2009 - Clipping Nana Vasconcelos 2

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Zero Hora, 04/09/2004
Renato Mendonça
Na grande sala envidraçada, com vista para o Guaíba, espalhadas pelo chão,
percussões variadas. No sofá, uma flauta. Na mesa, uma gaita de oito baixos fabricada
em 1892. Do lado, um estojo de violão de sete cordas.
Daqui a pouco, esse será o cenário onde Naná Vasconcelos, César Michiles,
Renato Borghetti e Yamandú Costa vão inventar música brasileira.
O quarteto está reunido desde quarta-feira na fazenda de Borghettinho para um plano
que consegue ser, simultaneamente, ambicioso e despretensioso. Ambicioso porque este
supergrupo pode ser uma das atrações do intercâmbio cultural Brasil-França, que será
realizado em 2005. Argumentos não faltam: Naná já tocou com quase todos os grandes nomes
da MPB, com Gato Barbieri, Pat Metheny e Egberto Gismonti. Borghettinho já dividiu palco
com Ron Carter, Gonzagão, Sivuca e Stephane Grapelli. Yamandú é estrela ascendente, com
talento comparado ao de Raphael Rabello. Segundo o produtor Capucho, o projeto já está préaprovado pelo Ministério da Cultura (MinC). Despretensioso porque o objetivo do quarteto é,
antes de tudo, celebrar o prazer. – Não é aquilo de reunir virtuoses e cada um tocar mais
rápido e mais alto que o outro e pararem juntos por coincidência – diz Naná, em frente a um
pote com alface, colhidas na própria fazenda.
O nascimento do quarteto Extremo Som – não tem nada de coincidência. O
pernambucano Naná queria aproximar Nordeste e Sul, e vieram os gaúchos Yamandú e
Borghettinho. Para equilibrar, foi convocado outro pernambucano, Cesinha, que, antes dos 20
anos, já freqüentava os palcos do Lincoln Center e Carnegie Hall, em Nova York. A carne vai
sendo picada para o carreteiro e eles trocam em miúdos o projeto Extremo Som.
Dream team à beira do Guaíba
Naná, Borghettinho, Yamandú e Cesinha, quatro dos maiores instrumentistas brasileiros,
começam a ensaiar parceria musical histórica
– Começamos a tocar quando bati num gongo afinado na nota Ré – lembra Naná.
– Aproveitei o tom e comecei a tocar Prenda Minha na gaita – segue Borghettinho. –
A gaita estava desafinada, mas seguimos tocando Luar do Sertão naturalmente.
– Não temos o café, mas já temos o bule – descreve Naná.
– O conteúdo do bule, o formato final ninguém sabe. Yamandú diz que todos tocam
música regional, simplesmente brasileira:
– A gente não pensa no tipo de música. A gente toca.
– Se pensar, não toca – emenda Borghettinho.
– O bom será quando encontrarmos a simplicidade. O músico não tem de dar
explicação, tem de dizer – diz Naná.
– Antes do carreteiro e do frango ensopado, o aperitivo dos quatro (o almoço na terra
da música é às 16h) é tocar a primeira composição que criaram – uma mistura de chacarera,
maracatu, som de pífaros e Jackson do Pandeiro. Borghettinho tira dois pés da cadeira do
chão, se inclinando concentrado. Yamandú batuca nas cordas e faz caretas. Cesinha se
preocupa com a bela melodia do Forro do Pontal. Naná emenda “s’il vous plait” com alguns
balbucios e dá início a uma “grande bagunça”, como batizou Yamandú. No final, é como uma
viagem ao Brasil com vista para o Guaíba. Alguém pergunta qual é o gênero musical e
Cesinha resume:
– É da pesada.
Sentado à mesa, comendo carreteiro e ouvindo causos gaúchos, Naná lembra da vez
em que Dorival Caymmi o convocou para acompanhá-lo num show. Naná perguntou quando
seria o ensaio e a voz rouca de Dorival respondeu:
– Meu filho, eu já nasci ensaiado.
Era a impressão que se tinha ouvido Naná, Yamandú , Cesinha e Borghettinho tocando
juntos.
renato.mendonç[email protected]
Jornal Olho Vivo, 20/05/2004
Naná Vasconcelos e Jorge Mautner realizam workshops e shows
Eventos promovidos pela Prefeitura têm convites limitados; inscrição deve ser feita
antecipadamente
Da Redação
A Prefeitura de Guarulhos promoverá nos dias 23 e 25 de Maio workshops e
apresentações musicais com Naná Vasconcelos e Jorge Mautner, respectivamente. Os eventos
serão realizados nas dependências do Centro Municipal de Educação Adamastor. Para
participar do workshops é necessário fazer inscrição na Secretaria de Cultura, nesta quinta ou
sexta-feira, dia 20 e 21, das 9 às 17 horas. A entrada é gratuita.
Quem quiser participar deve se apressar, porque os convites são limitados. Estão sendo
oferecidas 50 vagas para a atividade de Naná Vasconcelos, que acontece no domingo, dia 23,
às 14 horas. E, para o workshop de terça-feira, dia 25, às 15 horas, com Jorge Mautner, foram
colocadas à disposição trinta vagas.
SHOWS No domingo, dia 23, além do workshop, haverá, às 20 horas, show com o
percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, que mostrará um pouco da sua experiência
acumulada em mais de 30 anos de carreira. Naná, que já gravou duas dezenas de discos, tocou
ao lado de grandes nomes do cenário internacional, como Pat Metheny, B. B. King e Paul
Simon, e teve participações especiais em trabalhos de Luiz Gonzaga e Milton Nascimento.
Lançou neste ano o CD “Isto Vai Dar Repercussão”, em parceria com Itamar Assumpção.
Na terça-feira, dia 25 às 20 horas, será a vez de Jorge Mautner se apresentar no teatro
do Centro Municipal de Educação Adamastor. Polêmica figura do meio artístico, Mautner é
tido como uma pessoa bastante eclética. Além de músico e compositor, ele toca diversos
instrumentos (violino, piano e bandolim), é escritor, cineasta e artista plástico. Em 1999,
comemorou 40 anos de carreira com o álbum duplo “O Ser da Tempestade”, que reuniu
sucessos como “Maracatu Atômico” e “Vampiro”.
As apresentações são gratuitas e os ingressos devem ser retirados uma hora antes do
início dos shows, na bilheteria do Centro Municipal de Educação Adamastor (avenida
Monteiro Lobato, 690 – Macedo). Mais informações pelo telefone 6443-2749.
Zero Hora, 28/08/2004
Extremo SOM
Márcio Pinheiro
Extremo Som é o projeto musical que o pernambucano Naná Vasconcelos planeja
dividir com o gaúcho Yamandú Costa.
Por enquanto, não há nada acertado. Mas desde que dividiram o palco no
Festival de Rio das Ostras, no Rio, o percussionista e o violinista descobriram afinidades
musicais.
Isso também pode ser indício de que Naná pode dar uma canja no show de Yamandú
ou de que Yamandú pode aparecer amanhã no Santander Cultura, onde Naná se apresenta
junto com o guitarrista espanhol Pablo Arrieta e com o flautista César Miquiles. No show,
eles vão mostrar um espetáculo com misturas de ritmos espanhóis e brasileiros, como o
flamenco, o maracatu e o samba.
– A idéia é apresentar uma única música, uma imensa suíte em que coisa se transforma
em outra coisa – tenta explicar Naná. – Em alguns casos, nem é preciso o auxílio de
instrumentos. O som está nos pés, nas mãos, nas vozes.
Antes disso, hoje à tarde, Naná ministra um workshop (no Santander, às 15 h) e mostra
as experiências sonoras que, como define, surgem do entendimento dos ritmos da natureza. A
inspiração para esses trabalhos vêm de duas vertentes: Villa-Lobos (“O primeiro a
compreender que os sons estão na natureza” diz Naná) e Jimi Hendrix (“Tento fazer com o
berimbau o que ele fez com a guitarra”). Dessas duas linhas de pensamento, Naná busca uma
síntese.
