Economia Solidária e Desenvolvimento. *Carlos Schmidt 1)Introdução: Parece que se estabelece no momento atual de crise uma mudança de hegemonia do pensamento econômico. Pudera! A força da realidade é tão avassaladora que só alguns empedernidos não reconhecem a necessidade de algum nível de intervenção do Estado, nem que seja para salvar os interesses dos que outrora viam no Estado apenas um garantidor da ordem. No entanto, passada a tormenta, em particular no Brasil, onde causou mais medos que estragos1, tudo volta a ser como “Antes no quartel de Abrantes”. Os mesmos tenores do neoliberalismo com sua audiência multiplicada pela mídia corporativa alertam contra a intervenção do Estado. O que é mais preocupante é que grande parte dos heterodoxos intimidados no passado pela avalanche ortodoxa, que tiveram coragem efêmera para defender suas convicções na crise, voltam a assumir posições de cautela, postulando sempre medidas tópicas que não afetam a arquitetura do pensamento ortodoxo. Nós, na contramão dessas idéias elegantes e bem comportadas veiculadas nos saraus dos economistas, vamos argumentar no sentido da mudança sistêmica, em particular, situando o papel da Economia Solidária na referida mudança sistêmica. Vemos a Economia Solidária como uma parte de uma totalidade em movimento, onde os espaços abertos pelas crises do sistema permitem introduzir cunhas, mas que não são auto-referenciados. Ao contrário de alguns formuladores Pós-Modernos da Economia Solidária (LAVILLE, 2006) não há vemos fechada em si mesma, criando espaços “legais” de convivência, construindo identidades fragmentadas. Recusamos como Bensaid “As solidariedades que se desfazem na decomposição do “eu múltiplo”2 e nas subjetividades pulverizadas de uma socialização em migalhas (Bensaid, 2008, p. 85) Mesmo por que dessa forma, a Economia Solidária não vai sair da sua posição marginal, e muitas vezes indigente, se não construir elos e uma pauta comum com o conjunto dos explorados (Schmidt,2002). A Economia Solidária tanto no que se refere aos demais trabalhadores como no conjunto da sociedade, precisa conquistar apoio para se afirmar. Como diz Polanyi “as oportunidades das classes em luta dependerão da sua habilidade em ganhar apoio fora da sua coletividade, e isso dependerá da possibilidade de executarem tarefas estabelecidas por interesses mais amplos que o seu próprio. (Polanyi, 2000, p. 185) Por isso há necessidade de a Economia Solidária demonstrar que é funcional para o desenvolvimento, não aquele apenas identificado com o crescimento econômico, mas o desenvolvimento que também distribui renda e riqueza, atende aos Direitos Humanos, preserva a natureza e aprofunda a democracia. Este texto contará de quatro seções. A primeira é esta introdução, a segunda relaciona a Economia Solidária com um campo de possibilidades aberto pela crítica da razão utilitária. A terceira trata da relação da Economia Solidária com a forma de desenvolvimento antes descrita e a quarta será composta de considerações finais. 2) Crítica à razão utilitária Todo o edifício neoclássico se fundamenta na presunção que o que move o ser humano é o seu interesse individual. O tipo ideal,o “ homem econômico” busca sempre maximizar seu interesse individual. Este sempre foi e sempre será assim e em qualquer lugar do planeta. A trajetória de cada povo não conta. Mesmo “___” o funcionamento da economia como um todo do é o resultado da agregação da ação de indivíduos que operam segundo a lógica antes descrita, e resulta no mercado livre. Segundo os neoclássicos qualquer entrave que a sociedade coloca ao funcionamento do livre mercado, que é a expressão da liberdade de escolha dos indivíduos, resulta em “disfunções” e crise e acaba cobrando seu preço da própria sociedade. A liberdade dos indivíduos negociarem seus ativos, Capital ou força de trabalho, não supõem qualquer assimetria entre eles (os indivíduos) e só é resultado de suas escolhas livres. Marx, que tem outra perspectiva, insere sua análise da economia capitalista numa perspectiva histórica, onde em um processo determinado de acumulação primitiva se cristaliza a separação entre os proprietários dos meios de produção e entre aqueles que só possuem sua força de trabalho.Estes primeiros tem que vender sua força de trabalho para os primeiros cuja motivação é maximizar a taxa de lucro (o lucro sobre o capital investido reportado a um intervalo de tempo) A lógica dos vendedores da força de trabalho é a