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ARTIGO
Tomas Bonierbale et al.
ÉTICA E CUIDADOS PALIATIVOS NA ABORDAGEM DE DOENÇAS TERMINAIS*
ETHICS AND PALLIATIVE CARE IN THE TREATMENT OF TERMINAL DISEASES
ETICA Y CUIDADOS PALIATIVOS EN EL ABORDAJE DE ENFERMEDADES TERMINALES
Maria Goretti Sales Maciel
Resumo: Os Cuidados Paliativos surgiram oficialmente como prática distinta na área da saúde no Reino Unido, na década de 60, do século XX, a partir da criação do St Christhopher Hospice, em Londres,
fruto do trabalho da médica Cicely Saunders. Essa médica inglesa inovou ao sistematizar o conhecimento
voltado para o alívio da dor e do sofrimento inerentes ao final da vida por meio de abordagem que concilia
os aspectos orgânico, psicoemocional, social e espiritual da pessoa doente e daqueles que participam de
sua vida: família, amigos próximos e convivas. O controle dos sintomas clínicos a qualquer momento e a
condução correta e coerente do processo final são o objetivo primordial da Medicina Paliativa, que trabalha
em conjunto com os outros profissionais da equipe de saúde para compor todos os aspectos dos Cuidados
Paliativos. Cuidar da pessoa doente e não apenas da doença, o que acarreta abordagem holística e multidisciplinar. Cuidar da família com tanto empenho quanto do paciente. A busca do conforto e da qualidade
de vida por meio do controle de sintomas pode se traduzir em mais dias de vida, no que não há nenhum
inconveniente. O artigo trata da necessidade de educar profissionais para prover Cuidados Paliativos com
qualidade, e da educação também para a população, em geral, sobre os princípios e benefícios dos Cuidados Paliativos.
Palavras chave: Cuidados paliativos. Historia. Ética.
Abstract: Palliative care emerged officially as a distinct practice in health field in the 60s in UK with the
creation of St Christhopher Hospice in London, as a result of doctor Cicely Saunders’ work. That English
doctor innovated in systematizing knowledge toward the relief of pain and suffering inherent to the end
of life through an approach that combines organic, psycho, social and spiritual aspects of the sick person
and those involved in his life: family, close friends and guests. The control of clinical symptoms at any
time and consistent and correct conduction of the final process is the primary goal of Palliative Medicine,
which works closely with other professionals of the health care team to make up all aspects of Palliative
Care. Caring for the sick person and not just the disease, which means an holistic and multidisciplinary
approach. Caring for the family as hard as for the patient. The search for comfort and quality of life
through symptom control can result into more days of life. This paper shows the need to educate professionals to provide quality Palliative Care, and also of education for the general population about the
principles and benefits of Palliative Care.
Keywords: Palliative care. History. Ethics.
Resumen: Oficialmente, los cuidados paliativos surgieron como una práctica distinta para la salud en el Reino Unido en los años 60 del siglo XX, desde la creación del San Christhopher Hospice, en Londres, producto
del trabajo médico de Cicely Saunders. Esta médica inglesa ha innovado para sistematizar el conocimiento
hacia el alivio del dolor y el sufrimiento inherente al fin de la vida a través de un enfoque que relacione
aspectos orgánicos, psíquicos, sociales y espirituales del enfermo y de aquellos que participan de su vida:
familia, amigos cercanos e invitados. El control de los síntomas clínicos en cualquier momento y la conducción correcta y coherente del proceso final es el objetivo principal de la Medicina Paliativa, trabajando en
conjunto con otros profesionales del equipo de salud para componer todos los aspectos de los Cuidados
Paliativos. Tratar el enfermo y no sólo la enfermedad. lo que causa una visión holística y multidisciplinaria.
El cuidado de la familia tanto como del paciente. La búsqueda de bienestar y calidad de vida a través de
control de los síntomas puede traducirse en más días de vida, lo que no hay inconveniente. Este texto
discute la necesidad de educar a los profesionales para fornecer cuidados paliativos con calidad y también
de la educación para la población en general sobre los principios y beneficios de los Cuidados Paliativos.
Palabras clave: Cuidados Paliativos. Historia de los cuidados paliativos. Ética y cuidados paliativos.
* Artigo recebido em maio 2010
Aprovado em julho 2010
Cad. Pesq., São Luís, v. 17, n. 1, jan./abr. 2010.