Com 60 anos recém completos, Naná desativou a casa de Nova York – sua base mais
constante nas últimas três décadas – e voltou a morar em Pernambuco. Das quatro décadas de
música, com o currículo que inclui participações em mais de 300 discos (de Ornette Coleman
a Milton Nascimento, de Gato Barbieri e David Byrne), Naná ainda pensa no que tem para
criar.
– Quero morrer jovem, mas o mais tarde possível. Tenho muita história para contar.
[email protected]
Jornal do Comércio, 02/08/2004
Champanhe à beira-mar
O percussionista Naná Vasconcelos entra hoje para o seleto clube dos sessentões da MPB,
com direito a comemoração na praia com os amigos de “redação” do Jornal Aquático
José Teles
Completa hoje 60 anos, sem receber uma única homenagem oficial da cidade onde
nasceu, um músico que já gravou com alguns dos mais renomados nomes do jazz e do rock
norte-americanos, entre os quais, Don Cherry, B.B King, Laurie Anderson, Paul Simon,
Talking Heads; que ajudou a definir o papel da percussão em um dos períodos mais férteis da
MPB, com Os Mutantes, Gal Costa, Milton Nascimento. O nome dele? Juvenal de Hollanda
Vasconcelos, ou melhor, mestre Naná Vasconcelos.
Não que ele queira homenagens: “Eu celebro aniversário todo dia quando acordo”,
brinca Naná. Na realidade, ele será homenageado no Recife. Mas na praia de Boa Viagem,
com direito a bolo e champanhota, pelos companheiros de “redação” do Jornal Aquático, um
hebdomadário de circulação restrita, e tiragem limitada. O único exemplar da edição é lido,
dentro d’água, por um grupo de banhistas, que se encontra todas as manhãs na praia para
jogar conversa fora.
Naná acaba de voltar de uma mini-turnê pela Europa, com uma escala em São Paulo,
onde gravou, com 120 crianças e orquestra da Universidade de São Paulo (USP), material
para um CD e um DVD, que não sabe ainda por que selo serão lançados. “Tinha a produção
disponível e aproveitei para tocar o projeto ABC Musical. Gostaria de fazer no Recife não em
São Paulo. Mas aqui falta vontade política para dar continuidade ao projeto”, comenta Naná,
sem esconder a decepção. Quando voltou para sua terra natal, depois de mais de duas décadas
vivendo nos EUA e Europa, ele idealizou o ABC das Artes e o ABC Musical, dois projetos
sociais direcionados a crianças carentes entre 6 e 12 anos. Ambos, no entanto, estão parados,
por falta de quem os patrocine em Pernambuco: “Sei que agora, época de eleição, muito
político vai querer ajudar”, ironiza o músico.
As seis décadas de vida, Naná diz que as viveu com intensidade, com muitas histórias
para contar: “Mas o bom mesmo é continuar fazendo música com as novas gerações. Trabalho
com músicos, como Lirinha, do Cordel do Fogo Encantado, que têm idade para ser meus
filhos” diz Naná, que tem duas filhas, Luz Morena (brasileira, cinco anos) e Jardim
Azul(norte-americana, dez anos). “Luz Morena esteve comigo agora em São Paulo e arrasou,
já leva jeito para a música. Engraçado é que quando estou com ela na praia, tem gente que
passa e pergunta se estou curtindo a netinha”, conta, rindo. É mais pela filha que continua
morando no Brasil, confessa.
Constantemente viajando, em setembro Naná estará na África, como convidado de
honra do governo sul-africano, para as comemorações dos dez anos do fim da política oficial
de segregação naquele país (aliás, será o único brasileiro na festa). “Vou participar de uma
cerimônia que tem o nome de The Essence of the Bow, ou A Essência do Berimbau. Vão estar
comigo tocadores de berimbau de vários países africanos,” conta Naná, que transformou o
berimbau de elemento decorativo em instrumento solo. Baterista no início dos anos 60, o
berimbau entrou em sua vida por acaso, quando ele participava, no Recife, do musical
Memórias dos Cantadores (com Teça Calazans, Marcelo Melo, Geraldo Azevedo). “No
repertório, havia folclore de todas regiões do país. Da Bahia, tinha a capoeira, e tive que
aprender berimbau. Fiquei com ele em casa, aí, por curiosidade, comecei a experimentar sons.
Acabei tirando o berimbau da capoeira. Ele se tornou meu instrumento solo”, rememora.
Seu próximo disco brasileiro está mixado, masterizado e com título: Chegada. Foi
gravado no Recife, com músicos com os quais Naná vem tocando há algum tempo (Lu
Coimbra, César Michiles, Chiquinho Chagas, entre outros). Deverá ser mais um trabalho
independente: “Ofereci a Warner. Me falaram que tudo bem, mas se em três meses a
gravadora não tivesse retorno do capital empregado, o disco sairia de catálogo”. Naná ressalta
que a música brasileira interessante está hoje entre os alternativos. “As gravadoras só se
interessam por coisas descartáveis. Por isso, os artistas mais conhecidos, Marisa Monte,
Bethânia, fundam seus próprios selos”, critica, com razão. Os álbuns que gravou no exterior
(África Adeus, Amazonas, Saudades, etc.), que lhe renderam prêmios Grammy, e sete vezes o
título de melhor percussionista do mundo pela bíblia do jazz, a revista Downbeat, só se
encontram no Brasil na seção de importados. Este ano, ele volta a gravar nos EUA,com o
guitarrista Pat Metheny, com quem já dividiu cinco discos.
“Quero viver cada vez mais jovem e morrer o mais tarde possível” é a frase de efeito
que preparou para os 60 anos. Idade que faz Naná ser sócio de um clube para o qual já
entraram Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros grandes e premiadíssimos
talentos, feito ele. Nenhum, porém, com o importante cargo de “correspondente internacional”
que Naná ocupa no Jornal Aquático, cuja edição de hoje a ele é dedicada.
Diário de Pernambuco – Viver , 14/09/2004
Regionalismo cruzado entre bambas do som
Michelle de Assumpção
DA EQUIPE DO DIARIO
Nos três primeiros dias passados numa fazenda do Rio Grande do Sul, os músicos
Naná Vasconcelos, César Michiles, Yamandú Costa e Renato Borguetti conseguiram reunir,
primeiro, entusiasmo suficiente para tocarem juntos. Depois, descobrir coincidências rítmicas
e timbres que possam conviver harmoniosamente e ao mesmo tempo manifestar as tradições
que cada um carrega. Naná Vasconcelos, percussionista e o flautista César Michiles,
pernambucanos de formação popular e erudita, respectivamente, trazem os sons do
Nordeste.Os gaúchos Borguetti, exímio tocador de gaita-ponto (instrumento da família do
acordeom) e Yamandú, o mago do violão, representam a sonoridade também muito marcante
e típica do Sul do Brasil. Juntos, eles integram o Projeto Extremo Som, articulado pelo
produtor Capucho (empresário de Naná Vasconcelos), cuja estréia acontece no mês de
novembro, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.
O projeto, que deverá percorrer todo País, também chegará à França, em 2005, que já
está conhecido como O Ano do Brasil na França. Evento que marcará a cultura dos dois
países, promovido pelos Ministérios da Cultura nacional e francês. “Já temos o repertório
pronto”, diz Naná, que há duas semanas esteve com os outros três na fazenda de Borguetti, em
Diamantina. “Somos músicos com potenciais individuais, mas balanceamos bem. Inventamos
as misturas, para que daí saia uma música brasileira fresca”, diz o percussionista, se referindo
ao fato do encontro ter proporcionado encontros inéditos. Ele, que já está mais acostumado a
tocar com Cesinha, formou dupla com Borguetti, enquanto que o flautista tem momentos a
sós com o violonista. Noutros momentos do concerto, estarão César com Borguetti, Naná com
Yamandú e claro, os quatro juntos.