sobrevivência, e dada uma dinâmica observada, que quase sempre a oferta de trabalho é maior que sua demanda, se produz um exército de reserva de força de trabalho que pressiona o seu valor para baixo, para o nível da sobrevivência. Assim a relação entre trabalhadores e capitalistas é assimétrica. O que é considerado como custo de reprodução da força de trabalho varia segundo as lutas sociais e a história das formações econômicas sociais. O componente histórico de reprodução da força de trabalho se ampliou para além da sobrevivência biológica dos trabalhadores nos países mais desenvolvidos. As sociedades construíram, a partir dos conflitos de classe e de sua história, instituições que regulam a relação salarial (Boyer,1986) que se relacionam com seu regime de acumulação e, na perspectiva dos trabalhadores, vivem avanços e recuos, conforme o momento histórico. O problema da visão marxiana é que ela não abre espaço para motivações da ação humana que não seja o interesse, agora coletivizado e referido ao interesse de classe (Caillé,2009) Os marxianos na sua maiores são prisioneiros da lógica do interesse, quando percebem a gênese do mercado como uma evolução natural a partir de comportamentos espontâneos das pessoas, sem valorizar devidamente as intervenções extraeconômicas na constituição e consolidação dos mercados (Hood,2001 e Polanyi, 2000). Existe um grupo de intelectuais organizados em torno da revista MAUSS3, que vem desenvolvendo um programa de pesquisa questionador da denominada razão utilitária. Com base em pesquisa de antropólogos, etnólogos e inclusive na neurociência, postulam outras lógicas motivadoras da ação humana em geral e econômica, em particular. Em muitas transações de bens realizados em sociedades arcaicas, o centro da transação não era o bem, e sim a relação entre as pessoas. Desenvolvia-se uma dinâmica de dádiva e reciprocidade que se distancia fortemente do interesse material (Caillé,2009). Ao contrário dos cálculos dos agentes que estão na base da lei do valor, quando as trocas são feitas no registro do interesse material. A empatia entre seres humanos constatada pela neurociência e estudos etnológicos e antropológicos (Caillé,2009) sustenta relações entre os homens que escapam a lógica da ação utilitária, pode-se assim desenvolver comportamentos comunitaristas excludentes e xenofóbicos, contrariando o cálculo econômico, mas também abre espaço para a cooperação e a solidariedade. O que hoje é denominado economia solidária, que tem a autogestão no seu ethos, pode ser vista sob o prisma da emergência das características comportamentais do comportamento humano antes descrito. Uma síntese possível do questionamento da razão utilitária com o pensamento marxiano seria considerar o interesse de classe como um vetor da luta pela transformação, e os comportamentos não utilitários como a base para novas relações de produção baseadas na cooperação e solidariedade. A existência de um longo período de vigência do sistema capitalista reifica suas relações de produção, onde os assalariados, se por um lado trabalham para sobreviver e estão excluídos do cálculo maximizador associado aos proprietários do capital, se submetem à disciplina do Capital. Os trabalhadores das empresas de economia solidária, que o Capital excluiu do mercado de trabalho, num processo lento e muitas vezes penoso, tendem a assumir o comportamento cooperativo e solidário4 (Vieitez, Dal Ri,2001). Esta trajetória entre a “mentalidade de firma” e a de trabalhador autogestionário é complexa e depende de vários fatores5, que interagem entre si de uma forma bem diferente do esquematismo proposto pela teoria dos jogos no seu “clássico do lema do prisioneiro”. A decisão de cooperar não é vinculada apenas ao interesse individual, e a confiança desenvolvida entre os membros dos coletivos é fundamental. Numa perspectiva mais ampla podemos considerar a possibilidade que reiteradas crises do sistema capitalista acompanhadas de suas mazelas (desemprego, violência, degradação ambiental, etc) abram espaço para o questionamento radical do sistema e a sociedade possa se voltar para alternativas radicalmente diferentes. Certamente as experiências da economia solidária podem constituir um germe de novas relações de produção para o conjunto da sociedade. 