25. Eduardo Soares de Oliveira

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A MORTE E A ARTE DE MORRER EM ROMA
Eduardo Soares de Oliveira
A religiosidade é complexa e densa de significados, simbologias e
representações, sendo que estas se diferem na sua multiplicidade e
complexidade de acordo com as diferentes épocas históricas de Roma,
podendo recuar da época imperial de Roma até a época Etrusca.
Um dos pontos mais marcantes da religiosidade e do modo de vida
romana é a morte, assim como também os seus ritos funerários (Bayet:
78). A concepção mortuária, assim como seus ritos, sofreram múltiplas
influências
de
variantes
tais
como:
questão
social,
urbanidade,
campesinato, condição financeira além é claro de influências de
percepções estrangeiras da noção de morte onde se percebe que as
mais marcantes são percebidas a partir da cultura e da relação com os
indo-europeus e os orientais.
Esta religiosidade pode ser observada e analisada de várias
formas, sendo vários binômios úteis a corresponderem satisfatoriamente
tais
como:
campo-cidade,
privado-público,
pré-estatal
e
estatal,
primitiva-helenizada, pagã-cristã (Eliade,1999:252-253). Destaquemos
aqui a perspectiva pagã-cristã, pois se percebe que representa muito
bem, e de forma sintetizada, a história da religiosidade romana. O
cristianismo
marca
indelevelmente
a
religiosidade
romana
e
conseqüentemente toda a história religiosa da civilização ocidental.
Dentro da perspectiva romano-pagã, podemos perceber algumas
características que se destacam, como o agrarismo, a perspectiva
familiar e a relação com as forças da natureza. Estas influências ficam
claras, pois refletem a própria sociedade romana antiga.
Os ritos são parte integrante de qualquer sociedade, e vale
lembrar que dentre os vários ritos da sociedade romana, tais como:
nascimento, puberdade, casamento, funerário, entre outros, que vão se
complexificando cada vez mais de acordo com as influências da época
histórica em questão, no caso de Roma, uma das influências mais
relevantes foi a helenização. Neste aspecto, o “Rito” que mais absorveu
a influência helenística em Roma foi o de “morte” ou “funerário”.
A morte é comemorada dentro do rito funerário, podendo variar
de três a sete dias, onde normalmente estes são acompanhados de
festas, músicas, procissões, gritos, choros e até comida. Em alguns
casos as pessoas que acompanham o funeral podem usar máscaras
onde estas, representam pessoas ilustres da família que já morreram,
visando prestigiar tal momento. Vale ressaltar que esta é uma
despedida, pois o morto agora irá para uma vida gloriosa, pós mortem,
rumo ao paraíso.
Normalmente o corpo é queimado, fora da cidade, e recolhida as
suas cinzas pela família, os restos mortais deveram ser depositados em
lugar apropriado para servir de memorial. Esta prática vai ser
abandonada a partir da influência crescente e cada vez mais decisiva do
cristianismo, que preferia enterrar o morto ao invés de queimá-lo
(Loureiro,1976:26).
Este
memorial
é
marcado
anualmente,
pelo
aniversário do morto, onde este que agora vive uma vida gloriosa é
honrado pelos seus entes familiares devidamente através de flores,
comida, bebidas, entre outras expressões. Esta prática de honrar aos
mortos é devidamente perpetuada hereditariamente e oficializada pelo
pater família, onde hereditariamente se mantém a tradição, sendo o não
cumprimento destas práticas caracteriza uma desonra diante da
sociedade à tradição familiar.
Estas práticas pós-mortem, tem uma significação importantíssima
socialmente, pois, mantém o equilíbrio cósmico, ou seja, a pax romana
entre o “mundo dos vivos” e o (Manes) “mundo dos mortos”.
Durante a época que vai do domínio Etrusco até o início República
romana, a evolução religiosa sofreu mais influências indo-européias,
especialmente no tangente a questão do rito funerário e da sepultura. Já
do final da época da realeza até o final da república e inicio do império,
veio num crescente o desenvolvimento da religiosidade oriental e
helenística em Roma. Causando mudanças teológicas importantes como,
por exemplo, o desenvolvimento cada vez maior do humanismo na
cosmovisão religiosa romana. Já na época imperial romana, percebe-se
que este processo de helenização, um tanto quanto inconscientemente,
veio se afirmando e tomando força dentro da sociedade, mesmo com o
crescente desenvolvimento de Roma com sua característica cosmopolita
em áreas como das artes, comércio, política e urbanidade, este
helenismo toma cada vez mais espaço, e fica fortemente marcada esta
influência no aspecto religioso, especialmente no que tange à morte e
seus ritos.
