Investigação, 15(4):19-26, 2016 REVISÃO DE LITERATURA IMPORTÂNCIA DA VIDEOLAPAROSCOPIA NO ESTADIAMENTO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO DE NEOPLASIAS ABDOMINAIS EM CÃES E GATOS | CLÍNICA E CIRURGIA DE PEQUENOS ANIMAIS Importance of laparoscopy in clinical staging and diagnosis of abdominal neoplasms in dogs and cats ¹ Granduanda em Medicina Veterinária- Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), Ourinhos, São Paulo, Brasil. ²Pós Graduando em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais – Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), Ourinhos, São Paulo, Brasil. ³Pós graduanda em Clínica Veterinária- Universidade do Estado de São Paulo-Faculdades de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP- FCAV), Jaboticabal, São Paulo, Brasil. Professora de técnica e clínica cirúrgica - Universidade Regional de Blumenau (FURB) e Pós graduanda em Clínica Cirúrgica- Universidade do Estado de São Paulo-Faculdades de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP-FCAV), Jaboticabal, São Paulo, Brasil.. 4 Isabela Ribeiro C. Oliveira ¹*, M. V. Guilherme C. Vieira ², M. V. MSc. Marília Gabriele P. A. Ferreira³, M. V. MSc. Ana Lucia de C.R. Pascoli4, M.V. Dr. Andrigo B. Di Nardi5, M.V. Dr. Pedro Paulo M. Teixeira6, M.V. MSc. Nazilton de P. Reis Filho7. Professor de Clínica Cirúrgica Veterinária- Universidade do Estado de São Paulo-Faculdades de Ciências Agrárias e Veterinárias (UNESP- FCAV), Jaboticabal, São Paulo, Brasil. 5 Professor de Cirurgia Veterinária e Diagnóstico por Imagem - Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará, Brasil. 6 Professor de Cirurgia Veterinária - Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), Ourinhos, São Paulo, Brasil. 7 RESUMO ABSTRACT Os processos neoplásicos em pequenos animais apresentam uma incidência crescente na rotina hospitalar. Sendo assim, métodos diagnósticos que facilitem o reconhecimento e o tratamento das neoplasias nessas espécies devem ser cada vez mais utilizados. A laparoscopia é um método diagnóstico que vêm sendo amplamente utilizada em casos oncológicos, apresentando vantagens quando comparada às cirurgias convencionais. As principais indicações da laparoscopia incluem o estadiamento clínico de neoplasias, a avaliação da extensão, operabilidade, ressecabilidade dos tumores, a avaliação de metástases, a realização de biópsias de tumores hepáticos, esplênicos, do aparelho gastrointestinal, urinário, reprodutor e endócrinos. Pensando nisso, objetivou-se com essa revisão de estudos, elucidar a importância da videolaparoscopia no diagnóstico e estadiamento das principais neoplasias abdominais nos cães e gatos. Neoplastic processes in small animals have an increased incidence in the hospital routine. Therefore, diagnostic methods that facilitate recognition and treatment of neoplasms these species are increasingly being used. Laparoscopy is a diagnostic method that has been widely used in cancer cases, with advantages when compared to conventional surgery. The main indications of laparoscopy include clinical staging of malignancies, assessing the extent, operability, resectability of tumors, evaluation of metastases, performing liver tumor biopsies, spleen, gastrointestinal tract, urinary, reproductive and endocrine. Thinking about it, the aim with this review of studies elucidate the importance of laparoscopy in the diagnosis and staging of major abdominal cancer in dogs and cats. Keywords: videosurgery, diagnosis, biopsy, cancer, oncology. Palavras-chave: videocirurgia, diagnóstico, biópsia, neoplasia, oncologia. ISSN 21774080 19 Investigação, 15(4):19-26, 2016 INTRODUÇÃO A ocorrência de processos neoplásicos é cada vez mais frequente na rotina hospitalar de pequenos animais. Pensando nisso, métodos diagnósticos que facilitem o reconhecimento e o tratamento das neoplasias nessas espécies tem sido cada vez mais utilizados (SOUZA et al., 2001; FREEMAN, 2009; MATYJASIK, 2009). A laparoscopia é um método diagnóstico antigo, sendo