A ADMINISTRAÇÃO E O GAP TRIBUTÁRIOS “Nada é mais atroz do que o assassínio abjeto de uma bela teoria por abomináveis fatos.” Roland Omnés - Filósofo EDES MARCONDES DO NASCIMENTO 1. SUMARIO Este trabalho expõe os procedimentos e métodos que emprega a Administração Tributária (AT) profissional, que passa por três momentos. No primeiro tem que definir com clareza os objetivos últimos da organização e quantificá-los. No segundo, deve desenhar e configurar as políticas, de forma que cada membro da AT possa saber qual é o seu compromisso. Em terceiro lugar, deve realizar um monitoramento e avaliação das políticas, de forma que possa selecionar as mais eficazes. Parte-se da arrecadação potencial como variável de referência para estabelecer os objetivos da AT, por se entender que sua missão consiste em fazer com que os cidadãos cumpram corretamente com suas obrigações tributárias e em arrecadar os valores correspondentes. A parte da arrecadação potencial que não se consegue arrecadar constitui o gap tributário. Como o objetivo da AT consiste em reduzir a evasão, é de grande utilidade poder dispor de informação sobre a evasão existente, quanto soma, onde está localizada, qual o perfil dos fraudadores e o porquê da evasão. Dispor desta informação quantificada equivale a ter um autêntico mapa da evasão que toda AT deveria esforçar-se em elaborar regularmente, posto que, sem contar com esta informação, a atuação da AT somente poderia inspirar-se nas impressões ou intuição de seus agentes, derivadas da experiência deles. Em um Estado predominantemente industrial (desenvolvido) o gap tributário é menor, pois permite um maior controle arrecadatório/tributário por parte da máquina administrativa. O mesmo não acontece num Estado em desenvolvimento que apresenta uma economia mais dispersa fato que dificulta a presença e/ou eficiência da máquina arrecadatória. Em outras palavras, a AT será mais eficaz à medida que consegue minimizar o gap tributário. 2. INTRODUÇÃO A Constituição promulgada em 1988 nos artigos 145 a 149, deu poderes às três esferas (federal, estadual e municipal) de instituir seus tributos. Nos artigos 150 a 152 impõe limitações ao poder de tributar às mesmas três esferas. Nos artigos 153 e 154 lista os tributos de competência da União. No artigo 155 descrimina os tributos da esfera estadual. Já no artigo 156 estão os tributos de competência municipal. Do artigo 157 ao 162, estão disciplinadas as regras da repartição das receitas tributárias, já que o Brasil está constituído como um Estado Federativo. Embora haja definição subjetiva do quantum a ser retirado da economia, sabe-se que uma parte, às vezes mais às vezes menos expressiva, não é recolhida como tributo. Em termos genéricos pode-se dizer que esta parte é a evasão fiscal, ou ainda, o gap tributário1. É desta parte que se pretende estabelecer a quantificação e, mais importante, tentar definir parâmetros para que o quantum arrecadado se aproxime, ao máximo possível, do potencial arrecadatório2 delimitado pela legislação. Arrecadação Potencial – Arrecadação Real = Margem de Evasão (gap) Aqui a expressão ‘evasão’ é empregada com um alcance maior do que aquele encontrado em textos jurídicos/tributários e abrange evasão, sonegação, simulação, fraude à lei, abuso de forma, elisão, tributo não arrecadado pela economia informal e, ainda, benefícios fiscais. Como o Brasil está constituído com uma estrutura federativa, há uma multiplicidade de órgãos com funções típicas de AT. No âmbito da União a Secretaria da Receita Federal do Brasil é o principal órgão de AT. É o órgão responsável pela administração de todos os tributos da competência da União. Esta estrutura tornou-se ainda mais presente a partir de maio de 2007 com a edição da Lei 11.457/2007, quando passou a administrar também as contribuições sociais para a Seguridade Social, incidentes sobre a folha de pagamento e sobre o trabalho autônomo que, anteriormente, eram administradas pela extinta Secretaria de Receita Previdenciária. 