ENTREVISTA - Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Propaganda
ENTREVISTA
Sal, hipertensão arterial
e doença cardiovascular
1. A hipertensão arterial continua a ser um problema
de saúde pública, com o número de doentes controlados a
não ultrapassar mais de metade dos doentes tratados. Isto
é referido nos estudos epidemiológicos que nos chegam
de todos os quadrantes. Quer referir a situação que se
apresenta em Portugal e as razões para esta situação?
R: As características genéticas da população portuguesa,
que resultam em parte do cruzamento dos povos da
península com populações do continente africano, permite
admitir que os portugueses sejam na sua grande maioria
sensíveis ao sal. O sal foi e é além dum condimento fácil de
obter, pela existência do Atlântico como fronteira natural
do país a Ocidente e a Sul, o conservador de muitos dos
nossos alimentos tradicionais. Provavelmente por estas
razões, Portugal é um dos países onde a Hipertensão
Arterial é de facto muito frequente e onde, (neste caso
não somos originais), a percentagem de hipertensos
controlados é baixa.
Nos estudos conhecidos, na população adulta,
49,5% dos homens e 38,5% das mulheres de Portugal
são hipertensos, e se considerarmos a prevalência de
hipertensão arterial na população com idade superior a 55
anos, a percentagem de hipertensos sobe para 67,5 %.
Embora cerca de 40% dos hipertensos diagnosticados
estejam sob terapêutica anti-hipertensiva, nos adultos
não idosos só 11% estão controlados e nos idosos a percentagem de doentes controlados, embora sendo mais
alta, 27,4%, confirma a baixa eficácia do tratamento
farmacológico
João Gorjão Clara
Director do Serviço de Medicina Interna IV do Centro
Hospitalar de Lisboa Norte.
Professor da Faculdade de Ciências Médicas da UNL
Chefe de Serviço de Medicina Interna com o perfil
de Geriatria.
Assistente Graduado (Consultor) de Cardiologia.
Coordenador do Grupo de Estudo de Cardiologia.
Geriátrica da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.
Coordenador do Grupo de Estudo e Tratamento
do Doente Idoso.
Member of the European Academy for Medicine
of Ageing.
Member of the Section Board- Geriatric Medicine
of the European Union of Medical Specialists (UEMS).
Fellow of the European Union Geriatric Medicine Society
Especialista Europeu de Hipertensão.
2. Uma razão que vem sendo apontada para a
dificuldade que temos em controlar a pressão arterial na
comunidade, e que leva a uma elevada prevalência do
acidente vascular cerebral entre nós, é o elevado consumo
de sal pela população. Considera que esta é, na realidade,
uma questão central no controlo da pressão arterial?
R: Usar o saleiro à mesa,”abusar do sal” é um vício
cultural dos portugueses. O nosso consumo médio diário
8
Revista Factores de Risco, Nº10 JUL-SET 2008 Pág. 08-10
Inquéritos vários têm mostrado que os médicos se
esquecem de aconselhar aos doentes coisas úteis e
simples como: não fume, faça exercício, reduza a ingestão
de sal.
Acredito que a intervenção mediática de organizações
como por exemplo o Instituto Nacional de Cardiologia
Preventiva, artigos, palestras e revistas como esta, vão
contribuindo para que se implantem hábitos de vida
saudável neste grupo etário.
de sal é de cerca de 12 gramas, o que ultrapassa os
mecanismos de regulação e homeostasia da pressão
arterial, para mais numa população, em que, como referi
atrás, deve existir uma grande percentagem de indivíduos
sensíveis ao sal.
O estudo não existe na população idosa, mas é provável
que ingerindo sal em excesso na idade adulta o consumo
aumente ao envelhecer, pois a sensação de salgado
atenua-se no velho, que precisa de maior quantidade
de sal para sentir o mesmo “gosto apetitoso” a que se
habituou.
“Usar o saleiro à mesa,”abusar do sal” é um vício cultural
dos portugueses. O nosso consumo médio diário de sal é de cerca
de 12 gramas, o que ultrapassa os mecanismos de regulação
e homeostasia da pressão arterial…”
4. Os alimentos industrialmente preparados são
apontados como uma das razões para o excesso de sal
na nossa alimentação. A ser assim, deixamos de ter um
problema médico para ter um problema de legislação
sobre saúde pública e essencialmente de sensibilização da
indústria alimentar? Como lidar com este problema?