“Fizemos uma abertura com Jackson, que emenda com um vaneirão (ritmo típico
gaúcho), depois voltamos para Jackson e emendamos com um baião”, tenta explicar Naná, em
vão, pois sabemos que uma linguagem (música) nunca poderá ser traduzida por outra
(palavra) a não ser por ela própria. Então, que chegue o espetáculo. O interessante em
antecipar este encontro está no inusitado que ele promete. Afinal, quem sabe que o vaneirão
tem aspectos ritmos parecidos com o nosso forró? Ou que o bombo legueiro tem semelhanças
com a nossa alfaia e, por isso mesmo, poderá ser usado numa típica levada de maracatu? Se
bem que, não é bem isso que pensa em fazer o percussionista Naná. O percussionista não
pretende fazer uso de um instrumento típico de uma região e que, portanto, não faz parte de
sua história.
Para o gaúcho Yamandú, o projeto está num esboço e precisa encontrar um
denominador comum. É uma formação, incomum mas preciosa, uma grande festa. Segundo
ele, todos os envolvidos, mesmo levando seus trabalhos solos por caminhos mais
contemporâneos, carregam em comum o regionalismo. “A gente se encontra dentro do
regional, não costumo tocar temas gaúchos mas nesse projeto isso vem com mais força”, diz
ele, que junto com Borguetti já fez duos e viajou o País em turnês.
Para o produtor Capucho, colocar Naná, Cesinha, Yamandú e Borguetti num mesmo
espetáculo, mesclando influências, sonoridades e comungando talentos, serve para promover a
cultura brasileira e desmitificar a idéia de regionalismo antagônicos. A mesmo tempo, e aí
está também resumido todo interesse mercadológico desta história, fazer música brasileira
tipo exportação e conquistar a platéia internacional com a visão de Brasil plural e ao mesmo
tempo unificado pelas diferenças.
Diário de Pernambuco – Viver – Recife – 01/08/2004
Música é presente para o coração
ABC Musical se firma como expressão além do social
Michelle de Assumpção
DA EQUIPE DO DIARIO
O projeto ABC Musical – um dos maiores sonhos musicais do percussionista Naná
Vasconcelos – deve virar um DVD. A mais recente edição do programa, que aconteceu
durante dois dias da última semana, no teatro de Santa Cruz, em São Paulo, foi devidamente
registrada por quatro câmaras e áudio digitais. “Estou muito feliz, foi lindo com as crianças lá,
quero fazer agora no Brasil todo”, diz Naná, como quem pede um presente. E ele tem todo
direito. Na próxima terça-feira, o músico está completando 60 anos de idade, na sua melhor
forma artística. O ABC Musical, que é a sua menina dos olhos, toma força a cada edição.
Alem de social, o projeto é de uma rara beleza artística. No palco, uma orquestra sinfônica, a
criatividade percussiva de Naná, e um coro de crianças que, ao longo de alguns dias – às
vezes poucas horas –, são preparadas por Naná para darem um show.
E se o presente não for muito caro – o que ele garante não ser – Naná também gostaria
de rodar as capitais do País com o projeto. Na próxima quarta-feira, ele reforça a importância
do ABC, ao gravar uma participação especial para o programa de Jô Soares, junto com as
crianças. “A idéia é educacional, que as crianças conheçam o Brasil através do folclore. E é
tão simples o ABC Musical, pois em toda cidade há uma orquestra e há escolas públicas, basta
colocar Naná e o maestro Gil Jardim”, defende Naná. A idéia do projeto surgiu em 1993
quando, depois de ficar 10 anos sem vir ao Brasil (com casa em Nova Iorque e viajando pelo
Mundo), o percussionista encontrou no País uma realidade de crianças na rua que não
conhecia antes de deixá-lo.
Enquanto não se confirmam os apoios ao ABC, Naná terá outros afazeres. Ate o final
de agosto, assistirá ao lançamento do novo filme de Lúcia Murat (Brava Gente Brasileira),
Quase Dois Irmãos, cuja trilha foi composta por ele e arranjada pelo flautista pernambucano
César Michiles. Depois, vai se dedicar à grande festa em comemoração ao seu aniversário.
Serão três dias de comemorações, no Sesc Pompéia, em setembro. Vários artistas com quem
Naná realizou parcerias importantes em sua carreira estarão lá. Entre eles, Egberto Gismonti –
com quem Naná gravou três CDs na década de setenta – Milton Nascimento, Marisa Monte,
Yamandú Costa, Hermeto Pascoal, entre outros.
As viagens ao Exterior continuam. Em outubro, será o único não-africano a participar
de um grande evento na África do Sul em homenagem ao fim do Apartheid. Também está
fechando um show em Atenas, durante as Olimpíadas, com a participação de um maracatu
pernambucano. Sem esquecer que Naná tem um CD pronto gravado no estúdio Fábrica, no
Recife, e que precisa apenas do acerto com um selo para ser lançado. Com tantas atividades,
Naná só tem a agradecer. “Voltei ao Brasil querendo ser útil, fui criança pobre, mas na minha
época existia música nas escolas”, diz.
Diário de São Paulo – Viver/Lazer, 26/07/2004
Canções para crianças e orquestra
O percussionista Naná Vasconcelos toca com corais infantis em Pinheiros
Donizete Costa
Sobre o Estado Novo de Getúlio Vargas, é preciso se dar o braço a torcer que houve
algo de bom: as tais “Exortações Cívicas Villa-Lobos”, encontros que chegavam a reunir até
42 mil vozes em estádios para cantar o Hino Nacional e outras ladainhas patrióticas.
Ufanismos à parte, esta era a melhor forma de se ver em ação Heitor Villa-Lobos, o mais
brasileiro dos maestros brasileiros.
Educador de mão cheia, ele conseguia passar às crianças conhecimentos musicais
permitindo a elas que gritassem, batessem palmas ou os pés durante as aulas. É em tal
liberdade que se inspira o percussionista Naná Vasconcelos no “ABC Musical”, projeto de
ensino que vem aguçando o dom em estudantes de escolas publicas de São Paulo. “Minha
idéia é levar este projeto pelo Brasil todo”, planeja ele, que mostra hoje, às16h o resultado de
sua didática no Teatro do Colégio Santa Cruz no Alto de Pinheiros. O concerto reúne 120
crianças dos corais “Abrace seu Bairro”, do Bixiga, e da Escola Espaço das Artes, de São
Caetano, a tarimbados músicos da Orquestra de Câmara da USP. Serão distribuídos 200
ingressos gratuitos à partir das 14h.
O encontro funcionará como ensaio aberto para um show fechado de terça, apoiado
pela Universidade de São Paulo, que dará origem a um DVD. No repertório estão três suítes
que juntam canções folclóricas de vários estados brasileiros, como a ciranda, canções-de-roda,
maracatu e outras levadas. “É uma forma de fazer com que a criança aprenda, através da
música, mais sobre o Brasil”, argumenta Naná. “No ensaio, tudo se dará para valer, inclusive
com o figurino que usaremos na gravação”, promete.
Jornal da Tarde, 26/07/2004
Naná Vasconcelos no Colégio Santa Cruz
O ensaio aberto do projeto ABC Musical, de Naná Vasconcelos, reúne, às 16h, no Teatro do
Colégio Santa Cruz (Tel.: 3024-5191) o percussionista, um coral de 120 crianças e a
Orquestra de Câmara da USP.
Diário de São Paulo, 26/07/2004
Naná ressoa na voz das crianças
Há dez anos, depois de uma longa temporada no exterior, o percussionista Naná
Vasconcelos sentiu necessidade de ser útil ao povo brasileiro. “Eu fiquei fora do Brasil, mas
não o Brasil fora de mim.” Lembrou da sua infância e das aulas de música na escola. Pensou
que o futuro do Brasil estava nas ruas, e deu inicio ao projeto ABC Musical, que ensina as
crianças de instituições públicas música e folclore. O resultado deste trabalho pode ser
conferido hoje, em um show que o percussionista comanda no Teatro Santa Cruz,
acompanhado por um coral de 120 vozes infantis e pela Orquestra de Câmara da USP.
Rolam músicas como “Bachianas no 4”, de Villa-Lobos, “Cortinas”, “Vamos para a
Selva” e “Vozes”, de Naná, e “Paula e Bebeto”, de Milton Nascimento e Caetano Veloso.