2.1 JUSTIFICATIVA É sabido que uma economia aberta ou fechada, permite que dela seja retirado um determinado valor, sem que com isto ela deixe de crescer ou venha a perder o seu dinamismo. A subtração desta fatia do setor econômico produtivo é realizada pelo poder público nas três esferas para custeio de sua própria sobrevivência e uma parte retorna à sociedade em investimentos ou serviços públicos. A principal fonte de ingressos públicos na maioria dos paises é de origem tributária, e compreende a arrecadação de impostos, recursos de seguridade social e recursos aduaneiros. A projeção da arrecadação tributária tem como objetivo fundamental contribuir para o planejamento da política fiscal do Estado. Este planejamento se plasma na Lei Orçamentária, que inclui também a previsão de gastos. Dados internacionais demonstram grande dispersão entre valores de carga tributária (arrecadação efetiva dividida pelo produto interno bruto) entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Tradicionalmente, países desenvolvidos têm apresentado valores de carga tributária superiores àqueles arrecadados por nações em desenvolvimento. A carga tributária efetiva de um país é influenciada tanto pela escolha coletiva de quanto tributar (pela escolha do tamanho do Estado que se deseja), quanto pelas condições estruturais da nação (condições econômicas, sociais e institucionais que um país possui para arrecadar impostos). Isto leva a questões como: haveria um Ainda que similar, a “margem de evasão”, não coincide com o “tax gap” calculado pelo Internal Revenue Service (Agência americana de arrecadação tributária). Em primeiro lugar, porque o “tax gap” é estimado a partir de uma amostra de declarações, fazendo com que em seu cálculo só se inclua o que não é declarado por quem declara, ficando fora todos aqueles que não declaram, isto é, a chamada economia informal. Em segundo lugar, no “tax gap” são incluídos pagamentos devidos e não efetuados enquanto que na “margem de evasão” não se consideram os pagamentos se não, só, as dívidas recebidas. 1 2 O potencial arrecadatório aqui referido é apenas aquele definido pela legislação tributária, como definido adiante com mais detalhe, independentemente de seu potencial arrecadatório total possível. potencial tributário, entendido como uma máxima capacidade tributária, para cada nação? Caso positivo, quais seriam seus condicionantes? Quais seriam as formas de explorá-lo de modo que a arrecadação efetiva se aproxime da arrecadação potencial? O grau de esforço tributário para atingir este potencial é o mesmo para países ricos e pobres? É muito importante que as ATs contem com estimativas próprias das receitas a seu cargo. No dizer de Bagchi et Alli (1995): “a razão de ser de qualquer AT é assegurar o cumprimento das leis. Em uma sociedade ideal que cumpre com as leis, as pessoas pagariam os impostos que elas devem, e a AT não faria mais do que prover facilidades para que elas cumprissem com a responsabilidade delas.” Deve-se tentar averiguar de uma forma sistemática e rigorosa quais são as razões que levam os indivíduos a pagar os impostos ou a evadi-los. Somente averiguando quais são as variáveis que determinam o comportamento dos contribuintes frente ao imposto, pode-se construir políticas consistentes que façam com que os níveis de cumprimento sejam melhorados. 3. DESENVOLVIMENTO A política tributária tem vários objetivos, tais como elevar a arrecadação, redistribuir a riqueza e estimular a atividade econômica. Ela tende a ser técnica em termos de discussão de regras tributárias. O potencial tributário estrutural é a arrecadação esperada que pode ser extraída do setor econômico, mediante a aplicação de um sistema tributário otimizado, consideradas as condições econômicas e sociais vigentes. Isto é, considerado o nível de desenvolvimento (características estruturais) de uma nação, seria a arrecadação que naturalmente seria realizada. Busca-se aqui uma idéia de arrecadação que seria esperada utilizando a capacidade da economia. Obviamente, não há como medir em termos objetivos esse potencial tributário por tratar-se de conceito teórico. Porém, na prática, é possível estimá-lo a partir de seus condicionantes, isto é, a partir de variáveis que são efetivamente mensuráveis e que são fortemente correlacionadas ao potencial tributário. A literatura disponível (Piancastelli 2001, Varsano Et Alli 1998, Stotsky E Woldemariam 1997, Davoodi e Grigorian 2007) aponta para as seguintes variáveis como condicionantes do potencial tributário de um país3: 3 Renda nacional per capita (positivamente relacionada), quanto maior a renda disponível, maior é a capacidade econômica a ser explorada; Participação da agricultura no PIB (negativamente relacionada) por tratar-se de um setor que é tributado a alíquotas mais baixas, além de apresentar dificuldades intrínsecas para o controle (empresas pequenas ou cooperativas, distância dos centros urbanos, contabilidade precária); Participação da população urbana na população total (positivamente relacionada), denotando sociedade mais organizada com grandes empresas, com Vale mencionar que há vários estudos