descrita pela primeira vez em 1901 para a visualização de órgãos abdominais na Medicina Humana e, desde então, vêm sendo amplamente utilizada, apresentando vantagens quando comparada às técnicas por cirurgias convencionais (BRUN; BECK, 1999). Na Medicina Veterinária, Wildt e colaboradores (1977) foram os primeiros a relatarem a utilização da técnica para diagnóstico e visualização de órgãos internos, em que realizaram um total de 190 exames e observaram segmentos de intestino, bexiga, fígado, vesícula biliar, região ventral de estômago, contorno renal e trato reprodutivo. Em relação às biópsias, Grauer et al. (1983) iniciaram os trabalhos descrevendo a utilização da laparoscopia em biópsias renais, onde era possível acompanhar a introdução da agulha e obter amostras adequadas para realização de exame histopatológico. Uma das principais indicações da laparoscopia é nos casos de neoplasias, sendo empregada principalmente para o estadiamento clínico das mesmas, na avaliação da extensão e ressecabilidade dos tumores, e na realização de biópsias (ANDREOLLO et al., 1999). A biópsia laparoscópica deve ser considerada após realizar ou descartar outras opções menos invasivas e de menor custo, como punção aspirativa por agulha fina (PAAF) guiada por ultrassonografia ou biópsia percutânea (LIYNETTA e FREEMAN, 2009). Uma potencial vantagem oferecida pela laparoscopia é a inspeção visual dos órgãos além de permitir que este seja descrito e/ou fotografado para documentação, proporcionando avaliação tridimensional do órgão, abordagem minimamente invasiva para obter amostras de tecidos e revelar lesões metastáticas muito pequenas (menores 0,5 cm), que dificilmente seriam observadas em outros meios de imagem. Trata-se de um meio preciso e definitivo que promove informações que só seriam possíveis por meio da celiotomia (MONNET, 2003; FREEMAN, 2009; BUOTE, 2011). Os outros métodos não invasivos de diagnóstico neoplásico como radiografias ou ultrassonografias, apresentam alta porcentagem de falsos negativos, sendo quanto menor a lesão maior a chance de não ser detectada. Exames mais utilizados na rotina, como a radiografia de tórax, apenas detectam a presença de nódulos metastáticos com tamanho superior à 0,5 cm. Sendo necessário exames imaginológicos mais avançados como a tomografia computadorizada e ressonância magnética para este diagnóstico (WERNEKE, 1991). A laparoscopia é um dos métodos mais sensíveis para identificação de pequenas lesões metastáticas em superfície de fígado e peritônio, permitindo a observação até mesmo de mudanças no aporte sanguíneo que indicam alterações neoplásicas. As pequenas incisões que são necessárias para a realização deste procedimento, possibilitam também o início mais precoce da quimioterapia, pois período cicatricial é menor quando comparado ao prolongado tempo de cicatrização em casos de celiotomias convencionais (MATYJASIK, 2011). ISSN 21774080 20 Em relação aos grandes avanços trazidos pela laparoscopia, esta não está livre de impedimentos e efeitos colaterais. Dentre as complicações, as mais relatadas são embolia gasosa, enfisema subcutâneo e inadvertida penetração de outros órgãos (BUOTE, 2011). A dificuldade de realização em animais menores que 2kg (KUMAR, 2012), o alto custo dos equipamentos, necessidade de cirurgião treinado, longa curva de aprendizado, necessidade de maior tempo cirúrgico, e más condições clínicas do paciente são fatores que limitam a utilização desta técnica na Medicina Veterinária (ROTHUIZEN, 2009; SOUZA, 2012; KUMAR, 2012). No presente estudo, realizou-se uma revisão de estudos com o objetivo de elucidar a importância da videolaparoscopia no diagnóstico e estadiamento das principais neoplasias abdominais nos cães e gatos. Tumores hepáticos Tumores hepáticos primários são raros e correspondem a menos de 1,5% de todos os tumores caninos. Processos neoplásicos metastáticos ocorrem 2,5 vezes mais quando comparado aos tumores hepáticos primários. Nos gatos os tumores hepáticos primários são mais