(Maria Carolina Maia)
Jornal da Tarde, 02/07/2004
Brasil e Espanha na mesma batida
O percussionista Naná Vasconcelos apresenta-se com Pablo Arrieta, na flauta, e César
Miquiles, no violão e guitarra, para mostrar composições gravadas com a dupla.
Folha de São Paulo, 10/5/2001
Compositor e percussionista estabelecem ‘conexão São Paulo-PE’ e gravam ‘Preto Brás
2’
O batuque de Itamar e Naná
“Artistas livres”, eles preparam parceria à margem do mercado e homenageiam
Clementina de Jesus
Pedro Alexandre Sanches
DA REPORTAGEM LOCAL
“É natural, batuque de dois pretos”, sintetiza o paulista Itamar Assumpção, 51,
definindo seu encontro musical com o percussionista pernambucano Naná Vasconcelos, 56.
Depois de uma semana internados no estúdio e ao menos 14 músicas preparadas, a fase inicial
de gravações de “Preto Brás 2 – Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção – Tem que Ter
Repercussão” está concluída.
Eles seguem a sina: não há ainda gravadora interessada pelo disco. No tempo ganho
com a resistência às pressões do mercado, homenageiam Clementina de Jesus (“canto
‘Leonor’ ‘clementinamente’”, brinca Itamar) e trocam experiências: Naná se embrenha pelos
ritmos e textos urbanos de Itamar, Itamar aprende com Naná a soar tribal. Leia trechos da
entrevista que deram juntos à Folha, antes de Naná voltar a Recife.
*
Folha – Qual é a afinidade entre vocês dois?
Itamar Assumpção – No Brasil é assim. Tem que ralar, um para um lado e outro para
o outro, até ficarmos livres para nos encontrarmos. É a referência perdida de música brasileira
que parte da criatividade, e não da repetição. Eu estava entubado lá no Hospital das Clínicas,
Zeca Baleiro encontrou Naná no Percpan, não foi?
Naná Vasconcelos – Foi, eu perguntei a Zeca como estava Itamar, ele disse: “Está aí,
assim...”. Fiquei com vontade de vê-lo. Estava lá cheio de tubos, falou-se em gravação, e ele
já falou: “Estou bom, vamos lá” (ri). Música cura...
Itamar – A primeira vez que ouvi Naná foi com Milton Nascimento, “Pai Grande”. É
do meu aprendizado. Eu cheguei depois, eles já estavam na estrada. Os negros brasileiros são
da música mesmo. A gente conseguiu sair fora da escravidão mercadológica e hoje pode se
dedicar exclusivamente à música.
Naná – Não é um produto, a gente está querendo fazer produção de música brasileira.
Fui embora do Brasil muito cedo, mas fiquei sabendo que havia um grupo de pessoas que
faziam um trabalho com música diferente dos outros: Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Itamar.
E agora eu queria encontrar Itamar, saber como ele está. O encontro acabou virando disco.
Itamar – Quando me deram o recado, eu estava entubado. Aí apressei um pouco a
coisa, saí e liguei para o cara: “Vou compor”.
Naná – É, e logo disse: “Já compus, já escrevi umas coisas aqui, Naná e Assumpção,
tem que dar repercussão”. Eu vi que o homem estava danado. Cheguei ao estúdio e já havia
três ou quatro músicas feitas. Cheguei antes dele para que, quando ele chegasse, já tivesse
minhas coisas também.
Itamar – Minha vingança será maligna, porque ele vai embora – é a conexão São
Paulo-Pernambuco. Ele longe não vai dar certo. Quando for ouvir (risos)...
Naná – Não é algo pré, que eu tenha levado cassete para casa para ouvir antes, pensar
em que instrumentos eu ia usar. É fantástico, porque sou um músico improvisador. É
espontâneo, tenho que ficar totalmente disponível e aberto para entrar dentro da cabeça dele.
No meu trabalho pessoal, lido muito com dar ênfase à coisa visual da música. E ele está me
possibilitando uma coisa que normalmente não faço, lidar com ritmos. Uso a percussão para
fazer sons no meu trabalho pessoal e, trabalhando com o groove, a levada e o balanço do
Itamar, posso fazer percussão rítmica também.
Itamar – Nesses dois “Preto Brás” há o respeito com o texto, com o texto do som e
com o som. Na verdade não precisava falar nada, seria um disco só com sons. Mas o Brasil
não comporta uma coisa dessas, somos um país da oralidade, aqui música instrumental não
tem um centro.
Folha – Naná, você concorda?
Naná – Ah, isso é uma realidade. Não tenho contrato decente com gravadora nenhuma
no Brasil, Hermeto Paschoal também não. A palavra no Brasil dominou todos os movimentos.
Falava-se de amor, sorriso e flor, depois veio o tropicalismo falando de problemas sociais.
Sempre foi assim. É uma pena que atualmente a palavra virou esses textos que estão aí.
Itamar – É isso que estamos aqui mostrando, independentemente de mercado ou de
movimento. A liberdade ficou como sinônimo de maldição. Itamar é maldito? Não, Itamar é
livre, é insuportável isso. Quem pode na música brasileira se juntar e fazer um trabalho como
esse? Só eu e Naná.
Folha – Gilberto Gil e Milton Nascimento fizeram...
Naná – Ali são clássicos.
Folha – O título é esse: Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção? Tem que ter
repercussão. Que é isso? É óbvio. Não sei por qual gravadora, mas tem que ter.
Naná – Não é produto. É um disco, um som simples.
Folha – Simples? Só voz de Itamar e percussão de Naná?
Itamar – É simples porque tem partidão alto com palmas, só. É simples, não
simplório.
Naná – A base somos nós dois, o que não impede que entre violoncelo, um sopro
aqui, outra coisa ali. Não é folclore, sabemos o que está acontecendo no mundo. Na frente
estamos nós dois.
Folha – Quantas horas por dia vocês têm trabalhado juntos?
Itamar – É pouco. No primeiro encontro, gravamos sete músicas. Tenho que
aproveitar a balada do cara aqui, ele mora no estrangeiro, pô. Quando ele for embora, na
calada da noite, vou ver os baixos, os arranjos de base.
Naná – Uma coisa importante para mim é que gravar no Brasil com Itamar é diferente
de estar no disco de fulano que já tem banda e som preparado. Gravei em disco de Paul Simon
e queriam que eu assinasse contrato para tocar dois anos. Deus me livre, vou ficar toda a vida
fazendo a mesma coisa? Não é para mim. Passei para um amigo, que comprou uma casa com
o dinheiro que ganhou.
Itamar – É obra aberta. O som vai daqui para lá e de lá para cá.
Naná – Vai daqui para lá e de lá para cá. Muita gente pensa que não sei fazer ritmo ou
que não conheço fundo de quintal. Itamar homenageando Clementina me dá oportunidade de
mostrar que conheço, que sei tocar cuíca, fazer batuque, pôr o povo para dançar.
Folha – Naná tem trabalhado com artistas como Mônica Salmaso e Cordel do
Fogo Encantado. Está evitando os figurões?
Naná – Tenho muito cuidado. Detesto, por exemplo, gravar no disco de fulano, e ele
já querer que eu toque meu berimbau, para depois falar na entrevista que Naná tocou
berimbau. Aí você vai ouvir depois de mixado e não escuta nada. Por que chamou, então?
Itamar – Agora ele está querendo fazer o contrário comigo. Ele e o berimbau dele e a
vozinha minha, tenho que ficar esperto (risos).
Folha – O som de cada um modifica o do outro?
Itamar – É natural, batuque de dois pretos. Não é meu som que a presença dele
modifica. O som é afro-brasileiro. Ele vem reforçar, provar que é moderno. Juntam-se os
bagulhos, desse jeito em uma semana gravamos quatro CDs.
“PRETO BRÁS 2” “Por que eles não pegam o dinheiro que roubam e investem um pouco
na gente?”, pergunta Itamar
“Político não quer tirar menino de rua”, afirma Naná
DA REPORTAGEM LOCAL
Na seqüência da entrevista conjunta, Naná Vasconcelos fala de seu trabalho junto às
crianças carentes, que o reaproximou de Recife e do Brasil, e Itamar Assumpção comemora
suas vitórias contra o câncer no intestino.
