%). Certamente a Ecosol não sairá da
indigência e não poderá desenvolver suas potencialidade sem uma
forte política afirmativa do Estado que enfrente os principais gargalos
da Ecosol acima apontados. O Estado brasileiro foi sempre pródigo
em usar fundos públicos para apoiar o capital privado. Do ponto de
vista do interesse da sociedade acreditamos ter demonstrado
anteriormente a importância de apoiar a Ecosol.
Assim o Estado como é uma importante fonte de demanda de bens e
serviços pode dar prioridade a Ecosol nas suas compras, desta forma
criando um mercado regulado que pode proporcionar escala que
permita a Ecosol participar do mercado concorrencial14.
Do nosso ponto de vista a questão do crédito e a massiva assistência
técnica poderia ser executada pelas instituições oficiais de crédito. Os
bancos públicos que tem uma capilaridade que cobre todo o território
nacional, deveriam consagrar parte dos seus lucros para criar fundos
e criar estruturas no seu interior que lhes permitisse desenvolver o
crédito assistido. Uma forma de atribuição de crédito de eficácia
comprovada, que poderia ser estendida às microempresas e as
empresas de Ecosol. Estes bancos têm um corpo funcional de boa
qualificação que, com formação complementar, poderia perfeitamente
dar conta dessa nova atividade. Esta prática permitiria a estes bancos
se adequar à seus plenos estratégicos, onde sua função social é
propalada e na prática atrofiada.
As incubadoras das Universidades (ITCPs) teriam o papel de
desenvolver metodologias e uma reflexão mais ampla sobre as
empresas de Ecosol e sobre o setor no seu conjunto e as entidades
de apoio já existentes teriam um papel complementar na assistência
técnica.
O não isolamento da Ecosol significa proteger a Ecosol da
concorrência desenfreada das empresas capitalistas. Já vimos
anteriormente que as ações afirmativas do Estado nos planos da
comercialização, crédito e assistência técnica têm esse papel. Outra
forma é aumentar a relação econômica entre as empresas de Ecosol,
procurando formar cadeias produtivas onde a do algodão ecológico no
Brasil é exemplar. Sabemos que no sistema capitalista sempre há
transferência de excedentes das empresas menos intensivas em
Capital para as mais intensivas15, fato esse acentuado pelo
crescimento dos oligopólios e monopólios, por isso é importante que
a Ecosol se diversifique e que busque com os demais trabalhadores a
melhoria das condições de reprodução da força de trabalho, evitando
que a concorrência implique no rebaixamento da condição de vida dos
trabalhadores das empresas de Ecosol.
Não concordamos que a Ecosol seja um dos pólos de uma economia
e, de uma sociedade à duas velocidades. A Ecosol deve estar
presente em todos os ramos da economia, inclusive o de alta
tecnologia, onde seus membros podem ser trabalhadores intelectuais
que produzam conhecimento, que esperamos que seja pautado por
uma agenda tecnológica diferente da pauta do capitalismo predador.
Esta e outras questões precisam ser discutidas para que a Ecosol
possa cumprir o papel que lhe cabe numa sociedade que vive
problemas no presente e principalmente no futuro de grande
gravidade.
4) Considerações finais
O nosso texto seguiu a seguinte linha de raciocínio. Em primeiro lugar
tratamos de estudos que demonstram a existência de outras lógicas
econômicas diferentes daquela do interesse individual, o que no
nosso entender abre espaço para moderna cooperação entre os
produtores diretos, representada pela economia solidária. Em
segundo lugar mostramos, apoiados em estudos e na dedução, que a
Ecosol é mais adequada ao desenvolvimento inclusivo, justo e
respeitador do meio ambiente. Finalmente procuramos demonstrar
que a Ecosol poder ser um dos vetores de mudança da sociedade, à
condição de no plano tático e estratégico se associar aos movimentos
sociais que buscam a mudança radical da sociedade. Vimos também
que estas articulações abrem espaço para a afirmação presente da
Ecosol, através da postulação de políticas públicas para o setor.
A humanidade encontra-se numa disjuntiva, ou muda radicalmente a
forma de encarar a natureza e as relações de produção e consumo,
ou vai sucumbir mais cedo ou mais tarde a catástrofes naturais,
econômicas e sociais.
A economia capitalista produziu recentemente outra catástrofe, o
nazifascismo, que foi superado provisoriamente com um custo
altíssimo para a humanidade. Talvez agora não tenhamos tanta sorte.
Cabe aos intelectuais, teorizar sobre saídas que tenham aderência
com a realidade. Acreditamos haver demonstrado que a Ecosol é um
dos elementos desta busca por uma vida melhor para evitar a
barbárie.
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* C. Schmidt, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da
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Furno.
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