comuns do que metastáticos, dentre eles destaca-se o linfoma, hiperplasia nodular sistêmica e mastocitoma (WITHROW et al., 2013). Suspeitas de tumores hepáticos apresentam alta indicação para realização de biópsias (BUOTE, 2011), sendo esta requerida para se caracterizar a natureza e severidade da neoplasia hepática. Através desta é possível diferenciar uma desordem crônica da aguda e estabelecer um plano terapêutico (KUMAR, 2012). Investigação, 15(4):19-26, 2016 A biópsia hepática é um procedimento relativamente comum e seguro, com baixa morbidade e rara mortalidade, é possível a obtenção de amostras suficientes para realização da histopatologia sem alterações que apresentam significado clínico ao paciente (PETRE, 2012; ROTHUIZEN, 2009; COSTA, 2005; SOUZA, 2012; RADHAKRISNAN, 2008). A videolaparoscopia é uma técnica menos invasiva do que a celiotomia exploratória e permite observação direta do órgão, selecionar os melhores sítios para coleta da biópsia, visualização e controle das hemorragias e rápida recuperação do paciente (COSTA, 2005; ROTHUIZEN; TWEDT, 2009; SOUZA, 2012; VASANJEE, 2006). A biópsia hepática é mais eficaz quando comparada à PAAF, por fornecer maior quantidade de material para o exame histopatológico e, com isso, um diagnóstico mais preciso e confiável. Em um estudo com 124 cães, a PAAF obteve êxito diagnóstico em apenas 48% dos casos comparado a 100% na biópsia. Os autores relacionam o fato pela biópsia com agulha fina conter frequentemente menos de quatro tríades portais, levando a um subaproveitamento da amostra coletada. Nos casos de lesões superficiais, os artefatos causados pela cápsula na PAAF foram maiores e levaram à interpretação errônea de doença hepática difusa, o que não acontece na biópsia pela profundidade do fragmento coletado de, no mínimo, 2 mm de profundidade (COLE, 2002). As complicações inerentes à biópsia hepática, apesar de serem encontradas em números baixos, existem e os riscos podem ser inerentes ao procedimento, sendo os mais comuns a hemorragia, destruição tecidual e não obtenção de amostra adequada (VASANJEE, 2006; ROTHUIZEN, 2009; PETRE, 2012). Em estudo realizado por Petre (2012), em apenas 7,5% dos casos houve complicações, dentre elas a necessidade de transfusão sanguínea por anemia e conversão para celiotomia. Apesar das complicações serem indesejáveis e existentes, elas não influenciaram no prognóstico do paciente. Como o processo pode ser muito mais generalizado do que observado macroscopicamente, indica-se a coleta de 2 a 3 fragmentos, de diferentes lobos, abrangendo a periferia e o centro da lesão (PETRE, 2012). A laparoscopia, juntamente com o exame ultrassonográfico é muito utilizada antes da realização da celiotomia em casos de neoplasia hepática, determinando se a afecção afeta um ou mais lobos hepáticos ou mesmo se está metastatizada para outros órgãos (BUOTE, 2011). A hemorragia resultante da biópsia hepática laparoscópica, de modo geral, não apresenta importância clínica, além de tipicamente ser controlada por compressão direta ou o uso de agentes hemostáticos (ROTHUIZEN, 2009; PETRE, 2012). No estudo de Petre (2012), em apenas nove de 80 pacientes houve necessidade de conversão para celiotomia por conta de hemorragia incontrolada no sitio de coleta. A trombocitopenia e o prolongado tempo de protrombina (PT) estavam significativamente associadas às complicações, ao contrário do ocorrido com coagulopatias pré-operatórias (PETRE, 2012). Outra opção ainda menos invasiva é a técnica de cirurgia endoscópica transluminal por orifício natural (NOTES), utilizada com sucesso por Souza et al (2012), como via para coleta de tecido hepático em cadelas pelo acesso transvaginal, somando a vantagem de menores graus de invasão e traumatismo abdominal e mínima formação de aderências intraperitoneais. ISSN 21774080 21 Tumores esplênicos As informações publicadas sobre biópsia esplênica na literatura Médica Veterinária são muito escassas. Tal fato se deve à natureza das doenças esplênicas dos