3) Economia Solidária e Desenvolvimento 3.1) Como dissemos anteriormente, existem várias concepções de desenvolvimento, a mais representativa da economia standard é a de Rostow. Nesta, cada nação deveria passar por um conjunto de etapas que são as mesmas pelas quais transitaram as nações hoje presumidas desenvolvidas. (Herlein, Schmidt) Esta concepção além de identificar desenvolvimento com crescimento econômico não reflete a realidade, na medida em que o relacionamento econômico entre países dentro do quadro capitalista interfere na sua trajetória econômica. O conceito de desenvolvimento desigual e combinado que tanto reflete a articulação entre países como entre regiões de um país, como ainda das diferentes relações sociais de produção existentes, mostram a funcionalidade para o capitalismo hegemônico das formas “atrasadas” no seu processo de acumulação (Lowyn,M.2002). No que se refere ao Brasil, ao analisar o comportamento da burguesia brasileira, Florestan Fernandes afirmou que “ela se comporta, por igual, com tudo que lhe fosse vantajoso: e para ela era vantajoso tirar proveito dos tempos desiguais e da heterogeneidade da sociedade brasileira, mobilizando as margens que decorriam tanto do “atraso” (Fernandes,1975 p. 204) Esta burguesia que se constitui em sócio menor do capitalismo mundial hegemonizado pelos países “desenvolvidos”, se articulava com a oligarquia e forças do “atraso” para reprimir as aspirações populares. Cedia parte do excedente criado pelas atividades por ela comandadas para o Capital monopolista internacional (Fernandes, 2008), reprimia as reivindicações dos setores que poderiam, como foi o caso dos países “desenvolvidos”, construir um mercado ampliado para seus produtos. Se as formas de associação com o capital internacional e sua inserção no mercado mundial se altera com o tempo como diz Lipietz, com razão (Lipietz,1988), elas permanecem marcadas pela subordinação que o termo forma de adesão ao regime internacional, cunhado pelos regulacionistas para caracterizar a forma institucional que dá conta das relações econômicas internacionais dos países, não permite representar as assimetrias existentes. Em países periféricos do porte da Argentina, Brasil e México se ensaiou através de um processo denominado substituição de importações, a endogenização da dinâmica de acumulação, o que resultou em expansões econômicas espasmódicas (algumas de duração relativamente longa) mas sempre esbarram no estreito mercado interno. Com toda a ambiguidade que comporta o conceito de “fordismo periférico” (Lipietz,1988), este evidencia que a penetração do fordismo no chão de fábrica nos países periféricos não implica na mudança da forma institucional relação salarial, que, articulada com outras formas institucionais constituem um modo de regulação que permitiu o desenvolvimento intensivo da acumulação do capital nos países centrais, durante quase 30 anos do pós-guerra. No Brasil, em particular, um conjunto de reformas democráticas e econômicas não foram realizadas pelas razões evocadas antes por Florestan Fernandes. As tentativas tímidas de Vargas e de Goulart se traduziram no suicídio de um e na disposição do outro. O próprio regime militar assumiu algumas tarefas de autonomização da economia brasileira, mas também esbarrou tanto na estreiteza do mercado interno6 e na submissão ao Imperialismo, quando aceita as condições de pagamento da dívida externa7. A burguesia brasileira mais uma vez confirma as teses de Florestan Fernandes, apóia a intervenção estatal quando lhe convém, mas no momento que está no seu imaginário, parece avançar sobre seus espaços de valorização do Capital, promove forte oposição8. Por outro lado, apesar das condições draconianas de pagamento de dívida externa, impostas pelo imperialismo e seus organismos de apoio (FMI, Banco Mundial), não hesita em apoiar os ditames do Capital internacional. Após o período de impasse e crise da década de 80 (década perdida) finalmente emerge o neoliberalismo no Brasil e o desenvolvimento sai de moda, mesmo aquele associado ao crescimento econômico. A pauta é estabilidade econômica, competitividade, abertura comercial e do mercado de capitais, privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho, e não intervenção do estado. A prosperidade é vista com conseqüência desta contra reforma. Depois de um período de aumento do desemprego, de instabilidade econômica, surge um governo (do presidente Lula) que parece disposto a alterar esse quadro. No entanto o que acontece é que apesar de algumas mudanças tópicas é mantida a arquitetura macroeconômica anterior e, sobretudo, o quadro de concentração de renda e da