NeuroAtual - Academia Brasileira de Neurologia

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NeuroAtual
Volume 3, número 4, 2007
NEUROLOGIA GERAL
Dr. Osvaldo M. Takayanagui
Herpesvirus infections of the nervous system. Gilden et al. Nature Clin Pract Neurol,
3: 82, 2007.
Há 8 herpesvírus humanos:
-
Herpes simplex tipo 1 (HSV-1)
-
Herpes simplex tipo 2 (HSV-2)
-
Varicella zoster (VZV ou HHV-3)
-
Epstein-Barr (EBV ou HHV-4)
-
Citomegalovírus (CMV ou HHV-5)
-
HHV-6
-
HHV-7
-
HHV-8
Uma característica de todos os herpesvirus é sua capacidade de lat ência,
primariamente nos gânglios do sistema nervoso e tecido linfó ide.
Herpes simplex tipo 1 (HHV -1)
A encefalite é a complicação neurológica mais grave do HSV -1. O quadro
clínico inclui febre, cefaléia, letargia, irritabilidade, confusão, sinais localizatórios,
afasia e crises, e reflete a replicação viral associada à inflamação do lobo temporal
médio e da face orbitária do frontal. O edema progressivo do lobo temporal pode levar à
hérnia do uncus, com taquicardia, hiperventilação, postura flexora (posteriormente
extensora) e midríase (habitualmente ipsilateralmente ao l obo herniado). As seqüelas
podem ser: epilepsia, distúrbios mentais, afasia ou déficit motor. Antes do advento do
aciclovir, a maioria dos pacientes falecia.
O LCR é comumente anormal, com hipertensão e pleocitose em mais de 90%
dos casos, embora sua ausê ncia inicial não exclua o diagnóstico. A contagem celular é,
em média, de 200 células/mm 3, do tipo mononuclear. Ocorre hiperproteinorraquia mas a
glicorraquia é normal. O aumento do título de anticorpos anti -HSV-1 pode auxiliar no
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diagnóstico, mas a detecç ão de anticorpos pode ser negativa nas primeiras d uas semanas
sendo, portanto, útil na avaliação retrospectiva do diagnóstico presuntivo. O PCR pode
identificar o DNA do HSV -1 no LCR, com bons níveis de sensibilidade e
especificidade, tornando-se atualmente no critério diagnóstico de escolha de encefalite
por HSV-1.
O EEG revela desorganização da atividade de base com alentecimento difuso ou
localizado, predominantemente na região temporal. Em alguns pacientes há o
aparecimento de descargas periódicas de p onta-onda com intervalos de 2-3 segundos. A
presença dessa alteração em indivíduos com febre e comprometimento neurológico
progressivo é altamente indicativa de encefalite por HSV -1.
A tomografia revela lesões hipodensas envolvendo as regi ões temporais mediais.
O edema e o efeito de massa estão presentes em 80% dos casos e as lesões apresentam
reforço na fase contrastada. A ressonância revela diminuição de sinal em T1 e um
aumento em T2 nos lobos temporais mediais e ínsula, com visualização mais precoce
que na tomografia.
O tratamento consiste na administração endovenosa de aciclovir (10mg/kg, 3
vezes ao dia, por 14-21 dias). Os esteróides podem ser associados, embora não haja
estudos metodologicamente adequados avaliando sua eficácia.
Herpesvirus simplex tipo 2 (HSV-2)
HSV-2 causa herpes genital e a complicação neurológica inclui meningite
asséptica e radiculopatia recorrente. O HSV -2 causa também mielite em indivíduos
imunodeprimidos. A meningite por HSV -2 é caracterizada por cefaléia, rigidez de nuca
e pleocitose linfomonocitária. Pode ser precedida por doença inflamatória pélvica, dor
genital ou ambos e o exame clínico deve incluir a busca de lesões vesiculares na
genitália externa, assim como na vagina e no colo uterino. Deve -se ressalvar, no
entanto, que muitos pacientes não apresentam lesões genitais no momento da meningite
por HSV-2 ou mesmo antecedentes de herpes genital. O PCR tem revelado que o HSV 2 e menos comumente o HSV -1 causam meningite linfocitária benigna recorrente,
habitualmente auto-limitada.
O HSV-2 pode causar encefalite em recém -nascidos e, mais raramente, em
adultos imunodeprimidos. O tratamento da encefalite por HSV -2 é o mesmo da
encefalite por HSV-1.
O HSV-2 pode produzir dor e rash com distribuição em dermátomos (erupção
zosteriforme). As lesões herpéticas acima do pescoço são resultantes da reativação de
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HSV-1, enquanto que aquelas abaixo da cintura d e HSV-2, embora possam ocorrer
exceções.
Vírus Varicela zoster (VZV)
A reativação de VZV acarreta herpes zoster, caracterizado por dor e rash
restritos a 1-3 dermátomos. Como o vírus pode permanecer latente na maioria dos
gânglios, o herpes zoster pode surgir em qualquer parte do corpo. Os locais mais
freqüentes são no tórax e na distribuição do ramo oftálmico do nervo trigêmio. A
reativação do VZV do gânglio geniculado (VII nervo craniano) pode causar a síndrome
de Ramsay Hunt, caracterizada por paresia facial e rash em torno do ouvido.
Em muitos pacientes com herpes zoster a dor, denominada neuralgia pós herpética, pode persistir por meses ou anos. Embora o mecanismo preciso não esteja
claro, as análises do sangue, do LCR e dos gânglios pós -mortem indicam que esteja
relacionada à persistência ou a uma infecção produtiva em baixo grau nos gânglios.
Após o herpes zoster, o VZV pode se e spalhar também aos vasos sanguíneos
cerebrais, produzindo uma vasculopatia, uni ou multifocal, particularmente nos
indivíduos imunodeprimidos. A vasculopatia unifocal, previamente denominada arterite
granulomatosa, é a forma predominante nos idosos imunoco mpetentes e é caracterizada
por um déficit focal agudo que surge semanas a meses após o herpes zoster no território
trigeminal
contralateral.
A
vasculopatia
multifocal
surge
em
indivíduos
imunodeprimidos com cefaléia, febre, distúrbio mental e déficit focal. A pleocitose
mononuclear está presente em ambos os tipos de vasculopatias. A ressonância revela
uma área de infarto na vasculopatia focal; na vasculopatia multifocal há infartos
isquêmicos e hemorrágicos tanto nas áreas corticais como nas subcorticais. A
angiografia revela estenose arterial focal. A detecção do DNA do vírus ou de anticorpos
contra o VZV no LCR confirma o diagnóstico de vasculopatia por VZV.
O tratamento antiviral é recomendado aos adultos acima de 50 anos,
imunocompetentes, com herpes z oster, particularmente se puder ser iniciado nas
primeiras 72 horas do início das lesões. O perfil farmacocinético e a facilidade
posológica tornaram preferível o esquema com Valaciclovir oral (1.000 mg, 3 vezes por
dia, por 7 dias) ou famciclovir (250 mg ou 500 mg, 3 vezes ao dia) em substituição ao
aciclovir (800 mg, 5 vezes ao dia). Os corticosteróides podem reduzir a inflamação e a
dor, desde que não haja alguma contra -indicação. Embora não previnam o surgimento
de neuralgia pós-herpética, os corticosteróides podem facilitar a normalização da
qualidade de vida.
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A neuralgia pós-herpética é definida operacionalmente como um a dor que
persiste por mais de 3 meses após o episódio de herpes zoster. Os medicamentos que
podem ser utilizados são amitriptilina ou nortriptilina, gabapentina (300 -900 mg/dia até
3.600 mg/dia, desde que haja boa função renal) ou pregabalina.
A vasculopatia e a mielite são tratadas com aciclovir endovenoso (10 -15 mg/kg,
de 8 em 8 horas, por 10-14 dias).
Vírus Epstein-Barr (EBV)
O EBV causa meningite asséptica, encefalomieloneurite e neurite. As
neuropatias por EBV se apresentam com oftalmoplegia, plexopatia lombosacra e
neuropatia sensitiva e autonômica. Historicamente, a associação do vírus com as
doenças neurológicas foi sugerida pe la positividade de anticorpos séricos e,
posteriormente, pela detecção do DNA de EBV no sangue e no LCR. Deve -se ressalvar,
contudo, que como o EBV está latente nas células B deve haver uma cautela em atribuir
o quadro neurológico ao vírus baseado apenas no PCR para EBV no LCR; em
indivíduos previamente infectados, o PCR poderia detectar o DNA latente de EBV nas
células B que fazem parte da resposta inflamatória induzida por qualquer outro agente.
A presença de anticorpos IgG e IgM tem maior significado, pa rticularmente se houver
evidência de síntese intratecal.
O linfoma do SNC associado ao EBV é raro nos indivíduos imunocompetentes.
O EBV desencadeia linfoma primário do SNC na aids e doença linfoproliferativa pós transplante e o DNA de EBV pode ser encontrado em ambas as condições.
O EBV infecta linfócitos T e B de mais de 90% da população geral antes da fase
adulta. É transmitido por secreção aérea e a infecção primária resulta frequentemente
na mononucleose infecciosa. Estima -se que as complicações neur ológicas ocorram em
1-5% dos indivíduos apresentando este último quadro.
Não há um tratamento antiviral eficaz contra EBV.
Citomegalovirus (CMV)
O CMV é causa de doença neurológica na forma de infecção congênita, com
perda auditiva neurosensorial, deficiê ncia intelectual, microcefalia, crises, hipotonia e
espasticidade. Nos adultos imunocompetentes a complicação mais freqüente do CMV é
a síndrome de Guillain Barré; tem sido associado também à plexopatia braquial aguda.
A encefalite por CMV foi primeiro de scrita em indivíduos transplantados. Nos
pacientes com AIDS, o CMV pode causar encefalite, m ielite, retinite e polirradiculite. O
LCR pode revelar pleocitose neutrofílica, hiperproteinorraquia e diminuição da
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glicorraquia e a ressonância um reforço no epên dima ventricular. Quadros focais podem
ser resultantes de vasculite por CMV ou desmielinização.
A polirradiculopatia por CMV nos pacientes com aids começa de forma
insidiosa com síndrome da cauda eqüina , parestesias e paresia distal, geralmente
simétrica, incontinência e hipoestesia de distribuição sacral. O LCR revela pleocitose
com predomínio de neutrófilos, hiperproteinorraquia e hipoglicorraquia. O CMV pode
ser isolado do LCR e o DNA do CMV pode ser amplificado por PCR.
O tratamento consiste na adminis tração endovenosa de ganciclovir, foscarnet ou
a combinação de ambos.
HHV-6
O HHV-6 causa roséola, uma doença exantemática freqüente na infância. As
complicações neurológicas podem ser resultantes da invasão direta do SNC. O DNA de
HHV-6 pode ser isolado de pacientes com crises febris e no cérebro de pacientes com
hepatite fulminante.
A encefalite por HHV-6 pode ocorrer em indivíduos
transplantados.
Ganciclovir e foscarnet têm sido usados mas a eficácia terapêutica não está
comprovada.
HHV-7
Há um relato isolado de encefalite por HHV -7 num adulto imunocompetente em
quem o vírus foi evidenciado por PCR e outro de menigite e neurite óptica por
reativação num individuo transplantado.
Sarcoma de Kaposi Associado ao Herpevirus (HHV -8)
Chang et al. (1994) detectaram segmentos do genoma de HHV -8 em células
tumorais do sarcoma de Kaposi, a neoplasia mais comum nos pacientes com aids. Até o
momento, nenhum quadro neurológico foi associado ao HHV -8.
Sarcoidosis of the nervous system. Joseph FG et al. Pract Neurol., 7: 234, 2007.
Ludwig van Beethoven pode ter sido vítima de sarcoidose.
A sarcoidose é uma doença granulomatosa multi -sistêmica diagnosticada
geralmente entre 20 e 40 anos. Há uma propensão de acometimento do pulmão, úvea
anterior, linfonodos e pele, mas pode afetar qualquer órgão. Sua prevalência é de 40
casos/100.000 habitantes, tendo uma causa incerta mas com predisposição genética
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subjacente. A doença tem como característica patológica a presença de granulomas
múltiplos não caseosos. O envol vimento neurológico é relativamente raro, apesar de
acarretar complicações muito temidas. A literatura atual indica que menos de 10% dos
pacientes com sarcoidose desenvolv e manifestações neurológicas, com instalação
aguda, subaguda ou crônica. No entanto, os estudos necroscópicos têm evidenciado uma
proporção significativa de doença subclínica e sugerem que apenas metade dos casos é
diagnosticada em vida. Embora a sarcoidose seja raramente confinada ao SNC, as
manifestações neurológicas surgem precocemente na evolução da doença, acarretando
dificuldades diagnósticas.
Manifestações da neurosarcoidose
A maioria dos trabalhos foi publicada nos últimos 40 anos, fundamentalmente
no contexto de diagnóstico tecidual comprometendo órgãos como fígado, pulmão
(nódulos hilares e/ou parênquima) e pele (particularmente eritema nodoso) e apenas de
forma infreqüente de envolvimento do tecido nervoso.
Neuropatias cranianas
O comprometimento de nervos cranianos é a manif estação mais freqüente (50 75%). Pode ser causado por h ipertensão intracraniana, granulomas no nervo ou, mais
comumente, por meningite basal granulomatosa. A paralisia facial é a neuropatia
craniana mais freqüente, sendo unilateral em 65% e bilateral em 35%.
O quadro de uveíte, aumento da glândula parótida, febre e neuropatia craniana
(habitualmente o facial) é freqüentemente descrit o como síndrome de Heerfordt que é
muito sugestiva de sarcoidose. O envolvimento do nervo óptico é a segunda neuropatia
craniana mais freqüente, com papiledema conseqüente a obstr ução do trânsito do LCR
por meningite crônica ou a granulomas grandes na órbita ou na cavidade craniana,
podendo levar à atrofia óptica. Pode ocorrer também neurite óptica subaguda com pouca
resposta à corticoterapia e pouca recuperação a longo prazo. Adicionalmente, têm sido
descritos casos de envolvimento de outros nervos cranianos.
Crises epilépticas
Sugerem uma evolução mais grave e progressiva e refletem a presença de lesões
intracranianas com efeito de massa, vasculopatia ou hidrocefalia. Num estudo de 79
pacientes com neurosarcoidose, 15% apresentavam crises e em 10%, como a primeira
manifestação clínica.
Meningite
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A meningite aguda ou crônica está presente em 3 -26% dos casos de
neurosarcoidose. É comum ocorrer pleocitose linfomonocitãria e hiperprot einorraquia e,
em um quinto dos casos, uma diminuição da glicorraquia. A meningite aguda costuma
responder aos corticosteróides, mas a meningite crônica requer o uso prolongado do
medicamento. As complicações são hidrocefalia e “hipertensão intracraniana
idiopática”.
Lesões com efeito de massa
As lesões granulomatosas com efeito de massa podem afetar qualquer parte do
SNC. Podem ser únicas ou múltiplas e variam desde pequenas lesões até grandes
tumorações acarretando cefaléia, letargia e crises. A neurosarcoidose tem uma
predileção pela base do encéfalo, com envolvimento do hipotálamo, pineal, acarretando
distúrbios endócrinos como hiperprolactinemia, síndrome galactorr éia-amenorréia,
hipotiroidismo hipotalâmico e diabete insípido. Essas anormalidades, quand o isoladas,
podem dificultar o diagnóstico.
Mielopatia
As
lesões
podem
ser
extradurais,
intradurais
ou
intramedulares,
radiograficamente indistinguíveis de processos neoplásicos. Qualquer segmento da
medula pode ser envolvido, produzindo diversas manifesta ções como paraparesia,
tetraparesia, dor radicular, distúrbios autonômicos, síndrome da cauda eqüina ou
anormalidades esfinctéricas.
Manifestações psiquiátricas
Ocorrem em 20% dos casos de neurosarcoidose, refletindo a potencial infiltração
granulomatosa de qualquer parte do SNC: apatia, irritabilidade, letargia e depressão.
Doença de nervos periféricos e músculos
As neuropatias periféricas ocorrem em cerca de 15% do s pacientes com
neurosarcoidose e apresentam melhor prognóstico que o envolvimento do SNC. Podem
surgir como neuropatia axonal ou desmielinização sensitiva ou motora e, mais
raramente, como síndrome de Guillain Barré. O envolvimento assintomático dos
músculos esqueléticos é mais freqüente que a miopatia sintomática, nas formas
miopáticas nodulares, agudas e mais comumente crônicas, com maior freqüência de
acometimento de mulheres na 6ª década. A miopatia nodular é importante pois pode ser
confundida com tumor de tecido mole.
Diagnóstico de Neurosarcoidose
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O diagnóstico de neurosarcoidose é relati vamente simples nos pacientes com
sarcoidose multi-sistêmica que apresentam, na evolução, manifestações neurológicas
acima descritas. Entretanto, o comprometimento neurológico precoce não é infreqüente,
constituindo um desafio diagnóstico ao neurologista.
Neuroimagem
A ressonância magnética é útil na detecção de sarcoidose meníngea basal . É
melhor que a tomografia na identificação de anormalidades intracranianas. Cerca de
40% dos pacientes apresentam reforço leptomeníngeo na fase contrastada ou múltip las
lesões de substância branca com distribuição periventricular, podendo ser difícil a
distinção de esclerose múltipla. Outras doenças similares na neuroimagem são infecção
por tuberculose, outras bactérias ou fungos, carcinomatose meníngea, linfoma ou
leucemia.