pacientes, em que a esplenectomia acaba sendo mais indicada quando comparada a biópsia, além do receio pelas possíveis complicações causadas pela manipulação, por se tratar de um órgão altamente vascularizado, e, portanto, com grandes riscos de hemorragias (OLIVEIRA et al. 2015; RADHAKRISNAN, 2013). Todavia, há algum tempo na Medicina múltiplos relatos têm sido descritos descrevendo a biópsia esplênica percutânea ou mesmo a biópsia guiada por imagem como um procedimento seguro e eficaz para o diagnóstico (LIEBERMAN, 2003). O linfoma, o mastocitoma e as neoplasias infiltrativas que comumente acometem o baço, em geral não apresentam formação de massas circunscritas e podem ser identificadas por PAAF (BALLEGEER, 2007). Contudo, nos casos de linfoma de pequenas células, o diagnóstico definitivo normalmente requer análise histopatológica para confirmação (TWOMEY, 2005). Entretanto, a biópsia laparoscópica é um método seguro e minimamente invasivo para obter-se uma amostra do tecido esplênico para histopatológico, e além de contribuir para a redução da morbidade, proporciona um diagnóstico confiável (RADHAKRISNAN, 2013). Radhakrisnan et al. (2013) realizaram 15 biópsias esplênicas através de videolaparoscopia dentre 55 casos encaminhados para avaliação abdominal laparoscópica por doenças sistêmicas ou multifocais. Nestes casos, a hemorragia encontrada foi mínima e muito parecida com a encontrada na biópsia hepática, sem a presença de queda de hematócrito ou necessidade de conversão Investigação, 15(4):19-26, 2016 para celiotomia por hemorragia incontrolável. Todavia sempre se deve tomar bastante cuidado em relação à biópsia esplênica pela alta vascularização do órgão, sendo esta contraindicada em casos de grandes massas neoplásicas onde há o risco de ruptura e consequente hemoperitôneo. Outra característica importante da utilização da técnica é a possibilidade de confirmação do diagnóstico de lesões não neoplásicas por meio do exame histológico (RADHAKRISNAN, 2013). Entretanto, ainda em muitos casos, a esplenectomia se torna parte fundamental do tratamento de afecções esplênicas. Com o intuito de diminuir a morbidade, pesquisas apontam que desde 1991 várias afecções esplênicas, incluindo as neoplasias, vêm sendo tratadas por meio de esplenectomia laparoscópica. Este procedimento cirúrgico é considerado avançado devido ao complexo suprimento sanguíneo esplênico e sua estreita correlação anatômica com o estômago, cólon e pâncreas (PETROIANU; NETO, 2006). A partir de três acessos posicionados seguindo os princípios de triangulação da laparoscopia, o hilo esplênico é exposto e seccionado com auxílio de uma pinça de eletrocirurgia bipolar e tesoura de Metzembaum. Em seguida, o tecido é retirado com a utilização de um saco para remoção de tecidos através do trocater. Tumores gastrointestinais O câncer gástrico é mais comum do que o câncer de esôfago, mas ainda representa menos de 1% de todas as malignidades em cães e gatos. Vários trabalhos têm descrito uma alta incidência de carcinoma gástrico em raças como Pastor belga. Estudos relatam ainda que machos são mais comumente afetados com linfoma gástrico do que fêmeas. Leiomiomas gástricos tendem a ocorrer em cães idosos, sendo o tratamento indicado para estas neoplasias à ressecção cirúrgica, quando possível (WITHROW et al., 2013). Dentre as neoplasias intestinais, o linfoma compreende quase 30% de todos os tumores felinos intestinais e 6% de todos os tumores caninos, é o tumor intestinal mais comum na maioria dos relatos. O adenocarcinoma é o segundo tumor mais frequente em ambas as espécies, seguido pelo mastocitoma em gatos e leiomiossarcomas em cães. Assim como acontece com muitos tipos de câncer, a incidência de neoplasia intestinal aumenta em cães e gatos idosos (WITHROW et al., 2013). Algumas alterações proliferativas inflamatórias, as quais são observadas sob a forma de infiltração, continuam a representar um problema diagnóstico. Sintomas inespecíficos e resultados inconclusivos de análise hematológica