Augusto ao subir ao poder percebe que este processo de
helenização de Roma nega cada vez mais as antigas bases da sociedade
romana e este imperador se coloca então no que tange a religião como
o “restaurador da religião nacional”, visando resgatar o que ele chama
de “identidade romana”, que para ele está se perdendo com o
desenvolvimento do helenismo na sociedade.
O politeísmo é uma das marcas do imperialismo romano. O
paganismo permaneceu impermeável até a chegada do cristianismo a
Roma, que justamente defende uma postura ideológica radicalmente
monoteísta
e
anti-paganista.
Este
confronto
ideológico
causou
confrontos e mudanças importantes na sociedade romana.
A relação poder estatal e religiosidade em Roma era intensa e
tradicional desde a época dos reis etruscos e isto não muda com o
advento dos imperadores cristãos, como
Constantino e Teodósio que
iniciam o processo que vai desembocar na
oficialização do fim do
paganismo em Roma, com isto impõe-se
cristianismo como religião
oficial do império, ou seja, religião estatal. Vale ressaltar que a
decadência do paganismo romano se dá num processo que inclui a
decadência da Pólis Romana e a carência existencialista da sociedade
que a religiosidade politeísta romana não conseguia responder a
contento, com forte influencia epicurista, estoicista e hedonista, faltava
a perspectiva existencialista que é tão cara ao cristianismo. Então se
busca no cristianismo uma resposta plausível e satisfatória para a
situação política e socialmente delicada de crise estatal.
Nesta época imperial percebe-se uma influência heroizante, ligada
a política, fruto da helenização, que trazia consigo a concepção grega de
homem assim como a de herói. Esta influência servirá muito bem para
as necessidades políticas dos imperadores com a heroização dos seus
feitos e imagens. A propaganda passa a ter papel fundamental neste
contexto sóciopolítico. Esta influencia e tamanha que transcende este
mundo físico, buscando retratar após a morte, especialmente no túmulo
os seus feitos heróicos para a posteridade. Mas também se percebe
grande influência da arquitetura grega no que diz respeito aos locais de
morte, pois se identificam nas tumbas e mausoléus romanos, com suas
colunas corintias, designer e construção baseados nos mausoléus gregos
(Curl, 2002).
As concepções e representações pagas politeístas de deuses,
fantasmas, (Schimitt,1999:21) e símbolos, em tumbas e sarcófagos
(Fedak,1990,p.47) de caráter melancólico, vão perdendo espaço para as
concepções
cristãs
ideologicamente
alegres,
diferentes,
dinâmicas,
pois
traziam
escatologicamente
esperança
em
e
suas
mensagens, tais como a figura do mártir-herói representando esperança
e
fé, do pão representando sustento diário e cuidado, a videira
representando felicidade, prosperidade e abundância, entre tantos
outros símbolos cristãos (Toynbee,1971:243-244).
Os rituais pagãos de antes, agora cristãos, trazem em si uma forte
influência judaica, resignificando muitas vezes valores sociais romanos,
agora não mais ditados pela tradição que remontava a época Etrusca e
sim pelos valores supra-humanos do evangelho. Estas mudanças
alcançam até a ética e a moral social, desenvolvendo e fortalecendo
valores como fidelidade, unidade, harmonia social, obediência, entre
tantos outros, que acabaram sendo resignificados e utilizados para usos
políticos e estatais.
Esta morte romana, assim como as suas tumbas, vão adquirindo
cada vez maior importância na sociedade, assim como suas imagens e
alegorias que refletem cada vez mais uma necessidade de retratar a
vitória da morte e a vida após a morte, a ressurreição, que vai marcar
indelevelmente a característica da morte cristã em oposição a morte
pagã, morte está que vai evoluindo de uma concepção judaico-cristã de
castigo
para
alguns,
passando
por
possibilidade
irremediável
e
paradisíaca ao alcance de todos e chegando até uma concepção de que
a morte é um prêmio, pois leva ao paraíso, o prêmio dos santos e fiéis a
fé evangélica (Silva,1993:111-113).
Outro exemplo desta mudança após a inserção e influência do
cristianismo, é que agora na sepultura junto ao morto, não se enterra
mais nada vivo ou de valor para o morto, como se fazia segundo os
costumes dos pagãos, prática esta que remonta à época etrusca e suas
influências indo-européias, pois os cristãos agora acreditam que o morto
não
tem
nenhuma
necessidade
na
sua
vida
fúnebres,
que
vão
pós
-
morte
(Loureiro,1976:27).
