a realidade dos trabalhadores do calçado pós reestruturação do

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A REALIDADE DOS TRABALHADORES DO CALÇADO PÓS
REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL E SEUS RELATOS
Cíntia Aparecida da Silva1
Helen Barbosa Raiz Engler2
INTRODUÇÃO
O interesse pela temática pesquisada surgiu através de indagações a respeito das
condições de vida e trabalho dos trabalhadores do calçado em Franca/SP e
especificamente quais as estratégias de sobrevivência utilizadas pelos mesmos nos
momentos de desemprego, visto que as alterações ocorridas durante a década de 1990
foram responsáveis por uma nova forma de atuação do Estado Brasileiro, que optou pela
reformulação de políticas sociais e trabalhistas, com vistas ao rebaixamento ainda maior
do padrão de uso e remuneração do trabalho, além do aumento do desemprego
consoante à recorrente assimetria na repartição do trabalho pelo mundo.
A promoção de políticas liberalizantes durante toda a década de 1990
exemplificadas através da alteração do papel do Estado na economia, desregulação dos
mercados de capitais financeiros e do trabalho contribuíram para o maior acirramento da
competição inter-capitalista e nesse tocante, o mundo do trabalho passou a ser palco de
profunda repercussão do novo curso na economia global.
Assim, desemprego, desigualdade de salários e renda se apresentaram crescentes
entre nações ricas e pobres, bem como no interior de cada país, especialmente entre as
economias menos desenvolvidas, como é o caso do Brasil.
Dessa forma, a grave crise do emprego no Brasil não se deve apenas ao
problema da escassez de postos de trabalho, deve-se também ao problema de falta de
renda, fazendo com que segmentos sociais adicionais sejam remetidos para o mercado
1
Assistente Social, Mestranda em Serviço Social pela Unesp - Campus Franca.
End. Rua Santo Antônio, 108 Jordanópolis – Arujá/SP. Fone: (11) 4651-5014
Email: [email protected]
2
Orientadora; Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social da Unesp-Campus Franca
de trabalho quando na verdade deveriam estar fora dele, exemplo disso é o retorno de
idosos ao mercado de trabalho e a ocorrência do trabalho infantil.
Nesse cenário, a alteração do papel do Estado pelos parâmetros da política
neoliberal, entendida como medidas de reforma da economia e do Estado capitalista no
Brasil, capazes de propiciar uma transição a nova hegemonia do capitalismo
monopolista no país e um novo padrão de desenvolvimento capitalista, vinculado a um
novo modo de inserção dependente da economia brasileira em relação à mundialização
do capital.
A supracitada mudança de orientação do Estado brasileiro inicia-se com o
governo Fernando Collor de Melo em 1990 e prossegue com os outros governos da
década, Itamar Franco (1993-1994), Fernando Henrique Cardoso (1994-2001) e segue
atualmente na primeira década do século XXI com o presidente Luís Inácio Lula da
Silva (2002-).
O neoliberalismo considerado como ideologia política da burguesia monopolista
na época da mundialização do capital, não nega a centralidade do papel do Estado na
economia capitalista, mas o reconstitui segundo a lógica das corporações transnacionais.
Ou seja, o “Estado Mínimo” para os neoliberais é na verdade, o “Estado Máximo” para
o capital.
Dessa forma, verifica-se que as expressões da questão social e seu
enfrentamento, e nesse âmbito as políticas sociais se tornaram objeto de verdadeiro
descaso. O enfrentamento da pobreza no país passou a ser orientado por uma lógica
representada pela adoção de um conjunto desarticulado, insuficiente e descontínuo de
programas sociais compensatórios. De outro lado, o modelo econômico baseou-se na
sobre-exploração do trabalho e na concentração da riqueza socialmente produzida, cuja
expressão é o aumento do desemprego, o incremento do trabalho instável e precarizado,
diminuição da renda do trabalho e a conseqüente expansão da pobreza.
A ascensão de um novo padrão tecnológico mudou profundamente a estrutura
produtiva dos países. Essas mudanças surtiram efeitos nas organizações das empresas,
nos métodos de produção, no mercado de trabalho, nos sindicatos e nas políticas
industriais e financeiras dos governos.
Verificou-se ainda que a política neoliberal impulsionou maior integração do
capitalismo brasileiro à mundialização do capital. Neste momento, o processo de
reestruturação produtiva surgiu como uma ofensiva do capital na produção. Assim, a
realização do trabalho sofreu várias transformações a fim de adaptar-se a um ritmo
intenso de acumulação de capital.