(Pedro Alexandre Sanches)
*
Folha – Naná voltou para o Brasil?
Itamar Assumpção – Agora não vai sair mais daqui. Quando ele sair, eu vou junto.
Pegou um mala sem alça.
Naná Vasconcelos – (Ri) Estou mais aqui por causa dos meus compromissos sociais.
Fui criança pobre, e na minha época de pequeno não havia criança na rua. Passei dez anos
sem vir aqui, depois mais seis, aí comecei a ver essa coisa, a me preocupar. Não são meninos
de rua, são meninos que estão na rua. Isso me preocupou e escrevi o projeto “ABC das Artes
– Flor do Mangue”, parei tudo lá fora para montar isso no Recife. É muito mais gratificante
vir e procurar ser útil, mostrar que o que sei fazer serve para algo positivo. Vou lá tirar
menino de rua, representar esses políticos aí. E nada, ninguém quer tirar menino de rua.
Itamar – É tudo feito para não andar mesmo culturalmente. É deliberado que continue
na mesma. O cara, além de sair pelo mundo e ralar individualmente, ainda fica preocupado
com o social? Os políticos roubam muito. Por que não pegam o dinheiro que roubam lá e
investem um pouco na gente?
Naná – Vou para a Europa, faço não sei o quê e parte do dinheiro que ganho aplico no
projeto aqui para dar socorro aos meninos. Cada vez mais nós artistas temos posições políticas
e os políticos cada vez mais estão querendo ser artistas. Não dá. É triste.
Folha – Itamar está recuperado?
Itamar – Agora são seis meses de tratamento quimioterápico. O intestino ajeitou,
minha pressão está de menino. No Hospital do Câncer, o exame também diz que não ficou
nada. No Hospital das Clínicas, junto com neguinho algemado e baleado, aquela coisa linda
que é, comecei a ver o retorno do meu trabalho com aquela gente que sabe das coisas, não em
termos de grana, mas em termos do que mais vale nesta vida. Hoje a matéria do artista é essa,
de como se comunicar com seu semelhante sem que as interferências deturpem tudo. Vi que
dei o recado. Nisso posso ficar sossegado, não devo nada aos “hômi”.
A Gazeta – Caderno Dois – Vitória (ES) – 14/04/2004
BATE TAMBOR
Radicado há 26 anos em Nova York, o pernambucano Naná Vasconcelos foi eleito
sete vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana ‘Down Beat’. Em suas
apresentações e workshops, ele utiliza o berimbau como instrumento solista e o corpo humano
para pontuar ritmos:
‘Minha tese é a de que o primeiro instrumento é a voz, e o melhor é o corpo’
O mago do ritmo
Naná Vasconcelos apresenta show e workshop no Estado e aproveita para conhecer o congo
de Roda D’Água
José Roberto S. Neves
Consagrado internacionalmente, o percussionista Naná Vasconcelos, 59, rodou o
mundo como uma espécie de embaixador da percussão terceiro-mundista, tendo colocado
suas mãos calejadas a serviço de totens do porte de B. B. King, Pat Metheny, Talking Heads,
Brian Eno, Don Cherry e Jean-Luc Ponty.
No entanto, para completar sua galeria de ritmos, faltava ainda conhecer de perto o
congo tocado no Espírito Santo. A oportunidade virá neste final de semana, quando ele
desembarca no Estado para uma agenda que inclui as apresentações do show “O bater do
coração”, sábado, às 18h30, no Teatro Carlos Gomes; e do workshop “Corpo e percussão”,
domingo, às 14h, na Fazenda Mambeca, em Roda D’Água, Cariacica.
Em ambos os eventos, Naná Vasconcelos mostrará como é possível extrair ritmos do
corpo humano e produzir imagens através dos sons. Sua especialidade é o berimbau,
instrumento no qual tornou-se bruxo, inserindo-o, inclusive, em concertos sinfônicos.
Na segunda-feira, dia em que se comemora a Festa da Penha, o percussionista irá
acompanhar o tradicional Carnaval do Congo de Roda D’Água, em Cariacica. “Estou
maravilhado por ter recebido esse convite para participar de uma festa de tambores de congo,
aquela coisa ao ar livre, das máscaras. Estou louco para ver isso”, adianta Naná, por telefone,
ao Caderno Dois.
Nesta entrevista, ele fala sobre cultura popular, congo, os ensinamentos assimilados
com Jimi Hendrix e Villa-Lobos e sobre a razão pela qual apenas cinco dos seus 21 discos
foram lançados no Brasil.
A GAZETA – Como será sua apresentação sábado?
Naná Vasconcelos – É uma performance que eu chamo de “O bater do coração”. A
idéia é mostrar histórias e contar cenários brasileiros através da música. Já fiz esse show no
mundo inteiro. Procuro usar a percussão como uma orquestra de timbres, de sonoridade. É
uma maneira de pensar a música. Eu me inspiro muito nos sons da Amazônia. É possível
transportar as pessoas para a selva através do som, porque a música tem um elemento visual
muito forte. Villa-Lobos já fazia isso, em “Trenzinho caipira”.
Que instrumentos vai tocar?
Uso o berimbau, instrumentos afro-brasileiros, africanos e de diferentes partes do
mundo. Tem as congas uduhs (de Gana) e outros instrumentos que eu mesmo fabrico. É uma
miscelânea. O principal é o berimbau. Minha tese é a de que o primeiro instrumento é a voz, e
o melhor é o corpo. Há trabalhos em que uso apenas o corpo.
O que você aborda no seu workshop?
Eu o chamo de “Orgânico workshop, o entendimento dos ritmos através do corpo”. A
oficina não se limita a percussionistas ou a músicos em geral. É aberta a bailarinos, atores e a
todas as pessoas que usam o corpo como instrumento. Basta uma sala limpa, sem nada dentro,
e um grupo de pessoas disponíveis, cerca de cem, de preferência. No início elas ficam
inibidas, mas, aos poucos, vão se soltando e descobrindo sua musicalidade.
Conhece as toadas de congo? Já gravou alguma em sua carreira?
Não, nunca gravei um congo. Para fazê-lo tem que beijar o pé do santo, senão, fica
caricato. As toadas têm similaridades porque nosso folclore é formado por verdadeiras óperas
populares. Tem as toadas do boi, no Maranhão, e do maracatu, em Pernambuco, conhecidas
como “loas”. Elas têm o mesmo senso de exaltação. Os congos são mais ligados aos santos
negros, a São Benedito, São Sebastião.
É verdade que o congo é o ritmo que se manteve mais próximo do batuque primitivo do
século XVI?
Eu diria que o congo é o ritmo que se manteve mais puro, por não ter sido muito
explorado. Além do Espírito Santo, esse tipo de manifestação só pode ser encontrado em
alguns lugares do Brasil, como no Sul de Minas. Muita coisa que veio da África para o Brasil
sequer se encontra mais na África, porque a colonização destruiu.
O congo tem compasso 2/4, assim como a maioria dos ritmos brasileiros. Esse tipo de
compasso é mais fácil para se dançar?
Tudo aqui é par. Nos ritmos brasileiros não se encontram compassos alternativos,
como o 5/8, muito comum na Índia. Mas o compasso par não é necessariamente o mais
dançante; cada pessoa sente a música de uma maneira. O americano, por exemplo, bate palma
no contratempo, enquanto o brasileiro bate no tempo. O que diferencia a batida do congo ou
de qualquer outro ritmo são os acentos.
O senhor é considerado o maior músico de berimbau do mundo. Como desenvolveu uma
técnica tão apurada para um instrumento aparentemente tão limitado?
Por causa das tradições, o berimbau sempre foi usado apenas para acompanhar a
capoeira. Fiz o berimbau virar um instrumento solista, a ponto de gravar o disco “Saudades”,
em 1980, com a Orquestra Sinfônica de Sttutgart. Mas eu não fiz nada. Foi o berimbau que
me pediu: “Me toca aqui, revela o meu som para as pessoas”. Jimi Hendrix me ensinou que os
instrumentos não têm limitações, e Villa-Lobos me ensinou que a música tem aspectos
visuais. O berimbau não foi feito só para a capoeira, assim como a cuíca não foi feita só para
o samba. O berimbau é o pai grande, é o preto mais velho que conheci.