riqueza9. Assim, um processo de desenvolvimento verdadeiramente inclusivo, implica em completar tarefas democráticas, ou seja, uma agenda de reformas (e não as contra reformas liberais) como a agrária, urbana, democráticas (uma verdadeira carta dos direitos sindicais) tributária (progressivas em relação á renda e o patrimônio), estas todas postuladas no passado e não realizadas. Ao mesmo tempo se atualiza a agenda das reformas, com mecanismos de participação direta da população não só no plano local como nacional e acesso aos meios de comunicação por parte das organizações populares. Por outro lado deve apostar em outra macroeconomia, na qual a estabilidade seja resultado do planejamento, onde a política industrial possa se antecipar aos focos de tensão inflacionária, o movimento de capitais e o cambio seja controlado pelo Estado, onde o rentismo seja desestimulado e os bancos sob o controle público. A integração regional deveria ser aprofundada, uma verdadeira integração dos povos, onde os direitos sociais sejam ampliados e homogeneizados. A integração econômica deveria ser aprofundada e políticas de fomento de corte latino americano deveriam incluir no processo de desenvolvimento regiões pouco desenvolvidas de qualquer país da comunidade latino americana (Faria, 2004). Seria necessário repensar a produção e o consumo, bem como a agenda tecnológica compatível com este novo perfil produtivo, compatível com as necessidades da maioria da população, incluindo fortemente as preocupações ambientais e com a saúde da população, no processo produtivo. O conceito de “viver bem” difundido entre alguns povos indígenas da América latina, pode apontar elementos importantes para construir um novo paradigma de produção e consumo10. Todas estas questões e outras que configuram o desenvolvimento inclusivo, com justiça social, democrático e preservador do meio ambiente, têm que ser confrontadas com sua possibilidade de realização. Florestan levantava dúvidas que uma mudança democrática na ordem burguesa fosse possível, nos marcos dessa própria ordem, quiçá uma atualização ampla da agenda de mudanças, tal como propusemos. A evolução do capitalismo nesta virada de milênio coloca para todo o planeta impasses que exige, cada vez mais, a necessidade de mudanças, como as que nos referimos anteriormente. Nem a crise que está instalada provocou alterações significativas nas formas de regulação do sistema, nem no plano econômico e social, como também no ambiental. A conferência de Copenhagen foi um fracasso. A humanidade caminha para uma catástrofe social, econômica e ambiental, ou as forças da mudança começam a ganhar terreno e conseguem ganhar os corações e mentes para a necessidade de alterar radicalmente as lógicas destrutivas. Discutir topicamente, como em geral fazem os economistas inclusive os críticos, não vai adiantar. As experiências de atuação na margem acabam soterradas pela avalanche de acontecimentos sistêmicos. Assim vemos como dissemos antes que, economia solidária pode ser um vetor de mudanças, mas nada adiantará se ela não estiver inserida num programa e numa aliança mais ampla com os demais setores populares. 3.2) Para realizar uma aliança mais ampla e contribuir para a mudança e para o desenvolvimento tal como nos referimos anteriormente, a economia solidária precisa demonstrar que defende interesses mais amplos que os participantes dela própria, conforme postulações de Polanyi na introdução desse texto. Num estudo amostral realizado (Vieitz, Dal Ri,2001) aparece a distinção entre as empresas de economia solidária (Ecosol) e as empresas capitalistas quanto ao seu objetivo. Embora tanto uma quanto outra sejam constrangidas a acumular capital para sobreviver em um ambiente concorrencial, os agentes econômicos na Ecosol tem com objetivo a manutenção do seu posto de trabalho e fonte de renda11, desta forma se diferencia dos capitalistas que buscam a acumulação individual de capital, inclusive e, principalmente, na forma de liquidez. Portanto, dificilmente uma empresa de Ecosol vai lançar seus excedentes na especulação financeira e sim investir na melhoria do aparato produtivo, melhorias das condições de trabalho e das condições de vida dos seus associados de forma direta (gastos de consumo) ou indireta (fundos de pensão, assistência médica) Portanto, predominantemente na economia real. Assim, ao contrário das empresas capitalistas que tem se lançado na especulação, estimuladas pelo ambiente financiarizado