Líquido cefalorraquiano
O LCR freqüentemente revela pleocitose, predominantemente linfomonocitária,
variando de 10 a 200 células e hiperproteinorraquia. A enzima conversora de
angiotensina no LCR é considerada por alguns como útil no diagnóstico e no
seguimento, mas muitos consideram -na pouco sensível e de baixa especificidade.
Alguns pesquisadores têm descrito a presença de bandas oligoclonais de IgG em 30 40% dos pacientes com neurosarcoidose; outros, porém, afirmam ser um achado
infreqüente.
Biópsia de tecido neural
O diagnóstico seguro de neurosarcoidose deveria ser fundamentado
em
evidências histológicas com demonstração de granulomas t ípicos, constituídos de
células epitelioides e macrófagos, no centro de lesões não caseosas , circundadas por
linfócitos, plasmócitos e mastócitos.
Exames no sangue periférico
Os níveis de enzima conversora de angiotensina estão elevados em 50% dos
pacientes com neurosarcoidose. A interleucina -2R solúvel tem provavelmente a mesma
especificidade mas com maior s ensibilidade (83%) na sarcoidose pulmonar, mas seu
papel no diagnóstico de neurosarcoidose necessitada maiores investigações.
Radiografia de tórax
Anormalidades são vistas em 90% dos casos, mas, naturalmente um resultado
normal não exclui sarcoidose gener alizada. O achado mais comumente observado é a
linfadenopatia hilar bilateral, habitualmente assintomática
e que melhora sem
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tratamento em 80-90% dos pacientes. As infiltrações pulmonares, com sintomas de
dispnéia, tosse e febre são menos comuns.
TC de tórax
É útil no diagnóstico de doença pul monar. A sensibilidade é de 89% a 98% para
adenopatia hilar e mediastinal e de 23% para infiltração pulmonar.
Teste de Kveim-Siltzbach
Este teste tem valor histórico pois é raramente disponível, mas seu notável
sucesso merece uma menção. O material é obtido de baço sarcoide humano e é injetado
intradermicamente. Nos pacientes com sarcoidose ativa, ocorre o desenvolvimento
gradual de granulomata celular epiteliode cuja anormalidade pode ser confirmada por
biópsia do nódulo. Embora a sensibilidade seja elevada (85%), há duas desvantagens: a
demora de 4 a 6 semanas para que a biópsia possa ser realizada e a possível negativação
do teste com corticosteróides.
Biópsia tecidual sistêmica
A biópsia de um linfonodo, pulm ão, pele, fígado ou conjuntiva pode ser
considerada em casos de envolvimento sistêmico. O envolvimento muscular
assintomático ocorre em 50 -80% dos casos e a biópsia muscular (gastrocnêmio, vasto
lateral ou bíceps braquial) pode ser evidenciar a presença de lesões granulomas típicas.
Critérios de diagnóstico
A tabela a seguir apresenta os critérios de diagnóstico de neurosarcoidose
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Critérios de diagnóstico de neurosarcoidose (modificado de Zajicek - 1999 e Marangoni
– 2006)
DEFINITIVO
Quadro clínico sugestivo + histologia do sistema nervoso positiva + exclusão de outras
possíveis doenças
PROVÁVEL
Quadro clínico sugestivo + evidências laboratoriais de inflamação no SNC
(hiperproteinorraquia, pleocitose, bandas oligoclonais, elevação da proporção CD4 CD8, RM compatível com neurosarcoidose) + exclusão de outras doenças + evidência
de sarcoidose sistêmica
POSSÍVEL
Quadro clínico sugestivo com exclusão de outras doenças
Tratamento
Considerando a raridade da neurosarcoidose e as dificuldades no dignós tico, não
é surpreendente que não haja estudos randomizados e controlados de tratamento.
Os corticosteróides são considerados medicamento s essenciais, mas as reações
colaterais são expressivas pela dose elevada e duração prolongada. A dose diária de
prednisolona varia de 40 a 80 mg, mas os sintomas tendem a reaparecer com doses
inferiores a 20 mg/d, tornado difícil a retirada do medicamento. O pulso de corticóide
(dose diária de 1g de metilprednisolona EV por 3 dias) pode ser empregado como
alternativa, com manutenção de prednisolona oral 0,5 -1 mg/kg/dia.
Nos casos de hidrocefalia pode haver indicação de derivação ventrículo peritoneal. Por vezes, a remoção cirúrgica de granulomas intracranianos ou medulares
pode ser necessária nos casos de hipertensão int racraniana.
Epidemic meningitis, meningococcaemia, and Neisseria meningitidis. Stephens DS
et al. Lancet, 369, 2196, 2007.
O meningococo é um diplococo Gram negativo. Há 13 sorogrupos de N.
meningitidis, de acordo com a estrutura capsular de polissacári des, mas apenas 6
sorogrupos (A, B, C, W-135, X e Y) causam doenças graves.
12
O sorogrupo A é responsável pela maior incidência da doença, com pandemias
repetidas no continente africano (cinturão africano de meningite) a cada 5 -10 anos,
desde 1905, e numa menor extensão na China e na Rússia nos últimos 25 anos. Em
situações endêmicas, o sorogrupo B é mais comum em crianças, o C em adolescentes e
os sorogrupos B e Y nos idosos.
A coagulação intravascular disseminada nos pacientes com meningococcemia é
resultante da ativação excessiva do sistema de coagulação e da concomitante baixa
regulação do sistema fibrinolítico causada pela alta concentração de endotoxina no
plasma.
Manifestações clínicas
As lesões cutâneas hemorrágicas estão presentes em 28 -77% dos pacientes com
doença meningocócica invasiva, mas pode ser de difícil visualização nos pacientes com
pele escura. Podem ser observadas por todo o corpo, por vezes nas membranas mucosas
e na esclera (o que facilita a constatação ), mas são especialmente freqüent es nos
membros. A petéquia da meningococcemia é maior e mais azulada que os pontos
petequiais da trombocitopenia, da vasculite leucocítica induzida por outras infecções, ou
daquelas provocadas por vômitos ou tosse. Em dois estudos em crianças, 11 -15% do
rash que não evanescia à compressão (teste do copo) era por infecção meningocócica.
As equimoses (diâmetro > 10mm) são notadas principalmente nos pacientes com
coagulação intravascular disseminada grave.
A meningite é a apresentação clínica mais freqüente d a doença meningocócica
invasiva. No LCR, a concentração de bactérias é maior que no plasma.
A septicemia meningocócica fulminante é caracterizada pela rápida proliferação
de meningococos na circulação, resultando numa elevada concentração de bactérias e d e
endotoxina. Este crescimento causa uma resposta inflamatória intravascular exagerada e
destrutiva, levando a um colapso circulatório progressivo e grave coagulopatia. Os
pacientes podem apresentar coagulação intravascular com lesões trombóticas na pele,
membros, rim, adrenal, plexo coróide e pulmão. As complicações vasculares podem
levar à perda de dedos ou de membros, e os sobreviventes podem ficar gravemente
incapacitados. Cerca de 30% podem apresentar hipotensão arterial persistente.
O diagnóstico clínico de meningite meningocócica é baseado na constatação de
febre, rash, sinais meníngeos e alteração do nível de consciência. É confirmado pela
pleocitose, coloração pelo Gram e cultura do LCR, do sangue ou das lesões cutâneas. O
13
PCR está sendo cada vez mais utilizado no diagnóstico, incluindo a análise do
sorogrupo.
Tratamento
Antes da imunização passiva e da antibioticoterapia, a mortalidade da doença
meningocócica sistêmica era de 70 -90%. Atualmente a taxa de letalidade é de 10% em
muitos países. Entretanto, a detecção precoce por parte dos familiares e dos
profissionais de saúde, a valorização do quadro de febre, cefaléia e rash cutâneo que não
evanesce à compressão (teste do copo), a administração pré -hospitalar de antibióticos, a
rapidez na remoção a um hospital local e o atendimento numa unidade de tratamento
intensivo têm reduzido substancialmente a taxa de letalidade.
A administração precoce de antibióticos é o principal objetivo. Todos os
meningococos na LCR são mortos dentro de 3 -4 horas após a administração endovenosa
de antibióticos em dose adequada e as concentrações de endotoxina no plasma declina
em 50% dentro de 2 horas. A antibioticoterapia não induz liberação importante de
endotoxina meningocócica e nem leva a um aumento da respost a inflamatória (reação
de Herxheimer).
A administração pré-hospitalar é defendida em muitos países. O objetivo é a
redução da taxa de letalidade nos pacientes com septicemia fulminante com rápido
crescimento da concentração de meningococos e de endotoxina na circulação. Os
resultados de uma meta-análise apóiam esta noção, mas nem todos os estudos mostram
um efeito positivo.
No caso de iniciar a antibioticoterapia antes do atendimento hospitalar, a
penicilina, ceftriaxona ou outro medicamento eficaz deve ser administrado por via
endovenosa ou intramuscular no adultos e por via intramuscular nas crianças (músculo
quadríceps).
A penicilina, cefotaxima, ceftriaxona e cloranfenicol são antibióticos eficazes e,
tradicionalmente, a antibioticoterapia deve ser manti da por 7 dias.
O volume circulatório sanguíneo deve ser cuidadosamente mantido com infusão
de colóides e cristalóides, sendo o volume administrado um item mais importante que o
tipo de líquido.
O tratamento anticoagulante é frequentemente administrado na d oença
meningocócica e na coagulação vascular disseminada, mas não há dados documentando
uma melhor evolução.
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Adultos com choque séptico e evidências indicativas de insuficiência adrenal
devem receber doses baixas de corticosteróides . Embora o benefício nã o esteja
comprovado nas crianças, muitos intensivistas administram corticosteróides em doses
baixas nos casos de choque causado por N. meningitidis.
A dexametasona reduz a morbidade nas meninigites por S. pneumoniae e por
Haemophilus influenzae do tipo b nos países industrializados, mas o benefício não foi
estabelecido na África. Não há evidências em estudos randomizados de que a
dexametasona reduza a mortalidade causada pelo edema cerebral ou as seqüelas, tais
como anacusia nos pacientes com meningite meni ngocócica.
Prevenção
A quimioprofilaxia para eliminar meningococos dos portadores é recomendada
aos contactantes dos pacientes. A ocorrência de doença meningocócica é 100 vezes
maior nos familiares que na população geral. A quimioprofilaxia pode ser útil n o
controle de surtos localizados (escolas, quartéis), mas não é recomendada em epidemias
por causa do custo e da resistência a drogas. Por exemplo, a distribuição generalizada de
rifampicina poderia ser desastrosa em comunidades onde a tuberculose é endêmi ca. A
rifampicina, ceftriaxona, azitromicina e as quinolonas têm atividade contra
meningococos alojados na nasofaringe. A quimioprofilaxia é recomendada aos
pacientes que receberam penicilina ou cloranfenicol, mas esta recomendação é
controversa, pois pouquíssimos indivíduos tratados com antibioticoterapia endovenosa
permanecem com meningococo n a nasofaringe capaz de causar doença.
Há vacinas de polissacárides contra meningococos A, C, Y e W -135. Estas
vacinas são seguras, com eventos adversos leves, e eficazes (>85%) nas crianças
(maiores de 2 anos) e adultos, mas são menos imunogênicos (C menos que A) nas
crianças menores de 24 meses. A imunidade das vacinas de polissacárides é limitada a
3-5 anos de proteção. As vacinas não induzem memória imunológica e t êm pouco ou
nenhum efeito nos carreadores na nasofaringe. Apesar disso, as vacinas de
polissacárides têm sido amplamente utilizad as para o controle de epidemias nos países
do cinturão africano de meningite e têm salvo muitas vidas.
O maior avanço na preven ção ocorreu com o desenvolvimento de vacinas de
polissacárides de conjugado protéico e sua introdução no Reino Unido, outros países da
Europa, Canadá e EUA. Estas vacinas são seguras e imunogênicas em crianças
pequenas, induzem memória imunológica e atuam nos portadores na nasofaringe. No
Reino Unido, a introdução de vacinas conjugadas C em 2000 a todas as crianças e
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adultos jovens reduziu drasticamente a freqüência de meningite do sorogrupo C (90%
de efetividade aos 3 anos nos indivíduos entre 11 e 18 anos ). A vacina conjugada para o
sorogrupo A está atualmente em desenvolvimento e foram iniciados os primeiros
ensaios clínicos na África. Uma vacina pediátrica combinada de conjugados visando os
sorogrupos A e C está sendo também testada na África. Entretanto , o desenvolvimento
de vacinas para o sorogrupo B permanece sendo um desafio.
Childhood convulsive status epilepticus . Scott RC et al. Lancet, 370: 724, 2007.
Nas crianças, a condição neurológica emergencial mais freqüente é o estado de
mal convulsivo que é associado a importante morbidade e mortalidade. A condição é
definida como uma crise tônico -clônica ou uma série de crises perdurando por pelo
menos 30 minutos, entre as quais não há recuperação da consciência. Entretanto, após a
fase inicial, as crises podem se tornar clônicas unilaterais ou eventualmente não
convulsivas. O período de 30 minutos é demasiadamente longo para o inicio do
tratamento, tendo sido propostas definições com 5 e 10 minutos de duração.
A incidência do primeiro episódio de estado de mal epiléptico na infância é de
17-23 casos/100.000 crianças/ano. É maior nas crianças abaixo de 1 ano de idade. Cerca
de 50% das crianças apresentavam desenvolvimento neurológico normal antes do
primeiro episódio, mas estão sob o risco de des fecho desfavorável, relacionado ao
próprio estado de mal ou a alguma causa aguda subjacente.
Em 2006, a Academia Americana de Neurologia (AAN) publicou guias para
avaliação diagnóstica das crianças com estado de mal. As recomendações foram
elaboradas com base nas evidências sobre a utilidade dos diversos exames, incluindo
hemocultura e LCR, concentração de drogas antiepilépticas, screening toxicológico,
testes metabólicos e genéticos, EEG e neuroimagem.
O estado de mal na infância é freqüentemente associ ado a febre e, assim, deve -se
investigar uma infecção grave (p. ex. meningite ou encefalite). A AAN afirma que não
há evidências para apoiar ou refutar a indicação de hemocultura ou de LCR após o
estado de mal convulsivo, apesar de 12 -15% das crianças nessa condição apresentarem
uma infecção no SNC, em comparação a 1,5% nas crises febris de curta duração. Uma
conduta aceitável seria o início de antibióticos e antivirais sem o LCR nas crianças com
sinais neurológicos focais e naquelas que permanecem em coma. No entanto, o LCR
16
permite o diagnóstico preciso e fornece informações úteis para o tratamento; assim, a
punção deve ser realizada tão logo seja possível, em condições de segurança.
Cerca de 20% (3-63%) das crianças com epilepsia que apresentam estado de mal
têm baixa concentração de drogas antiepilépticas.
A ingestão de substâncias tóxicas é responsável por pelo menos 3,6% dos casos
de estado de mal nas crianças e pode requerer um tratamento específico. Os
antidepressivos tricíclicos são os mais comument e relacionados com intoxicações
pediátricas. A ingestão de substâncias tóxicas desde ser considerada quando nenhuma
causa é identificada.
Erros inatos do metabolismo são identificados em 4% das crianças com estado
de mal. Mesmo o desequilíbrio eletrolític o, como a hiponatremia, é incomum. É
recomendada a investigação de glicose, uréia e eletrólitos, cálcio, magnésio e
gasometria.
Há pelo menos duas condições em que o EEG deve ser considerado. A primeira
é quando o estado de mal convulsivo generalizado dev e ser distinguido de uma
apresentação focal em que envolveria implicações prognósticas e terapêuticas
(medicamentosa e cirúrgica). A segunda é na suspeita de pseudo -estado de mal
epiléptico. Há poucos dados sobre a prevalência de crises não -convulsivas e de estado
de mal epiléptico não convulsivo após o controle do estado de mal convulsivo. O estado
de mal não convulsivo é comum em neonatos após asfixia e acidente vascular cerebral e
em adultos comatosos e o EEG serviria como indicador de morte ou de pior
prognóstico. O EEG é utilizado em crianças inconscientes ou naquelas necessitando
cuidados intensivos após estado de mal convulsivo para determinar se as crises
realmente cessaram ou para distinção entre crises e movimentos involuntários
secundários à retirada de medicamentos.
Há insuficiência de evidências sobre os exames de neuroimagem no estado de
mal. Pelo menos 8% das crianças apresentam anormalidades, mais comumente naquelas
em coma. Muitas dessas anormalidades têm implicações terapêuticas e prognóst icas,
tais como trombose de seios venosos. A neuroimagem deve ser efetuada se a causa do
estado de mal não estiver definida, se houver persistência da inconsciência ou se
surgirem novos sinais focais.
Há, portanto, carência de evidências a respeito da prá tica de investigação de
crianças com estado de mal. Os médicos devem, assim, estar cientes das limitações das
17
recomendações da AAN e estar preparados para modificar a conduta, assim que novos
dados estiverem disponíveis.
A mortalidade diretamente atribuív el ao estado de mal convulsivo é de 0 -2%,
comparada a 12,5-16% das crianças com estado de mal convulsivo sintomático agudo.
A freqüência do surgimento de epilepsia após o estado de mal convulsivo é imprecisa,
variando de 13% a 74%.
O tratamento é mais eficaz se iniciado precocemente, isto é, se a crise não cessar
espontaneamente em 5 minutos, e isto significa começar a tratar na comunidade. O
tratamento pré-hospitalar com diazepan retal é consagrado na Europa, mas em
decorrência das implicações sociais neg ativas, o midazolan oral está sendo mais
utilizado.
