ESCLEROSE MÚLTIPLA Crises sob controlo teste saúde 111 outubro/novembro 2014 Respeitar um estilo de vida saudável e seguir a medicação à risca são medidas que ajudam a controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos indivíduos atingidos por esta doença neurológica sem cura 24 Mais de 5000 portugueses sofrem de esclerose múltipla, também denominada “esclerose em placas”, segundo a Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla. Trata-se de uma doença inflamatória que afeta as células do sistema nervoso central (cérebro e espinal medula), com destruição da mielina, uma substância fundamental para a transmissão de informação entre neurónios. Origina vários sintomas físicos e psicológicos. Geralmente, os primeiros sinais surgem entre os 20 e os 50 anos, sendo mais frequente por volta dos 30 e em mulheres. Não se sabe qual a causa exata, mas poderão estar implicados diversos fatores, como infeções virais, exposição solar, tabagismo e stresse. Comunicação mais lenta ■ O diagnóstico da doença é difícil de estabelecer. Realizámos um inquérito em 2013, que envolveu 118 pessoas com esclerose múltipla, das quais 5% afirmaram ter descoberto a doença nos cinco anos anteriores, apesar de apresentarem sintomas há mais de dez. As queixas podem variar dependendo dos nervos afetados e a evolução nem sempre é igual. Além disso, a doença pode ser facilmente confundida com outras patologias, o que retarda o diagnóstico. ■ Os sinais mais frequentes são transtornos ao nível do tato, como entorpecimento ou formigueiro nas mãos e nos pés, e dificuldade em sentir dor e temperatura. Podem ainda surgir problemas mo- 61% admitem ter falta de autonomia e dependerem de ajuda 46% não seguem o tratamento à risca 33% têm má qualidade de vida tores, que variam entre debilidade muscular e paralisia, passando por rigidez, espasmos e diminuição da destreza ou tremores, dificuldade em manter o equilíbrio, coordenar os movimentos e andar. ■ Em cerca de 15% dos pacientes, a doença afeta o nervo ótico, manifestando-se através de visão turva ou dupla e/ou pela diminuição do campo de visão. Estas situações surgem, quase sempre, através de crises ou “surtos” e passam ao fim de um dia ou semanas, repetindo-se o ciclo após algum tempo. ■ Pelos sintomas descritos, além de um exame físico e do historial clínico, o médico de família ou neurologista pode pedir uma ressonância magnética, uma punção lombar ou um estudo de poten- Travar a evolução ■ Não existe cura, mas vários tratamentos reduzem os sintomas e atrasam a progressão. O principal objetivo é atacar os sintomas nas crises e melhorar a qualidade de vida do paciente. Os “ataques” não são previsíveis, mas geralmente não ocorrem mais de dois episódios por ano. Contudo, quase um quarto dos inquiridos no âmbito do nosso estudo reporta três ou mais idas às urgências devido a esta doença, no último ano. ■ Foram já identificados vários fatores de risco, como o calor e a exposição ao sol, as infeções virais (como constipações ou gastroenterites) e o stresse. Pelo contrário, a gravidez está associada a uma menor ocorrência de crises. Após o parto, o risco de agravamento da doença aumenta. ■ Para os “ataques”, são geralmente ASSOCIAÇÕES ÚTEIS Associação Nacional de Esclerose Múltipla www.anem.pt Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla www.spem.org prescritos corticosteroides. Estes anti-inflamatórios inibem o sistema imunitário e reduzem a duração dos sintomas, mas não previnem novos surtos, nem curam a doença. Não devem ser usados durante longos períodos, devido aos efeitos secundários consideráveis, como, por exemplo, maior vulnerabilidade a infeções, úlceras e fadiga, aumento de peso ou psicoses. ■ Substâncias como o beta interferão e o acetato de glatirâmero parecem travar a destruição da mielina e a duração e gravidade dos surtos, pelo que poderão ser prescritas para retardar a evolução. ■ Os tratamentos com imunodepressores, quimioterapia e anticorpos também parecem reduzir a frequência e intensidade dos ataques, mas a fraca evidência sobre a eficácia e os efeitos adversos dos medicamentos levam a que sejam usados só como último recurso. ■ Em qualquer fase, poderão ser receitados fármacos específicos em função dos sintomas, como relaxantes musculares, analgésicos ou tranquilizantes. Doentes desnorteados ■ O nosso inquérito revela que os doentes neurológicos se sentem pouco informados sobre a doença, a sua evolução e formas de controlar os sintomas. A falta de apoio é frequente e as dificuldades financeiras constituem um entrave na gestão da doença. ■ Para mais de um terço dos inquiridos, esta doença neurológica tem um sério impacto na vida social, atividades de lazer e profissionais e quase metade admite sentir limitações nas tarefas domésticas. Num quarto dos casos, as dores fortes são constantes. Estes doentes sofrem também ao nível psicológico. Desânimo, medo da evolução da doença e frustração são queixas frequentes. A maioria dos pacientes acumula outros problemas crónicos, sendo as dores nas costas, a hipertensão arterial e a 38% revelam que a doença afeta gravemente a vida profissional 28% sofrem de dor crónica 22% dizem- -se pouco informados sobre a evolução da doença depressão os mais citados. ■ Mais de metade confessa não saber como controlar os sintomas, como cansaço, dor, desconforto e alterações de humor. ■ A falta de apoio familiar e médico é referida por 20% e 28% dos pacientes, respetivamente. ■ Dois terços dos inquiridos admitem que a situação financeira os limita na gestão da doença. Em cerca de metade dos casos, condiciona-os na escolha dos locais onde recebem assistência médica, dos profissionais de saúde e de outros tratamentos que não a medicação (fisioterapia, por exemplo). ■ Desde 2012, as pessoas atingidas por esclerose múltipla estão dispensadas de taxa moderadora no hospital, consultas e exames prescritos no âmbito da doença. Peça um atestado que comprove a situação clínica ao médico de família. TESTE SAÚDE ACONSELHA Medicação e estilo de vida saudável ´ O nosso estudo reforça a ideia de que os pacientes que respeitam a medicação e seguem um estilo de vida saudável, com dieta equilibrada e exercício regular adequado, obtêm melhores níveis de qualidade de vida. Contudo, quase metade dos inquiridos falha nestes cuidados e igual número queixa-se de que o médico não dá conselhos suficientes. ´ A falta de disponibilidade e de tempo para discutir os tratamentos nas consultas são algumas das falhas apontadas pelos inquiridos. Estas poderão explicar a insatisfação de 22% com o médico. Implicar o indivíduo na gestão da doença e discutir com ele as opções e preferências melhora a adesão ao tratamento e a sua qualidade de vida. ´ As terapias ocupacionais e de grupo promovem a autoestima e ajudam a enfrentar limitações físicas e psicológicas. As associações de doentes são boas fontes de apoio. teste saúde 111 outubro/novembro 2014 ciais evocados, que avalia a transmissão da sensibilidade ao longo das estruturas do sistema nervoso central. O exame pela imagem permite detetar cicatrizes nas fibras nervosas, no cérebro e na espinal medula (a doença gera “placas” típicas nalgumas zonas do cérebro), e distinguir lesões recentes e zonas inflamadas. A análise do fluido cerebrospinal recolhido por punção lombar visa avaliar o nível de proteínas e a concentração de anticorpos IgG, cujos valores são mais elevados em vítimas de esclerose múltipla, devido à destruição da mielina. Por fim, é possível medir a reação a estímulos visuais, auditivos e sensoriais, mais lenta quando as células nervosas estão danificadas. 25