e endoscópica exigem a realização de outros testes para um diagnóstico eficaz. Nesses casos se faz necessária a biópsia para consolidar um diagnóstico e propor um tratamento eficaz para a patologia (KUNISAKI, 2006; SAPIERZYŃSKI, 2008). Como procedimento menos invasivo, pode ser realizado também a coleta de amostras de estômago e duodeno por via endoscópica através de acesso oral. Apresenta as vantagens de não haver necessidade de acesso à cavidade abdominal e um menor tempo cirúrgico, que não passa de 30 minutos (CHYCZEWSKY, 2011). A biópsia videolaparoscópica de estômago e intestino é o método menos invasivo para se obter amostras de espessura total, que são fundamentais para a realização do exame histológico (LIYNETTA e FREEMAN, 2009). ISSN 21774080 22 No entanto, a ausência de alterações neoplásicas na mucosa gástrica e duodenal durante a endoscopia gástrica não exclui a existência de alterações em outras partes da parede destes órgãos. Portanto, toda suspeita de alterações proliferativas deve ser indicada a biópsia. Já na observação transoperatória, é possível notar alterações não neoplásicas evidenciadas pela inflamação da mucosa gástrica e duodenal (CHYCZEWSKI, 2011). Evans et al (2006) realizaram um estudo comparando a acurácia diagnóstica entre as amostras obtidas de biópsia da mucosa com as de espessura total realizadas por videolaparoscopia, no diagnóstico de gatos com doença inflamatória intestinal ou linfossarcoma. No caso de biópsia gástrica, a técnica por videolaparoscopia de espessura total diagnosticou quatro casos de linfossarcoma, em comparação a três submetidos à biópsia de mucosa via endoscópica. Já no caso de intestino, em 19 casos diagnosticados com a neoplasia, houve quatro diagnósticos incorretos pela biópsia de mucosa por via endoscópica (FREEMAN, 2009). Além das vantagens de controle visual do local, coleta de fragmentos da parede e mínima invasão tecidual, a biópsia laparoscópica envolve um menor risco ao paciente, com melhores resultados e menores risco de peritonite (CHYCZEWSKI, 2011). Toda coleta de material por biópsia, seja esta de espessura total da parede gástrica ou de mucosa via gastroscopia, requer um monitoramento bacteriológico e citológico do liquido peritoneal e realização de hemograma devido o risco de peritonites (SCHAMBOURG, 2006). As complicações narradas são comumente observadas também nas biópsias intestinais, podendo ser o risco minimizado Investigação, 15(4):19-26, 2016 através da sutura do defeito causado (ABE, 2009; BRACAMONTE, 2008). Há ainda a opção de biópsia intestinal auxiliada por laparoscopia, que consiste em realizar uma laparoscopia exploratória em busca do melhor sítio para coleta do material. Então, uma volta do intestino é exteriorizada através de uma ampliação da incisão de musculatura, e é obtida uma amostra de espessura total do órgão. Essa técnica de biópsia assistida por laparoscopia é de simples execução e fornece informações valiosas para a tomada de decisão (FREEMAN, 2009; MATYJASIK, 2011). Por via total laparoscópica, biópsias do trato digestório podem ser realizadas com pinça em forma de copo aplicadas ao local desejado. O fórceps é aplicado ao local, recolhendo amostra de espessura total e conseguindo maior quantidade possível de material. Posteriormente é aplicada uma pressão sobre o local por dois a três minutos para controle hemostático (CHYCZESKY, 2011). Um diagnóstico completo de alterações proliferativas no trato gastrointestinal deve envolver uma análise de uma amostra relativamente grande de biópsia. Uma única biópsia muitas vezes produz resultados falsos negativos, por isso várias coletas são recomendadas. Em alguns casos, as amostras de tecido maiores podem também serem requeridas (HOYA, 2007). Tumores endócrinos Pancreatite, hiperplasia nodular e neoplasia são descritas como as mais comuns desordens do pâncreas, podendo ser diferenciadas por ultrassonografia, contudo o resultado definitivo é obtido pela histopatologia (HECHT, 2007). Webb et al (2008) relataram