Se as crises persistirem por mais de 30 minutos, são provavelmente
refratárias aos benzodiazepínicos, sendo necessário o uso imediato de tratamentos de
segunda linha (p. ex. fenobarbital, fenitoina, valp roato de sódio, midazolan, propofol,
tiopental, e lidocaína). A depressão respiratória ou cardíaca, secundária ao próprio
estado de mal ou a alguma droga administrada é comum nessa fase e os pacientes
devem receber assistência ventilatória. Os guias de ate ndimento hospitalar estão sendo
progressivamente formulados, mas não são universalmente aceitos considerando que há
poucos estudos randomizados. Assim, as condutas devem ser estabelecidas localmente,
baseadas em evidências (dentro do possível) e aplicáveis ao meio em que forem
adotados.
Why are tetraplegic patients content ? Abrantes-Pais et al. Neurology 69: 261, 2007.
Intuitivamente, espera-se que uma limitação física ou social grave causada por
trauma medular esteja associada a uma má qualidade de vida. Alguns trabalhos têm
confirmado essa impressão, mas outros mostram que a qualidade de vida desses
pacientes é comparável, ou até melhor, que a população em geral, mesmo entre aqueles
com tetraplegia necessitando de assistência ventilatória.
Este estudo teve como objetivo determinar se o nível de lesão medular influiria
no estado emocional geral dos pacientes e a avaliação da qualidade de vida. A hipótese
era que pacientes com lesão medular completa num nível alto constituiria um grupo
especial dentre aqueles com lesão medular traumática, com características
neurocognitivas específicas.
18
A casuística incluiu 20 pacientes com lesão medular alta ( T6 ou acima), 10 com
lesão baixa (T7 ou abaixo) e 11 com quadros não incapacitantes, embora apresentassem
sintomas de parestesias por mononeuropatias ou polineuropatias. Os testes empregados
foram: Mini-mental State Examination, Satisfa ction of Life Scale, Medical Outcomes
Study Short Form 36 (SF-36), Beck Depression Inventory, Hamilton Rating S cale for
Depression e Functional Independence Measure.
No geral, não houve diferenças nos 3 grupos quanto ao item satisfa ção com a
vida. Naturalmente, os pacientes com lesão medular (alta ou baixa) apresentaram pior
desempenho físico que os indivíduos sem incapacidades. E ntretanto, curiosamente, não
houve diferenças na percepção do desempenho físico, saúde mental ou na função social.
Além disso, os indivíduos com lesão medular alta referiram melhor percepção da saúde
mental que aqueles do grupo controle e uma tendência sob re os pacientes com lesão
medular baixa, melhor percepção do papel emocional na sociedade e maior vitalidade
que os sujeitos com lesão medular baixa ou sem incapacidades.
Concluem os autores que, apesar do grave comprometimento físico e das
complicações médicas freqüentes, os pacientes com lesão medular alta relatam melhor
qualidade de vida, estando no geral contentes. As razões não são claras, mas
provavelmente as reações adaptativas teriam importante participação. Adicionalmente, a
possibilidade de haver modificações fisiológicas e neurocognitivas requer melhor
investigação.
Comentários: Este estudo explica o que todos nós testemunhamos com freqüência na
prática clínica: o comportamento exemplarmente positivo de muitos pacientes
tetraplégicos.
Comparison of endovascular and surgical treatments for intracranial aneurysms:
an evidence-based review. Qureshi AI et al. Lancet Neurol, 6: 816, 2007.
Os aneurismas intracranianos representam sério problema de saúde pública,
afetando 2% da população mundia l. Desde 1937, quando Walther Dandy realizou a
primeira cirurgia de aneurisma empregando um clipe desenvolvido por Harvey Cushing,
houve enorme avanço tecnológico culminando com o surgimento, na última década, de
intervenções endovasculares. No entanto, o uso desses tratamentos varia entre as
instituições e os profissionais. Os autores analisaram os dados da literatura,
19
compreendendo estudos de único centro, multicêntricos e ensaios clínicos
randomizados, comparando o desfecho de pacientes candidatos ao tra tamento cirúrgico,
endovascular ou ambos. Nos pacientes com aneurismas rotos, o tratamento cirúrgico
resultou numa maior taxa de obliteração e numa menor freqüência da necessidade de
um segundo tratamento que a intervenção endovascular. Entretanto, nos est udos
observacionais e nos ensaios randomizados, os desfechos no momento da alta, 2 -6
meses, após um ano e sobrevida tardia foram todos melhores com o tratamento
endovascular. Os resultados sugerem que as taxas maiores de obliteração incompleta e a
necessidade de retratamento após a intervenção endovascular não afetaram o desfecho
clínico do paciente. Nos estudos observacionais de pacientes com aneurismas íntegros,
o desfecho de alta foi melhor e o custo hospitalar inferior com a intervenção
endovascular que a cirúrgica. Esses pacientes não apresentaram qualquer diferença entre
os dois tipos de tratamento nos desfechos após 1 ano e freqüência de ressangramento
tardio, embora existam poucos dados disponíveis para essa comparação.
Clinical, educational, and epidemiological value of autopsy . Burton JL et al. Lancet,
369:1471, 2007.
A autópsia é atualmente considerada de uso eventual na moderna pr ática clínica.
Neste artigo, os autores ressaltam a importância da autópsia no avanço do conhecimento
médico e melhora da prática clínica. Muitos médicos não estão devidamente
familializados com a relevância e benefício da autópsia não apenas para as famílias
enlutadas mas também para os atuais e futuros pacientes. Os autores apresentam uma
revisão sobre a ascensão e declínio da autópsia, o panorama legal que governa seu uso,
sua importância e os potenciais benefícios em relação aos métodos convencionais, e o
papel na educação médica na graduação. Destacam também a capacidade da autópsia
em fornecer informações completa s e confiáveis para o atestado de óbito, fundamentais
para o planejamento de estratégias de atuação em saúde pública.
How quickly do systematic reviews go out of date? A survival analysis. Shojania
KV et al. Ann Intern Med, 147: 224, 2007.
20
As revisões sistemáticas têm se tornado cada vez mais freqüentes nos últimos
anos e são recomendadas por muitos como as melhores fontes de evidência para nortear
tanto as decisões clínicas como a política de saúde. Para o adequado desempenho de seu
papel, as revisões sistemáticas devem permanecer relativamente estáveis por vários anos
e deve haver mecanismos efetivos para alertar os usuários sobre mudanças importantes
das evidências. Entretanto, surpreendentemente, há poucos estudos analisando quando
as revisões sistemáticas ficam ultrapassadas e com que freqüência. Algumas
organizações, tais como a Cochrane Collaboration, recomendam a atualização a cada 2
anos, mas poucos dados empíricos guiam esta ou outras recomendações para
atualizações.
Para avaliar o tempo médio de mudanças nas evidências que são suficientemente
importantes para ensejar atualizações nas revisões sistemáticas, os autores analisaram
100 revisões sistemáticas publicadas entre 1995 e 2005, envolvendo medicamentos
específicos ou classes de droga s, dispositivos e procedimentos, incluindo somente
ensaios controlados e randomizados.
Novas evidências de eficácia e de riscos de tratamento que indicavam a
necessidade de atualização ocorreram em 57% das revisões sistemáticas. A mediana da
duração de sobrevida dessas revisões, sem necessidade de modificações , foi de 5,5 anos.
Entretanto, houve surgimento de novas evidências significativas já no momento da
publicação em 7% das revisões. A necessidade de atualização ocorreu dentro de 2 anos
em 23% e de 1 ano em 15%.
Concluem os autores que as evidências clinicamente importantes que alteram as
conclusões sobre efetividade e riscos de tratamento podem se acumular rapidamente.
Current controversies in the management of adult syphilis. Stoner BP. Clin Infect
Dis, 44: S130, 2007.
O tratamento da sífilis é tema controverso. Este artigo de revisão resume as
recentes pesquisas sobre a eficácia do tratamento e o desfecho clínico, baseado em
revisão sistemática da literatura. Embora vários estudos tenham sugerido que a
azitromicina possa ser eficaz, tem sido amplamente documentada a resistência de
linhagem de Treponema pallidum aos macrolídeos. A ceftriaxona é eficaz no tratamento
da sífilis quando usado em esquemas de múltiplas doses. A punção do LCR deve ser
21
realizada nos indivíduos infectados pelo HIV apresentando sífilis com duração superior
a 1 ano e um título de provas não treponêmicas igua l ou superior a 1:32,
independemente do estadio da sífilis, assim como naqueles com forte suspeita clínica de
neurosífilis. Embora o VDRL no LCR seja de valor diagnóstico, a baixa sensibilidade
do teste faz com que muitos clínicos procurem marcadores de inflamação no SNC, tais
como pleocitose.
HIV and syphilis: when to perform a lumbar puncture . Libois A et al. Sex Transm
Dis, 34: 141,2007.
O objetivo deste estudo foi determinar os fatores preditivos para neuros ífilis nos
pacientes infectados pelo HIV com sífilis e otimizar a indicação do exame de LCR.
Os autores analisaram 112 casos de pacientes infectados pelo HIV e sífilis e que
foram submetidos a punção do LCR. O diagnóstico de neuros ífilis foi baseado na
presença de pleocitose ≥20 células/mm 3 e/ou positividade do VDRL no LCR e/ou índice
de anticorpos contra T. pallidum.
Dos 112 pacientes, 26 tinham neurosífilis. Manifestações clínicas e Rapid
Plasma Reagin (RPR) sérico estavam associados a neurosífilis. Nos pacientes sem
manifestações neurológicas, o título sérico de RPR ≥1:32 parece ser o melhor ponto de
corte na decisão de realizar ou não o exame do LCR (sensibi lidade 100%,
especificidade 40%).
Concluem os autores que nos pacientes infectados pelo HIV e sífilis, o exame do
LCR deve ser restrito àqueles apresentando manifestações neurológicas ou um título de
RPR sérico ≥1:32.
22
NEUROLOGIA COGNITIVA E DO ENVELHECI MENTO
Dr Rogério Gomes Beato
Dr. Paulo Caramelli
Research criteria for the diagnosis of Alzheimer`s disease: revising the NINCDS ADRDA criteria. Dubois B et al. Lancet Neurol 6: 734, 2007.
Este artigo tem como objetivo avaliar os critérios diagnóstico s atuais para a
doença de Alzheimer (DA) e propor novos critérios de pesquisa que possam ser mais
eficazes para o diagnóstico precoce da doença.
Os autores discutem os fatores que indicam a necessidade de atualização dos
critérios de pesquisa da doença d e Alzheimer utilizados atualmente. Entre eles, deve -se
mencionar a especificidade diagnóstica insatisfatória dos critérios do DSM -IV-TR e do
NINCDS-ADRDA, o diagnóstico mais preciso das demências do tipo não -Alzheimer, a
melhor identificação do fenótipo da doença de Alzheimer, a necessidade de se realizar
ensaios terapêuticos na fase inicial da doença, as limitações da definição de Transtorno
Cognitivo Leve e a distinção imprecisa entre Transtorno Cognitivo Leve e Doença de
Alzheimer.
Em 2005, foi formado um grupo de trabalho internacional para discutir o
desenvolvimento de critérios diagnósticos de DA que incluiriam sua fase prodrômica e
a integração de marcadores biológicos para o diagnóstico. Foi realizada revisão da
literatura sobre tópicos referentes à fase inicial da DA, incluindo os aspectos clínicos,
funcionais, neuropsiquiátricos, cognitivos, de neuroimagem, de neuropatologia e de
marcadores laboratoriais. Em seguida, foi elaborado o documento com os critérios
diagnósticos revisados.
Os critérios diagnósticos propostos para a DA são resumidos a seguir:
Doença de Alzheimer Provável: presença do critério A associado a um ou mais critérios
suportivos (B, C, D ou E).
Critério diagnóstico principal
23
A - Presença de déficit de memória episódica signif icativo e precoce com as seguintes
características:
1- Mudança gradual e progressiva das funções de memória no início da doença
relatada pelos pacientes ou pelos informantes por um período superior a seis
meses.
2- Evidência objetiva de alteração significativa e m teste de memória episódica
(déficit de evocação que não melhora significativamente ou não se normaliza
com pistas ou em teste de reconhecimento após codificação efetiva).
3- O comprometimento da memória episódica pode ser isolado ou associado a
outras alterações cognitivas no início da DA ou com a progressão da doença.
Critérios suportivos
B - Presença de atrofia no lobo temporal mesial
C - Marcadores biológicos anormais no líquor: β amilóide, proteína tau
D - Padrões metabólicos específicos de neuroimagem funcional com PET:
hipometabolismo em região temporoparietal bilateral
E - Mutação genética familiar autossômica dominante
Critérios de exclusão
História
- Início súbito
- Aparecimento precoce dos seguintes sintomas: distúrbios de marcha, convulsões,
alterações comportamentais (psicose, euforia, desinibição)
Características clínicas
- Sinais neurológicos focais: hemiparesia, perda sensitiva, déficit de campo visual.
- Sinais extra-piramidais precoces
24
Outras doenças intensas o suficiente para explicar os déficits de memória e os sintomas
relacionados
- Demência não Alzheimer
- Depressão Maior
- Doença cérebro-vascular
- Alterações metabólicas e tóxicas
- Alteração de sinal em exame de ressonância magnética (seqüência T2 ou FLAIR) no
lobo temporal mesial consistente com etiologia vascular ou infecciosa
Critérios para doença de Alzheimer Definida
- Evidência clínica e histopatológica (biópsia cerebr al ou autópsia) de DA, como
requerido pelos critérios de NIA -Reagan para o diagnóstico post -mortem de DA; ambos
os critérios devem estar presentes.
- Evidência clínica e genética (mutação no cromossomo 1,14 ou 21) de DA; ambos os
critérios devem estar presentes.
Os autores propuseram estes critérios com o objetivo de identificar a DA antes
que as lesões patológicas sejam irreversíveis. Segundo eles, essa abordagem permitirá
que as intervenções farmacológicas sejam iniciadas em fases mais precoces e
conseqüentemente, sejam mais efetivas. Em geral, o diagnóstico de demência é
realizado de acordo com o grau de incapacidade funcional, estabelecendo -se depois sua
etiologia. Os critérios sugeridos têm como objetivo definir a presença de DA do ponto
de vista clínico, bioquímico, estrutural e metabólico. Para o estabelecimento do
diagnóstico, além do critério principal, é necessária a presença de um critério biológico,
seja de neuroimagem estrutural (B), do líquor (C), de neuroimagem funcional (D) ou
genético (E).
Os critérios propostos ainda apresentam limitações para seu uso, entre eles, a
magnitude do déficit de memória que deve ser considerada, o melhor método para a
identificação de atrofia temporal mesial, os marcadores do líquor a serem utilizados e se
o exame de neuroimagem funcional deve ser avaliado de maneira qualitativa ou
quantitativa. Os autores enfatizam também que os aspectos financeiros devem dificultar
a aplicação dos critérios sugeridos em determinados centros de investigação.
25
Statin therapy is associated with reduced neuropathologic changes of Alzheimer`s
disease. Li G et al. Neurology 69: 878, 2007.
A relação entre o uso de estatinas e a cognição ainda não é bem definida. Apesar
dos resultados observados em alguns estudos epidemiológ icos sugerirem um efeito
benéfico das estatinas no desenvolvimento de alterações cognitivas, os estudos
prospectivos que avaliaram seu possível efeito protetor sobre a cognição mostraram
resultados divergentes. Os autores do presente estudo investigaram se o uso prévio de
estatinas está associado quantitativamente com a presença de placas neuríticas ou de
emaranhados neurofibrilares em uma amostra populacional.
Foram realizados exames neuropatológicos nos cérebros de 110 indivíduos com
idades entre 65 e 79 anos, que eram cognitivamente normais no início do estudo. Para a
avaliação dos emaranhados neurofibrilares (ENF) foram utilizados os critérios de Braak
e Braak, enquanto que para a avaliação das placas neuríticas (PN) foram utilizados os
critérios do CERAD (Consortium to Establish a Registry for Alzheimer`s Disease). Os
achados neuropatológicos foram comparados entre os indivíduos que haviam usado
estatinas (sinvastatina, pravastatina, lovastatina e atorvastatina) e os que não haviam
usado.
Os usuários de estatinas apresentaram uma menor quantidade de ENF em
comparação com os não usuários. O odds ratio (OR) para cada aumento de unidade no
estágio de Braak para os ENF nos usuários de estatinas em relação aos não usuários foi
0,44 (95% IC: 0,20 a 0,95). A associação entre uso de estatina e o escore de placas
neuríticas do CERAD não alcançou significado estatístico. Os usuários de estatinas
também apresentaram risco reduzido para a neuropatologia típica da Doença de
Alzheimer (Braak ≥ IV e CERAD ≥ moderado; OR 0,20; 95% IC: 0,05 a 0,86).
Os autores concluíram que existe uma associação entre o uso prévio de estatinas
e a quantidade de emaranhados neurofibrilares na autópsia. São necessários estudos
adicionais para se relaciona r de maneira causal o uso de estatinas e o desenvolvimento
de alterações neuropatológicas relacionadas à doença de Alzheimer em menor
intensidade.
26
NEUROIMUNOLOGIA
Dr. Marcos Moreira
Dr. Fernando Faria Andrade Figueira
Dr. Renan Barros Domingues
Dr. Rogério de Rizo Morales
Risk alleles for Multiple Sclerosis identified by a genomewide study. The
International Multiple Sclerosis Genetics Consortium. N Engl J Med, 357: 851, 2007.