da economia atual, as empresas de Ecosol não contribuem para instabilidade econômica decorrente das operações especulativas, mas estimulam a economia real, aquela geradora de emprego. Este já é um ponto de convergência com os interesses dos trabalhadores e de amplos setores da sociedade, mais ainda através de efeitos diretos, pelos empregos que gera e indiretos pelas suas demandas ao restante da economia, contribui para a o pleno emprego, e consequentemente para a diminuição do exército industrial de reserva, que aumenta o poder de barganha dos trabalhadores do setor privado. Outra dimensão importante da economia solidária é a demonstração de que as empresas podem funcionar sem a tutela do Capital, fato já ressaltado por Marx em sua época (Bourdet). Para os objetivos históricos dos trabalhadores, a demonstração da viabilidade da autogestão é fundamental, na medida que o senso comum só concebe a heterogestão como capaz de conduzir a gestão das empresas. Pode-se dizer que uma das razões do fracasso dos regimes ditos socialistas foi a ausência de democracia, principalmente na gestão da economia tanto no plano micro quanto macroeconômico. Nestes casos houve a transformação nas relações de propriedade e não nas relações de produção. Nas empresas imperava a heterogestão de prepostos do partido único no poder, numa relação por vezes mais despótica que na economia capitalista. Cabe ressaltar a exceção yougoslava (Samary,1988) que por razões diversas se desconectou do modelo estalinista e atribuiu às empresas ampla margem de autonomia em regime de autogestão. No entanto, grande parte do excedente da economia era captado por organismos centralizados, que operava a redistribuição de parte significativa deste através do sistema bancário oficial, de acordo com critérios estabelecidos por um plano nacional, este infelizmente elaborado de forma autoritária segundo as diretrizes do partido único no poder, isto é, a autogestão parava na porta das empresas. Na sequência, se reduziu o papel do planejamento e se introduziu o mercado com o critério econômico, o que se revelou um fracasso, permanecendo o controle político da burocracia e o debate bloqueado pela falta de democracia. Sem esgotar as possibilidades da Ecosol, vamos, por último, ressaltar o potencial de desenvolvimento da empresa pela autogestão. A produtividade, a redução de custos, a qualidade também é resultado do engajamento dos trabalhadores (Singer ) que mobilizam sua criatividade para enfrentar os problemas que surgem. A pesquisa já referida (Vieitez, Dal Ri, 2001) indica, inclusive, que as empresas de Ecosol tendem aplicar uma parte significativa do excedente em investimento. A autogestão desenvolvida plenamente implica em desalienação do trabalho, ainda que limitada pela inserção da Ecosol em um ambiente capitalista. 3.3) A condição de desenvolvimento da Ecosol é que ela não se isole na resolução de seus problemas imediatos. Ao se colocar no seio dos movimentos sociais que tem a perspectiva da mudança sistêmica, a Ecosol constrói alianças que permite seu desenvolvimento no presente.12 No Brasil a Economia solidária tem uma expressão significativa em termos do número de participantes13, mas que proporciona rendimentos muito baixos para os mesmos. Cerca de 50% retira até meio salário mínino e 26, 1% recebem de meio até um salário mínimo (atlas da Ecosol, 2005) Por esses dados verificamos que muitas vezes a economia solidária não é uma opção para seus trabalhadores mas a única alternativa ao desemprego, é a razão evocada por 45% dos participantes (idem, 2006) ou ainda da complementação de renda (44% dos participantes). Isto significa que a Ecosol ajuda a manter o exército industrial de reserva ou complementa renda oriunda das transferências sociais do governo ou ainda completa as necessidades daqueles que recebem baixos salários em atividades assalariadas. Por outro lado as principais dificuldades apontadas pelas empresas de Ecosol foram por ordem, comercialização (61%), acesso ao crédito (49%) e assistência técnica (27%). Certamente a Ecosol não sairá da indigência e não poderá desenvolver suas potencialidade sem uma forte política afirmativa do Estado que enfrente os principais gargalos da Ecosol acima apontados. O Estado brasileiro foi sempre pródigo em usar fundos públicos para apoiar o capital privado. Do ponto de vista do interesse da sociedade acreditamos ter demonstrado anteriormente a importância de apoiar a Ecosol. Assim o