Sua produtora disse que você só poderia dar entrevista à tarde porque em outros
horários estaria em estúdio. O que está preparando?
Estou fazendo música para o filme “Quase dois irmãos”, da Lúcia Murad, que fez a
série “Brava gente brasileira”. Também gravei nesses dias uma música para o próximo disco
do Max de Castro. E acabou de chegar um disco meu com Itamar Assumpção, “Naná
Vasconcelos e Itamar Assunção – isso vai dar repercussão”, com sete músicas que gravei com
ele antes de sua morte. É uma produção independente, de Zeca Baleiro e Paulo Lepetit. Vou
levar algumas cópias para Vitória.
Por que apenas cinco dos seus 21 discos foram lançados no Brasil?
Passo muito tempo fora, e fazer música instrumental no Brasil ficou cada vez mais
difícil. A música no Brasil ficou muito descartável. As grandes gravadoras fabricam artistas
que duram dois discos ou dois anos e depois os jogam fora, para colocar outros no lugar.
Quem faz a música mais criativa do Brasil hoje são os alternativos, os independentes.
Músicos como eu, Hermeto, Yamandú, Gismonti, não têm contratos decentes com
gravadoras. Para tocar em rádio, tem que se pagar jabá (dinheiro pago pelas gravadoras às
rádios em troca da execução das músicas dos seus artistas). Essa é a realidade do mercado
brasileiro. Então, temos que fazer independente. É uma pena que a pirataria não divulgue a
música instrumental (risos). Por um lado, seria bom, para educar as pessoas. Eu propago um
Brasil que o brasileiro não conhece. E isso não é culpa do público, e sim do sistema.
OESP, 12/08/87
A dança do rei do berimbau
Na verdade, ele é o rei da percussão. Tira som até do próprio corpo. Endeusado pela crítica
internacional, Naná Vasconcelos atualmente faz uma mistura de jazz, funk brasileiro e o rap
nova-iorquino. Seu novo disco – Bush Dance – está chegando ao Brasil
Eliane Gamal
de Nova York
“Naná Vasconcelos é o maior tocador de berimbau do mundo”, diz um crítico de
música norte-americano. Mas Naná não é só um tocador de berimbau. Ele é considerado um
dos melhores e mais criativos percussionistas, que não se limita a acompanhar outros músicos.
Ele compõe, produz sons vocais e ano após ano se envolve em novos projetos: dança, teatro e
até trilhas sonoras para a vanguarda do cinema nova-iorquino, como Jim Jarmuch Stranger
Than Paradise e Down by Law – e Susan Seidelman (Procura-se Susan Desesperadamente).
Desde 1970 morando fora do Brasil, nem por isso Naná Vasconcelos deixou de lado
suas raízes brasileiras e nordestinas. Ao contrário, em todos os seus álbuns e nas parcerias que
faz com músicos e grupos como Pat Metheny, B. B. King, Taking Heads ou Jean Luc Ponty,
sempre está presente o seu Backround Brasileiro – mas agora misturado aos sons das ruas de
Nova York. Naná não é um músico de estúdio e, mais do que qualquer outro artista, precisa ir
para a rua encontrar inspiração para suas composições. O Washington Square Park, no
Village, por exemplo, é um dos seus lugares preferidos, onde Naná passa muitas tardes
observando engolidores de fogo, Breakdancers ou mesmo os jamaicanos jogando futebol. O
resultado disso acaba sendo trabalhos que como seu último álbum Bush Dance (WEA), chega
às lojas do Brasil na próxima semana – alguns meses depois do lançamento nos Estados
Unidos, onde foi muito bem recebido pela crítica em geral. Aliás, ao lado de Tânia Maria,
Naná atualmente lidera o grupo de músicos brasileiros que vivem fora do Brasil. Eles fazem
parte totalmente do cenário musical americano, como em outros tempos era Astrud Gilberto
ou Flora Purim e Airto Moreira. Naná está sempre nas páginas de revistas especializadas em
jazz como a Dow Beat ou no New York Times. Isto porque ele nunca está totalmente parado.
Ou seja, se não está compondo, Naná está excursionando – agora, por exemplo, ele está na
Europa em turnê e só volta aos Estados Unidos no final de agosto.
Além disso, o percussionista brasileiro tem grande interesse em balé e teatro. Sempre
está compondo para coreógrafos americanos, divulgando ainda mais os ritmos brasileiros
apesar da heterogeneidade da sua música. Atualmente se encaixa numa combinação de jazz,
funk brasileiro e o rap nova-iorquino. Por um certo tempo, Naná compôs para um grupo de
breakdancers do Bronx, e juntos foram à Europa mostrar a arte de rua de Nova York.
Este ecletismo sempre foi uma característica de Naná Vasconcelos. A começar pela
sua formação musical, que vai de Villa-Lobos a Jimmy Hendrix. Quando começou a se
interessar por música decidiu que precisava conhecer todos os instrumentos de percussão.
No Brasil, Naná começou a ficar mais conhecido quando trocou Recife pelo Rio de
Janeiro e passou a acompanhar Milton Nascimento. Logo depois, nasceria uma parceria com
Egberto Gismont que durou oito anos e resultou em três discos, entre eles Dança das
Cabeças. Mas já em 1970 sua carreira internacional começava a engatinhar, quando o
saxofonista argentino Gato Barbieri o convidou para integrar a sua banda e tocar em Nova
York e Europa. Os músicos e público no Exterior começaram a prestar atenção naquele
percussionista no Festival de Jazz de Montreux. No final dessa turnê, Naná decidiu ficar em
Paris. Nessa época ele gravou seu primeiro disco solo Áfricadeus, antes de retornar ao Brasil
para as gravações de seu disco seguinte, Amazonas.
Depois disso, Naná sentiu que terá de seguir sua carreira nos Estados Unidos e
Europa. Daí em diante os convites para parcerias não pararam mais. Além das gravações,
tocou ao vivo com Pat Metheny, Jack Dejohnette, B. B. King e Ed Blackwell. Em 1983
lançou Zumbi, um trabalho em que ele usa, além dos instrumentos de percussão, vozes e o que
ele chama de body percussion ou percussão corporal, que é o som provocado por batidas da
mão em seu próprio corpo.
Em 1986, Naná voltou ao Brasil pela primeira vez em seis anos para uma série de
concertos solo, além de acompanhar Geraldo Azevedo no show De Outra Moreira. Ao
retornar a Nova York, decidiu continuar a se envolver com projetos de grupo, além de se
concentrar na criação de seu último álbum Bush Dance, (veja crítica abaixo) que, finalmente,
chega às lojas de discos brasileiras.
Um piloto à altura dos tempos
Sem dúvida Bush Dance é um dos melhores trabalhos instrumentais do ano
Luiz Antonio Giroa
Teclado é percussão, instrumento é voz, ruído é som, ou vice-versa? O
multiinstrumentista Naná Vasconcelos responde sim a ambas as alternativas. Em seu sexto LP
solo, Bush Dance (WEA), ele demonstra a volubilidade dos conceitos sonoros e cria uma
fórmula pop em que cada instrumento pode tornar-se outro – e este outro, ainda outro. É o
primeiro disco do músico para o selo Antilles da gravadora inglesa Island, especializada em
som afro. A procura experimental da variação dos papéis de cada instrumento e o aval de um
selo marcado pela inventividade conferem ao trabalho de Naná um perfil contemporâneo,
pronto para uso em rádios, espaços dançantes e salas de concerto. Poucas vezes nesta década
um artista brasileiro produziu obra tão a altura dos tempos.
De um percussionista brasileiro espera-se o exotismo autóctone. Nana-se à quebra tais
expectativas. Vale-se da tradição variada dos ritmos brasileiros, mas nega-lhe exclusividade.