A esclerose múltipla é a doença neurológica mais comum que afeta adult os
jovens. É um distúrbio supostamente autoimune, inflamatório, no qual linfócitos e
macrófagos infiltram-se no sistema nervoso central, algumas vezes junto com
anticorpos e complemento. Transecção axonal com perda neuronal pode ser um
acontecimento precoce na doença. Sistemicamente, existe uma desregulação sutil de
respostas imunes humoral e celular com uma perda de função regulatória de células -T.
Estudos de gêmeos e pares de irmãos sugerem que fatores genéticos influenciam
a susceptibilidade para esclero se múltipla; evidências indicam que genes múltiplos, cada
um exercendo apenas efeitos modestos, provavelmente desempenham papel parcial.
Estudos de genes-candidatos têm confirmado associações entre esclerose múltipla e
variantes polimórficas dentro do comp lexo principal de histocompatibilidade (MHC),
mas não haviam sido encontrados outros locais com uma associação consistente com a
doença.
Os autores deste estudo utilizaram a tecnologia de microarray de DNA para
identificar variantes de seqüência de DNA com uns em 931 trios de famílias (consistindo
de uma criança afetada e ambos os pais) e os testaram para associação. Para replicação,
determinaram os genótipos de outros 609 trios de família, 2322 sujeitos -caso, e 789
sujeitos-controle e usaram dados de genóti pos de dois conjuntos de dados de controle
externo. Uma análise de dados conjunta de 12360 sujeitos foi realizada para avaliar o
significado global e tamanho do efeito de associações entre alelos e risco de esclerose
múltipla.
Um teste de desequilíbrio de transmissão de 334923 poliformismos de
nucleotídeo único (SNPs) em 931 trios de família revelou 49 SNPs tendo uma
associação com esclerose múltipla; desses SNPs, 38 foram selecionados para o segundo
27
estágio da análise. Uma comparação entre os 931 sujeitos -caso dos trios família e 2431
sujeitos-controle identificou um nonoverlapping adicional de 32 SNPs. Um adicional de
40 SPNs com valores P (<0,01) menos adstringentes também foram selecionados, para
um total de 110 SNPs para o segundo estágio da análise. De sses SNPs, dois dentro do
gene do receptor α da interleucina-2 (IL2RA) eram fortemente associados com esclerose
múltipla, assim como um SNP não sinônimo no gene do receptor α da interleucina-7
(IR7RA) e múltiplos SNPs no locus do HLA -DRA.
Deste modo, os autores concluem que os alelos de IL2RA e IL7RA e aqueles no
locus do HLA são identificados como fatores de risco hereditários para esclerose
múltipla.
Old Suspects Found Guilty — The First Genome Profile of Multiple Sclerosis
(Editorial). Peltonen L. N Engl J Med, 357: 927, 2007.
Estudos de associação de seqüência de genoma de alta resolução usando -se listas
de 300.000 a um milhão de polimorfismos de nucleotídeo único visam definir perfis de
risco genético para doenças comuns. Esses estudos prenunciam um a oportunidade
fundamentalmente nova para explorar a biologia e medicina humanas, visto que eles são
imparciais para hipóteses ou suposições prévias sobre a natureza dos genes que
influenciam doenças complexas. Ressaltando a importância dessa abordagem é o fato de
que muitas variantes genéticas identificadas como fatores de risco do diabetes tipo 2 e
doença de Crohn foram localizadas em caminhos previamente insuspeitos, em genes
sem uma função conhecida ou regiões de genes não codificados.
Desde 1868, quando a esclerose múltipla foi inicialmente descrita como uma
entidade clínica por Charcot, os cientistas têm tentado identificar os fatores causais
subjacentes. Estudos de gêmeos, crianças adotadas e a epidemiologia da esclerose
múltipla indicam um conjunto c omplexo de fatores causativos – tanto a predisposição
genética quanto fatores ambientais largamente desconhecidos são necessários para
causar a doença. A importância do background genético é óbvia pela taxa de
concordância em esclerose múltipla em gêmeos m onozigóticos de 30%; irmãos ou
gêmeos dizigóticos têm um risco de 2% ainda maior do que o risco de 0,1% na
população média do norte da Europa. Um componente genético biologicamente
significativo é também incluído pela agregação familiar de pacientes e por taxas de
28
incidência que variam entre grupos étnicos diferentes independentemente de localização
geográfica. A prevalência de esclerose múltipla é alta entre os europeus do norte da
Europa, mas baixa entre as populações africanas, chinesas e japonesas.
Em 1972, a associação entre esclerose múltipla e a região HLA do genoma foi
estabelecida. Desde então, essa associação se restringiu ao gene HLA -DRB1 no
cromossomo 6p21. De fato, esse local é o único fator genético mais consistente que
influencia a susceptibilidade para esclerose múltipla. Expansões de genoma baseados
em acoplamento múltiplo realizados com o uso de 300 a 400 marcadores multi alelolíticos em múltiplas famílias ou centenas de pares de irmãos confirmaram um papel
importante para esse locus do HLA, mas também revelaram vários outros supostos
locais de susceptibilidade. Meta -análises dos conjuntos dos dados combinados desses
estudos de acoplamento falharam ao identificar locais importantes fora do local HLA,
mas sugeriram locais secundários em 5p, 17 q e 19q que eram copiados em muitas
amostras. Pode-se prever pela informação genética acumulada, incluindo dados de
gêmeos e perfil de família acumulados, que o perfil de susceptibilidade para esclerose
múltipla consiste de muitos, provavelmente interativo s, alelos de risco, cada um
contribuindo com um efeito relativamente pequeno para o risco global.
No artigo “Risk Alleles for Multiple Sclerosis Identified by a Genomewide
Study. The International Multiple Sclerosis Genetics Consortium. N Engl J Med, 357,
851, 2007”, Hafler et al descrevem o resultado do primeiro esforço do International
Multiple Sclerosis Genetics Consortium para definir o perfil genético subjacente para
predisposição da esclerose múltipla. Esse estudo de associação de larga escala numa
análise combinada de um conjunto de dados impressionante de mais de 12000 sujeitos,
sustenta a previsão de alelos de múltiplo risco.
Os resultados deste estudo sustentam fortemente a predominância do locus HLA
no background genético de pacientes com escleros e múltipla, mas também indicam o
envolvimento de dois genes interessantes: IL2RA, que codifica a subunidade alfa do
receptor da interleucina-2 (também conhecido como CD25) no cromossomo 10p15, e
IL7RA que codifica a cadeia alfa do receptor da interleucina -7 no cromossomo 5p13.
Esses dois genes de receptores da interleucina e proteínas correspondentes são
importantes na imunidade intermediária das células -T. O receptor da interleucina -2 é
fundamental para a regulação das respostas de células -T, e o receptor da interleucina-7 é
crucial para a homeostase do pool de células-T de memória e pode ser importante
também na geração de célula -T autoreativas na esclerose múltipla. O gene IL2RA foi
29
também associado com diabetes tipo 1 e doença de Graves, que sugere um pa pel mais
amplo na auto-imunidade.
É importante reconhecer que o risco atribuído a IL2RA e IL7RA é muito baixo e
que esses dois alelos explicam apenas uma proporção muito pequena da variância de
risco da esclerose múltipla (0,2%). Devido ao fato dos polifor mismos de nucleotídeo
único (SNPs) associados para esses dois genes serem muito comuns na população (com
uma freqüência de até 70%), sua presença não pode ser um fator de risco importante
para doença genética. A região HLA retém sua posição singular como o único fator
genético consistente de risco para esclerose múltipla.
O que nós aprendemos sobre a “livre abordagem de hipótese” do perfil genético
por trás da esclerose múltipla? Primeiro, a lição crítica de todos estudos complexos de
associação da doença é a necessidade de um número maciço de amostras de estudo e a
colaboração de amplos consórcios por causa do pequeno efeito de alelos comuns.
Segundo, uma abordagem de seqüência de genoma mesmo em uma grande amostra de
estudo de Hafler et al., não revelaram genes importantes com um efeito sobre o risco
para esclerose múltipla que seja, ainda que remotamente, similar àquele da região HLA.
Terceiro, nenhum indício de novos caminhos surgiram das associações mais numerosas,
em contraste com os resultados de algun s estudos de seqüência de genoma envolvendo
outras doenças complexas tais como a diabetes tipo 2. Igualmente, um dos melhores
sucessos de estudo, o IL7RA está situado sob um dos picos de acoplamento registrados
previamente em 5p. Além disso, as variantes m ais associadas nas análises de dados
combinados não estavam, na realidade, entre os melhores resultados na tela inicial –
ambos mostraram apenas uma associação muito marginal. Esse resultado deveria
sinalizar precaução para grupos que estão progredindo apr essadamente para estudos de
cópias com apenas um punhado de SNPs melhor associados.
Concluindo, a autora reforça que deveríamos lembrar que, por definição, estudos
de associação de seqüência de genoma que contam com SNPs comuns monitoram
apenas alelos comuns, e que existe muito mais nos perfis de risco genético de doenças
como a esclerose múltipla. É preciso definir a diversidade total de alelos dos “genes
suspeitos” que são inicialmente identificados pelos estudos de seqüência de genoma. Ao
fazer a seqüência dos alelos de risco potenciais em amplas amostras de estudos,
provavelmente encontrará alelos de alto impacto e raro com importância crítica para o
risco de doença em algumas famílias ou pacientes. As lições aprendidas de estudos de
variantes de risco genético tais como BRCA1 e BRCA2 que são alelos raros com um
30
alto impacto, mas que explicam apenas uma pequena fração de câncer de mama, serão
instrutivas para nosso pensamento sobre outras doenças complexas. O resultado, de
alguma forma decepcionante com r espeito ao risco atribuível pelos SNPs amostrados
IL2RA e IL7RA, indica que outros tipos de variantes de genoma deveriam ser buscados.
MRI criteria for multiple sclerosis in patients presenting with clinically isolated
syndromes: a multicentre retrospe ctive study. Swanton JK et al. Lancet Neurology,
6: 677, 2007.
Síndromes clínicas isoladas (CIS), por poderem constituir a primeira
manifestação da esclerose múltipla (EM), representam um momento estrategicamente
ideal para seu potencial tratamento precoce . O Painel Internacional reunido em Londres
sob a presidência do Prof. Ian McDonald em junho de 2000 publicou, em 2001, critérios
que validaram a inclusão de achados de imagem por ressonância magnética (IRM) como
evidências para a caracterização da dissemi nação espacial (DE) e temporal (DT),
fundamentos clínicos para o diagnóstico da doença. Desde aí, outras duas revisões, em
2005 e mais recentemente em 2006, buscaram tornar mais práticas e objetivas tais
evidências, sem prejudicar sua especificidade e sens ibilidade diagnóstica.
Neste estudo retrospectivo envolvendo dados de pacientes procedentes de quatro
centros de pesquisa em EM na Europa, Josephine Swanton e colaboradores elaboram
uma análise crítica comparativa destes três critérios, discutindo o valor preditivo,
independente e associado, das disseminações espacial e temporal (quadro 1).
Uma amostra inicial (n=282) foi recrutada entre participantes de estudos
prospectivos de CIS, tendo IRM basal realizada dentro dos três primeiros meses do
início dos sintomas, uma IRM de seguimento obtida entre 3 e 12 meses, um seguimento
clínico de no mínimo 3 anos ou até o diagnóstico de EM clinicamente definida
(EMCD), segundo os critérios de Charles Poser, e sem o uso de imunomoduladores
antes deste diagnóstico. Após aplicação destes critérios de inclusão, 208 pacientes
compuseram a amostra final do estudo, em sua maioria portadores de neurite óptica
(59%), com uma taxa de conversão para EMCD de 33% após 2 anos e 41% após 3 anos
de acompanhamento.
31
Quase todas as imagens foram obtidas em exame convencional usando aparelhos
de 1,5T em cortes de 3-5mm, e analisadas por 2 dos investigadores, especialmente
treinados para o estudo. Foram contadas e descritas topograficamente, áreas de
hipersinal em T2W e FLAIR (ou densidade p rotônica), “compatíveis com
desmielinização”, independentemente de suas dimensões. Cada IRM foi classificada de
acordo com os três critérios e em separado, para cada componente de DE e DT.
Os três critérios apresentaram tanto especificidade quanto valor pr editivo
positivo elevados para EMCD (87% a 91%). A sensibilidade variou progressivamente,
de 47% com o critério original, de 2001, a 60% com a revisão de 2005, e 72% com o
novo critério, de 2006, fato este que pode ser atribuído a um critério mais “liberal ” de
DE.
Tomados isoladamente, a DT foi evidentemente mais específica que a DE: a
especificidade na presença de uma nova lesão em T2W, isolada, foi de cerca de 80%,
enquanto que o aparecimento de uma lesão captante de gadolínio conferiu uma
sensibilidade de 89%, no seguimento. Deste modo, para os autores, “a disseminação
temporal evidenciada à IRM aumenta a especificidade dos critérios diagnósticos de tal
modo que, incluída a disseminação temporal, os critérios de disseminação espacial
podem ser adotados com mais flexibilidade, sem comprometer a especificidade
metodológica” (Josephine Swanton, comunicação pessoal).
Os autores enfatizam que o estudo foi realizado retrospectivamente e em
pacientes com quadros de CIS características de desmielinização, de centr os de
tratamento de esclerose múltipla, o que certamente constitui um viés. Finalizam
propondo sua reprodução prospectiva, em pacientes com quadros desmielinizantes
atípicos e outras patologias multifocais do sistema nervoso central.
32
Quadro 1: Critérios diagnósticos de MRI para disseminação espacial e temporal
em esclerose múltipla (reproduzido de Swanton J. et al, com permissão da autora).
Painel internacional
20011
Disseminação espacial
Disseminação temporal
≥3 dos seguintes:
uma lesão Gd+T1W ou nove lesões
em T2W, sendo ≥3 periventriculares,
≥1 justacortical e ≥1 infratentorial.
Uma lesão medular tem o valor de
uma lesão cerebral.
Uma lesão Gd+T1W pelo menos
3 meses após o início da CIS,
ou,
uma nova lesão em T2W
comparada a IRM prévia ≥3
meses após o início da CIS
Revisão do painel
internacional 2005 2
≥3 dos seguintes:
Uma lesão Gd+T1W pelo menos
uma lesão Gd+T1W ou nove lesões 3 meses após o início da CIS,
em T2W, sendo ≥3 periventriculares, ou,
≥1 justacortical e ≥1 infratentorial.
uma nova lesão em T2W
Uma lesão medular tem o valor de comparada a IRM basal, ≥30
uma lesão infratentorial e as lesões dias após o início da CIS.
medulares podem ser totalizadas à
contagem do número de lesões.
Novo critério 2006 3
≥1 lesão em T2W em pelo menos Uma nova lesão em T2W
duas
localizações
típicas: comparada
a
IRM
de
periventricular, justacortical, fossa seguimento, independente do
posterior e medula.
tempo da IRM basal.
Nas síndromes de tronco cerebral e
medula, toda lesão em topografia
potencialmente sintomática deve ser
excluída da contagem.
CIS = síndrome clínica isolada; IRM = imagem por ressonância magnética; Gd+T1W =
lesão captante de gadolínio na imagem ponderada por T1; T2W = imagem ponderada
por T2.
Referências recomendadas:
1. McDonald WI, Compston A, Edan G, et al. Recommended diagnostic criteria for
multiple sclerosis: guidelines from the International Panel on the diagnosis of multiple
sclerosis. Ann Neurol 2001; 50: 121–27.
2. Polman CH, Reingold SC, Edan G, et al. Diagnostic criteria for mu ltiple sclerosis:
2005 revisions to the “McDonald Criteria”. Ann Neurol 2005; 58: 840–46.
3. Swanton JK, Fernando KT, Dalton CM, et al. Modification of MRI criteria for
multiple sclerosis in patients with clinically isolated syndromes. J Neurol Neurosurg
Psychiatry 2006; 77: 830–33.
33
Effect of early versus delayed interferon beta -1b treatment on disability after a
first clinical event suggestive of multiple sclerosis: a 3 -year follow-up analysis of
the BENEFIT study. Kappos L et al. Lancet, 370 :389, 2007.
Através de três estudos multicêntricos, já se sabia que o tratamento precoce
retarda a conversão da síndrome clínica isolada (CIS) para esclerose múltipla (EM). Um
destes estudos foi o BENEFIT, que randomizou 468 pacientes com CIS, para receber
interferon beta-1b, na dose de 250 ug, por via subcutânea, em dias alternados ou
placebo, durante dois anos. Ao final deste período, no qual 292 pacientes receberam
interferon e 126 receberam placebo, os pacientes que permaneceram no estudo durante
este período foram convidados a participar do “BENEFIT follow -up phase”. Nesta fase,
todos os pacientes foram convidados a receber interferon beta -1b 250 ug SC em dias
alternados. Os parâmetros avaliados nesta fase foram: presença de progressão na escala
EDSS entre uma avaliação e outra, recidivas, conversão para EM clinicamente definida,
conversão para EM (critérios de McDonald), modificações na ressonância magnética,
MSFC (multiple sclerosis functional composite). Anticorpos neutralizantes foram
dosados a cada seis meses. A análise foi do tipo intenção de tratar. Ao final do terceiro
ano da fase de seguimento, foram comparadas as características do grupo de tratamento
precoce (os que receberam interferon na fase do estudo duplo -cego) e do grupo de
tratamento tardio (os que receberam placebo no período duplo -cego). O risco de
progressão do EDSS foi significativamente reduzido (cerca de 40%) no grupo de
tratamento precoce, mesmo após a depuração do efeito dos surtos sobre o EDSS. A
média do EDSS aumentou um pouco no grupo de tratamento tardio (1,43 para 1,58),
enquanto reduziu ligeiramente no grupo tratamento precocemente (1,52 para 1,41). O
risco de conversão para EM clinicamente definida foi reduzido em cerca de 41% no
grupo tratado precocemente. O risco de EM pelos critério s de McDonald também foi
menor. O escore do MSFC não revelou deterioração em nenhum dos grupos. O número
total de lesões na ressonância magnética reduziu ao longo dos três anos em ambos os
grupos; no grupo tratado precocemente esta redução foi ligeiramente maior. Anticorpos
neutralizantes foram detectados com maior freqüência no grupo tratado precocemente,
embora não tenha sido evidenciada relação entre estes anticorpos, recaídas ou piora da
incapacidade. Foi notado maior benefício entre os pacientes com in ício multifocal e
com maior volume de lesões na ressonância ao primeiro surto.