que 65% dos pacientes submetidos à laparoscopia por suspeita de afecção pancreática realizaram a biópsia. Entretanto, a biópsia pancreática apresenta um alto risco de efeitos deletérios, sobretudo em pacientes sem sinal clínico aparente. Por isso, apesar de ser uma técnica usual, há relutância de muitos clínicos à sua realização (COSFORD, 2010). A decisão da realização da biópsia deve ser tomada com cautela e analisando cada caso em particular, visto que a anestesia e manipulação cirúrgica podem levar à piora do quadro geral do paciente com pancreatite aguda, podendo ocasionar coagulação intravascular disseminada, insuficiência renal ou doença cardiopulmonar (COSFORD, 2010). Os efeitos colaterais descritos são semelhantes e decorrentes de uma pancreatite aguda. Entre os sinais estão êmese, diarreia, anorexia, dor à palpação abdominal, aumento de enzimas pancreáticas (COSFORD, 2010, HARRINGTON, 1996). Em gatos, o tempo médio de retorno dos níveis bioquímicos das enzimas pancreáticas foi de 24 a 72 horas após a realização do procedimento. Houve também um decréscimo na concentração de cálcio pós-operatória, que pode ser explicado pela fluidoterapia transcirúrgica ou devido à biópsia pancreática (COSFORD, 2010). Comparando dois diferentes instrumentais para coleta de material, o copo de biópsia e um outro instrumento de corte e coagulação de tecidos, o bisturi harmônico, Barnes (2006) encontrou maior inflamação e aderência quando utilizado o último instrumental, embora em ambos não houvesse relato de complicações clínicas. O lobo esquerdo do pâncreas é o mais acometido em gatos com doença pancreática inflamatória crônica e sinais gastrointestinais, se tornando um local de eleição para a realização da biópsia pancreática nesta espécie (DE COCK, 2007). ISSN 21774080 23 Para realização da biópsia pancreática, o paciente é posicionado em decúbito dorsal e são utilizados três portas de acesso. As portas de instrumentais são alocadas ao lado da terceira mama, laterais esquerda e direita, e a porta da câmera pela linha alba na altura da quarta mama. O tempo médio do procedimento é de 60 minutos (COSFORD, 2010). A técnica de ligadura em loop é usada com muita segurança e recomendada para a realização de biópsias pancreáticas. Depois de selecionado o local de coleta, deve-se suspender o pâncreas e passar o loop ao redor, em seguida o nó é tracionado utilizando uma pinça e o tecido pode ser removido (FREEMAN, 2009). A biópsia pancreática laparoscópica fornece amostras com alta qualidade para o exame histológico, com mínima tração ou produção de artefatos. Além do mais, o órgão é passível de biópsia e manipulação suave sem que haja alterações clínicas e histológicas, contrastando com a percepção comum (COSFORD, 2010). Em relação às adrenais, destacando-se como uma alternativa minimamente invasiva, a adrenalectomia laparoscópica se mostrou factível em cães com carcinoma adrenocortical, não havendo complicações intra-operatórias significativas (PELÁEZ et al, 2008). Tumores do trato urinário Neoplasia da bexiga e da uretra são incomuns em cães, sendo responsáveis por 0,5% a 2% de todas as neoplasias relatadas nestas espécies, sendo o carcinoma de células transicionais (CCT) a forma mais habitual (HENRY, 2003; WITHROW et al., 2013). Outros tipos de tumores de bexiga Investigação, 15(4):19-26, 2016 relatados com menor frequência incluem carcinoma de células escamosas, adenocarcinoma, rabdomiossarcoma, linfomas, hemangiossarcoma e fibroma. Por ser o mais usual, o carcinoma de células transicionais, é o principal diferencial de neoformações encontradas na vesícula urinária e uretra (WITHROW et al., 2013). Apesar de células neoplásicas epiteliais serem detectadas no sedimento urinário em aproximadamente 30% dos cães com CCT, é difícil a distinção de células displásicas na presença de inflamação. Com isso, o diagnóstico definitivo depende da biópsia e exame histopatológico (CHILLDRESS, 2011). Rawlings et al (2007) descreveram o uso de laparoscopia para remoção