econométricos sobre o assunto e que, nem sempre, as variáveis mencionadas apresentam o mesmo desempenho. Por exemplo, há estudos que declaram que a participação da agricultura no produto é significante e negativamente relacionada ao potencial. Em outros, esta variável não apresenta correlação significante. Neste trabalho são apresentadas as variáveis mais apontadas na literatura como condicionantes do potencial tributário, independentemente de que algumas delas, em alguns estudos, possam aparecer como de impacto insignificante sobre o potencial tributário. maior consciência tributária por parte do cidadão, maior controle por parte da AT e possível utilização de instrumentos como a retenção na fonte; Grau de abertura de uma economia – isto é, exportações mais importações dividido pelo produto, (positivamente correlacionado), significando uma importante base tributável a ser explorada e de fácil controle (aduaneiro) Participação de setores extrativos e de recursos naturais no PIB (positivamente correlacionado), pois setores econômicos relacionados à extração mineral e de petróleo, por exemplo, geram uma base tributável de alto potencial e mais fácil controle (poucas grandes empresas para controlar). Considerando os fatores acima, é explicável que países desenvolvidos tenham realmente potencial tributário maior que países em desenvolvimento. O fato de terem renda per capita mais alta, maior percentual de sua população residindo em áreas urbanas, organização econômica mais formalizada e industrializada, e alto grau de abertura de comércio exterior, faz com que os países ricos possuam um potencial tributário a explorar que, em geral, não existe nos países pobres. Assim, a base econômica e sua composição afetam o potencial tributário.Por isto há condicionantes estruturais que podem impedir determinados países de aumentar sua arrecadação de impostos e buscar uma situação fiscal sustentável a longo-prazo. Ou caso o país precise adotar uma legislação tributária que vise arrecadar mais do que o potencial estrutural, deverá fazer um esforço tributário elevado. A evasão e a ineficácia da AT em paises desenvolvidos e a economia informal em paises em desenvolvimento, são razões pelas quais a carga tributária efetiva não coincide com o potencial tributário legal. Quanto mais eficaz a AT em reduzir a evasão, menor será o gap tributário, isto é, a diferença entre a arrecadação efetiva e a arrecadação potencial (legal). O potencial tributário legal é a arrecadação máxima que se pode obter pela aplicação eficaz de determinado sistema tributário. Neste caso, o sistema tributário é fixado e determinado pelas leis do país, que podem, ou não, explorar todo o potencial estrutural existente, ou ainda buscar receitas além deste potencial natural. O potencial legal é alcançado se e somente se a AT que o aplica for 100% eficaz. Este conceito aproxima-se da definição de Das-Gupta e Mookherjee (1998), “a arrecadação potencial é aquela que seria arrecadada se nenhum contribuinte voluntariamente violasse a lei e se, na média, erros involuntários somassem zero”. A figura 3.1 exemplifica o conceito de gap tributário e gap potencial. Potencial Estrutural Gap Potencial Gap Tributário Potencial Legal Carga Efetiva Arrecadação Efetiva Figura 3.1 – Viol, 2006 Os sistemas tributários dividem a base econômica em tipos de incidência tributária. Os mais conhecidos: renda, consumo e patrimônio. Pode ocorrer de que cada uma dessas bases tenha um nível distinto de potencial tributário e, assim, haja condicionantes mais específicos a cada tipo de base. Se isso é verdade, também poderia ocorrer que, mesmo em situações nas quais um país esteja operando com gap potencial em termos totais, algumas das bases esteja sobretributada (operando com excedente potencial) enquanto outras estejam muito abaixo do potencial estrutural (p.e. carga tributaria sobre salários e sobre patrimônio, respectivamente). Situações como estas também podem levar à sensação de injustiça fiscal e baixa eficiência de arrecadação. 