34
Estes dados sugerem que o tratamento precoce, mesmo logo após o primeiro
surto, tem efeito sobre a progressão tardia da incapacidade. Aparentemente este efeito
não se deveu simplesmente à redução de surtos, pois a quantidade de surtos foi muito
próxima entre os dois grupos. O efeito do tratamento precoce sobre a evolução da
ressonância, anteriormente demonstrado na primeira fase do BENEFIT, foi preservado
ao longo dos três anos na segunda fase deste estudo, mesmo após a introdução de
interferon nos pacientes que inicialmente receberam placebo. Portanto, o benefício do
tratamento precoce não se restringe à redução da taxa de conversão para EM, mas
também à progressão da incapacida de. Novos resultados são esperados em dois anos,
visto que este estudo foi projetado para cinco anos. Analisar a relação entre tratamento
precoce e progressão tardia da incapacidade é, sem dúvida, um aspecto de grande
relevância e dúvida no tratamento da E M. Espera-se que este estudo, e outros com
maior tempo de seguimento, possam trazer informações a este respeito.
Qualidade de vida em portadores de esclerose múltipla. Morales RR et al. Arq
Neuropsiquiatr, 65: 454, 2007.
A esclerose múltipla (EM) é um a doença crônica, que potencialmente interfere
com vários aspectos da vida de seus portadores, com repercussões em sua qualidade de
vida. Estudos realizados em outros países mostram que a EM interfere de maneira
significativa na qualidade de vida de seus p ortadores, mas esse impacto ainda não foi
estudado em pacientes brasileiros. Neste estudo, os autores avaliaram a repercussão da
EM na qualidade de vida de seus portadores, em comparação a um grupo de pessoas
saudáveis.
O questionário genérico de qualidade de vida SF-36, traduzido e validado, foi
aplicado por meio de entrevista em 23 portadores de EM e 69 doadores de sangue.
Foram comparados os escores do SF -36 entre os portadores e controles, e entre
pacientes com e sem comprometimento da marcha (EDSS < 3,5 e > 4,0). Além disso,
foram verificadas as correlações entre os escores dos domínios e componentes do SF -36
e tempo de doença, tempo de diagnóstico e presença de sintomas.
Os portadores de EM apresentaram piores escores em todos os domínios e
componentes do SF-36 que o grupo controle. Esse impacto foi mais importante nos
35
domínios de função física, de acordo com o tamanho do efeito. Entre os portadores,
aqueles com EDSS > 4,0 apresentaram piores escores principalmente em domínios que
avaliam o construto físico. Esse resultado mostra que o impacto da EM nos domínios de
função psico-social é importante logo no início, mas permanece relativamente estável
no curso da doença. Segundo os autores, esse é um comportamento que necessita de
maior estudo.
Não houve correlação significativa entre os escores do SF -36 e tempo de doença
ou tempo de diagnóstico. Entre os sintomas, foi vista correlação da qualidade de vida
com sintomas depressivos e intolerância ao calor. Os autores concluem, então, que a
EM causa um importante impacto na qualidade de vida em seus portadores.
36
EPILEPSIA
Dr. Luiz Eduardo Betting
Dr. Fernando Cendes
Early seizures: causal events or predisposition to adult epilepsy? Dulac O et al.
Lancet Neurol, 6: 643, 2007.
Introdução
Muitos adultos apresentaram crises de forma precoce na vida. Crises epilépticas
precoces são aquelas que ocorrem até os 2 anos após o nascimento. Neste artigo de
revisão, os autores tentam responder se as crises precoces são realmente epileptogênicas
ou correspondem a primeira manifestação de uma epilepsia já existente? A resposta para
esta questão é importante, pois o conhecimento dos possíveis mecanismos envolvidos
poderia auxiliar na prevenção da doença.
Crises epilépticas: epileptogênicas ou início de epilepsia?
A controvérsia que abrange esta questão pode ser parcialmente justificada pelas
diversas etiologias possivelmente envolvidas. Assim, os autores sugerem que uma
abordagem através da síndrome e etiologia das crises pode determinar de forma mais
apropriada os mecanismos da epilepsia e auxiliar a traçar melhores estratégias
terapêuticas.
1. Crises precoces e lesão cerebral epileptogênica aguda - Risco aumentado de epilepsia
durante a vida. Exemplos: epilepsia pós -traumática, epilepsia secundaria a infarto
cerebral e epilepsia secundaria a infecção intracraniana (especialmente herpes vírus).
2. Crises febris e epilepsia tardia - 2% das crianças com crises febris simples e 4 a 12%
das crianças com crises febris complexas (maior duração, sinais focais, déficit pós -ictal
e repetição do evento em 24h) desenvolveram epilepsia tardiamente.
Epilepsia da infância a idade adulta
A história natural das epilepsias é variável podendo ser: i) limitada - os pacientes
apresentam crises durante um intervalo de tempo mais específico ; ii) recidivante - um
37
exemplo é a epilepsia de lobo temporal em que ocorre um longo período entre as crises
iniciais e as crises refratárias recidivantes; iii) persistentes - permanecem durante a
infância e idade adulta; iv) formas idade dependente - em alguns pacientes a epilepsia
persiste porem mudanças no fenótipo podem ser observadas com o passar dos anos
(exemplo: encefalopatias epilépticas - evolução da Síndrome de West para Lennox Gastaut).
Implicações práticas
A contribuição de crises precoces p ara uma posterior epilepsia durante a idade
adulta deve ser analisada de forma bastante cuidadosa considerando o diagnóstico
sindrômico e etiológico. Crises isoladas parecem não estar relacionadas a epilepsia na
idade adulta. Por outro lado, patologias mai s específicas como encefalopatias epilépticas
com a presença de crises tônicas, crises persistentes ou lesões envolvendo as estruturas
mesiais do lobo temporal estão relacionadas à epilepsia na idade adulta. Deste modo,
estes casos devem receber tratamento agressivo e apropriado podendo melhorar o curso
da doença.
Video-electrographic and clinical features in patients with ictal asystole . Schuele
SU et al. Neurology, 69: 434, 2007.
Introdução
Assistolia ictal é um evento raro, porém potencialmente fa tal observado em
pacientes com epilepsia focal. Provavelmente a assistolia ictal constitui um dos fatores
responsáveis pela morte súbita inexplicada em epilepsia (SUDEP). Alguns estudos
mostraram que apenas 0.4% (5 de 1244) dos pacientes monitorizados apre sentavam
assistolia cardíaca ictal. Entretanto, estudos mais refinados mostraram que até 21% (4
de 19) dos pacientes poderiam apresentar bradicardia/assistolia. Pacientes com epilepsia
de lobo temporal, a mais comum das epilepsias parciais no adulto, estar iam
particularmente em risco. Este estudo avaliou as características clínicas e vídeo -EEG de
pacientes com assistolia ictal.
Metodologia
38
Entre 6825 pacientes submetidos a monitorização por vídeo -EEG, os autores
procuraram por todos os pacientes com assis tolia ictal. Consideraram como assistolia
ictal: intervalo R-R maior que 3 segundos e pelo menos duas vezes a duração do
intervalo R-R anterior durante um evento epiléptico ictal. Bradicardia foi considerada
como freqüência cardíaca menor que 50bpm e maior do que 10% de decréscimo da
freqüência cardíaca de base.
Resultados
Os autores observaram assistolia ictal em 0.27% de 3754 pacientes com
epilepsia (8 com epilepsia de lobo temporal, 2 com epilepsia extratemporal). Em 8 de 16
eventos, as crises epilépti cas estavam associadas com atonia súbita em média 42
segundos após o início da crise parcial complexa. Esta perda de tônus ocorreu após um
período de assistolia e o EEG evidenciou alterações tipicamente observadas durante
hipoperfusão cerebral.
Conclusão
Perda de tônus tardia durante crise epiléptica é incomum em pacientes com
epilepsia de lobo temporal, mas pode ocorrer em pacientes com assistolia ictal.
Aprofundar a investigação cardiológica em pacientes com epilepsia de lobo temporal e
história de quedas tardiamente durante uma crise típica pode auxiliar na prevenção da
morte súbita inexplicada em epilepsia.
Ictal clinical and scalp-EEG findings differentiating temporal lobe epilepsies from
temporal ‘plus’ epilepsies. Barba C et al. Brain, 130, 1957, 2007.
Introdução
Epilepsia de lobo temporal “plus” (ELT+) é uma forma de epilepsia com crises
de origem multilobar e caracterizada pelo envolvimento de uma complexa rede
epileptogênica incluindo o lobo temporal e estruturas adjacentes como o córtex ór bitofrontal, insula, opérculos frontal e parietal e a junção têmporo -parieto-occipital. A
importância da distinção deste grupo de epilepsia da epilepsia de lobo temporal clássica
é decorrente de que alguns pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico sem sucesso
39
podem na verdade apresentar ELT+. Estes pacientes provavelmente necessitam de uma
investigação mais aprofundada e talvez de uma corticectomia mais extensa e efetiva de
acordo com os limites cirúrgicos possíveis. O diagnóstico da ELT+ é realizado
basicamente através de eletrodos invasivos.
O
objetivo
deste
estudo
foi
procurar
por
características
clínicas,
eletroencefalográficas e de ressonância magnética que possam auxiliar na diferenciação
entre estes dois grupos de pacientes.
Metodologia
Estudo retrospectivo de 80 pacientes com: i) RM apenas com esclerose
hipocampal; ii) EEG de superfície com crises envolvendo as estruturas mesiais do lobo
temporal; iii) cirurgia realizada apenas de acordo com EEG de superfície; iv) 5 anos de
pós-operatório. 58 pacientes foram diagnosticados como puramente temporais e 22
como ELT+.
Resultados
O estudo mostrou que a diferenciação entre os dois grupos foi bastante complexa
utilizando os dados clínicos e de RM. Esclerose hipocampal também não foi suficiente
para a diferenciação dos grupos. Por outro lado, os sintomas clínicos ictais e o EEG de
superfície foram capazes de diferenciar de forma significativa os dois grupos. Pacientes
com epilepsia de lobo temporal clássica apresentaram de forma mais freqüente
habilidade de comunicar durante o início da crise, aura abdominal, automatismos
gestuais e amnésia pós-ictal. Pacientes com ELT+ apresentaram mais freqüentemente
alucinações gustatórias, vertigem rotatória e ilusões auditivas durante o início da crise.
Estes pacientes exibiram também manifestações contraversivas dos olhos e/ou cabeça,
piloereção e sinais motores tônicos ipsilaterais. Além disso, pacientes com ELT+ ficam
mais disfóricos durante a fase pós -ictal. O EEG interictal dos pacientes com ELT+
mostrou com maior freqüência descargas bilaterais ou anormalidades pré -centrais. A
tabela 1 resume estes achados.
40
Tabela 1: Características clínicas e de EEG interictal em pacientes com epilepsia de
lobo temporal clássica (ELT) e epilepsia de lobo temporal “plus” (ELT+) de acordo
com Barba et al.
ELT
- Percebe o início da crise
- Aura abdominal
- Automatismos gestuais
- Amnésia pós-ictal
Sinais
clínicos
ELT+
- Alucinações gustatórias
- Vertigem rotatória
- Ilusões auditivas
- Manifestações contraversivas
- Piloereção
- Sinais motores tônicos ipsilaterais
- Disforia pós-ictal
- Descargas bilaterais
- Anormalidades pré-centrais
EEG
Conclusões
As características acima podem ser úteis na identificação de pacientes com
ELT+. Estes dados são part icularmente úteis quando ocorrem de forma associada.
Pacientes com ELT+ provavelmente devem ser submetidos a uma investigação pré operatória mais cuidadosa com objetivo de remover todo o tecido epileptogênico
elevando assim as chances de sucesso do tratame nto cirúrgico.
41
CEFALÉIA
Dra. Célia Aparecida de Paula Roesler
Reverse association between high -altitude headache and nasal congestion
S Jafarian et al. Cephalalgia, 27: 899, 2007
A doença de altitude elevada (mal da montanha) resulta de uma h ipóxia hipobárica a
altitudes maiores que 2000m acima do nível do mar. Manifestações iniciais incluem dor
de cabeça, tontura e enjôo e mais tarde podem se manifestar anorexia, insônia e
dispnéia.
A dor de cabeça é o sintoma mais presente e atinge principa lmente mulheres e pessoas
que tem dor de cabeça no seu dia -a-dia. A razão pela qual a dor de cabeça é
desencadeada é ainda incerta, mas edema e vasodilatação cerebral são sugeridos como
causas prováveis.
Não há evidências científicas de que congestão nas al é uma das manifestações clínicas
de uma pessoa exposta a altas altitudes, entretanto a experiência nos mostra que essa é
uma freqüente reclamação.
Esse estudo verifica se há coincidência entre esses dois sintomas, visto que tanto a
congestão nasal como a dor de cabeça são vasogênicos.
Surpreendentemente, foi descoberto que há uma associação reversa entre congestão
nasal e dor de cabeça numa alta altitude, levando -os à hipótese que uma auto -regulação
paralela e mecanismos fisiopatológicos provavelmente resultam em uma contraditória
vasoreatividade dentro do cérebro e do trato respiratório superior. Essa associação
reversa poderia ser explicada por uma hipóxia induzida por atividade simpática.
42
Sex differences in transmission of migra ine. NCP Low et al. Cephalalgia, 27: 935,
2007.
Evidências demonstram que a migrânea é muito mais comum em mulheres do que em
homens, mas as explicações para essa preponderância não foram ainda sistematicamente
avaliadas. Neste estudo foram verificados se há fatores gené ticos que contribuem para
essa maioridade usando dados de famílias com 260 probands (primeiro membro de uma
família a procurar ajuda médica devido a uma doença).
O padrão de diferenciação relativo ao sexo do indivíduo que sofre de migrânea varia
com a idade: antes da puberdade a distribuição é igual ou ligeiramente maior em
homens, mas durante a adolescência a incidência em mulheres tende a aumentar. Essa
preponderância tende a aumentar durante a vida, atingindo seu pico aos 40/50 anos.
Uma das possíveis explicações para a diferença de distribuição de uma doença entre os
sexos feminino e masculino é que um destes é mais propenso a expressar determinado
distúrbio por causa de fatores genéticos. Há certos distúrbios que seguem claramente os
modelos Mendelianos (gene autossômico dominante), apesar de os padrões mais
comuns de transmissão de subtipos de migrânea serem contraditórios e não seguirem
nenhum destes padrões de transmissão.
Os achados do estudo sugerem que há diferentes mecanismos genéticos entres h omens e
mulheres. Entretanto, interação gene -ambiente parece ser mais potente em mulheres se
estas forem mais susceptíveis a ataques de migrânea quando submetidas a gatilhos
endógenos e exógenos.
A acumulação genética e/ou fatores ambientais também devem ser lembrados, já que
são presentes na manifestação da doença. Quando um indivíduo já carrega genes que o
levariam a sofrer de migrânea e ainda é exposto a fatores ambientais que aumentam as
chances dele desenvolver esse distúrbio, maiores são as chances de que seus filhos/netos
sejam também afetados.
43
MOLÉSTIAS INFECCIOSAS
Dr. Marcus Tulius T. Silva
Emergency diagnosis and treatment of adult meningitis . Fitch M et al. Lancet
Infection; 7: 191, 2007.
Neste excelente artigo de revisão, os autores inici am a discussão sobre
diagnóstico e tratamento de emergência de pacientes adultos com meningite bacteriana
(MB) mostrando que nos países desenvolvidos a mortalidade associada chega a quatro
por 100.000 adultos, sendo dez vezes maior em países em desenvolvim ento. Relembra
que a prática da vacinação rotineira contra o Haemophilus e o Streptococcus reduziu,
sobremaneira, a incidência de MB na população pediátrica, desviando o número
incidente de casos para a população adulta.
Segundo os autores, pouco se sabe s obre a janela de tempo entre o início dos
sintomas e o primeiro atendimento médico. Os sinais clássicos de lesões cutâneas,
meningismo e alteração da consciência desenvolvem -se tardiamente. Os sinais mais
precoces identificados antes do atendimento médico em adolescentes, segundo um
estudo citado, foram dor nas pernas (53% dos pacientes) e frialdade de extremidades
(em 44%).