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Maria Goretti Sales Maciel
1 INTRODUÇÃO
Os Cuidados Paliativos foram definidos e recomendados pela Organização Mundial de Saúde – OMS – em 1990. Em 2002, o
conceito foi revisto e ampliado: conjunto de
medidas destinadas ao cuidado de pacientes
e familiares quando se encontram diante de
uma doença ativa, progressiva e ameaçadora
à continuidade da vida. O objetivo é proporcionar a prevenção e o alívio do sofrimento
por meio de uma identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros
sintomas desconfortantes, de natureza física,
psicossocial ou espiritual (BARBOSA; GALRIÇA, 2006; MACIEL, 2007 e 2006; World Hearth
Organization, 1990).
Na prática, o controle de sintomas indesejáveis e o suporte emocional, social e espiritual dos quais pacientes e familiares necessitam
devem ter início quando se realiza o diagnóstico de qualquer doença grave e que ameaça a
continuidade da vida.
Significa unir os esforços de uma equipe
de profissionais e voluntários para que o paciente e sua família se sintam seguros o bastante para enfrentar o tratamento, qualquer
que seja o resultado, as recidivas, a evolução
da doença, a fase em que o tratamento não é
mais capaz de controlar a doença e os momentos finais da vida.
Nascer e morrer são duas etapas da vida
pelas quais todos nós teremos que passar.
Ambas acontecem de forma complexa e requerem cuidados muito ativos, a fim de serem
prevenidas e tratadas intercorrências indesejáveis. Porém, com relação ao final da vida,
muito pouco esforço se faz para adequar o
tratamento, e normalmente se dá continuidade a todas as medidas curativas, ainda que
não tragam benefícios para pacientes sem
chances de cura.
Os Cuidados Paliativos surgiram oficialmente como prática distinta na área da saúde no
Reino Unido, na década de 60, do século XX,
a partir da criação do St Christhopher Hospice,
em Londres, fruto do trabalho da médica Cicely
Saunders. Essa médica inglesa inovou ao sistematizar o conhecimento voltado para o alívio da
dor e do sofrimento inerentes ao final da vida
por meio de abordagem que concilia os aspectos orgânico, psicoemocional, social e espiritual da pessoa doente e daqueles que participam
de sua vida: família, amigos próximos e convivas (DE SIMONE; TRIPODORO, 2004; DOYLE;
HANKS; MACDONALD, 1998; MACIEL, 2006).
O trabalho da médica Saunders gerou o
movimento conhecido até hoje por Movimento
Hospice Moderno, ampliando o entendimento
da palavra “hospice”. Não mais apenas local
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onde se exerce a prática dos Cuidados Paliativos, mas filosofia de trabalho (DOYLE; HANKS;
MACDONALD, 1998; MACIEL, 2006).
Em 1973, a médica Elizabeth Klüber-Ross,
psiquiatra suíça radicada nos Estados Unidos,
convidou Saunders a participar de um seminário, e introduziu na América o Movimento Hospice. Em 1974, era criado o primeiro hospice
americano (KLÜBER-ROSS, 1998).
A partir de então os Cuidados Paliativos
passam a integrar, em vários países, a assistência aos doentes em fase terminal. As
pesquisas sobre o controle com excelência
dos sintomas e a assistência devida ao doente gravemente acometido começam a se
multiplicar.
A Medicina Paliativa foi reconhecida como
especialidade médica no Reino Unido em 1985,
e em seguida em outros 15 países de cinco
diferentes continentes. A nova especialidade
reafirma o papel do médico como guardião da
vida, entendendo que a morte é processo natural, mas complexo, e que precisa de atenção
especial de toda a equipe de profissionais da
saúde (DOYLE; HANKS; MACDONALD, 1998;
DOYLE; JEFFREY, 2000).
O controle dos sintomas clínicos a qualquer momento e a condução correta e coerente do processo final são o objetivo primordial da Medicina Paliativa, que trabalha
em conjunto com os outros profissionais da
equipe de saúde para compor todos os aspectos dos Cuidados Paliativos.
Os princípios desse atendimento foram
reafirmados em documento da Organização
Mundial de Saúde, em 2002, e podem ser
traduzidos como (World Health Organization, 1990; 2004):
1. Respeitar a vida e perceber a morte
como fato natural.
2. Entender que o processo de morrer
necessita de cuidados especiais, e
que deve ser conduzido com habilidade suficiente para não abreviar a vida
e não prorrogar inutilmente o sofrimento.
3. Cuidar da pessoa doente e não apenas
da doença, o que acarreta abordagem
holística e multidisciplinar.