OBJETIVOS
É a partir deste contexto, que pretendemos compreender através deste trabalho, quais
foram os impasses, impactos e reflexos sofridos pelos trabalhadores de um setor
produtivo específico, nesse caso, o dos trabalhadores das indústrias calçadistas da
cidade de Franca na esfera de suas vidas cotidianas e de trabalho.
METODOLOGIA
O cenário da pesquisa constitui-se na cidade de Franca, situada no nordeste do Estado
de São Paulo, especificamente, na indústria calçadista francana.
Franca está localizada na região nordeste do estado de São Paulo, sede da 14ª
região administrativa do Estado, composta por 23 municípios. A supracitada cidade
dista 400 km da capital paulista.
O município localiza-se em um altiplano conhecido como “Serra da Franca”, a
1040 metros de altitude, que é o divisor de águas entre as Bacias Hidrográficas do rio
Grande e do rio Sapucaí. A área total apresentada é de 571 km², contando com uma área
urbanizada de 84 km².
A população estimada em 2006, segundo a Fundação Sistema Estadual de
Análise de Dados (Seade) foi de 325.783 mil habitantes, tendo uma taxa de urbanização
de 98,46% e de ruralização de 1,54%. A população economicamente ativa (PEA)
constitui uma média de 48% do total de habitantes, ou seja, 132.650 mil. A faixa etária
predominante é dos 20-49 anos, representando 47,29% da PEA. Assim a renda per
capita da cidade é equivalente a 2,38 salários mínimos.
O piso salarial do sapateiro está em torno de R$ 485,00. Entretanto, o nível de
rendimento apresenta-se baixo em relação ao setor de serviços, sendo que a indústria
apresenta o segmento com maior participação dos empregos ocupados.
Analisando a atividade econômica, examina-se que a mais expressiva no
município é a indústria de calçados de couro, especificamente, a produção de calçados
de couro masculino, nosso foco de pesquisa. Nesse sentido, constatamos que Franca
constitui-se no maior pólo produtor e exportador de calçados masculinos de couro do
Brasil.
A cidade de Franca, atualmente, apresenta característica urbanoindustrial, destacando a indústria de calçados e de curtumes, e
igualmente, desenvolve atividades tradicionais como a agropecuária,
a lapidação de diamantes, além do comércio e da prestação de
serviços diversificados. Sua urbanização decorreu, principalmente, da
industrialização do setor calçadista. (CAMPANHOL: 2000, p. 13)
A ênfase na indústria calçadista e suas implicações no modo de vida e
sobrevivência em Franca são fundamentais para analisar com clareza os elementos que
marcam o mundo do trabalho no referido município.
Para a escolha dos sujeitos colaboradores aplicamos questionário em seis
trabalhadores que se encontravam no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de
Calçados de Franca. Após aplicação do questionário, elencamos critérios de
elegibilidade para escolha dos mesmos. A saber:
•
Tempo de trabalho na indústria calçadista superior a dez anos;
•
Tempo de contribuição junto à Previdência Social superior a dez anos;
•
Realização de trabalhos formais e informais ligados à indústria calçadista e a
outros setores de atividade na cidade;
•
Desenvolvimento de patologias físicas e/ou psicológicas decorrentes do
excesso de trabalho;
•
Relacionamentos familiares;
•
Entrada para a indústria calçadista durante a década de 1980;
Após análise dos questionários selecionamos dois sujeitos colaboradores que
representavam significativamente a intenção da pesquisa.
Analisando o perfil dos dois sujeitos colaboradores podemos considerar que o
primeiro entrevistado é uma pessoa do sexo masculino, de 40 anos de idade
incompletos, solteiro, natural de Miguelópolis, estado de São Paulo, possui o ensino
médio supletivo completo, etnia negra, sem filhos, que atualmente reside com a mãe e
irmão mais velho. O mesmo afirmou ter vindo para Franca devido a conflitos familiares,
pai e irmãos eram alcoolistas e fumantes. Na cidade de Franca sempre trabalhou na
indústria de calçados, exercendo apenas duas funções durante vinte anos no referido
setor produtivo, a saber: catador de prego de sapato nos cinco primeiros anos e
costurador manual na forma nos outros quinze anos.
A segunda entrevistada é uma pessoa do sexo feminino, de 37 anos de idade,
etnia negra, natural de Franca, filha mais velha de uma família de quatro irmãos,
divorciada, possui uma filha de 10 anos, ensino médio completo, trabalha na indústria
calçadista há cerca de 18 anos, entretanto, mesmo quando estava empregada com
carteira assinada realizava trabalhos informais como doméstica, vendedora de roupas,
além de lavar e passar roupas.