3.1 DADOS INTERNACIONAIS E BRASILEIROS Alguns estudos, usando métodos econométricos ou estatísticos, buscam captar o potencial tributário de países e seu esforço tributário correspondente. Buscam estimar o potencial tributário de uma nação. O gráfico 3.1 traz as estimativas calculadas para um rol de 27 países desenvolvidos e em desenvolvimento para o ano de 1991. As variáveis utilizadas para se estimar o potencial tributário foram: população total, PIB per capita, inflação, variação da inflação, participação do PIB industrial no PIB total, proporção da população em idade de trabalhar, proporção da população urbana e distribuição de renda. Potencial Tributário e Carga Efetiva Tailândia Suécia SriLanka Cingapura Ruanda Reino Unido Quênia Peru Paquistão Panamá Índia Noruega Marrocos Malásia Israel Indonésia Holanda França Estados Unidos Etiópia Espanha Dinamarca Costa Rica Canadá Brasil Bolívia Austrália Carga Efetiva % do PIB (a) Carga Potencial % do PIB (b) - 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00 60,00 70,00 Gráfico 3.1 – carga efetiva e carga potencial. Fonte: Varsano et alli (1998) Os dados acima mostram situações interessantes. Em primeiro lugar, os países mais desenvolvidos possuem maior potencial que países em desenvolvimento. É de se esperar que países ricos tenham amplo potencial a explorar, dados seus condicionantes estruturais mais favoráveis. Da amostra estudada, apenas Noruega, Suécia, Dinamarca, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido e Canadá têm potencial acima de 50% do PIB. Por outro lado, Ruanda, Etiópia, Índia, Sri Lanka, Paquistão e Peru têm potencial inferior à metade deste valor, ou seja, de no máximo 25% do PIB. Em segundo lugar, o fato de ter um grande potencial a explorar não significa necessariamente que um país tenha uma alta carga tributária. É possível haver países que não desejem explorar todo o seu potencial tributário amplo por algumas razões: a) o país não deseja ter uma sociedade do tipo “welfare state”, isto é, não deseja que o tamanho do Estado seja substancial em sua economia e prefere optar por provisão privada de certos bens; b) o país entende que, apesar do potencial a ser explorado, a tributação, na prática, sempre introduz distorções econômicas que podem reduzir o crescimento econômico a longo prazo e prefere manter o nível de arrecadação efetiva em valores abaixo do potencial; e c) o país se encontra em situação fiscal confortável e prefere deixar o potencial existente para ser explorado em situação de crise fiscal. Terceiro, alguns países em desenvolvimento, apesar de possuírem potencial não tão elevado, podem buscar compensar essa restrição econômica natural por um alto esforço tributário, de modo a atingir um nível de carga tributária mais satisfatório. Brasil, Quênia, Índia e Sri Lanka são exemplos de países em desenvolvimento que fazem um esforço tributário superior a 80%. O Brasil teve em 2005, carga tributária efetiva de 37,37% do PIB, superior a alguns países desenvolvidos, apesar de seu potencial tributário ser inferior a alguns deles. O gráfico 3.2 traz os resultados dos índices de esforço fiscal calculados para alguns países selecionados, medidos pela relação entre a carga tributária efetiva e a esperada. Conforme Piancastelli, “qualquer país com um índice maior que um está arrecadando mais receitas tributárias do que seria estimado, dadas suas condições econômicas, sociais e institucionais.” Países com esforço maior que um, podem ser considerados como tendo um potencial legal acima do potencial estrutural de sua economia. Fica claro que, além da aferição dos potenciais estruturais e do esforço tributário, que dá uma melhor visão comparativa do desempenho fiscal de cada país, também se faz necessário buscar uma medida de redução do gap tributário. Por ser um fenômeno de natureza oculta, o gap tributário é de difícil mensuração4. As técnicas mais comuns para estimá-lo são5: comparação da base tributária com dados das contas nacionais ou com agregados monetários, utilização das informações de auditorias realizadas pela AT, pesquisas de opinião, efeitos da concessão de anistias tributárias6. Um exemplo empírico que pode ser citado é o do Internal Revenue Service (IRS) dos EUA. O IRS busca estimar o gap tributário bruto e líquido, sendo que o valor líquido refere-se ao valor bruto menos aquilo que foi pago tardiamente. Os valores mais recentes do gap tributário bruto estimados para o ano de 2001 foram de US$ 312 a 353 bilhões, e do gap tributário líquido de US$ 257 a 298 bilhões. A partir destes valores, é possível estimar a do gap tributário em 15% a 16,6%7. 4 Ainda que poderia se pensar que o ideal seria arrecadar 100% da arrecadação potencial, não parece que isto tenha sentido na prática. E mais, alguns diriam que não somente seria impossível, mas pouco recomendável, já que reduzir a evasão abaixo de determinados níveis pode implicar, além de custos cada vez mais elevados, uma enorme pressão sobre os contribuintes, inclusive sobre aqueles que cumprem com suas obrigações tributárias. 