Estado como é uma importante fonte de demanda de bens e serviços pode dar prioridade a Ecosol nas suas compras, desta forma criando um mercado regulado que pode proporcionar escala que permita a Ecosol participar do mercado concorrencial14. Do nosso ponto de vista a questão do crédito e a massiva assistência técnica poderia ser executada pelas instituições oficiais de crédito. Os bancos públicos que tem uma capilaridade que cobre todo o território nacional, deveriam consagrar parte dos seus lucros para criar fundos e criar estruturas no seu interior que lhes permitisse desenvolver o crédito assistido. Uma forma de atribuição de crédito de eficácia comprovada, que poderia ser estendida às microempresas e as empresas de Ecosol. Estes bancos têm um corpo funcional de boa qualificação que, com formação complementar, poderia perfeitamente dar conta dessa nova atividade. Esta prática permitiria a estes bancos se adequar à seus plenos estratégicos, onde sua função social é propalada e na prática atrofiada. As incubadoras das Universidades (ITCPs) teriam o papel de desenvolver metodologias e uma reflexão mais ampla sobre as empresas de Ecosol e sobre o setor no seu conjunto e as entidades de apoio já existentes teriam um papel complementar na assistência técnica. O não isolamento da Ecosol significa proteger a Ecosol da concorrência desenfreada das empresas capitalistas. Já vimos anteriormente que as ações afirmativas do Estado nos planos da comercialização, crédito e assistência técnica têm esse papel. Outra forma é aumentar a relação econômica entre as empresas de Ecosol, procurando formar cadeias produtivas onde a do algodão ecológico no Brasil é exemplar. Sabemos que no sistema capitalista sempre há transferência de excedentes das empresas menos intensivas em Capital para as mais intensivas15, fato esse acentuado pelo crescimento dos oligopólios e monopólios, por isso é importante que a Ecosol se diversifique e que busque com os demais trabalhadores a melhoria das condições de reprodução da força de trabalho, evitando que a concorrência implique no rebaixamento da condição de vida dos trabalhadores das empresas de Ecosol. Não concordamos que a Ecosol seja um dos pólos de uma economia e, de uma sociedade à duas velocidades. A Ecosol deve estar presente em todos os ramos da economia, inclusive o de alta tecnologia, onde seus membros podem ser trabalhadores intelectuais que produzam conhecimento, que esperamos que seja pautado por uma agenda tecnológica diferente da pauta do capitalismo predador. Esta e outras questões precisam ser discutidas para que a Ecosol possa cumprir o papel que lhe cabe numa sociedade que vive problemas no presente e principalmente no futuro de grande gravidade. 4) Considerações finais O nosso texto seguiu a seguinte linha de raciocínio. Em primeiro lugar tratamos de estudos que demonstram a existência de outras lógicas econômicas diferentes daquela do interesse individual, o que no nosso entender abre espaço para moderna cooperação entre os produtores diretos, representada pela economia solidária. Em segundo lugar mostramos, apoiados em estudos e na dedução, que a Ecosol é mais adequada ao desenvolvimento inclusivo, justo e respeitador do meio ambiente. Finalmente procuramos demonstrar que a Ecosol poder ser um dos vetores de mudança da sociedade, à condição de no plano tático e estratégico se associar aos movimentos sociais que buscam a mudança radical da sociedade. Vimos também que estas articulações abrem espaço para a afirmação presente da Ecosol, através da postulação de políticas públicas para o setor. A humanidade encontra-se numa disjuntiva, ou muda radicalmente a forma de encarar a natureza e as relações de produção e consumo, ou vai sucumbir mais cedo ou mais tarde a catástrofes naturais, econômicas e sociais. A economia capitalista produziu recentemente outra catástrofe, o nazifascismo, que foi superado provisoriamente com um custo altíssimo para a humanidade. Talvez agora não tenhamos tanta sorte. Cabe aos intelectuais, teorizar sobre saídas que tenham aderência com a realidade. Acreditamos haver demonstrado que a Ecosol é um dos elementos desta busca por uma vida melhor para evitar a barbárie. BIBLIOGRAFIA: BENSAID, D., “Os irredutíveis: teoremas da resistência para o tempo presente”. Boitempo Editorial. São Paulo,2008. BOYER, R. La théorie de la régulation: une analyse critique. Paris: La Découverte, 1986. 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