Atualmente apresenta problemas neurológicos, depressão e utiliza-se de várias
medicações, tentou suicídio duas vezes e não mais apresenta condições de retorno ao
ambiente e mercado de trabalho, especificamente na linha de produção, devido ao
barulho. A mesma exerceu a função de ranchadeira e posteriormente de chanfradeira.
Assim, para a realização da pesquisa de campo elegeu-se dois sujeitos
colaboradores significativos para a aplicação de entrevista baseada no método de
história oral de vida.
RESULTADOS
As transformações ocorridas no mundo do trabalho durante a década de 1990,
evidenciaram a mudança de orientação do Estado Brasileiro iniciado pelo Governo de
Fernando Collor de Melo que afirmava ser necessário realizar alterações na economia
nacional a fim de inserí-la no comércio internacional, através da abertura comercial,
com o objetivo de superar o atraso tecnológico do país e enfrentar os sérios problemas
econômicos, dentre eles, o aumento da inflação e o baixo crescimento do Produto
Interno Bruto Nacional (PIB).
Para o pretérito presidente, a abertura comercial seria essencial por internamente
estimular os produtores locais a buscar o aumento de sua produtividade. E do ponto de
vista externo, a abertura do mercado interno e a remoção das restrições às importações
recolocaria o país no roteiro internacional.
O governo Fernando Collor de Melo tratou ainda de implementar uma política
econômica e uma política externa que seguiam de perto as recomendações e diretrizes
do chamado Consenso de Washington3.
Assim, assistiu-se a uma ruptura econômica e política que marcou a trajetória de
desenvolvimento do país na última década do século XX. A abertura comercial expôs as
empresas nacionais à competição internacional, impelindo o empresariado a buscar
formas e processos de produzir bens e serviços com melhor qualidade, a preços
competitivos.
Já o governo do presidente Itamar Franco (1992-1993) tinha como principal
função ser o responsável pela transição tranqüila para seu sucessor, Fernando Henrique
Cardoso.
Em 1994 temos a posse de Fernando Henrique Cardoso que tinha como matriz
de seu governo reafirmar o processo de liberalização e de privatização do país. O
supracitado governo elegeu como prioridade absoluta o ajuste e a estabilidade
econômica como condição essencial para a implantação tardia do projeto neoliberal no
Brasil, não dando atenção à agenda social brasileira, e assim, verificou-se que as
questões sociais e seu enfretamento, nesse sentido, as políticas sociais, foram objeto de
verdadeiro descaso. A descentralização e a focalização do gasto social foram medidas
utilizadas, em geral, como forma de ajuste fiscal e consolidação do sistema através de
políticas compensatórias.
Permanece nesse período, a privatização das empresas estatais como pretexto
para pagar a dívida externa do país.
O governo de Luís Inácio Lula da Silva, nos primeiros anos de mandato
manteve a política econômica de seu antecessor, entretanto, na área social visualizamos
um avanço significativo com a predominância de programas de transferência de renda, e
do Programa Fome Zero que desembocou-se no Programa Bolsa-Família que veio no
bojo de uma série de mudanças efetuadas no sistema de proteção social brasileiro,
influenciadas em grande medida pelos ditames de organismos internacionais.
3
As principais recomendações eram: privatização e liberalização econômica, tanto no que tange aos
fluxos de capitais quanto aos fluxos de mercadorias.
Todavia, não poderíamos deixar de ressaltar o modo de produção adotado
tardiamente no país quando se verifica a época de adoção nos demais países do mundo.
As alterações ocorridas no modo de produção e as conseqüências das mesmas na
vida dos trabalhadores, ocasionadas em suma pela junção da acumulação flexível como
o modelo japonês (toyotista), expondo seu objetivo principal que é repensar a
organização do trabalho obtendo ganhos na produtividade e reduzindo custos, sendo sua
ênfase maior na qualidade e na competitividade, além da articulação com o trabalhador,
que é convidado a se tornar polivalente, ou seja, ser capaz de executar várias atividades
ao mesmo tempo.
Verificamos que através dessas mudanças, decorrem a diminuição do operariado
e a precarização das suas condições de trabalho, sendo a maior evidência o desemprego
e suas formas disfarçadas, como o subemprego (trabalho precário, autônomo nãoremunerado ou sub-remunerado) e a terceirização.
Nesse
tocante
de
flexibilização
das
condições
de
trabalho
e
des-
responsabilização do Estado referente aos direitos sociais dos trabalhadores torna-se
mister entender as formas de proteção social ao trabalhador no Brasil. Para tanto a
intenção foi realizar um breve histórico do conceito de Bem-Estar Social e verificar até
que ponto o Brasil conseguiu desenvolver tal Estado em sua esfera social.