4. Cuidar da família com tanto empenho
quanto do paciente.
5. Os sintomas inconvenientes e a dor precisam ser prevenidos e tratados de forma impecável.
6. A busca do conforto e da qualidade
de vida por meio do controle de sintomas pode se traduzir em mais dias
de vida, no que não há nenhum inconveniente.
Cad. Pesq., São Luís, v. 17, n. 1, jan./abr. 2010.
Ética e cuidados paliativos na abordagem de doenças terminais.
7. O tratamento paliativo deve ser iniciado o mais precocemente possível,
concomitantemente
ao
tratamento
curativo, e deve lançar mão de todo
esforço necessário para a melhor compreensão e controle dos sintomas.
A aplicação fiel desses princípios na prática
médica não é tarefa simples, e necessita que o
paliativista acumule conhecimento específico,
experiência clínica e poder de decisão. A necessária individualização do tratamento requer
a formação de um vínculo estreito com o paciente e sua família, tarefa que se torna muitas
vezes dolorosa para os profissionais.
Em 2004, um novo documento publicado
pela OMS, “The Solid Facts - Palliative Care”,
reafirma e justifica a necessidade de incluir
os Cuidados Paliativos como parte da assistência integral à saúde, integrando o atendimento a todas as doenças crônicas e especialmente nos programas de atenção aos
idosos. O documento fala da necessidade
de educar profissionais para prover Cuidados Paliativos com qualidade, e da educação
também para a população em geral sobre os
princípios e benefícios dos Cuidados Paliativos (DAVIES; HIGGINSON, 2004).
2 INDICAÇÃO DOS CUIDADOS
PALIATIVOS
Quando se fala em doença ativa, progressiva e ameaçadora da continuidade da vida,
um grande leque de doenças se abre. Significa que os cuidados paliativos podem e devem
ser indicados quando da existência de doenças
crônicas em diferentes fases de evolução. Trata-se da possibilidade da morte por evolução
natural de um processo de adoecer, que pode
se arrastar por anos.
Só não é possível aplicar os princípios dos
Cuidados Paliativos quando há morte súbita
por doença, acidente ou violência.
Porém, a diferença na amplitude dos cuidados e na sua pertinência depende da fase
em que se encontra a doença e na história natural de cada uma delas.
Para pacientes com câncer, sabe-se que o
contato com o diagnóstico é a fase mais difícil,
e que sempre se necessita de suporte emocional para enfrentar o período de tratamento e
as adaptações ao adoecer. É doença eminentemente ameaçadora. O tratamento pode trazer
desconforto, a dor pode se manifestar como
primeiro sintoma ou ser conseqüente ao próprio tratamento, e nunca ser desconsiderada.
O tratamento adequado da dor em qualquer
doença é imprescindível e sua presença deve
ser inaceitável.
Cad. Pesq., São Luís, v. 17, n. 1, jan./abr. 2010.
Após determinado período, por falência
do tratamento ou recidiva, a doença evolui
de forma progressiva e inversamente proporcional à condição clínica e capacidade funcional do doente. O declínio é perfeitamente
visível, e os Cuidados Paliativos se tornam
imperativos. Chega-se a um período no qual
a morte é inevitável e uma cadeia de sinais
e sintomas anunciam sua proximidade. Esse
período, chamado de fase final da vida, requer atenção especial, vigilância intensa e
uma terapêutica especializada e absolutamente voltada para o alívio dos sintomas do
paciente (figura 1).
Figura 1- Pacientes com câncer
A grande arte da assistência a essa fase
da vida, por sua vez, é proporcionar o devido conforto sem que a consciência fique
comprometida a ponto de tirar do paciente
sua capacidade de se comunicar (BARBOSA;
GALRIÇA NETO, 2006; DAVIES; HIGGINSON,
2004; DOYLE; HANKS; MACDONALD, 1998;
LYNN; ADAMSON, 2003; MACIEL, 2006).
Para doentes portadores de outras patologias crônicas como as falências funcionais e
as síndromes demenciais, o comportamento
da doença tende a ser mais lento, cheio de intercorrências, designadas como crises de necessidades. A cada crise, a capacidade funcional do doente declina e a recuperação nunca
o remete ao patamar funcional anterior. Até
que se crie uma situação de alta dependência.