5 GAO insistiu sobre a conveniência de realizar estes estudos em seus informes. Veja, por exemplo, entre os mais recentes “Tax compliance. Reducing the tax gap can contribute to fiscal sustainability but will require a variety of strategies” (GAO-05-527 T), Abril 2005. 6 Nesta ótica, a OCDE publicou um interessante documento intitulado “Compliance Risk Management: Managing and Improving Tax Compliance” em otubro de 2004. 7 Fonte: www.irs.gov Florianópolis, SC, 31 de março de 2006 Índices de Esforço Tributário Singapura Guatemala Paraguai Bolívia Canadá Argentina Venezuela Estados Unidos México El Salvador Colombia Rep. Dominicana Japão Panamá Peru Equador Chile Brasil Espanha Costa Rica Portugal Zâmbia Dinamarca Noruega Marrocos Uruguai Itália Índia França Holanda África do Sul Bélgica Quênia 0 0,5 1 1,5 2 2,5 Gráfico 3.2 – resumo para 33 países. Piancastelli (2001) Outro estudo realizado por AT é a mensuração do gap tributário pela HM Customs and Excise, do Reino Unido8. A metodologia é aplicada diretamente ao IVA. Há duas abordagens. Na top-down, calcula-se a diferença entre o valor teórico do IVA que deveria ser pago e os valores efetivamente recebidos. A bottom-up usa dados operacionais e de inteligência para corroborar a abordagem top-down e atribui as perdas a áreas específicas de problemas. Atribuem-se as perdas no IVA a erros, ignorância, dificuldades financeiras, elisão abusiva e evasão deliberada. A estimativa do gap tributário é de 15,8% para o biênio 2002-2003, e de 12,9% para o biênio 2003-2004. Giles (1999), usando metodologia distinta, em estudo acadêmico, calculou o gap tributário para a Nova Zelândia, que foi estimado entre 6,4% e 10,2%. 8 Fonte: www.customs.hmrc.gov.uk De acordo com Tanzi (2000, p. 25), “da literatura disponível, parece que um terço do potencial tributário pode estar sendo evadido em países selecionados da América Latina e alguns países mediterrâneos”. Arvate e Lucinda (2004) citam dados de Kinglmair e Schneider (2004) a respeito da economia informal. Para países latino-americanos, as estimativas do tamanho da economia informal, em relação ao PIB, são apresentadas na tabela 1. A média da economia informal para os países da amostra é de 41% do PIB. Vemos que alguns dos países com índices mais altos de economia informal (Bolívia e Peru), também apresentam carga tributária inferior ao potencial estrutural. Tabela 1 – Economia Informal em Países Selecionados País Economia Informal* Argentina 25,4 Bolívia 67,1 Brasil 39,8 Chile 19,8 Colômbia 39,1 Costa Rica 26,2 Equador 34,4 Guatemala 51,5 Honduras 49,6 Jamaica 36,4 México 30,1 Nicarágua 45,2 Panamá 64,1 Peru 59,9 Re. Dominicana 32,1 Uruguai 51,1 Venezuela 33,6 * em percentual do PIB Fonte: Arvate e Lucinda (2004), citando originalmente Kinglmair e Schneider (2004) in Nascimento (2008). Follmann (2001, apud Pohlmann 2006, p.48) comentando a obediência tributária diz: “os contribuintes brasileiros agem de acordo com o sistema de incentivos e com preceitos sociais, constituindo, estes, os argumentos mais fortes para a explicação dos níveis de ineficiência verificados na arrecadação do Imposto de Renda.” Do mesmo autor, na seqüência: “foi constatado que o aparato tributário brasileiro é composto por leis e normas de fácil descumprimento, por um sistema judiciário condescendente e por uma administração fiscal quase que inerte.” “[...] um baixo índice de funcionários da administração tributária por 1.000 habitantes: 0,13; esse índice permitiria a auditoria de 4,89% dos contribuintes do IRPJ e de 0,37% dos contribuintes do IRPF, para 1995.” E ainda “A Secretaria da Receita Federal, utilizando dados referentes a CPMF, tentando estimar a amplitude da evasão fiscal, chegou ao resultado de que algo em torno de 34% dos pagamentos potencialmente tributáveis não era capturado pelo sistema.” Noticia vinculada a imprensa em 21 de julho de 2010: “O Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) divulgaram hoje (21), em São Paulo, o novo Índice da Economia Subterrânea, que compreende toda a produção de bens e serviços deliberadamente não reportada aos governos. Graças ao aperfeiçoamento do índice, obtido a partir da inclusão de nova metodologia de apuração pela FGV, foi possível, pela primeira vez, conhecer o tamanho da economia subterrânea: R$ 578 bilhões em 2009, o que corresponde a 18,4% do PIB brasileiro 9.” Com a carga tributaria brasileira de 35% do PIB teríamos, só aqui, um gap tributário da ordem de R$ 202 bilhões, por ano. Recurso suficiente para aplicar em inúmeras necessidades do país, tais como infraestrutura (ferrovias, portos, aeroportos, estradas) e/ou serviços (saúde, educação, segurança) e ainda, poder-se-ia reduzir a carga tributaria, principalmente a dos salários. Alm (1991, apud Pohlmann 2006, p.41) comenta vários experimentos já realizados por pesquisadores e suas conclusões, na área de obediência tributária, in verbis: a) A obediência é menor dentre os sujeitos que afirmaram que a sua tributação era maior do que de outros, e a obediência é maior dentre os sujeitos que disseram que sua carga tributária era menor. Ou seja, a percepção da iniqüidade fiscal afeta a obediência. b) A obediência individual declina se o sujeito acredita que recebe menos do que os outros, em termos de benefícios e serviços públicos. c) A decisão de obediência é afetada pela presença de incerteza quanto à probabilidade de auditoria, apesar de os efeitos serem uns tanto complicados. d) Os sujeitos que sofreram auditoria reportaram mais renda posteriormente e) Alguns indivíduos não evadem por razões morais. f) Indivíduos que podem evadir tendem a trabalhar mais do que aqueles que não têm essa oportunidade. g) Após uma anistia fiscal, há um declínio da obediência tributária. h) Alguns indivíduos superestimam a probabilidade de auditoria e pagam mais do que o modelo da utilidade sugeriria. i) A obediência está relacionada com a presença de fornecimento de bens e serviços públicos ao contribuinte. j) A obediência é maior quando indivíduos votam no uso dos recursos arrecadados k) Prêmios para a obediência tributária aumentam o nível desta Assim percebe-se que por várias razões o contribuinte é levado a correr o risco da evasão, além da dificilmente ser flagrado, como demonstrado acima. 3.2 EXEMPLOS BRASILEIROS DE REDUÇÃO DO GAP TRIBUTARIO 9 http://www2.uol.com.br/canalexecutivo/notas101/2107201010.htm Não resta dúvida de que o combate à evasão fiscal deve ser feito por múltiplas vias e segundo uma estratégia clara por parte da AT. Isto se torna ainda mais agudo quando se pensa num mundo tendente a aldeia global. Nascimento (2008) apresentada alguns procedimentos que, entende, como positivos e eficientes no combate a evasão fiscal (redução do gap tributário) nas situações em que foram aplicados. 3.2.1 Tributação em Bases Universais Até 1995, o Brasil adotava a tributação com base territorial, o que fazia com que a tributação da renda só alcançasse o resultado efetivamente auferido dentro do País, fazendo com que os resultados de empresas brasileiras no exterior não fossem tributados pelo IRPJ. Essa medida, além de adequar a legislação brasileira à prática internacional, fechou uma grande lacuna que permitia a transferência de resultados fiscais para o exterior com a clara intenção de não pagar o imposto no Brasil. 3.2.2 Legislação de Preços de Transferência Embora atos legais anteriores tenham tangenciado a questão de preços de transferência no Brasil, o marco referencial legal que estabelece as regras para aplicação desses preços data de 1996. A nova lei permitiu ao Brasil inserir-se no competitivo mercado mundial e preparar-se para o crescimento do Mercosul, pois fixou regras tributárias claras, bem como a adoção do consagrado princípio “arms length”, e usou terminologia semelhante à utilizada nos demais países, aplicáveis às transações entre empresas vinculadas. 3.2.3 Legislação sobre Paraísos Fiscais À medida que tem avançado o processo de competição tributária internacional, inclusive com a proliferação de paraísos fiscais, muitos governos se sentem prejudicados. Só em 1995 o Brasil resolveu adotar legislação unilateral que estabelece medidas para proteger o Tesouro Nacional. Foi a partir deste momento que a legislação brasileira passou a tratar do assunto e estabeleceu definição de paraíso fiscal de forma objetiva, sendo assim considerados os países que não tributam a renda ou que a tributem à alíquota máxima inferior a vinte por cento. 3.2.4 Retenção na Fonte A retenção na fonte é reconhecidamente um dos mecanismos mais eficazes no combate à evasão. A retenção seria apenas mera antecipação de imposto que seria totalmente pago em momento posterior. No Brasil, são várias as situações em que se aplicam mecanismos de retenção na fonte: a) A obrigatoriedade de retenção e recolhimento ao Tesouro, pelos órgãos públicos, a partir de 01/01/97, dos tributos oriundos do fornecimento de bens e prestação de serviços a esses órgãos. O sucesso da medida fez com que a mesma fosse estendida às empresas privadas, a partir de 2004, pois estas são mais fáceis de controlar que o universo de seus fornecedores (Figura 3.1); RETENÇÃO NA FONTE PJ/PJ (LEI Nº 9.430/96, ART. 64 e LEI Nº 10.833/03, ART. 30 e 