Consideramos como marco legal institucional da proteção social no país, a Lei
Elói Chaves de 1923 que estabelece as Caixas de Aposentadorias e Pensões. Sendo esta
lei foi base do moderno sistema previdenciário brasileiro que vigeu até 1966.
Verifica-se que a proposta previdenciária da referida lei não se dirigia aos
trabalhadores em geral, nem se referenciava a um conceito de cidadania, mas criava
medidas de proteção para um grupo específico, tomando a empresa como unidade de
cobertura.
Ao discorrer sobre o campo dos direitos sociais durante a década de 1990,
observamos um período de profunda contradição no campo do bem-estar social, pois de
um lado tem-se um avanço no plano político institucional, representado pelo
estabelecimento da Seguridade Social e dos princípios de descentralização e de
participação social, enunciados na Constituição Federal de 1988. Entretanto, o advento
do neoliberalismo ocasionou o aprofundamento do processo de flexibilização das
relações de trabalho com o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas consagrados.
A expressão seguridade social implica uma visão sistêmica da
política de política social e com este sentido foi inscrita na
Constituição Brasileira de 1988. Ao adotá-la, a Carta consignou o
entendimento da política social como conjunto integrado de ações,
como dever do Estado e como direito do cidadão. Incorporou, assim,
ainda que tardia e nominalmente, uma das grandes marcas do século
XX. Pois, seguridade social é um termo cujo uso se tornou corrente a
partir dos anos 40, no mundo desenvolvido e particularmente na
Europa, para exprimir a idéia de superação do conceito de seguro
social no que diz respeito à garantia de segurança das pessoas em
situações adversas. Significa que a sociedade se solidariza com o
indivíduo quando o mercado o coloca em dificuldades. Ou seja,
significa que o risco a que qualquer um, em princípio está sujeito – de
não conseguir prover seu próprio sustento e cair na miséria -, deixa
de ser problema meramente individual e passa a constituir uma
responsabilidade social, pública. Por isso, a Seguridade Social, em
países avançados, fica de uma forma ou de outra, nas mãos do
Estado. No Brasil, a intenção constituinte integrou as áreas de
Previdência, Saúde e Assistência Social sob a rubrica da seguridade.
Assim, sinalizou possibilidades de expandir as ações e o alcance das
mesmas, consolidar mecanismos mais sólidos e equânimes de
financiamento e estabelecer um modelo de gestão capaz de dar conta
das especificidades que cada área possui, mantendo o espírito geral
de uma proteção universal, democrática, distributiva e nãoestigmatizadora. (VIANNA: 2000, 173-174)
Percebeu-se que o Estado de Bem Estar Social, empregado tardiamente de forma
superficial e ineficiente pelo Estado Brasileiro, além de privilegiar o trabalhador do
setor formal da economia, vem cristalizando uma estrutura de benefícios que só tem
contribuído para a manutenção da profunda desigualdade social que tem marcado a
sociedade brasileira, impedindo a expansão horizontal das conquistas sociais.
Com a prioridade atribuída ao ajuste econômico neoliberal, as políticas sociais
passaram a ser consideradas como variável dependente do crescimento econômico, com
recomendações de cortes nos gastos sociais, ocorrendo conseqüente desativação e
redução de programas sociais, o que vem representando total abandono do movimento
em direção à universalização e ampliação dos direitos sociais, que marcaram as lutas
políticas dos anos 1980.
Para Silva (2006), o maior erro apresentado por tal política é a concepção de que
desenvolvimento econômico se faz sem desenvolvimento social e que este não pode
prescindir do progresso econômico.
Assim, iniciamos o século XXI com distâncias, cada vez mais amplas, entre
indicadores econômicos e sociais. Nosso Sistema de Proteção Social tem se mostrado
incapaz de enfrentar o empobrecimento crescente e a desproteção social de amplo
contingente da população brasileira, sem lugar no mercado de trabalho ou sujeita a
ocupar postos de trabalhos precários, instáveis, sem proteção social e com remuneração
cada vez mais rebaixada.
Os programas sociais têm sido orientados historicamente por políticas
compensatórias e desvinculadas das políticas de desenvolvimento econômico, cujos
modelos só têm servido para incrementar a concentração de renda e a manutenção de
uma economia centrada na informalidade, que exclui a maioria dos trabalhadores dos
serviços sociais que deveriam atender à população mais carente.