Reduzir a ingestão de sal é seguramente uma medida
que se impõe a que se somarão outras recomendações
importantes como a prática de exercício físico e o controlo
do peso. É útil recordar que existe uma relação linear entre
o peso e os valores da pressão arterial e que perder 4
quilos permite muitas vezes, sem prejuízo para o controlo
da hipertensão, retirar um fármaco anti-hipertensor à
prescrição terapêutica. Penso que o difícil controlo da
hipertensão é multifactorial, mas o sal tem seguramente
um papel importante nessa realidade.
R: É de facto um verdadeiro problema de falta de
legislação. Tanto quanto sei em Inglaterra, o assunto
tem sido objecto de preocupação no sentido de reduzir
o conteúdo em sal nos alimentos de consumo habitual.
Impõem-se medidas semelhantes entre nós.
Por exemplo, um dos alimentos base da alimentação
dos idosos é o pão. No vulgar papa-seco existem cerca
de 2 gramas de sal. Percebe-se como é fácil ingerir a
média de 12 gramas de sal por dia e como é difícil, sem
legislação, conseguir uma alimentação com pouco sal,
que não ultrapasse os 6 gramas por dia, referidos como
quantidade aceitável.
3. O problema da hipertensão no idoso está também
ligado ao elevado consumo de sal? Será que estamos a
ser eficazes na promoção da saúde cardiovascular do idoso
e na implementação de hábitos de vida saudável neste
grupo etário?
R: Como respondi anteriormente, o idoso terá condições
para salgar mais os alimentos do que o adulto jovem, e é
difícil mudar de hábitos quando se envelhece. Acresce que
nós médicos preocupamo-nos muito mais em diagnosticar
e tratar as doenças, do que em ensinar e recomendar
normas de conduta que reduzam a importância ou mesmo
prevalência das doenças e aumentem a eficácia da
terapêutica farmacológica.
5. Outra das causas apontadas para o difícil controlo
da hipertensão arterial no idoso é a má aderência
quer às alterações do estilo de vida quer à terapêutica
farmacológica. Quer-nos dar a sua perspectiva sobre este
problema e como o podemos contrariar?
9
Sal, hipertensão arterial e doença cardiovascular
A má aderência à terapêutica, tem nos idosos a sua
primeira causa no encargo económico que representa a
compra dos fármacos, habitualmente de muitos fármacos,
porque, como sabemos, os idosos hipertensos têm
concomitantemente outras patologias.
O nosso Grupo verificou em 2000, numa população
da Consulta de Hipertensão do Idoso, que o encargo com
os medicamentos anti-hipertensivos podia chegar aos 4
mil escudos por dia, que a medicação total podia atingir
9 mil escudos diários, que eram 5 os diferentes grupos
farmacológicos que os idosos hipertensos tomavam, sendo
7 a média de comprimidos ingeridos por dia. Apesar disto,
86% dessa população de idosos hipertensos cumpria a
medicação anti-hipertensiva.
Dos 14% não aderentes, 20% tinham perturbações
da memória ou não tinham entendido a importância de
cumprir a medicação com rigor, 30% interromperam a
terapêutica devido a acções acessórias dos fármacos e 50%
não cumpriam a medicação devido ao encargo económico
que representava a sua aquisição.
Penso que esta amostra é particular pois trata-se de
uma população seguida em consulta especializada, mas
demonstra que é possível, com intervenção apropriada,
obter altos graus de aderência à terapêutica por parte dos
idosos hipertensos.
“Reduzir a ingestão de sal
é seguramente uma medida
que se impõe a que se
somarão outras recomendações
importantes como a prática
de exercício físico e o controlo
do peso.”
R: A má aderência à terapêutica anti-hipertensiva tem
sido a meu ver excessivamente empolada como causa
do nosso fracasso no controlo da hipertensaõ arterial
e refiro-me, como está no enunciado da pergunta, ao
idoso hipertenso. É evidente que existe alguma falta de
aderência, mas no caso do idoso ela é menor do que nos
doentes não idosos.
Em relação as alterações ao estilo de vida pecamos,
como referi, porque nos esquecemos de as recomendar
aos nossos doentes. Também perdemos pouco tempo
a explicar como actuam os fármacos, como devem ser
tomados e porque é importante que seja cumprida a
medicação. Nem sempre entregamos ao doente um claro
guia terapêutico, para que ele saiba como cumprir a tempo
e horas a medicação.
10
Download