34) (A PREÇOS DE DEZEMBRO/05 - IPCA) PERÍODO: 1997 a 2005 14.000 VALORES EM MILHÕES DE REAIS 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Figura 3.1 - Fonte: Secretaria da Receita Federal, CIAT, 2006 b) A obrigação de retenção na fonte do IR na Justiça do Trabalho. Verificou-se que nos processos trabalhistas, muitos contribuintes não ofereciam à tributação os valores conquistados. c) Planos de previdência privada. O mercado oferecia planos como se fossem isentos do IR, se os resgates fossem efetuados até o limite de isenção. Na realidade, esse limite é aplicável ao total dos rendimentos recebidos no mes pelo contribuinte pessoa física. d) Incidência de imposto de renda na fonte de 0,005% nas liquidações em bolsa. Além de identificar os contribuintes que operam nos mercados de capitais, esta retenção ajuda a estimar o volume de recursos transacionados. 3.2.5 Adoção de Regimes Monofásicos Verificou-se que certas cadeias produtivas, em geral aquelas que possuem um varejo muito pulverizado em pequenas empresas, são mais tendentes a apresentar evasão. Em especial os setores de combustíveis, automóveis e autopeças, farmacêutico, cigarros e bebidas. Para ilustrar os resultados vejam-se as figuras 3.2 e 3.3. Figura 3.2 -Fonte: Secretaria da Receita Federal, CIAT, 2006 1.1.1.1.1.1.1 ARRECADAÇÃO DO PIS/COFINS DO SETOR DE COMBUSTÍVEIS (A PREÇOS DE DEZEMBRO/05 - IPCA) PERÍODO: 1998 A 2005 16.000 VALORES EM MILHÕES DE REAIS 14.000 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 1998 1999 2000 2001 REFINO DE PETRÓLEO 2002 2003 2004 2005 DISTRIBUIDORAS Figura 3.3 -Fonte: Secretaria da Receita Federal, CIAT, 2006 3.2.6 Adoção de Tributação Específica (alíquota ad rem) Como uma complementação do regime monofásico, no caso de produtos que são de difícil controle, alta tendência à sonegação e alta tributação, o Brasil adotou alíquota específica (ad rem) por quantidade. Isso se aplica especialmente a cigarros, bebidas e combustíveis, e ajuda a ter um controle mais estreito relativamente à produção. 3.2.7 Medidores de Vazão na Indústria de Bebidas A comercialização de bebidas merece atenção constante do Fisco brasileiro. Em 2005 as vendas de cerveja no mercado interno, cresceram perto de 6%, mas a arrecadação de impostos correspondente cresceu cerca de 15% (SRFB, 2006, p.10). Isto pode ser creditado, em parte, à obrigatoriedade do uso dos medidores de vazão nas fábricas. 3.2.8 Fiscalização e Sigilo Bancário A SRFB tem buscado ampliar o respaldo legal para vasculhar operações ilícitas. Nesse sentido, a Constituição Brasileira de 1988 permitiu o acesso dos agentes da Receita Federal às informações financeiras de contribuintes. 3.2.9 DECRED e DIMOB Em 2003 foi instituídas a Declaração de Operações com Cartão de Crédito (Decred), cuja apresentação é obrigatória para as administradoras de cartão de crédito. Ainda em 2003 foi instituída a Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (Dimob), cuja apresentação é obrigatória para construtoras e incorporadoras, que comercializarem unidades imobiliárias por conta própria; e para imobiliárias e administradoras de imóveis, que realizarem intermediação de compra e venda ou de aluguel de imóveis. 3.2.10 CNPJ e CPF de Estrangeiros Desde 2002 tornou-se obrigatório o registro nos cadastros da RFB de estrangeiros, pessoas físicas ou jurídicas, que possuam bens imóveis, aeronaves e embarcações no Brasil. 3.2.11 Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) Uma das alterações legislativas mais importantes dos últimos tempos, no Brasil, foi a criação da CPMF, em 1997, sucedendo ao Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, cobrado desde 1994. Em dezembro de 2007, o Congresso Brasileiro não prorrogou a vigência da EC 21. Assim a CPMF deixou de existir. Além de produzir expressiva arrecadação10 a um custo administrativo muito baixo, a CPMF era um dos poucos tributos que tinha incidência sobre a economia informal. 10 Em 2005, a CPMF arrecadou perto de 1,3% do PIB, com a alíquota de 0,38%, considerada bastante baixa (SRFB, 2006, 14). 3.2.12 Integração com a Receita Previdenciária Em maio de 2007, pela Lei 11.457, houve a integração entre a Secretaria da Receita Federal (que desde 1968 administrava conjuntamente as receitas internas e aduaneiras) e a Secretaria da Receita Previdenciária (que administrava as contribuições previdenciárias). Esse processo de integração tem por objetivos a otimização dos recursos materiais e humanos, a redução de custos operacionais, a simplificação de processos e a integração dos sistemas de atendimento, controle e de tecnologia da informação. 