o câmbio e suas influências na economia

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Número 24 Maio 2006
NOTA TÉCNICA
O CÂMBIO E SUAS INFLUÊNCIAS NA
ECONOMIA
O câmbio e suas influências na economia
Introdução
O câmbio é a relação da moeda nacional com a moeda estrangeira. É a razão de
troca de uma moeda por outra. Estabelece, por exemplo, que para se comprar US$ 1,00 são
necessários R$ 2,15. Ou seja, significa que a taxa nominal de câmbio do real para o dólar
norte-americano é de 2,15 para 1,00.
A leitura pode ser feita de outra forma, isto é, da quantidade de dólares necessários
para se adquirir R$ 1,00. Basta dividir US$ 1,00 por R$ 2,15 (1,00 ÷ 2,15). O cálculo
mostra que são necessários US$ 0,46 (quarenta e seis centavos de dólar) para se comprar
R$ 1,00. A primeira forma de apresentação, R$ 2,15 x US$ 1,00, é a mais utilizada.
Flutuações Cambiais
Apreciação (ou valorização) cambial
Ocorre quando o R$ aumenta seu valor em relação ao US$1 . Se, de R$ 2,15 x US$
1,00 a taxa mudar para R$ 2,10 x US$ 1,00, houve uma valorização do real ou, de modo
equivalente, uma desvalorização do dólar em relação ao real. Neste caso, diz-se que o
“dólar caiu”.
Depreciação (ou desvalorização) cambial
Acontece quando o R$ reduz seu valor em relação ao US$. Se, de R$ 2,15 x US$
1,00 a taxa se alterar para R$ 2,20 x US$ 1,00, houve uma desvalorização do real frente ao
dólar, ou uma valorização do dólar em relação ao real. Costuma se dizer, agora, que o
“dólar subiu”.
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Conseqüência das Flutuações Cambiais nas Contas Externas
A valorização cambial torna as importações mais baratas. São necessários menos
reais para adquirir os dólares com os quais se compram os produtos estrangeiros. A
demanda por produtos importados aumenta na medida em que estes ficam mais baratos em
reais. As viagens de férias para Florianópolis ou Garanhuns podem ser substituídas por
viagens internacionais.
Se a valorização cambial deixa as importações mais baratas, as exportações ficam
mais caras. Os preços dos produtos nacionais tornam-se mais caros em dólar. Os
importadores desembolsarão mais dólares para adquirir produtos brasileiros. Podem, e
normalmente o fazem, procurar outros lugares para comprar. Há, então, uma perda de
competitividade das exportações devido à valorização cambial.
Portanto, a valorização cambial incentiva as importações e prejudica as
exportações, enquanto a desvalorização cambial provoca comportamento oposto.
Se o país passa a importar mais que exporta, deverá gerar, ao fim de algum tempo,
um déficit comercial. Este déficit deverá ser coberto para que as contas externas do país,
descritas no Balanço de Pagamentos, sejam fechadas, à semelhança do balanço de uma
empresa.
O financiamento do déficit pode ser feito por meio de utilização de reservas
cambiais (se disponíveis), empréstimos junto aos bancos privados internacionais,
investimentos externos diretos (de risco) ou investimentos em port fólio: no mercado
financeiro (títulos públicos ou privados) e de capitais (ações na bolsa de valores),
geralmente especulativos e de curto prazo. Outra possibilidade é vender ativos públicos,
caso das privatizações ocorridas na década de 1980 e 1990.
Quando tais fontes de financiamento são insuficientes para saldar os compromissos,
geralmente os governos lançam mão de empréstimos junto ao Fundo Monetário
Internacional (FMI), constituído justamente para atender a essas emergências. Recorrer ao
FMI significa submeter-se a certas medidas que, via de regra, levam a economia à recessão.
É importante observar, no entanto, que em um regime de taxas de câmbio flutuante,
no qual o mercado é que estabelece a relação entre as moedas (como é o brasileiro), o
déficit comercial não deve ocorrer. Com o câmbio flutuante, a tendência é de um
“equilíbrio automático” da Balança Comercial.
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Estamos usando o US$ como referência. Os conceitos, no entanto, valem para todas as moedas.
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Se o dólar se desvaloriza (vale dizer, o real se valoriza), as importações aumentam e
as exportações diminuem. Com o crescimento das importações, a demanda por dólares
aumenta. De outro lado, o decréscimo das exportações reduz a oferta de dólares no
mercado. O resultado desses dois movimentos contrários, é o aumento da cotação (do
câmbio) do dólar, tornado-o mais caro, reduzindo, dessa forma, a demanda por produtos
importados, reconduzindo o câmbio ao equilíbrio.
Na hipótese de uma valorização do dólar (uma desvalorização do real), caem as
importações e aumentam as exportações. Com a redução das importações, a demanda por
dólares cai. O aumento das exportações, por sua vez, aumenta sua oferta. Novamente os
dois movimentos – oferta e demanda de dólares – atuam. Neste caso, levarão a uma
redução na cotação (o preço, o câmbio) do dólar, levando a um aumento de sua demanda e
de produtos importados. A taxa de câmbio de equilíbrio é novamente estabelecida.
Taxa de Câmbio e o Plano Real
Da implantação do Plano Real (julho de 1994) até janeiro de 1999, vigorou no
Brasil a taxa de câmbio fixa (ou administrada). Neste regime cambial, a taxa de câmbio
não é estabelecida no mercado de divisas. O governo impõe à sociedade a taxa de câmbio
que, segundo os objetivos de sua política econômica, é a mais adequada para o país.