Acopla, por exemplo, os chiados de um chocalho à hipnose rítmica da drum machine, a
reverberação do teclado às ressonâncias imprecisas do couro espancado. Barbárie mais alta
tecnologia resulta em dez faixas de uma nova linguagem, nascida na miscigenação e prestes a
se transformar em outra e outra. Por isso, o efeito mais flagrante do disco não é provocar
prazer auditivo, mas a vontade de compor junto, com todo o corpo.
Naná canta, faz os vocais, pilota a drum machine e até mesmo dedilha teclados. E é à
frente de sua orquestra sinfônica de percussão que ele expande o talento, aplicando a cada
composição um padrão rítmico que pode ir da variação constante ao minimalismo. Ele é
assessorado pelo compositor e guitarrista norte-americano Arto Lindsay em Paletó, uma
conga estilizada. Arto, com quem Naná e John Lurie compuseram a excelente trilha do filme
Down By Law de Jim Yarmush a uma série de solos espatifários de roqueiro pesado. Outra
marca da influência momentânea do trabalho de Arto sobre o de Naná está na balada Eyes and
Smiles, composta por Lindsay nos moldes de um Tom Jobim politonal e indeterminista, Naná
interpreta a música com voz grave e sem impulsos rítmicos numa enorme suspensão a cargo
da percussão.
Outros dois músicos de vanguarda, os tecladistas Peter Scherer e Calive Stevens, dão o
colorido “melódico” em faixas com futebol e Xingu Xangô. Nessa polifonia insistente de voz
e percussão, Stevens mergulha suas escalas nos vocais superpostos de Naná e na constelação
de timbres percutidos. É uma espécie de composição em que uma violenta mescla se processa
à cadência da dança. A mescla se dá entre ritmos brasileiros, caribenhos, africanos, norteamericanos e encontra o auge na animada Estrela Brilhante, em que Scherer faz a percussão
com os teclados, enquanto Naná sola a melodia com a percussão Bush Dance, a faixa-título
também mostra as mutações da aquarela rítmica de Naná, num balanço abrasileirado e
recheado de efeitos vocais.
A mais brasileira das composições é Aquela do Milton, regravação de um xaxado,
emoldurado pela drum-machine e desenhado ad nauseam pelas vozes. A melhor música do
LP é Mamãe Cadê Baleia. Nessa longa dança, Naná consegue alta eficácia pop e se aproxima
das viagens rítmicas do baterista Ginger Baker e das misturas de Nelson Mandela.
Infelizmente o disco possui momentos frágeis, todos eles por causa da voz de Naná.
Nos vocais até que ela funciona, mergulhada nas malhas da pulsação. Mas quando ela
enfrenta melodias inteiras, começam os problemas. As letras de algumas músicas de Naná,
como Mamãe Cadê Baleia e Balança Rede, são inteiramente simplórias e dispensáveis. “Pula,
canta, dança, menina/Vem cá para dançar, menina” – parece letra dos Menudos, mas pertence
a Bush Dance.
O pior momento, porém, fica mesmo para a canção Calmaria, feita em parceria com o
guitarrista Mário Toledo, uma melodia ao estilo de Milton Nascimento cuja letra parece
definir tudo: “O azul dessa saudade/É que o mar é tão calmo/Solidão”. Esqueça as letras e
experimente mostrar o disco para um amigo pop-maníaco sem dizer que é de Naná. Ele vai
certamente pensar que se trata de um africano up to date. Bush Dance é um dos grandes
trabalhos instrumentais do ano.
OESP, 12/12/2000
Naná troca NY por projeto social em Olinda
Depois de 30 anos no exterior, o compositor e instrumentista volta a morar no Brasil, para se
dedicar ao projeto Flor do Mangue, com crianças pernambucanas, e preparar um novo CD
Janaína Rocha
As 220 crianças do projeto social Flor do Mangue fizeram Naná Vasconcelos mudarse para o Brasil. Morou no exterior cerca de 30 anos. Deixou a casa em Nova York fechada e
trabalha com crianças da periferia de Olinda, dando a elas possibilidades de aprendizados,
especialmente o musical. O que não interfere na ativa e sempre singular carreira de
compositor e instrumentista. Terminou a produção do primeiro disco do grupo pernambucano
Cordel do Fogo Encantado e planeja gravar um CD utilizando idéias e recursos de DJs.
“Lancei a idéia da Flor do Mangue porque fui criança pobre e não havia tanta criança
na rua. Passei muito tempo fora do Brasil e, toda vez que volto, está pior”, disse Naná ao
Estado. Flor do Mangue existe há três anos. As 220 crianças são de quatro áreas de Olinda:
Manguinho do Rio Doce, Salgadinho, Alto da Conquista e Alto da Bondade. Têm de 6 a 12
anos. Naná enfrenta dificuldades para continuar o projeto. Só teve apoio inicial de um amigo
vereador, que o apresentou à prefeita e esta prometeu uma casa, mas nada fez. Então, Naná
alugou a casa.
Treinou dois músicos para administrar a idéia e ficou monitorando de NY. Por quê?
“Queria que continuassem com a coisa estabelecida do início, de dar opções a essas crianças,
seja de lanchar, aprender a pintar, cantar ou fabricar instrumentos. A base é a música, porque
sou músico, mas não quero formar músicos, quero ensinar respeito. A tendência disso é virar
uma outra coisa, como foi na Bahia, que é positivo, mas não quero grupos, nem de maracatu
nem olodum”, explica. “Claro que há garotos que são músicos natos e eu os ajudo. Mas há
também pintor nato e repórter nato.”
Flor do Mangue está em situação crítica. O ônibus que transporta as crianças está
quebrado. “Como continuar? É difícil”, desabafa. Mas dá um jeitinho. “É gratificante ver que
muita criança entra lá para comer e depois vê que a coisa é outra, entende que a música
disciplina, que ensina a trabalhar com coletividade. Gangues se juntam. Transforma-se
agressão em criatividade.”
Naná conta as histórias das canções para eles. “Procuro fazer músicas folclóricas.
Assim, a criança aprende sobre o Brasil por meio do folclore.” Desenvolveu essa metodologia
no projeto ABC Musical, quando começou a lidar com crianças. É uma parceria que propõe a
um governo ou uma prefeitura. Já o fez em São Paulo, no Recife e em Salvador, mas gostaria
de realizá-lo no País todo.
Naná ensina também o valor das raízes. “Nunca perdi minhas raízes e digo isso a
eles”, conta. Nessa troca, Naná comenta que se deixa influenciar pelas novas experiências. E
influencia também. Um aprendizado importante para sua carreira foi o contato com os
dançarinos de break, nos anos 80. Com eles, perdeu o medo da tecnologia e encarou a música
eletrônica, que estará presente no CD.
Um dia foi a Nova York fazer um trabalho com dança. No Bronx, conheceu garotos
que dançavam o break dance. Tocou um pouco e, “depois de uns quatro minutos, um
pirralhinho de 8 anos disse stop e que não queria dançar essa m... de jazz”. Naná foi para casa
e chorou.
No dia seguinte, comprou uma bateria eletrônica, programou ritmos brasileiros,
mostrou-os aos jovens, que estranharam os ritmos, mas curtiram a pulsação da música. Desse
trabalho resultou o CD Bush Dance. Apreciador da música eletrônica, ele quer trabalhar com
DJs. “Quero me misturar a essa garotada, que pode ou não ser daqui, e fazer algo viável, que
eu possa mostrar no palco. Quero pessoas interessantes por perto como Bid, Pupilo (Nação
Zumbi), Max de Castro e Otto, sem medo de ousar.”
Naná vai levar vanguarda nordestina ao Percpan
Defensor da música do Nordeste, músico diz que na próxima edição do festival, em 2001, vai
abrir espaço para os jovens de movimentos alternativos, como o mangue beat
Janaína Rocha
O trabalho com o Flor do Mangue tem sido uma iniciativa quase solitária de Naná
Vasconcelos. Essa parece ser sua sina também na música. “Meu trabalho é muito solitário.
Houve um tempo em que pensava que era uma mistura de solidão e individualismo. Sofro por
fazer uma coisa sem descendentes, só eu toco berimbau dessa maneira.”