4. CONCLUSÃO Para concluir a linha de raciocínio aqui desenvolvida este trabalho analisou o potencial tributário como meta da AT, especialmente no sentido de se buscar um parâmetro pelo qual a organização possa estabelecer uma medida de eficácia. Este parâmetro são as margens de evasão a variável que deveria ser utilizada como referência para estruturar os objetivos da AT. Não a arrecadação total.Considerando-se que o sistema tributário deve ser aplicado sobre a base econômica de um país, a constituição desta base influencia e molda o potencial tributário. Determinadas variáveis econômicas têm forte correlação com a carga tributária. A análise do potencial arrecadatório é relevante para fins de política tributária, de modo a definir a melhor estratégia para se buscar equilíbrio fiscal, se por via de aumento de receitas ou de corte de despesas. O conceito legal é fruto da decisão coletiva da sociedade de quanto tributar para sustentar o Estado e, portanto, da decisão de qual tamanho de Estado que se deseja ter. Certos países desejam o Estado fortemente presente, e a carga tributária para sustentá-lo exige esforço fiscal considerável em relação ao potencial estrutural da economia. Outros preferem não explorar todo o potencial estrutural de que dispõem. Há também países que, apesar de definirem o marco legal para explorar todo o potencial estrutural, não conseguem fazê-lo por incapacidade institucional, e acabam com uma carga tributária muito inferior a ambos os potenciais. A AT deve estar munida de análises para determinar qual a melhor estratégia para cumprir sua missão. Estabelecida a minimização do gap tributário como meta, é necessário compreender qual o tamanho e composição deste gap. Apenas a partir desta análise é que a AT poderá tomar decisões seguras, inclusive, quanto a que tipo de ferramenta (controle ou serviços) mais utilizar para alcançar seu potencial. Esse tipo de análise torna-se primordial atualmente, sobretudo para ATs de países em desenvolvimento, que têm a tarefa de reduzir o gap tributário em ambiente externo (econômico estrutural) bastante favorável à evasão e com capacidade institucional e administrativa bastante limitada. Estabelecidas e conhecidas as variáveis de arrecadação, a partir daí, também pode ser estabelecido o valor não arrecadado ou evasão fiscal, -gap tributário. Este é diferente para cada país em função do seu estágio de desenvolvimento e do envolvimento político de sua população nos interesses coletivos. Num Estado predominantemente industrial (desenvolvido) o gap tributário é menor, pois permite um maior controle arrecadatório/tributário. O mesmo não acontece num Estado em desenvolvimento que apresenta uma economia mais dispersa, fato que dificulta a presença e/ou eficiência da máquina arrecadatória. Tanto o acompanhamento, como a análise da evolução da arrecadação permitem identificar oportunamente desvios com respeito ao gap tributário, produzindo a informação necessária para a tomada de decisões no organismo fiscal. Ou seja, a Administração Tributária será mais eficaz à medida que consegue minimizar o gap tributário. Uma Administração Tributaria será bastante eficiente na redução do gap tributário, à medida que investir maciçamente em tecnologia de informação e, principalmente, no treinamento de seus agentes. O Estado que simplesmente ignora o fato concreto de que a receita tributária efetiva, está sendo sistematicamente distanciada da receita potencial, gerando gap, está causando prejuízo objetivo, mensurável e definitivo para toda a sociedade. 5. REFERÊNCIAS ALM 1991, apud POHLMANN, M.C. e IUDÍCIBUS, S. – Tributação e Política Tributária: Uma Abordagem Interdisciplinar. Ed Atlas. São Paulo. 2006, p.41. ARVATE E LUCINDA. A Study on the Shadow Economy and the Tax Gap: The case of CPMF in Brazil, FGV, 2004. BAGCHI ET ALLI. An Economic Approach to Tax Administration Reform, Discussion Paper n. 3, International Centre for Tax Studies, University of Toronto, 1995. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. BRASIL. Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007. Administração Tributária Federal. Brasília, DF: Senado, 2007. DAS-GUPTA E MOOKHERJEE. Incentives and Institutional Reform in Tax Enforcement, Conceptual Approaches to Tax Policy in Developing Countries, 1998. DAVOODI, H. AND D. GRIGORIAN, 2007. “Tax Potential vs. Tax Effort: A CrossCountry Analysis of Armenia's Stubbornly Low Tax Collection,” IMF Working Paper No. 07/106. Washington, DC. GILES, D. 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