Em uma meta-análise com 845 pacientes de estudos diversos dos últimos 30
anos mostrou que cefaléia, náusea e vômito são indícios de b aixíssima sensibilidade e
especificidade. Em um estudo com 493 episódios de MB, a tríade clássica (febre,
rigidez de nuca e alteração da consciência) esteve presente em apenas um terço dos
pacientes. A febre foi o sinal/sintoma mais freqüente (95% dos paci entes). Em uma
outra meta-análise, no entanto, a ausência de febre, rigidez de nuca e alteração da
consciência eliminou a possibilidade de MB, com uma sensibilidade de 99% a 100%.
Em um outro estudo, 696 adultos com MB foram acompanhados prospectivamente; a
incidência da tríade clássica foi de 44%. É claro que tais sinais e sintomas não devem
ser interpretados isoladamente, e é esta a mensagem dos autores neste tópico.
44
Exame neurológico – os autores iniciam mostrando que vários estudos mostraram que
lesões cutâneas típicas são raras em adultos (presentes em apenas 11% dos casos). Em
um estudo prospectivo, somente 26% dos casos tinham lesões cutâneas.
Considerando os sinais neurológicos, os autores relatam que em um estudo com
297 adultos, nenhum dos sinais clássicos (Kernig, Brudzinski e rigidez de nuca)
identificou com acerácea os pacientes com MB. Os sinais de Kernig e Brudzinski
tiveram baixa sensibilidade (5%), mas alta especificidade (95%). Neste estudo citado,
80 dos 297 tiveram meningite (qualquer et iologia), mas somente 24 apresentavam
rigidez de nuca (sensibilidade de 30%). Em 148 de 217 pacientes sem meningite, a
rigidez de nuca esteve ausente ao exame (especificidade de 68%). Somente três dos
pacientes com meningite tiveram diagnóstico final de MB pela cultura do liquor, e a
presença da rigidez de nuca só esteve presente em um deles.
Por incrível que pareça, o sinal mais sensível na detecção da irritação meníngea
em uma coorte de 54 pacientes com febre e cefaléia foi o sinal do “chacoalhar a cabeç a”
(jolt accentuation test), que consiste na rotação horizontal da cabeça duas a três vezes
por segundo, estando o paciente em posição supina. O teste é positivo se ele exacerba a
cefaléia. Este teste teve sensibilidade de 97% e especificidade de 60%, cont ra 15% de
sensibilidade para o sinal de Kernig e 9% para a rigidez de nuca.
Análise liquórica – nesta seção, os autores começam com o questionamento dos riscos
de se realizar uma punção lombar (PL) em um paciente com suspeita de hipertensão
intracraniana (HIC). Mostra-nos que vários artigos nos últimos 125 anos tentam
estabelecer um nexo causal entre o procedimento e herniação cerebral, sem respostas
conclusivas até o momento.
Em uma revisão de 200 casos de PL em pacientes sabidamente portadores de
HIC (144, inclusive, com papiledema), nenhum deles apresentou qualquer complicação
associada ao procedimento. Em outra série de 103 casos com HIC, somente quatro
mortes foram associadas ao procedimento, tendo ocorrido entre 6h e 40h após a PL. No
entanto, em nenhum dos quatro casos demonstrou -se herniação em estudo necroscópico.
Em outro relato com 56 pacientes com papiledema nenhuma complicação foi atribuída à
PL.
Contradizendo, no entanto, toda a sua linha de argumentação, os autores dizem
que os médicos devem estar cientes para os potenciais malefícios da PL em pacientes
com HIC suspeita, e recomendam fortemente um exame de imagem (TC de preferência)
45
antes da PL. Eles consideram, baseados em um estudo com 301 adultos com meningite,
que os fatores associados a u m risco maior para HIC e presença de herniação são: idade
maior que 60 anos, alteração do estado mental, paralisia do olhar conjugado ou facial,
incapacidade de responder ou obedecer a comandos simples, imunodepressão, doença
neurológica prévia, crise conv ulsiva, anormalidade do campo visual e paresia motora
dimidiada. Se nenhum destes sinais estiver presente, o valor preditivo negativo para
HIC é de 97%. É bem verdade que os autores ressaltam que, na impossibilidade de TC,
os pacientes devem receber terapi a antibiótica empírica sem análise liquórica. Uma
alternativa não comentada pelos autores mas que podemos considerar na prática clínica
é, na ausência de estudo de imagem e na dúvida da exis tência de HIC, a infusão de
1mg/Kg de manitol em bolus IV e, 20 minutos após, realização a punção lombar ( apud
Karen Roos, Principles of Neuroinfection Diseases ).
Interpretação da análise liquórica – neste tópico, eles discutem se os achados liquóricos
podem discriminar com segurança a MB de uma infecção não -bacteriana. Dizem que
vários relatos mostram que existem casos de MB na ausência de pleocitose importante
(relatos de MB com menos de 100 leucócitos no liquor). Classicamente, as MBs
caracterizam-se por resultarem em pleocitose neutrofílica acentuada (leucócitos >100 0),
enquanto as meningites virais por apresentarem pleocitose linfocítica moderada
(leucócitos <300), malgrado a sobreposição existente nestas condições. O nível de
proteína costuma ser elevado e o de glicose diminuído nas MBs, enquanto estes
permanecem normais ou pouco alterados nas meningites virais. O Gram tem
sensibilidade de 50% a 90%, sendo técnico -dependente. O rendimento diagnóstico do
Gram e das culturas pode ser reduzido pela exposição prévia do paciente a algum
antibiótico com penetração liquóric a, embora os outros parâmetros bioquímicos não se
alterem imediatamente. Em um estudo prospectivo com 696 pacientes com MB, 12%
não tinham alterações típicas para MB.
Tratamento – nesta seção começa-se revelando que a mortalidade da MB é alta mesmo
nos países desenvolvidos e nos pacientes que recebem terapia adequada (13% a 27%).
Em um estudo com 156 pacientes um retardo de mais de três horas esteve
independentemente associado a um risco maior de morte em três meses. Vários estudos
mostram que o principal fator que retarda o início do uso de antibióticos (ATB) é a
realização da TC. Assim, os pacientes devem ter hemoculturas colhidas e receberem
46
uma dose de ATB antes da TC, se esta não é prontamente disponível. A escolha do
ATB deve basear-se no perfil bacteriológico do hospital, na idade do paciente e nas
condições clínicas associadas. Recomenda -se uma cefalosporina de terceira geração em
doses plenas. Os autores reforçam que a associação com a vancomicina é obrigatória
nos EUA, haja vista que lá 35% das cep as de Streptococcus são multi-resistentes.
Dizem, também, que acima dos 50 anos recomenda -se a associação da cefalosporina
com a ampicilina, pelos casos de Listeria que eles têm.
Corticóide sistêmico – a intensa resposta inflamatória está associada à morb imortalidade da MB. A única terapêutica específica para esta, provada cientificamente, é
a dexametasona. Esta deve ser dada junto à primeira dose do ATB, na dose de 10mg IV
e mantida por quatro dias, a intervalos de 6/6 horas.
No ensaio randomizado e dup lo-cego que envolveu 301 adultos com MB, a
dexametasona reduziu a mortalidade e a morbidade. Nos pacientes com MB por
Streptococcus, a mortalidade foi reduzida de 34% para 14%. Em uma meta -análise com
623 pacientes, o uso da dexametasona reduziu a mortalid ade e a chance para alguma
seqüela neurológica. Não há mais dúvida de que se deve usar esta medida em conjunto
com o ATB. No entanto, estudos em animais mostram que o corticóide esteve associado
à apoptose hipocampal em ratos com MB, e uma preocupação sobr e os possíveis efeitos
cognitivos em humanos surgiu. No entanto, um estudo com pessoas que sobreviveram a
um episódio de MB por Streptococcus mostrou que aqueles que receberam placebo
tiveram o mesmo desempenho em testes neuropsicológicos do que aqueles qu e
receberam a dexametasona (média de 99 meses pós -tratamento). Logo, o uso de
corticóide não está associado a um risco para declínio cognitivo no futuro.
47
NEUROLOGIA INFANTIL
Dra. Umbertina Conti Reed
145th ENMC International Workshop: Planning for an I nternational Trial of
Steroid Regimes in DMD (FOR DMD) , 22-24th October 2006, Naarden, The
Netherlands. Bushby K et al. Neuromuscul Disord, 17: 423 -8, 2007.
Considerando o consenso universal de que a corticoterapia nas crianças com Distrofia
Muscular de Duchenne (DMD) beneficia a função muscular e respiratória, bem como
previne escoliose e miocardiopatia grave, o artigo avalia a necessidade de padronização
do emprego da corticoterapia nos pacientes, já que esta continuará por muito tempo a
ser complementar das eventuais terapias efetivas que além de não saírem da fase
experimental dificilmente alcançarão globalmente a massa muscular. Devido aos
inúmeros esquemas diferentes de corticoterapia que estão sendo empregados nos
diferentes países urge encontrar: o esquema ideal que propicie o menor número de
efeitos colaterais, principalmente quanto a controle de peso e manutenção do
metabolismo ósseo; métodos uniformes de avaliação da força, habilidade, capacidade
respiratória e qualidade de vida; métodos uniforme s de conduta cardiológica, manejo da
osteoporose e suporte ventilatório não invasivo. O trabalho apresenta o protocolo
clínico regido pelo Centro Neuromuscular Europeu que vai testar três diferentes
esquemas de corticoterapia, mantida pelo período mínimo d e 36 meses, em 300
meninos entre quatro e sete anos de idade:
 Deflazacort: 0,9 mg/kg/dia, por via oral em dose única, diariamente;
 Prednisona: 0,75 mg/kg/dia, por via oral em dose única, diariamente;
 Prednisona: 0,75 mg/kg/dia, por via oral em dose únic a, durante 10 dias,
seguidos de intervalo de 10 dias sem medicação.
O trabalho também revê o panorama atual na pesquisa de tratamentos efetivos. Trata -se
de uma boa revisão que fornece substrato bibliográfico para que o leitor possa se inteirar
das diferentes metodologias, entre as quais as principais são as seguintes:
- a terapia celular através de células tronco obtidas via transplante de medula óssea,
ressaltando-se que em cães distróficos a injeção intra -arterial de mesangioblastos
48
(células-tronco associadas aos vasos) recupera a expressão de distrofina, a morfologia
muscular e a função;
- a terapia gênica utilizando vetores virais, minigenes ou plasmídeo com naked DNA;
esta última fornece a seqüência da distrofina (cDNA) sem vetor viral e já foi usada em
pacientes por via IM o que resultou na produção de distrofina no músculo biopsiado.
Entretanto tem a limitação de só atingir segmentos (membros) e não toda a musculatura ,
de não estar definida a resposta imunológica, além do fato de que produção em larga
escala de plasmídeos constitui um desafio.
- métodos de reparação e manipulação genômica baseados no dado da DMD ser causada
por uma deleção intragênica fora de fase, englobando de um a vários exons. Assim,
estes métodos visam: transformar fenótipo D MD em DMB através do emprego de
oligonucleotídeos antisense que induzem exon skipping (a leitura salta exons, não os
inclui) na formação do pré-mRNA, de modo a restaurar o quadro de leitura.
Considerando que o gene da distrofina contém 79 exons, há milhare s de possibilidades
de exon skipping e, portanto, de transcritos o que origina inúmeras pesquisas
terapêuticas envolvendo skipping de um único ou de múltiplos exons. Há limitações
nesta metodologia: o exon ou exons que devem sofrer o skipping, bem como o
oligonucleotídeo antisense correspondente, variam de um paciente para outro; a
determinação de todos os exons passíveis de um skipping que restaure o quadro de
leitura e a produção dos respectivos oligonucleotídeos antisense é uma tarefa árdua. A
maior e mais promissora novidade neste campo é o protocolo utilizando o PTC -124,
composto por VO, já comercializado para outras situações, que “passa por cima” do
sinal de parada da tradução no ribossoma, ou seja, em caso de mutação nonsense tipo
stop codon, lê através da mutação assim produzindo proteína de tamanho normal. O
composto já foi experimentado em modelos animais e em humanos sadios o ensaio
clínico de fase I mostrou boa tolerância ; em pacientes com DMD já está em curso o
ensaio clínico de fase II. Entretanto, a maior ressalva é que só tem indicação para os
meninos que apresentarem mutação de ponto tipo stop codon (< 10%).
49
The pediatric neurotransmitter disorders. Pearl PL et al. J Child Neurol, 22:606-16,
2007.
As doenças hereditárias ligadas aos defeitos do metabolismo dos neurotransmissores
constituem um grupo alta mente heterogêneo quanto às manifestações clínicas , que
inclui os distúrbios do metabolismo das monoaminas, da glicina e do ácido gama aminobutírico (GABA). Os defeitos enzimáticos que originam estas doenças podem
estar
envolvidos
diretamente
na
síntese
ou
na
degradação
dos
próprios
neurotransmissores ou estarem envolvidos na síntese de cofatores essenciais, por
exemplo, tetrahidrobiopterina. Os autores apresentam a classificação deste tipo de
doenças,
resumem
os
principais
passos metabólicos
envolvidos,
de screvem
clinicamente os diferentes subtipos e enfatizam principalmente as condições que são
passíveis de tratamento.
O primeiro grupo de doenças é decorrente dos defeitos de metabolismo das
monoaminas e compreende diferentes entidades, das quais as mais f reqüentes são
ligadas à deficiência do cofator tetrahidrobiopterina: deficiência da sintase de 6 piruvoil-tetrahidropterina com cerca de 300 casos descritos e a deficiência de
ciclohidrolase da guaninatrifosfato que é a doença de Segawa ou distonia dopa responsiva.
A
primeira,
de
herança
autossômica
recessiva,
cursa
com
hiperfenilalaninemia e redução de biopterina urinária; na maioria das vezes ocorrem
sintomas extrapiramidais graves que misturam síndrome parkinsoniana, distonia, coréia
e atetose com intensa flutuação diurna. Ocasionalmente, o fenótipo é mais leve,
ocorrendo descompensação clínica quando o paciente recebe antagonistas de folato, por
exemplo, methotrexate. O tratamento consiste na administração de precursores dos
neurotransmissores (dopa, 5 -hidroxitriptofano), inibidores da monoaminoxidase e
catecol-O-metiltransferase, bem como tetrahidrobiopterina. A doença de Segawa, de
herança autossômica dominante, não cursa com hiperfenilaninemia e apresenta
caracteristicamente diminuição dos neurotransmi ssores no líquido céfalo-raquidiano
(LCR), tais como ácido homovanílico, neopterina e tetrahidrobiopterina. Clinicamente,
caracteriza-se por distonia e tremor com nítido componente postural e flutuação diurna,
exibindo, porém, intensa variabilidade fenotí pica, inclusive intrafamilial, devida à
penetrância incompleta. Distonia assimétrica nos membros ou focal e diplegia espástica
podem eventualmente ocorrer. Embora esta não seja a única forma de distonia dopa responsiva, a resposta à L -dopa/carbidopa, inclusive em doses reduzidas, é
absolutamente gratificante, restaurando a qualidade de vida.
50
As desordens do metabolismo da glicina incluem diferentes defeitos enzimáticos de
herança autossômica recessiva, envolvidos em diferentes passos da clivagem da glicina
e conhecidos em conjunto sob a denominação de encefalopatia por glicina (antigamente,
hiperglicinemia não cetótica). O diagnóstico é indicado pela proporção glicina no
LCR/glicina plasmática > 0,08. Há cerca de 150 pacientes descritos com a clá ssica
forma neonatal que se manifesta já intra -útero e evolui com gravíssima encefalopatia
letárgica neonatal com mioclonias, apnéia, padrão eletrencefalográfico de surto supressão, neuroimagem mostrando agenesia de corpo caloso e degeneração
espongiforme da substância branca, bem como pico de glicina na espectroscopia. Há
variantes neonatais menos dramáticas, bem como formas de início no segundo semestre
com hipsarritmia, ao longo da infância com deficiência mental, coréia e paralisia do
olhar conjugado vertical ou em adultos com quadro piramidal e atrofia óptica.
Tentativas de tratamento com benzoato de sódio e bloqueadores dos receptores de N metil-D-aspartato são descritas, porém exceto em raros casos em que há atividade
enzimática residual, o prognóstic o é uniformemente pobre e já foi descrita deterioração
em dois pacientes com o emprego de vigabatrina.
Entre os diversos distúrbios do metabolismo do GABA, citam -se a deficiência da
desidrogenase do semialdeído succínico e as crises epilépticas piridoxina -dependentes.
A primeira, de herança autossômica recessiva, apresenta ampla variabilidade de
mutações no gene correspondente em 6p22, o que dificulta a relação geno/fenotípica. Já
foi descrita em 95 pacientes e caracteriza -se por manifestações clínicas ampl amente
variáveis que incluem distúrbios do desenvolvimento, principalmente da linguagem,
hipotonia, deficiência mental, distúrbios psiquiátricos e distúrbios do sono que, na
grande maioria das vezes não apresentam caráter progressivo, o que discorda do pad rão
das encefalopatias metabólicas. Ocasionalmente, ocorrem ataxia cerebelar não
progressiva e síndrome extrapiramidal. Metade dos pacientes apresenta epilepsia (crises
generalizadas, ausências atípicas, mioclonias) que às vezes é refratária ao tratamento e
cursa com episódios de estado de mal epiléptico. O marcador bioquímico é o acúmulo
do ácido 4-hidroxibutírico nos fluidos corporais na ausência de acidose metabólica. A
neuroimagem é típica, mostrando hipersinal em T2 , bilateral e simétrico, no globo
pálido, núcleo denteado, tronco cerebral e substância branca subcortical. Há inúmeras
pesquisas com modelos animais, visando possíveis esquemas de tratamento. Em
pacientes não há nenhum esquema definido, embora haja relatos de benefício com o uso
51
da vigabatrina. Entre as demais drogas anti -epilépticas deve-se evitar valproato de sódio
por interferência no ciclo enzimático em questão.