Por trás da confissão há, na verdade, uma preocupação constante em despertar em
outros músicos a curiosidade de derrubar os estereótipos dos seus instrumentos, sem perder de
vista a mensagem da música. “Desejaria que outros músicos pensassem dessa maneira sobre o
instrumento: que não tem limitação. Assim como a cuíca não foi feita só para o samba,
também o berimbau não foi feito só para a capoeira”, diz Naná. “Muito da cultura que veio da
África para o Brasil já não existe mais lá, muita coisa de lá se encontrou pela primeira vez no
País, gerando outras. Vejo isso muito no Percpan. Temos essa variedade de instrumentos, que
não têm necessariamente de estar ligados a um gênero.”
A música de Naná está fora dos clichês, e das rádios. Isso não o incomoda. “Meus
discos foram lançados no exterior e nunca saem de catálogo porque são documentos, não
fazem parte de um movimento ou uma moda.” Naná credita parte de seu sucesso (ou
reconhecimento) à curiosidade e simplicidade. “Uma pessoa no exterior, que nunca viu o
instrumento, quando vai ao teatro e me vê tocando aquele pedaço de pau, uma cabaça e uma
corda, impressiona-se. Ninguém sabe o que vai sair disso, mas tem o aspecto visual, conta
uma história. Isso é gratificante porque mostro que a música pode dizer muito com coisas
simples.”
Ele não esquece a experiência do disco Saudades, que gravou na Alemanha com a
Orquestra Sinfônica de Sttutgart. “A gravação foi rápida, porque os músicos tinham a maior
curiosidade em ver o resultado.” Além disso, para Naná, a mensagem da música tem de ser
clara: “O artista precisa dizer alguma coisa. E não explicar. O ouvinte não pergunta nada.”
Naná não vê a mistura de elementos orgânicos e tecnológicos como evolução musical,
mas conceitual. Acredita também que há muita gente apertando o botão sem saber o por quê.
“Se o computador pifar, a pessoa não vai saber fazer de novo, porque ele não gerou uma
idéia”, diz. Nesse sentido, diz que o músico tem de ser capaz de tocar exatamente o que fez no
disco, entender música e saber por que a faz. Já teve de trabalhar de forma regrada, pois sua
composição pautou muitas trilhas de balé e cinema. “Essa vivência vem da prática. Só levo
para o palco o que eu posso te mostrar, onde está o início, o meio e o fim. Se posso contar
uma história sobre ela. Não vou me perder, principalmente da coisa simples.” Quando
começou a tocar com jazzistas, procurou esse caminho. “Era a maneira de encontrar um
espaço nisso, tocando simples. Fazendo o café com o pão, o arroz e feijão”, recorda. “Muitos
se perderam e tiveram de voltar para o real, tiveram de me perguntar.”
Naná não acredita no soul nacional. “Quando um cantor de soul daqui chega aos EUA,
o pessoal pensa que está imitando James Brown. Ele está mexendo com coisas de outros, a
não ser que coloque elementos nossos”, analisa. Para ele, as músicas de Chico Science
interessaram o mundo porque não comportavam comparações. “Mesmo que ele estivesse
usando fórmulas americanas, como o hip-hop e o rap, a percussão e o ritmo eram daqui. Sua
rítmica era a alma da coisa, era o chão, maracatu. Essa colagem foi uma contribuição
riquíssima.”
E a música do Cordel do Fogo Encantado, grupo que ele produziu, também tem o que
dizer. “É uma música verdadeira que o Brasil precisa ouvir com atenção. As pessoas vão
sentir falta de instrumentos convencionais, mas a força do Cordel está na poesia e na
formação percussiva, com ritmos fora dos clichês. Não tem nada a ver com o movimento
mangue. Eles estão trazendo a cultura do sertão.”
Naná quer mostrar essa força da cultura percussiva brasileira no Percpan de 2001.
“Quero esses jovens de agora, essa coisa do mangue beat e do interior. É importante mostrar o
que está acontecendo. A cena nordestina não folclórica, mas vanguardista, do tipo que
trabalha com DJ”, antecipa. “É uma realidade da música alternativa brasileira. Eu quero umas
máquinas no palco.”
Naná se diz um defensor dessa música nordestina. “Adoro estar perto deles, é uma
verdade que vem do Nordeste”, afirma. No entanto, sempre exigente, sugere que o movimento
mangue beat explore novas harmonias e varie as percussões. “Isso pode ser feito. Está tudo lá.
De certa forma, é tudo muito novo, mas acho que está em tempo de variar. Falo isso porque
adoro esses malucos.”
Jornal da Tarde, 07/8/97
Ivaldo Bertazzo e Naná Vasconcelos provam a fusão
Em ‘Palco, academia e periferia (o penhor dessa igualdade)’, que estréia hoje no Sesc
Pompéia, eles exploram contrastes entre o folclore e o experimental
A primeira parceria entre o bailarino Ivaldo Bertazzo e o percussionista Naná
Vasconcelos baseia-se na fusão Palco, Academia e Periferia (O Penhor dessa Igualdade),
espetáculo que estréia hoje, às 21h, no Sesc Pompéia, com cerca de cem pessoas em cena,
funde popular e acadêmico por princípio.
“Estamos vivendo o conflito de ter de aceitar diferenças que estão bem ao nosso lado”,
diz Bertazzo, mais uma vez interessado em orquestrar o movimento de multidões. Sobem ao
palco 15 bailarinos profissionais, 36 amadores (os chamados “cidadãos-dançantes”) e 10
músicos regidos por Nelson Ayres. Há ainda cinco grupos de crianças, vindos da periferia de
São Paulo, Campinas, Rio e Salvador (leia texto ao lado).
Do encontro de Bertazzo com Naná há um mês, também surgiu um cross over na
música e dança entre Brasil e Índia. “Quando ensino crianças, utilizo fórmulas que aprendi lá,
onde a música é desenvolvida cientificamente há milênios”, diz Naná. Ele as faz cantar em
sânscrito “sa re ga ma pa ni sa” para só depois revelar que é o do ré mi “numa das línguas
mais antigas do mundo”.
Além de tocar no espetáculo, ele ensaiou com todos os grupos. Sua função era
“lapidar” a matéria-prima. “Meu toque não é mudar a coisa que os meninos fazem, é a
estética, mostrar a importância da dinâmica, ensinar que em certo trecho é preciso ser suave
para que se possa ouvir o outro.” Deste mix de Naná Vasconcelos com as latas do bairro do
Candeal de Salvador e o maracatu da favela paulistana Monte Azul, por exemplo, nasce algo
semelhante a “colocar cuíca em um blues”, segundo o percussionista: “É preciso inserir o
maracatu, a ciranda, em um contexto novo, senão vira apresentação de folclore.”
Ivaldo Bertazzo sempre utilizou referências de etnias orientais nos movimentos de
seus balés. Casar Índia e raízes brasileiras é uma opção que já inspirou seu espetáculo
anterior, Cidadão Corpo. Agora, ele exercita o contraste entre periferia e centro. “Precisamos
perder preconceitos, fazer fusões”, acredita. “Não pretendo fazer nada além do meu setor, que
é o movimento. Convido a periferia porque eles não construíram o corpo como os que têm
mais condições econômicas. Será que para nós, da academia, construir um corpo é começar
pelo plié?”
A multidão em cena vem de uma tradição de 18 espetáculos em que desenvolveu
soluções coreográficas, segundo ele, que lidam “com a organização urbana, deslocamento de
massa”. Bertazzo diz que sua preocupação não é com o gesto de um corpo. “É com o volume,
com a arquitetura.”
Palco, Academia e Periferia inaugura uma parceria que será duradoura, prometem os
dois. Seus interesses estão em sintonia. Bertazzo quer ensinar consciência corporal em escolas
públicas. Naná Vasconcelos está criando a Fundação ABC das Artes para crianças carentes de
Salvador e, por isso, acalenta a idéia de voltar a morar no Brasil. Bertazzo queria que seus
bailarinos percutissem o corpo e Naná é um mestre nisso. “Quando você aprende com o
corpo, tem a possibilidade de nunca esquecer”, diz o músico.
Ana Carmen Foschini
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