Nesse momento, a paliação se torna imperativa e contra-indicam-se os tratamentos invasivos e dolorosos, sob pena de proporcionar
apenas prolongamento inútil de sofrimento. O
doente deve, sim, continuar a receber cuidados essenciais e suporte de vida, incluindo a
atenção constante da família e de seu entorno
afetivo, de modo a jamais se sentir abandonado ou maltratado. Fase na qual normalmente o
doente já não mais conversa e tem muita dificuldade em expressar sofrimento e sintomas.
O cuidador atento desenvolve poder de obser49
Maria Goretti Sales Maciel
vação e comunicação silenciosa com o doente.
O objetivo é perceber diferentes necessidades,
proporcionando-lhe o necessário conforto (figura2).
Figura 2- Doenças Crônicas
O processo final pode advir de uma complicação de difícil controle ou simplesmente
falência funcional múltipla, determinada por
danos preexistentes e acumulados nas diferentes crises de necessidades. (BARBOSA;
GALRIÇA NETO, 2006; DAVIES; HIGGINSON,
2004; DOYLE; HANKS; MACDONALD, 1998;
LYNN; ADAMSON, 2003; MACIEL, 2006; PESSINI, 2003; VILLAS-BÔAS, 2005).
Para o grande sequelado neurológico (vítima de acidentes vasculares cerebrais graves
ou múltiplos), traumatismos ou outras condições que determinaram dano neurológico
grave e irreversível, a condição é semelhante,
com a diferença de que a incapacidade funcional se instala de forma aguda (figura 3);
(BARBOSA; GALRIÇA NETO, 2006; DAVIES;
HIGGINSON, 2004; DOYLE; HANKS; MACDONALD, 1998; LYNN; ADAMSON, 2003; MACIEL, 2006; PESSINI, 2003; VILLAS-BÔAS,
2005).
Figura 3- Sequelados Neurológicos
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3 AS FASES DA PALIAÇÃO
Entender o papel dos Cuidados Paliativos
na fase final da vida é mais simples e quase
óbvio. Em processo de morte, a necessidade
de conforto do doente e a atenção à família
são muito bem aceitas. Sobretudo, quando o
processo de morte se instala rapidamente e
decorre de uma doença grave como o câncer.
Porém, a recomendaçwão é de que se iniciem
tão precocemente quanto possível e podem
ser percebidos por meio de diferentes ações.
Tomemos, por exemplo, um paciente que
desenvolve síndrome demencial do tipo Alzheimer. Os primeiros sinais da doença ainda podem passar despercebidos por muitos de nós.
Esquecimentos, lapsos, dificuldade de concentração e de aprendizado são aceitos como normais e pertinentes à velhice. Porém, o diagnóstico e a progressão da doença provocam
grande sofrimento na família. O doente tende
a ser poupado da verdade, e não é encorajado
a tomar decisões antecipadas quanto ao seu
futuro e formas de tratamento a receber.
A perda progressiva da cognição, os gestos
e as perguntas repetitivas são muito dolorosos
para quem convive com o doente. Dor que muitas vezes paralisa. Já nessa fase os cuidados
paliativos se impõem. A boa comunicação deve
ser estimulada, o doente pode ser informado
sobre a progressão de sua doença e, por que
não, decidir se quer permanecer junto à sua família até o final, se gostaria de receber suporte
avançado de vida quando não mais conseguir
por sua conta se alimentar, respirar, virar-se
no leito. Medicamentos e tratamento adequado
com apoio de terapeuta ocupacional e fisioterapeuta são valiosos na prevenção ou retardo
das perdas funcionais, preservação da memória
e de algumas atividades físicas. Tempo de paciência e perseverança. Família participativa na
ajuda ao doente é família que no futuro não se
sentirá culpada diante da evolução inexorável
da doença. Essas são ações paliativas.
A perda funcional torna-se imperativa.
Encarar com a mesma dedicação o cuidado a
quem se torna dependente do outro também é
tranquilizador para a família. Importante que o
idoso demenciado não perca seu papel na família e continue fazendo parte dos acontecimentos familiares, como festas e comemorações. As
intercorrências devem ser detectadas e tratadas precocemente, de preferência evitando-se
a exposição do doente a ambiente hospitalar.
Quando, enfim, chega o período de alta
dependência, os cuidados paliativos se impõem. Torna-se imperioso o trabalho de educação para ações como os cuidados no leito
a prevenção de feridas, os cuidados com a
alimentação, as adaptações da oferta de aliCad. Pesq., São Luís, v. 17, n. 1, jan./abr. 2010.