Finalmente, novos fenótipos clínicos e variantes genéticas estão sendo descritas
recentemente em relação às crises epilépticas piridoxina-dependentes que tipicamente
afetam recém-nascidos, podendo ter início intra -útero. Há formas atípicas que ocorrem
mais tardiamente, além dos dois anos de vida, ou exibem intervalos de meses sem
dependência à piridoxina. No campo da epilepsia pir idoxina-dependente, dois dos
distúrbios relacionados a defeitos do metabolismo dos neurotransmissores são a
deficiência da desidrogenase do semialdéido alfa -aminoadípico e a dependência ao
piridoxal-5-fosfato que é a forma biologicamente ativa da piridoxin a. Ambas as formas
podem ser diagnosticadas através da dosagem dos neurotransmissores no LCR, porém
na segunda as crises epilépticas são refratárias ao uso da piridoxina, só respondendo à
administração específica do piridoxal -5-fosfato.
52
NEUROGENÉTICA
Dr. Renato Puppi Munhoz
Familial mesial temporal lobe epilepsy maps to chromosome 4q13.2-q21.3. Hedera
P et al. Neurology, 68:2107, 2007.
A epilepsia do lobo temporal (ELT) é tradicionalmente considerada uma doença
adquirida com componente genético mínim o. Na década de 90 a forma familiar de ELT
foi descrita pela primeira vez em 38 indivíduos de 13 famílias com herança autossômica
dominante e penetrância baixa. Nestes pacientes, a manifestação mais comum era a de
crises parciais simples com auras psíquica s ou autonômicas com curso clínico
relativamente benigno, generalização secundária rara e ausência de esclerose
hipocampal.
Este estudo analisou uma família com 4 gerações e vários membros afetados e
herança compatível com transmissão autossômica dominant e. Vinte e um pacientes
foram estudados, todos os sintomáticos apresentavam crises parciais simples com
generalização secundária rara e sem anormalidades estruturais nos exames de imagem.
A análise genética identificou um grupo de marcadores com lod score superior a 3 no
cromossomo 4q13.2-q21.3. Apesar deste lócus não estar relacionado com nenhum gene
ligado a canais iônicos, a identificação deste lócus para epilepsia do lobo temporal
familiar abre perspectivas para o entendimento mais aprofundado da patogê nese das
epilepsias do lobo temporal.
Heterogeneity within a large kindred with frontotemporal dementia . A novel
progranulin mutation. Bruni AC, Momeni, P, Bernardi L, et al, Neurology, 69:140,
2007.
Cerca de 20% dos casos de demência fronto -temporal (DFT) têm herança autossômica
dominante. A histopatologia de 60% dos casos de DFT mostra inclusões neuronais
ubiquitina-positivas contendo principalmente a proteína de ligação de DNA TAR
(TDP43). Defeitos em 3 genes conhecidos da DFT estão associados com um espectro de
neuropatologia que inclui deposição de enovelados neurofibrilares de proteína tau até
inclusões contendo TDP43 ubiquitinada. Esta última forma de patologia está
53
relacionada a mutações no gene da progranulina ( GRN). Estes pacientes apresentam
idade de início bem variável com fenótipo que varia desde o típico para DFT até
síndrome corticobasal. Este estudo avaliou a freqüência de mutações GRN numa série
de 78 pacientes com DFT com análise genética negativa para mutações no gene da
proteína tau e no gene da proteína modificadora da cromatina 2B ( CHMP2B), também
relacionado com formas familiares de DFT. Dentre os pacientes estudados, um
probando de uma extensa família co -sanguínea mostrou uma nova mutação em GRN
(c.1145insA). Nesta família foram estu dados outros 70 indivíduos e 19 eram
heterozigotos, incluindo 9 pacientes afetados. A ausência de homozigotos numa família
com alto grau de consangüinidade possivelmente indica que a perda total de função de
ambos os alelos de GRN pode levar a morte embrio nária. O fenótipo desta família
incluía idade de início extremamente variável (mais de 5 décadas de diferença). Este
estudo ajuda a expandir ainda mais a heterogeneidade genética da DFT.
54
DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR / ELA
Dr. Mário Emílio Teixeira Dourado Jún ior
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma enfermidade neurodegenerativa, de
origem desconhecida, progressiva e associada à morte do paciente em um tempo médio
de 3 a 5 anos. Entretanto, aproximadamente 20% dos pacientes sobrevivem mais de 5
anos e 10% mais de 10 anos. Sua incidência estimada é de 1 a 2,5 indivíduos portadores
para cada 100.000 habitantes/ano, com uma prevalência de 2,5 a 8,5 por 100.000
habitantes.
Embora a doença seja completamente incurável, ela não é intratável. De fato,
tratamento sintomático tem avançado substancialmente nos últimos anos. Reservar um
bom tempo para remover maus conceitos sobre a doença e explicar ao paciente o
prognóstico, o curso e tratamentos é um tempo bem gasto.
Na ELA e nas outras doenças neurodegenerativ as, os cuidados paliativos devem
ser iniciados logo após o diagnóstico, diferentemente do Câncer quando os cuidados
iniciam próximo da fase terminal. As avaliações focalizam o tratamento dos sintomas,
incluindo a deglutição, a função respiratória, a nutriç ão e os aspectos psicológicos,
auxiliando o paciente e família na luta diária contra as múltiplas perdas proporcionadas
pela doença. Aspectos social, bioético e econômico devem ser abordados muito antes da
necessidade de tratamentos invasivos, tais como ga strostomia ou suporte ventilatório.
Todo o esforço seria direcionado para melhorar o conforto, autonomia e qualidade de
vida dos portadores de ELA.
Palliative care for patients with Amyotrophic Lateral Sclerosis: “Prepare for the
worst and hope for the best”. Mitsumoto H et al. JAMA, 298:207, 2007.
Trata-se de uma revisão do tratamento paliativo aos portadores de ELA. A partir
de mais um caso típico de ELA, num homem de 56 anos de idade, os autores vão
discutindo as condutas. No caso relatado, como não é raro, o diagnóstico foi confirmado
meses após o início dos primeiros sintomas. O que tornou o a apresentação mais
anedótica é o fato que o paciente é um médico, neurologista especializado em doentes
55
com ELA. Entre comentários sobre o tratamento há depoim entos do paciente, da esposa
e do médico assistente.
Caso: Em julho de 2003 o paciente iniciou fraqueza na perna direita. Em
setembro do mesmo ano apresentou urgência miccional e urinária acompanhada de
fraqueza na outra extremidade. Os exames complementa res foram normais, exceto a
identificação de hérnia de disco torácica. O paciente submeteu -se a cirurgia para
descompressão da sua coluna. Em maio de 2004, seu braço direito tornou -se fraco. Um
estudo eletromiográfico revelou sinais de desnervação nos segm entos cervical e lombosacro. Na ocasião o exame neurológico demonstrava, além da atrofia nos membros
inferiores, hiperreflexia generalizada e aumento do tônus muscular; a sensibilidade era
normal. Sua capacidade vital estava em 109%. Ele foi diagnosticado de ELA e
encaminhado para tratamento por uma equipe multidisciplinar de um centro
universitário. Como era esperada, a doença seguiu evoluindo. Em janeiro de 2006 já não
conseguia falar, utilizava comunicação alternativa, e sua a CVF era de 42%. A detecção
de dessaturação noturna de oxigênio o fez prontamente utilizar ventilação não invasiva.
Nos últimos meses, ele tornou -se totalmente paralisado. Até o momento está vivendo
em sua casa, auxiliado pela família e cuidador.
Paciente: “Cada dia foque é em que você pode fazer... sempre tento preparar para o
pior e esperar o melhor. Neurologistas não gostam de supressas”. Esposa: “nós
tentamos desfrutar diariamente... um espetáculo na TV, um filme, uma ida a praia...”
O paciente com ELA precisa de cuidados pali ativos desde o diagnóstico.
Entendem-se como cuidados paliativos a busca da prevenção, alívio, redução dos
sintomas de uma doença sem efetuar uma cura. De fato, o tratamento sintomático tem
avançado substancialmente nos últimos anos. O tratamento multidisc iplinar, incluindo
neurologista, psiquiatra, pneumologista, psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista,
enfermagem e fisioterapeuta é fundamental para obter um ótimo cuidado.
Os autores revisão a epidemiologia da ELA e os critérios de diagnóstico do El
Escorial.
Não existe um único teste laboratorial específico para o diagnóstico, entretanto,
o exame físico e as alterações eletromiográficas, excluindo outras doenças que podem
56
mimetizar a ELA, são suficientes para a confirmação da doença . O diagnóstico precoce
da ELA é difícil devido ao inicio focal e gradual dos sintomas..
O diagnóstico de ELA requer a demonstração da presença de sinais de
envolvimento do neurônio motor superior ao lado de sinais de comprometimento do
neurônio motor inferior, de caráter progr essivo e que envolva as quatro regiões
anatômicas do corpo: crânio -bulbar, cervical, torácica e lombo -sacra. Portanto, torna-se
o diagnóstico seguro, quando já se passou um bom tempo de doença e os sintomas
generalizaram. Para o diagnóstico definitivo de E LA considera-se a presença de sinais
de envolvimento do NMI e NMS em pelos menos 3 regiões, sendo que os sinais do
NMS devem está acima dos do NMI (critério de El Escorial).
A doença é progressiva, sem remissões, com média de sobrevida entre 3 a 5 anos
na maioria dos indivíduos. Com a utilização de suporte ventilatório invasivo a sobrevida
pode chegar aos 15 anos ou mais.
Na fase inicial da doença o diagnóstico de ELA pode ser difícil. Nessa fase, a
investigação de doenças tratáveis, tais como mielopatia es pondiloartrósica, neuropatia
motora multifocal, infecção por HTLV, entre outras, é essencial. No caso relatado, o
paciente foi operado de hérnia de disco torácica. Segundo os autores, o esforço para
tratar um diagnóstico alternativo plausível é justificáve l diante de uma doença incurável
como a ELA.
Paciente: “eu não tive dúvidas do diagnóstico de ELA”.
A maneira de informar o diagnóstico é importante. Compaixão e sensibilidade
são essenciais. Os pacientes ou familiares podem esquecer detalhes durante a entrevista,
mas nunca esqueceram da mensagem de ajuda e do compromisso receber cuidados
contínuos. Na fase inicial, é discutido o manejo dos sintomas (cãibras, fasciculações,
fraqueza). Discussões preliminares sobre condutas avançadas ou da fase terminal p odem
ser iniciadas.
Na tabela 1 os autores apresentam suas experiências clínicas pessoais de como
comunicar o diagnóstico, o prognóstico ao paciente e família.
1)
Apresentação do diagnóstico: “considerando tudo, o diagnóstico mais
provável é de ELA, embora n ão existem testes de laboratório que
confirme”. A ELA é conhecida nos EUA como Doença de Lou Gehrig
57
ou Doença do Neurônio Motor e é uma de tantas doenças
neurodegenerativas, como a Doença de Alzheimer ou Doença de
Parkinson. Ela ocorre em adultos, provocan do paralisia progressiva
de todos os músculos do corpo. Apesar de muitos anos de pesquisa,
ainda não conhecemos a causa ou a cura. Isto não significa que nós
não podemos fazer nada. Você pode nos chamar a qualquer
momento.. Nós manteremos contato muito de perto.”
2)
Prognóstico: “o prognóstico varia de um indivíduo para outro.
Aproximadamente 50% dos indivíduos falecem dentro de 3 a 4 anos
após o início do diagnóstico. Entretanto, 10 a 20% dos pacientes
vivem 10 ou mais anos.”
3)
Discussão sobre a gastrostomia via endoscópica (GVE): “o cuidado
nutricional é muito importante. De fato, o seu consumo de calorias é
maior do que antes porque você utiliza mais os músculos para realizar
atividades de rotina. As cãibras e contraturas também ajudam no
consumo de calorias. Quando os músculos ficam atrofiados, eles
deixam de estocar energia. Anotar o peso corporal semanalmente
auxilia na monitoração das necessidades calóricas. A colocação da
GVE tem seus riscos (infecção, diarréia, constipação). A decisão de
não aceitar a GVE é aceitável. Você não morrerá de fome sem a
gastrostomia. Seu corpo se adaptará, mas muitos pacientes dizem: por
que não fiz isto mais cedo?
4)
Recomendações para ventilação não invasiva. “Muitos aparelhos
podem ajudar sua respiração, que sem auxílio pode provocar
indisposição, cansaço e impedir seu sono noturno. Um dos aparelhos
é o BIPAP. Inclui uma máscara que se ajusta a sua face. Isto melhora
a disposição, a fadiga e o seu sono.”
5)
Discussão
sobre
traqueostomia
e
ventilação
mecânica.
“Eventualmente, você pode precisar de mais ajuda para a sua
respiração. Você pode receber ventilação mecânica invasiva através
de traqueostomia. É uma decisão que envolverá sua família e requer
uma discussão. Com a traqueostomia e ventilação mecânica a
respiração torna-se mais fácil, diminui o risco de pneumonias por
aspiração e a sobrevivência é prolongada. Com a progressão da
58
doença, você pode alcançar um estado de “locked -in”, tornado a
comunicação impossível...Alguns não podem mais falar após a
traqueostomia. Frequentemen te é necessário aspirar mecanicamente
as secreções. Esse procedimento essencial provoca engasgos e
desconforto. Muitos poucos pacientes têm infecção ou sangramento.
Alguns podem desenvolver lesão tissular traqueal por compressão do
cuff. O custo, quando nã o coberto por planos de saúde, com os
cuidados em casa mais os equipamentos é alto. O ventilador requer a
colocação permanente de um tubo conectado ao orifício da
traqueostomia. Há disponíveis máquinas portáteis que permite ao
paciente sair de casa. Esta é uma decisão que é melhor ser tomada
muito antes que você precise...Nós podemos dar mais informações e
lhe emprestar um vídeo para que você tenha uma idéia como seria a
vivência. Se você ache que a ventilação mecânica invasiva não é
aceitável, você tem o direito legal de recusá-la...”.
6)
Recomendações para “hospice care”: “Eu gostaria que o serviço do
hospice, coberto pelo plano de saúde, fosse utilizado pelo paciente de
ELA desde o início do diagnóstico, mas as regras não permitem. No
hospice o paciente recebe o melhor cuidado paliativo e conforto”.
A formação de equipe multidisciplinar, incluindo neurologista,
pneumologista, psiquiatria, psicólogo, enfermeira, nutricionista, fisioterapeuta,
fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, assistente social, voluntá rios proporciona
cuidados mais adequados para os portadores de ELA. Os pacientes
acompanhados
por
equipe
multidisciplinar
recebem
mais
tratamentos
sintomáticos, estão associados a melhor qualidade de vida e podem estender a
sobrevida.
Quanto ao tratamento sintomático, os autores comentam sobre os
cuidados nutricionais, a alimentação enteral, a insuficiência ventilatória, a
ventilação não invasiva e a ventilação mecânica invasiva através da
traqueostomia.
59
É discutido o impacto da doença na família e nos cuid adores. Os
profissionais da área de saúde, incluindo os médicos, que cuidam do paciente
com ELA, também devem receber atenção. Estratégias para controle de estresse,
para manter o censo de competência e de motivação são essenciais.
Com o avançar da doença, os pacientes com ELA necessitam assistência
crescente para todas as atividades do dia. Mais ainda, sua capacidade de
comunicar-se diminui e suas demandas físicas tornam -se a manutenção dos
cuidados mais onerosos. Nos EUA, especialmente na cidade de Nova I orque, o
custo de ventilação mecânica e 24 horas de cuidados encontra -se acima de $200
000 anuais (enfermeira recebe $50 a $75 por hora; uma técnica de enfermagem
$35 a $45 por hora; alimentação enteral $260 por mês).
Nos EUA, a não aceitação de medidas e xtraordinárias para manter a vida
nos portadores de ELA (por exemplo, ventilação mecânica invasiva) é
considerada legal, respeitando o princípio ético de autonomia, assim como o
desejo de descontinuar tais tratamentos. Na tabela 3 há recomendações de
quando iniciar a discussão sobre o fim da vida: a) quando o paciente ou a família
pergunta; b) severo estresse psicológico, social ou espiritual; c) dor que necessita
altas doses de analgésicos; d) disfagia necessitando ventilação mecânica; e)
presença de sinais de hipoventilação ou CVF < 50%; f) diminuição da função em
pelo menos duas regiões do corpo.
Alguns pacientes sentem que a vida tem propósito e algum significado
apesar de estarem quadriplégicos. Um dos pacientes dos autores continua indo a
ópera com uso de cadeira motorizada e com ventilação portátil, apesar de muda
e tetraplégica. Embora o paciente esteja vivo a doença é progressiva. Com a
ventilação mecânica, freqüentemente o paciente necessita de aspirar secreções,
causando desconforto e engasgos.
O ideal é que o plano sobre as estratégias do fim da vida, o desejo do
paciente, seja discutido anteriormente. No caso apresentado, o médico paciente
escolheu a não realização de traqueostomia e da ventilação mecânica. Nessa
situação, o foco terapêutico será nos cuidados paliativos tratando a dor,
sialorréia, dispnéia, ansiedade, medo de forma adequada.