Agora
são
os
rituais
aumentando
de
importância dentro do cristianismo, como rituais de passagem estes vão
se complexificando cada vez mais. É que os rituais fúnebres refletem a
importância da morte para a sociedade, (Azara,1999), sendo mais que
um momento, é um registro, um testemunho para a posteridade deste
morto e da sua família para a sociedade em que vive. Logo a sua
arquitetura mortuária vai se diferenciando e se especializando para
maior condição de testemunho e registro, agora não só social, mas
também histórico. Pois a morte que igualaria a todos, nem sempre é
percebida assim, pois as condições daqueles que morrem moldam em
grande parte a visualização e a valorização desta morte, no momento de
sua apresentação para registro social, especialmente no que diz respeito
a representação tumular. Logo as formas de morrer e de se manter
após a morte também os diferenciam, e as tumbas servem para
demonstrar isto, como uma forma de manter o status que o morto
adquiriu quando vivo.
Ao pensarmos nos túmulos percebemos a importância que estes
tem, quando vemos que até mesmo um escravo em Roma tinha seu
próprio túmulo (loculus), com inscrições, símbolos e rituais.
Nós
túmulos a identificação do morto (Ariés,1977:36), está ligada também a
um outro processo que tem forte influencia helenista, a individuação
sepultural, este processo marca a necessária identificação deste morto
para o mundo físico e até para o mundo espiritual.
A sociedade romana vai evoluindo et moriemur, passando para a
morte de si mesmo, na busca cada vez maior de um controle da morte,
a morte domada.
As obras iconográficas tumulares, (que também acontecem na
Idade Média), que tem o seu auge no segundo e terceiro século em
Roma, onde se percebe esta importância nas catacumbas da Roma
cristã antiga, onde como demonstra Xavier, a iconografia tumular,
“serviria para explicar e identificar o mundo em que o morto está
inserido” (Xavier,2001:14).
Estes ícones e imagens marcam a expressão tumular cristã e sua
influência na sociedade, pois têm por certo a função e necessidade de
trazer a presença dos que jazem (Baudrillard,1997:23), logo como
processo de
registro e resgate da memória. Isto nos fica mais claro
quando nos remetemos à observação e análise das catacumbas cristãs
durante as perseguições romanas, como as catacumbas de Domitila e de
São Calixto em Roma, e até mesmo em momentos posteriores.
O
aspecto
simbólico
e
atualizante
da
morte
em
Roma,
especialmente após a influencia cristã, (Baudrillard,1996:193) vem em
processo, cada vez mais presente e patentemente marca a necessidade
e também uma evolução simbólico-social da situação da morte, por que
não dizer do imaginário da sociedade romana e ocidental. A cultura da
morte vai se afirmando e se delimitando, saindo de uma prática pagã
familiar e doméstica para uma separação, segregação da morte, uma
periferização da morte, começando em Roma e se afirmando na Idade
Média. (Baudrillard, 1996:173).
O Simbolismo fúnebre fica patente na Roma pagã quando se
institui o uso da imago nós funerais (Debray,1993:25). O mesmo
acontece visando a heroização dos imperadores romanos através de
uma cerimônia de vanglorização da imagem do imperador que é a
apoteose ou consecratio. Sobre o uso da imagem do morto em Roma,
podemos ver que era vinculada a certas condições, pois,
“Em Roma, até o baixo império, a exposição em publico de
retratos é limitada e controlada colocava gravemente em jogo o
poder. No início, só tiveram direito à efígie os mortos ilustres
porque são, por natureza, influentes e poderosos, em seguida,
os ainda vivos e sempre do sexo masculino”.(Debray,1993:26).
Este simbolismo e a representação do poder sempre andaram
juntos em Roma, mesmo que muitas vezes ligado ao gênero masculino
e a boa condição social, o que simplesmente reflete um traço natural da
sociedade, no momento da morte não poderia ser diferente, fica claro
quando nos debruçamos sobre as catacumbas que são os maiores e
mais importantes testemunhos da fé cristã, no que diz respeito a
questão mortuária, onde podemos perceber que os valores, símbolos,
padrões e marcos pagãos, vão sendo substituídos e muitas vezes
resignificados
pelos
valores
cristãos,
da
nova
sociedade
(Panofsky,1992:44).
Logo vemos que a representação mortuária romana é na verdade
grandiosa, tanto por suas particularidades primitivas, quanto por suas
influencias indo-européias, orientais, judaicas, mediterrâneas e por fim
cristãs.
Vemos que a morte em Roma é um mosaico cultural e uma
síntese ideológico-religiosa de influências, significações e resignificações,
pois o que se tem da sua riqueza é o resultado de séculos de influências
múltiplas e constantes, além de um acabamento delicado feito pelo
cristianismo, após o primeiro século e durante os séculos que se
seguiram,
influenciando e sendo influenciado, o cristianismo vai
construindo
e
delimitando
cada
vez
mais
uma
concepção
mais
humanista da religião e da morte na Roma antiga e por conseguinte
para a sociedade ocidental como um todo.
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