de pólipos vesicais em dois cães, onde foi possível a remoção das massas tumorais com margem cirúrgica segura. A PAAF percutânea da bexiga ou uretra é contraindicada nos casos de CCT devido ao risco de semeadura da neoplasia na cavidade abdominal (NYLAND, 2002). Da mesma forma, algumas técnicas cirúrgicas como a cistotomia e cistectomia parcial, ensejam algumas possíveis complicações como a deiscência de pontos e/ou semeadura de células neoplásicas pela cavidade abdominal. Entretanto oferecem vantagens de visualização direta da neoformação e possibilidade de obtenção de fragmento suficientemente grande para histologia (LANZ, 2003). Uma opção diagnóstica muito vantajosa é a utilização de método menos invasivo, como a cistoscopia transuretral. Esta proporciona alta qualidade diagnóstica para neoplasias do sistema urinário inferior, baixo potencial para complicações e visualização da lesão com magnificação (ADAMS, 2007). A cistoscopia é considerada um método eficaz para obtenção de amostras. Este, apresentou 100% de sucesso no diagnóstico de tumores de células transicionais da bexiga e da uretra em um estudo feito em 92 animais por Chilldress (2011). Sendo assim, a técnica pode ser reputada como meio primário de biópsia em cães machos e fêmeas com neoformações da bexiga ou da uretra. Dentre as complicações encontradas, as mais significativas foram à semeadura de células neoplásicas na cavidade abdominal e a deiscência dos pontos. Contudo, hematúria, estrangúria e polaciúria são comuns entre 24 a 48 horas após cistoscopia comum ou biópsia (CHILLDRESS, 2011). O tumor renal mais comum nos cães é o carcinoma de células renais, correspondendo a 49% a 65% dos tumores primários. Tumores renais primários em gatos são raros (WITHROW et al., 2013). Em busca do diagnóstico, a biópsia renal laparoscópica vem sendo adotada como um valioso e seguro método, sendo exigida para estabelecer um diagnóstico definitivo e determinar a gravidade da lesão (NOWICKI, 2010; VANDEN, 2005). Ponderando isto, Nowicki (2010) utilizou esta técnica em 25 cães e pode perceber que 24 das 25 amostras eram excelentes, além do que a biópsia renal laparoscópica possibilitou a diferenciação de lesões glomerulares e intersticiais e o diagnóstico de neoplasia em cães. A possibilidade de visualização renal faz uma significativa diferença no diagnóstico. Além de informações macroscópicas, a observação permite escolher o local da biópsia, o que aumenta a possibilidade de coleta de amostras em lesões focais (MATYJASIK, 2011). A técnica de biópsia por agulha de TruCut é mais comumente utilizada para biópsias de córtex renal. Recomendada para avaliação de suspeitas de neoformações renais e doenças glomerulais, além de auxiliar na determinação do prognóstico (FREEMAN, 2009). O cirurgião deve providenciar duas a três amostras contendo um mínimo de dez glomérulos intactos, arteríolas renais e ISSN 21774080 24 interstício cortical. Quando é requerida a biópsia de ambos os rins, o posicionamento ideal é o decúbito dorsal e acesso pela linha média ventral. O posicionamento de decúbito lateral com o rim afetado para lado superior é utilizado no caso de biópsia unilateral (FREEMAN, 2009). Seguida a biópsia, a hemostasia é realizada por aplicação de pressão direta sobre o local de coleta ou o uso de esponjas hemostáticas. A hemorragia renal é a complicação mais relatada pelos autores, sendo igualmente comum hematomas renais ou perirrenais, hematúria, fístulas arteriovenosas e hidronefrose (VADEN, 2004; FREEMAN, 2009). Obstrução do ureter, infartos, trombose e diminuição da função renal. Tais efeitos colaterais são mais comuns de serem observados, quando inadvertidamente, são acometidos artérias e veias mais calibrosas. A morte do paciente também pode ocorrer, embora seja encontrada em baixa incidência (VADEN, 2004; VADEN, 2005). Somado a possibilidade diagnóstica, a laparoscopia também pode ser utilizada na terapêutica. Mayhew (2013) relatou sua experiência com a técnica de nefrectomia por laparoscopia