Ética e cuidados paliativos na abordagem de doenças terminais.
mentos e a comunicação amorosa. Os medicamentos que retardavam a evolução da doença
devem ser suspensos, assim como se deve ter
parcimônia no tratamento de intercorrências,
evitando-se as intervenções agressivas. O
controle da dor, que o imobilismo e os procedimentos de conforto podem trazer, é fundamental. Família presente, consciente de todo o
processo, auxiliada no processo difícil e muitas
vezes arrastado por meses ou anos torna-se
excelente parceira no cuidar, detecta situações
de risco precocemente e previne complicações
e dependências.
O final da vida desse doente pode ser aliviado por meio de analgésicos adequados,
conforto físico, ambiente seguro e amoroso, e
o preparo dos familiares para uma morte digna
e serena, sem sofrimento adicional.
Eis um exemplo de atuação dos cuidados
paliativos diante de doença grave e irreversível, com poucas chances de cura.
Os cuidados paliativos precisam ser rigorosamente administrados no âmbito das práticas
de saúde, com intenso controle e aplicação de
fundamento científico à sua prática, para jamais serem confundidos com descaso, desatenção, ausência de assistência ou negligência
(BARBOSA; GALRIÇA NETO, 2006; DAVIES;
HIGGINSON, 2004; MACIEL, 2007; World Health Organization,2004).
O fato de estar em condição de incurabilidade não significa que não haja mais o que
ser feito à luz do conhecimento acumulado
na área da assistência à saúde. O que muda
é o enfoque do cuidado, que agora se volta
às necessidades do doente e sua família, em
detrimento do esforço pouco efetivo de curar
uma doença.
4 ÉTICA E CUIDADOS PALIATIVOS
A discussão sobre os cuidados pertinentes à
fase final da vida, capítulo importante dos Cuidados Paliativos, envolve questões éticas imprescindíveis, como o direito à autonomia, o julgamento entre a beneficência e a não maleficência,
e a aplicação do princípio da justiça na distribuição da oferta de serviços de saúde (BARBOSA;
GALRIÇA NETO, 2006; DOYLE; HANKS; MACDONALD 1998; PIVA; CARVALHO, 2002).
Para as decisões diante de doenças incuráveis e avançadas serem eticamente aceitas
é necessário todo o cuidado na formulação e
confirmação do diagnóstico, conhecimento da
história natural da doença, avaliação correta
da fase da evolução em que se encontra o doente, e em diagnósticos diferenciais com causas potencialmente reversíveis.
Ser acompanhado por equipe única e ter
excelente registro em prontuário são muito
Cad. Pesq., São Luís, v. 17, n. 1, jan./abr. 2010.
importantes para o bom conhecimento da pessoa, sua biografia e comportamento clínico e
pessoal diante do adoecer.
O Cuidado Paliativo pode e deve ser indicado precocemente. Porém, cabe à equipe
de Cuidados Paliativos a responsabilidade de
não negligenciar tratamento possível, sendo
recomendáveis muitas vezes a sobreposição
da paliação com o tratamento curativo e o
uso de bons recursos diagnósticos que ajudem a compreender e formular diagnósticos
sempre atualizados, não apenas de doenças,
mas do estadiamento e evolução de uma
doença ou intercorrências. O julgamento é
dinâmico, as decisões podem ser revertidas
diante de evolução pouco esperada. O respeito à preservação da vida deve sempre ser
considerado.
Exige da equipe alto grau de competência
clínica e de conhecimento científico, além de
sensibilidade, senso de percepção e humildade
na tomada de decisões. O paliativista acumula
e equilibra ciência e arte, conhecimento técnico e valores humanos. Perfeito conhecimento
de valores éticos, respeito à individualidade e
autonomia, tempo para reflexão e autoconhecimento para não se precipitar em decisões equivocadas (BARBOSA; GALRIÇA NETO, 2006; DE
SIMONE; TRIPODORO, 2004; DOYLE; JEFFREY,
2000; DOYLE, 1999; MACIEL, 2007).
5 DIREITOS DOS PACIENTES
Recente resolução do Conselho Federal de
Medicina permite ao médico, baseado nos preceitos da ética e da competência clínica, suspender ou limitar a oferta de tratamentos e
procedimentos de prolongamento da vida em
situações irreversíveis, durante o processo de
morte. A resolução preserva, por seu lado, o
direito à decisão do paciente ou de seu representante legal (MACIEL, 2006).
Toda a informação necessária à tomada de
decisão deve ser oferecida de forma clara e
acessível, todas as ocorrências e decisões devem ser registradas em prontuário médico e
facultadas ao doente ou seu representante.