Por último, os autores discutem sobre o desejo de morrer e o
aceleramento da morte. O desejo de acelerar a morte é diferente da recusa, por
parte do paciente, do uso de medidas extraordinárias, ambas as decisões levaram
60
ao óbito. A ELA é o diagnóstico mais comum de suicídio assistido por médico
em Oregon, estado Americano onde esta prática é legal.
61
MOLÉSTIAS NEUROMUSCULARES
Dra. Márcia Cruz
Pathogenic mitochondrial DNA mutations in protein -coding genes. Wong L-JC.
Muscle and Nerve, 36: 270, 2007.
As mitocôndrias têm a função principal de produzir energia pra as funções celulares
através da formação de ATP. Mais de 100 proteínas mitocondriais são conhecidas e em
sua maioria elas são produzidas por genes codificados no genoma nuclear. Apenas 13
destas proteínas têm sua síntese determinada pelo genoma mitocondrial. Desta forma, a
maioria das mitocondriopatias segue um padrão de herança autossômico recessivo o u
dominante. Já as mutações no DNA mitocondrial são de herança materna, ou são
mutações de novo.
O DNA mitocondrial tem um alto índice de mutação já que não possui as proteínas de
proteção (histonas), não possui mecanismos eficientes de reparo, e está próx imo de
espécies reativas de oxigênio.
Mais de 200 doenças relacionadas a mutações pontuais no DNA mitocondrial foram
relatadas à database do Mitomap ( http://www.mitomap.org).
Tais mutações podem ser divididas em 2 grupo s: mutações afetando a síntese de
proteínas mitocondriais, incluindo as mutações nos genes tRNA e rRNA; e mutações
nos genes codificadores de proteínas (mRNA).
Este artigo de revisão focaliza estas últimas mutações.
Estas mutações são responsáveis por um a série de doenças afetando múltiplos sistemas
e por doenças afetando especificamente alguns tecidos tais como a neuropatia
hereditária ótica de Leber, e miopatias.
O genoma mitocondrial contém ainda uma série de polimorfismos e mutações
secundárias homoplásmicas que não causam doenças. Desta forma deve -se ter cautela
antes de estabelecer o papel de novas mutações descritas na patogênese de alguns
quadros clínicos. Este artigo aplicou um sistema para avaliar a patogenicidade das novas
mutações descritas
A pesar do grande espectro clínico causado por tais mutações, elas podem ser agrupadas
por complexo.
62
O artigo faz revisão dos quadros clínicos associados às mutações do complexo I, chama
a atenção para a intolerância ao exercício como característica clínica p redominante nas
mutações no gene codificador da citocromo b, do espectro clínico das mutações
associadas ao gene codificador das subunidades do complexo IV, e finaliza descrevendo
a síndrome de Leigh como quadro mais comumente relacionado à mutação no gene
codificador das subunidades do complexo V.
63
DOPPLER TRANSCRANIANO
Dra. Viviane Flumignan Zétola
Dr. Marcos Lange
Comprometimento da autoregulação cerebral distal a estenose é associado com
aumento de AVC em cirurgia cardíaca. J Thorac Cardiovas Surg, 134: 690, 2007.
A vasorreatividade avaliada por Doppler Transcraniano trouxe o conceito de risco
hemodinâmico para a prática e conseqüentemente a busca não invasiva do
reconhecimento das situações que possam ter o AVC como complicação. É conhecido
que existe um aumento do risco de evento cerebrovascular durante e após cirurgia
cardíaca quando associado à estenose grave ou oclusão de artéria carótida, no entanto a
relevância do comprometimento da reserva funcional causada por essa situação é
desconhecida. Os autores estudaram prospectivamente 2797 pacientes que se
submeteram a cirurgia cardíaca com bypass cardiopulmonar ou de troca valvar. Todos
foram submetidos a exame de carótida extracraniana e nos casos com alteração,
realizaram também o exame de Doppler transcraniano com uso de CO2 para estímulo
da vasorreatividade na avaliação da reserva funcional. Do total houve 2,4% de AVC
isquêmico (67), dos quais em cinco foram fatais. A isquemia da circulação anterior
ocorreu em 1,9% dos pacientes com baixo grau de estenose, 1,8% com médio grau de
estenose, 0,6% com grau severo/oclusão e teste de vasorreatividade e em 27,3% dos
com grau severo/oclusão e comprometimento do teste da vasorreatividade, mesmo após
os ajustes dos fatores de riscos. O risco do AVC não foi aumentado em pacientes com
resposta normal. O trabalho concluiu que o teste de vasorreatividade com CO2 foi o
principal determinante do risco de AVC em pacientes com estenose da artéria carótida
submetidos à cirurgia cardíaca. Esse procedimento pode facili tar a identificação de um
subgrupo de pacientes com um excesso de risco de doença cerebrovascular
perioperatório.
COMENTÁRIOS: o teste de vasorreatividade para avaliação da reserva funcional por
meio do Doppler Transcraniano é um procedimento simples, não invasivo e tem
provável justificativa em inúmeras situações clínicas de risco vascular. Embora as
metodologias do teste variem de um centro pesquisador a outro, todas as metodologias
já foram submetidas a estudos comparativos com PET (coeficiente de Pearson = 0,64).
64
Estudos prospectivos com grande amostra como esse vem sendo publicados e devem
brevemente participar de diretrizes de avaliação hemodinâmica.
65
NEUROFISIOLOGIA CÍNICA
Dra. Jeanette Inglez-de-Souza Farina
Transcranial Magnetic Stimulation : Diagnostic, therapeutic, and research
potential. Rossini PM et al. Neurology, 68:484, 2007.
Os autores revisam diversos aspectos da estimulação magnética transcraniana (EMT),
técnica que já completou mais de 20 anos, tendo sido originalmente introduzida para a
investigação não-invasiva da propagação nervosa através do trato cortico -espinhal,
raízes espinhais e nervos periféricos em humanos.
Várias medidas de distintos graus de importância fisiológica podem ser registradas pela
EMT além do “clássico” pote ncial evocado motor eletromiográfico dos músculos
contralaterais ao córtex estimulado. A EMT é extensamente utilizada em neurofisiologia
clínica, incluindo reabilitação e monitorização transoperatória. Além da EMT de pulso
único, novas versões como EMT rep etitiva (EMTr), integração com Ressonância
Magnética estrutural e funcional, e neuronavegação permitem o mapeamento preciso
das eferências motoras para uma determinada região do corpo. Além disto, a EMT pode
ser utilizada para avaliar circuitos intracortic ais excitatórios/ inibitórios e prover
informação sobre a fisiologia cerebral e fisiopatologia de várias doenças
neuropsiquiátricas assim como sobre os mecanismos de plasticidade neuronal e de
drogas neuroativas.
A EMT aplicada a áreas não motoras torna possível estender as aplicações à pesquisa
em muitos campos da psicofisiologia, testando relações de causa e efeito entre cérebro e
comportamento. Sendo capaz de induzir alterações de excitabilidade relativamente de
longa duração, a EMTr tornou possível o tratamento de doenças neuropsiquiátricas
associadas a disfunção da excitabilidade cerebral. Após o relatório da International
Federation of Clinical Neurophysiology (1994), entretanto, uma lista oficial
e
atualizada, relatando o uso diagnóstico da EMT ba seada em contribuições da literatura,
ainda está faltando.O processo diagnóstico de muitas doenças e sua graduação pode
beneficiar-se da EMT (Esclerose múltipla, mielopatias pós -traumáticas, compressivas e
neoplásicas,, ELA, AVCs, epilepsias e distonias).
66
No campo dos distúrbios do movimento, a avaliação cortico -espinhal pode auxiliar no
diagnóstico diferencial entre doença de Parkinson idiopática – onde a condução central
é normal – e outros tipos de parkinsonismo onde a condução central pode estar altera da.
A presença de EMT normal em um membro superior parético pode auxiliar a detectar
paralisia psicogênica.
Fisiopatologia – À exceção do tempo de condução central, os demais parâmetros
relacionados à EMT refletem mudanças na excitabilidade cortical que o correm durante
qualquer atividade cerebral relacionada ao ato motor. Tais propriedades permitiram a
compreensão de inúmeros mecanismos neurofisiológicos subjacentes ao planejamento e
execução de atividades motoras, às características do comportamento, ass im como
entender os mecanismos básicos das mudanças fisopatológicas que ocorrem nas
doenças associadas a disfunção motora. Por outro lado, as medidas de excitabilidade
cortical estão atualmente se tornando marcadores biológicos que permitem conhecer os
mecanismos in vivo da ação de drogas neuroativas sobre o cérebro.
Plasticidade Neuronal – Coils de várias formas, tamanhos e orientações permitem a
excitação preferencial de regiões cerebrais específicas que podem ser mapeadas no
escalpo. Em algumas situaçõ es clínicas, a área de excitabilidade máxima migra para
fora da topografia habitual (por ex. pós AVC ou em doença de Alzheimer). Essa
migração pode dever-se a ativação de uma área secundária, previamente escondida pela
área predominante, de maior excitabilidade, ou pelo recrutamento de sinapses
previamente existentes, ou, ainda, pela criação de novas conexões sinápticas e redes
neurais. Modificações na plasticidade neuronal são bem demonstradas pela EMT e dão
informações que podem auxiliar a reabilitação de diversas situações clínicas.
Psicofisiologia – a EMT pode demonstrar a relação de causa entre área estimulada e
comportamento. Pode ser usada para interferir com a atividade neuronal subjacente a
um processo sensorial, de execução ou de planejamento moto r, a processos de atenção
visual, a diferentes formas de memória declarativa e não -declarativa, raciocínio,
matemática e consciência. Esse efeito disruptivo e temporário da EMT sobre a função
cortical é freqüentemente referido como “lesão virtual”. Acredit a-se que ocorra porque
o estímulo sincroniza transito riamente as atividades de uma grande proporção de
67
neurônios sob o coil induzindo um potencial pós -sináptico inibitório de longa duração
que reduz a atividade cortical por cerca de 50 a 200 milisegundos, dependendo da
intensidade e duração do estímulo.
Uso terapêutico – a pesquisa nesse sentido fez grandes progressos após a observação
que os efeitos da EMT repetitiva, tanto inibitória quanto excitatória, persistiam após a
aplicação. A maior parte dos trab alhos nesse campo foi feita em depressão maior.
Entretanto, ainda é problemática a separação entre os reais benefícios do método e o
efeito placebo em alguns estudos. Tentativas de usar a EMT como terapêutica adicional
estão emergindo para outras doença ne uropsiquiátricas como transtorno de stress pós traumático, dor crônica, epilepsias, desordens do movimento, embora às vezes, com
resultados ambíguos. Novos alvos anatômicos estão surgindo para o tratamento de
discinesias induzidas por L -dopa. Finalmente, alguns estudos recentes sugerem que a
EMT nas fases iniciais pode melhorar o prognóstico do AVC. Entretanto, uma
abordagem prudente, de acordo com a medicina baseada em evidências, seria bem vinda para as aplicações clínicas descritas: a EMT tem sido utiliz ada para doenças com
bases fisiológicas heterogêneas e é improvável que terá benefício em todas elas.
Aspectos de segurança – Emt e EMT repetitiva tem sido extensamente monitorizadas
quanto à segurança do método pelo receio de produção de efeito kindling e danos sobre
o cérebro a longo prazo.Após mais de vinte anos, a técnica parece ser segura.Dezenas
de milhares de indivíduos utilizaram esse procedimento para diagnóstico ou tratamento
sem o aparecimento de reações adversas mais significativas. Crises con vulsivas
ocosionais foram relatadas em menos do que 10 pacientes após EMT repetitiva. As
orientações oficiais sobre a segurança da EMT são ainda as de 1988 e devem ser,
provavelmente, atualizadas em virtude do aparecimento de novos paradigmas de
estimulação.
Desenvolvimento futuro – Sistemas de EMT acoplados a Ressonância Magnética
estrutural e funcional estão sendo utilizados para localizar mais precisamente os locais
de estimulação com respeito à função cerebral subjacente ou à anatomia. Isto,
entretanto, não implica em conhecimento de volume, posição espacial ou cronologia
relacionada ao estímulo das áreas cerebrais direta ou indiretamente influenciadas pelo
estímulo. Uma abordagem nesse sentido leva em consideração o estudo das
68
modificações no metabolis mo cerebral provocadas pela EMT avaliados através de PET scan e, ainda, modificações do fluxo sanguíneo cerebral avaliadas pela RM funcional.
Lamentavelmente, essas técnicas apresentam pobre discriminação temporal (segundos
para a RMf e minutos para o PET) embora sejam padrão-ouro quanto à resolução
espacial. Respostas cerebrais que ocorrem nos primeiros décimos de milisegundos pós estímulos e que incluem importantes eventos neurais relacionados à EMT são
negligenciadas. Essa janela de tempo pode ter relevâ ncia fisiopatogênica sendo
importante para elucidar substratos neurais associados a funções corticais superiores,
por exemplo. O registro concomitante do EEG durante a EMT poderá preencher essa
lacuna possibilitando obter-se alta resolução temporal e infor mações sobre a reatividade
e conectividade cortical simult aneamente.
Conclusões – EMT apresenta grande interesse por parte dos cientistas e da comunidade
leiga pelo fato de permitir “dirigir” o cérebro humano de fora. Alguns poucos
pesquisadores desejam usar esse método para melhorar a capacidade cerebral no
indivíduo sadio a fim de ir além da normalidade ( para atingir tempos de reação motora
mais rápidos, melhor memorização e aprendizado, melhorar habilidades artísticas e
militares e assim por diante) T odos esses propósitos estão longe dos propósitos e
expectativas da maioria dos pesquisadores e pacientes e levantam sérias questões a
respeito do uso correto e das limitações éticas da EMT.
Predicting coma and other low responsive patients outcome usin g event-related
brain potentials: a meta-analysis. Daltrozzo J et al. Clinical Neurophysiology, 118:
606, 2007.
Os autores realizaram uma meta -análise para estimar o poder preditivo (odd ratio, OR)
de potenciais evocados auditivos relacionados a eventos ( ERP – sigla da denominação
em inglês para event-related potentials) para o despertar em pacientes com AVC
isquêmico ou hemorrágico, trauma e encefalopatias pós -anóxia ou metabólicas que
apresentaram coma ou torpor. Foi revisado o medline e analisadas as c itações
concernentes. Os autores aplicaram regressão logística para amostras de pacientes com
Glasgow < 12.
Resultados:
69
1) AVC isquêmico ou hemorrágico (OR com intervalo de confiança de 95%): 2,05
[1,12 – 3,75] para o componente N100;
4,47 [1,92-10,44] para MMN (mismacth-negativity);
10,29 [2,00-52,79] para o componente P300;
2) Trauma:
1,63 [0,70-3,80] para N100;
4,72 [1,35-16,44] para MMN;
12,89 [4,82- 34,43] para P300;
3) Anóxia:
8,03 [2,83-22,75] para N100;
15,50 [4,27-56,26] para MMN;
5,93 [2,38-14,77] para P300;
4) Encefalopatia metabólica:
2,12 [0,34-13,13] para N100;
3,60 [0,28-46,36] para MMN;
7,71 [0,75-79,77] para P300;
5) Todas as etiologias:
2,85 [1,91-4,27] para N100;
6,53 [3,55-12,01] para MMN;
8,79 [4,88-15,83] para P300;
Os autores basearam-se em seis estudos do componente N100 ( n= 548 pacientes), cinco
estudos de MMN (n=470) e seis estudos de P300 (n=313). Esses componentes
individualmente, quando presentes, significativamente foram preditivos de despertar. O
componente P300 e a MMN sendo melhores preditores do que N100.
Conclusão: O P300 e a MMN parecem ser predizer de maneira confiável o prognóstico
em relação ao despertar.
70
Significado: A avaliação prognóstica de pacientes com comprometimento sensorial e
baixa resposta a estímulos, através de potenciais auditivos relacionados a eventos, deve
levar em conta tanto os resultados da MMN quanto do P300.
Event-related brain potentials in eldery patients with recently diagnosed isolated
systolic hypertension. Cicconetti P et al. Clinical Neurophysiology, 118: 824, 2007 .
A hipertensão sistólica isolada (HSI) é um conhcido fator de risco para o
comprometimento cognitivo. Não se conhece, entretanto, o tempo de aparecimento dos
distúrbios cognitivos em relação ao início da HSI . Os autores realizaram o estudo com o
objetivo de investigar a relação entre os valores de medida da pressão arterial sistólica e
a função cognitiva nas fases precoces de aparecimento da HSI.
Foram avaliados 22 pacientes com HSI diagnosticada até há dois anos e 10 controles
normotensos através de monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e
avaliação neurocognitiva através do Miniexame do Estado Mental (MEEM), além de
registro dos potenciais evocados relacionados a eventos através do paradigma acústico
“odd-ball”.
Os autores não encontraram diferenças significativas entre os escores do MEEM ou da
latência do componente P300 dos potenciais relacionados a eventos, entre o grupo
controle e pacientes com HSI. Entretanto , as latências do componente N 2 foram
significativamente maiores nos pacientes com HSI do que nos controles (p<0,0001).
Esse parâmetro mostrou, também, associação significativa com os valores de pressão
sistólica tanto clínica quanto ambulatorial em todos os indivíduos estudados.
Conclusão: Os achados sugerem a existência de alterações sub -clínicas precoces das
funções cognitivas na HSI que são detectáveis através dos potenciais evocados
relacionados a eventos.
Significado: Os achados dos autores apóiam as evidências de que a HSI cons titui um
risco à saúde neurocognitiva do idoso.
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