Na verdade não chegamos a conhecer o Estado de Bem Estar Social. A cultura
do privilégio nos levou muitas vezes ao Estado de mal-estar social que, ao reproduzir as
estruturas de desigualdade do modelo de crescimento econômico, em geral não foi
capaz de resolver os problemas das maiorias.
Assim, verifica-se que os trabalhadores com vínculo formal podem recorrer aos
serviços do sindicato, aos serviços da empresa, aos serviços previdenciários, aos
serviços sociais públicos, aos serviços particulares contratados, mesmo que precários.
Mas o trabalhador que não possui esse amparo legal fica à mercê de políticas
compensatórias, fragmentadas e descontínuas.
Por isso é importante resistir à tendência de dissociar a política social da política
econômica e a seguridade social do mercado. A seguridade social não pode sucumbir às
pressões em favor da liberdade do mercado em face dos constrangimentos de ter que
financiar e manter a seguridade social, especialmente em seu elenco de benefícios “não
contributivos”.
Com a diminuição do papel e importância do Estado, durante a década de 1990,
a lógica do mercado tornou-se hegemônica e invadiu os espaços sociais que antes não
tinham a sua interferência. Sob a ótica da defesa da diminuição da intervenção estatal na
economia, viabiliza-se um receituário de reduções de gastos sociais, privatizações das
empresas do setor público e desregulamentação dos mercados, principalmente o da
força de trabalho.
CONCLUSÃO
Frente ao exposto, pode-se concluir que as relações e condições de trabalho em Franca
movimentam-se conforme a tendência constante do capital, deteriorando a força
produtiva, pois, o setor calçadista não apresenta inovações tecnológicas significantes e
no trabalho subcontratado os meios de produção são antigos e ultrapassados, além da
indústria apresentar grande dependência de políticas de incentivo por parte do governo.
Verifica-se portanto, que esse desmonte agravou profundamente as políticas
sociais universais, com a restrição de direitos sociais, especialmente na Previdência
Social, dificultando o acesso aos benefícios, tendo em vista que a própria legislação
previdenciária, já se caracteriza como um instrumento de exclusão ao estabelecer
critérios para a inserção a seus benefícios.
Realizamos a análise do relato dos trabalhadores através da elencação de
categorias de estudo, que versaram sobre a entrada para o mundo do trabalho e
especificamente para a indústria calçadista; sobre as alterações ocorridas no mundo do
trabalho a partir da década de 1990; e por fim os impactos da reestruturação produtiva
na vida dos trabalhadores do calçado.
O que se verifica em cada categoria de estudo é que os trabalhadores adentraram
o mundo do trabalho por necessidades pessoais, ambos entraram na indústria calçadista
na década de maior auge da mesma (1980) e que vivenciaram no interior das fábricas
todas as mudanças ocorridas no processo de produção do calçado, seja com a
instauração da esteira mecânica, seja pelo aumento da competitividade entre os
trabalhadores, e pelo rebaixamento dos salários em virtude de momentos de crise.
Assim, os trabalhadores apresentaram problemas familiares sérios que refletiram
em seus ambientes de trabalho e convívio social.
Referente aos trabalhadores que apesar de todas as adversidades continuaram
dentro das fábricas vemos que as alterações na produção foram intensas e exigiram dos
trabalhadores capacidades, habilidades e rapidez extremas.
As mudanças na organização e produção do calçado enfraqueceram a classe
trabalhadora como um todo pois os mesmos passaram a competir dentro da própria
categoria e tal postura enfraquece até mesmo a entidade representativa da categoria,
pois muitos não aceitam mais perder tempo de trabalho para ir ao Sindicato
reivindicarem direitos e/ou melhores condições de trabalho, em
face da maior
produtividade e garantia de salário e renda.
Com a competição e a intensidade que deveriam ser dadas à realização das
tarefas, os trabalhadores deixam de criar vínculos com seus colegas de trabalho,
passando os mesmos a se verem como competidores.
O horário de realização das necessidades fisiológicas passam a ser encarados
como empecilhos para a realização de quantidades maiores de produção.
Assim, ao refletir sobre o relato dos trabalhadores constatamos desse modo, que
para o conjunto da classe trabalhadora, ou “classe-que-vive-do-trabalho”, utilizando
termo de Antunes (1995), o desenvolvimento tecnológico não produziu necessariamente
o desenvolvimento de uma subjetividade cheia de sentido, mas ao contrário, desfigurou
e aviltou a personalidade humana.
E assim encerramos esse trabalho afirmando que a reestruturação produtiva
ocasionou e está ocasionando uma degradação salarial, aumento do ritmo de trabalho,
aumento do desemprego, com sérias conseqüências para suas condições de vida
(material, física e psicológica) e trabalho.
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