No Estado de São Paulo existe a lei estadual 10.241, que define os direitos dos usuários
das ações e dos serviços de saúde. A lei permite ao doente recusar tratamentos dolorosos ou
extraordinários para tentar prolongar a vida e
optar pelo local de morte.
A Academia Nacional de Cuidados Paliativos, entidade associativa de profissionais que
se dedicam ao estudo e à prática dos Cuidados
Paliativos no Brasil, redigiu importante documento no qual define como direitos do paciente (MACIEL, 2007):
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Maria Goretti Sales Maciel
1. Direito à informação:
É fundamental que o doente conheça sua
doença, sua forma de progressão, seu estágio
de evolução e seu prognóstico de vida para que
possa exercer o direito às escolhas necessárias
com relação aos tratamentos que irá receber.
A informação precisa ser clara e precisa,
porém, deve ser administrada com respeito e
atenção aos limites da compreensão e da tolerância emocional do doente.
2. Direito à autonomia:
Decisões fundamentais devem ser discutidas
com o doente ou seu representante legal e sua
vontade sempre respeitada. Para que esse princípio se exerça adequadamente é necessário o respeito ao direito da informação descrito no item 1.
3. Direito à assistência integral:
Todo doente deve ter acesso a ser assistido por uma equipe de vários profissionais,
adequadamente treinados para a execução
dos princípios dos Cuidados Paliativos, e receber assistência capaz de suprir suas necessidades físicas, psicológicas, sociais e espirituais
durante todo o período de sua doença.
Os serviços devem abranger níveis hierarquizados de assistência e serem integrados a
tal ponto do doente não se sentir abandonado
em nenhum momento de sua evolução clínica.
4. Direito ao alívio do sofrimento:
Nenhum ser humano pode morrer em condição de sofrimento insuportável, seja ele de
natureza física, psicológica ou espiritual. A terapêutica de alívio de sintomas e todas as demais medidas precisam ser administradas em
nível de excelência, em todos os momentos e
em particular nos últimos dias de vida, prevenindo situações de extremada agonia para ele
e seus familiares.
5. Direito à intimidade e privacidade:
Durante internações hospitalares para seguimento da fase final da vida, todo doente deverá ter o direito de ser acompanhado por familiar ou outra pessoa de sua eleição, respeitada a
privacidade necessária para a resolução de seus
conflitos mais íntimos, perdões e despedidas.
6. Direito à vida:
Não obstante seja portador de doença
avançada e terminal, não se usará de nenhuma terapêutica que possa abreviar-lhe a vida.
Doentes comatosos devem ser tratados com
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dignidade e respeito, como se a tudo pudessem ouvir e sentir. Nesses casos, o tratamento
da dor não será interrompido abruptamente
por suposições de que ela não mais exista.
7. Direito aos cuidados imediatos após a
morte:
Terminada a vida, o corpo deve ser cuidado com absoluto respeito e privacidade. Devem
ser permitidas as manifestações imediatas de
despedidas e dor dos familiares, acolhendo o
seu sofrimento. A família precisa receber todas as orientações necessárias para os rituais
de funeral, direitos sociais e responsabilidades
com papéis e documentos.
8. Direito à assistência ao luto:
Familiares devem ter acesso ao contato
com a equipe cuidadora no período de luto.
Nessa fase devem ser auxiliados a compreender o processo da doença, a evolução para a
fase final, o tratamento recebido e os últimos
eventos.
6 CONCLUSÃO
A prática dos Cuidados Paliativos tem se
configurado mundialmente como modalidade
de assistência à saúde científica, respeitada e
recomendada por organismos internacionais
como adequada e imprescindível em relação a
doenças crônicas e ameaçadoras à vida.
No Brasil, pretende-se que tal prática seja
conduzida e tratada com a mesma seriedade,
com seu exercício regulado, o conhecimento
científico amplamente divulgado entre profissionais de saúde, com serviços bem treinados
e adequados à boa oferta desse sistema de
cuidados.
A sociedade deve ter acesso à informação
sobre essa possibilidade de assistência, em especial aos cuidados pertinentes ao final da vida,
e exercer o direito cidadão à escolha e acesso
aos cuidados paliativos de boa qualidade.
Todos precisam se preparar para um tempo em que a morte não será mais a grande inimiga a ser vencida. E a certeza de que a vida,
tão preciosa, poderá ter um final feliz e sereno.
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