transperitoneal em cães com lesão renal unilateral, incluindo massas neoplásicas. Com isso, pode concluir que o tempo cirúrgico quando comparado à técnica convencional é maior, porém este refere que o tempo cirúrgico, a taxa de conversão e a incidência de complicações diminuem ao passo que se aumenta a experiência na execução da técnica. Da mesma forma, apresenta menor morbidade. Tumores do Trato Reprodutivo A prevalência global de tumores ovarianos reportada em cães é de 0,5% a 1,2%, enquanto que em gatos, a prevalência Investigação, 15(4):19-26, 2016 relatada é de 0,7%. Os principais tumores ovarianos são o tumor de células germinativas e especificamente teratomas, que em sua maioria desenvolvem-se em cães mais velhos. Os teratomas são frequentemente encontrados em cães mais jovens. Tumores uterinos são igualmente raros, representando 0,3% das neoplasias em pequenos animais (WITHROW et al., 2013). O câncer de ovário é a sexta neoplasia maligna mais frequente e a quarta causa de morte por câncer em mulheres. Pensando nisso, a laparoscopia vem sendo indicada como método diagnóstico de tumores ovarianos, sendo relatados casos de massas abordadas por laparoscopia com subsequente confirmação de malignidade (REIS, 2005). Em relação às afecções de próstata nos machos, a realização da prostatectomia total em cães é indicada apenas nos casos de neoplasias prostáticas, sem metástase detectável clinicamente. De acordo com Robertson (1996) a prostatectomia total é somente indicada em casos de neoplasias prostáticas que causem a oclusão significativa da vesícula urinária. As neoplasias prostáticas ocorrem em machos intactos e castrados e, apesar de apresentar baixa ocorrência, o adenocarcinoma é a mais comum das neoplasias de próstata em cães (HEDLUND, 2002). Em um experimento laparoscópico para realização de prostatectomia total em cães, Brun et al (1999) obtiveram sucesso e constataram que o equipamento e os instrumentais foram apropriados para a realização dos procedimentos. Durante as biópsias guiadas por videolaparoscopia realizadas em 11 cães no estudo de Paula (2008), a colheita do fragmento prostático foi realizada de maneira rápida, não sendo observados processos hemorrágicos significativos após o procedimento, além disso, os animais não apresentaram nenhuma complicação no período pós-operatório. De acordo com Schuessler et al (1997) a técnica laparoscópica para prostatectomia total retropúbica oferece resultados semelhantes à cirurgia convencional comparando fatores quanto à remoção do tumor, continência urinária, tempo de permanência hospitalar, aparência estética e período de convalescência em humanos. Considerações Finais Esta revisão permitiu enfatizar a importância da videolaparoscopia no diagnóstico e como uma ferramenta adjunta para o estadiamento de neoplasias em pequenos animais, enfatizando suas vantagens quando comparada às cirurgias convencionais, não ignorando a relevância de outros recursos diagnósticos. Porém, há a necessidade de que a técnica laparoscópica seja mais difundida e habitualmente empregada por veterinários, fazendo-se necessárias pesquisas mais aprofundadas. Ballegeer EA, Forrest LJ, Dickinson RM, et al 2007. Correlation of ultrasonographic appearance of lesions and cytologic and histologic diagnoses in splenic aspirates from dogs and cats: 32 cases (2002– 2005). Journal American of Veterinary Medical Association. 230(5):690–6. Barnes RF, Greenfield CL, Schaeffer DJ, et al 2006. Comparison of biopsy samples obtained using standard endoscopic instruments and the harmonic scalpel during laparoscopic and laparoscopic assisted surgery in normal dogs. Veterinary Surgery. 35:243–251. Bracamonte JL, Bouré LP, Geor RJ, et al. 2008. Evaluation of a laparoscopic technique for collection of serial full-thickness small intestinal biopsy specimens in standing sedated horses. American Journal of Veterinary Research. 69: 431-439. Brodsky IA, Brody FJ, Walsh RM, et al. 2002. 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