Nesta situação, a taxa adotada pode estar valorizada ou desvalorizada. No caso
particular do Plano Real, as autoridades monetárias fixaram uma taxa de câmbio valorizada.
Estabeleceu-se uma paridade cambial de R$ 1,00 x US$ 1,00. Com isso, as exportações se
reduziram fortemente e as importações cresceram de forma rápida e consistente. Um dos
resultados dessa política cambial, entre outros, foi o acumulo de déficits comerciais
(déficits na Balança Comercial).
O déficit era financiado pelos mecanismos comumente utilizados, e já mencionados:
entrada de recursos externos (diretos ou especulativos); utilização de reservas e venda de
empresas estatais. A entrada desses recursos garantia o equilíbrio geral do Balanço de
Pagamentos.
Os capitais externos, no entanto, só entram no país buscando sua valorização, em
busca de ganho, de lucros. No futuro (curto, médio ou longo prazos), esses lucros serão
apropriados pelos investidores. Deverão, em parte ou totalmente, ser enviados para o
exterior, de onde vieram.
Se empréstimos foram contraídos, deverão pagar juros e amortizações. Os
investimentos em produção (investimentos diretos) produzirão lucros que serão remetidos
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às matrizes das empresas, localizadas no exterior. Idem para as aplicações em port fólio ou
títulos vendidos pelo governo e/ou empresas brasileiras, no exterior, que, a exemplo das
demais situações, pagarão juros e dividendos. Mesmo as reservas internacionais,
eventualmente utilizadas para financiar o déficit externo, deverão ser recompostas. As
empresas estatais privatizadas, agora de propriedade de empresas estrangeiras, remeterão
parte de seus lucros para o exterior.
Com exceção da recomposição de reservas2, todas as outras operações implicam
saídas de recursos do país. As saídas, no entanto, são em dólares (ou qualquer outra moeda
conversível. O euro, por exemplo). Esses dólares e/ou euros devem ser gerados pelo país.
De que forma? Com a obtenção de superávits comerciais; com a contratação de novos
empréstimos para saldar os anteriores (“rolar a dívida”) ou recebendo investimentos diretos.
Essas são as possibilidades normais ou mais usuais de conduzir o Balanço de Pagamentos
ao equilíbrio.
O mecanismo mais utilizado para atrair capitais externos, no início do Plano Real,
foi o aumento extraordinário das taxas de juros. Os juros elevados atraiam capitais
especulativos (voláteis), que vinham para o país em busca de ganhos altos e rápidos, sem
qualquer outro compromisso. Esses capitais, na medida em que financiavam o déficit
externo, também proviam um nível de reservas cambiais suficiente para sustentar a baixa
cotação do dólar, garantindo o mecanismo de estabilização conhecido como “âncora
cambial”.
Câmbio: Investimentos e Salários
Câmbio e investimentos
Um outro componente importante a ser considerado é o grau de “volatilidade da
taxa de câmbio”.3 Uma empresa que deseja investir no país, abrir uma fábrica, um
supermercado, uma empresa de telecomunicações etc., estará interessada em saber qual será
o retorno do capital investido. Se a receita dessa multinacional for gerada somente dentro
do país, isto é, em reais, a estabilidade cambial é crucial para essa decisão.
Pode-se considerar, a título de exemplo, que determinada empresa produza e venda
seu produto a R$ 10,00 a unidade, e que a taxa de câmbio seja de R$ 2,20 x US$ 1,00. A
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Na realidade, a recomposição de reservas significa a utilização de poupança, em moeda forte, acumulada em
períodos anteriores em que, provavelmente, houve superávit na Balança Comercial.
3
Em um regime de taxas flutuantes, o câmbio está sujeito a oscilações de diferentes amplitudes e freqüências.
A volatilidade do câmbio está associada a oscilações freqüentes e inesperadas da taxa de câmbio, provocando
incertezas que prejudicam a estabilidade do mercado.
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receita, em dólares, por unidade vendida desse produto será de US$ 4,54 (10,00 ÷ 2,20).
Suponha agora, que houve uma desvalorização cambial de 12,5%, de R$ 2,20, o dólar
passou a valer R$2,474. O preço do produto, em reais, continua o mesmo, mas, em dólares,
esse preço passou para US$ 4,04 (10,00 ÷ 2,47), 11% menor. Se nada mais se alterou na
formação de preço do produto, o lucro da empresa em dólares deverá, igualmente, cair
11%.
Claro que essa “volatilidade” não vai sempre na mesma direção. No instante
seguinte, a taxa de câmbio pode se valorizar, o que provocaria um resultado oposto, isto é,
um aumento nos lucros da empresa.
De qualquer forma, as empresas não gostam dessas variações. Elas preferem operar
com maior estabilidade e previsibilidade. Em outras palavras, em um regime de taxas
flutuantes, melhor seria a estabilidade do câmbio.
A proteção (hedge, como dizem os economistas) das empresas de serviços públicos
que foram privatizadas, a telefonia, por exemplo, é a inserção, nos contratos (aqueles de
privatização), da correção das tarifas pelo IGP-M. Composto por 60% dos preços por
atacado, que sofrem grande influência do câmbio, o IGP-M repassa as variações cambiais
para o preço das tarifas, o que sustenta a receita em dólares dessas concessionárias.
Câmbio e salários
A valorização cambial, por outro lado, aumenta os salários quando medidos em
dólares. O poder de compra do assalariado, em dólares, eleva-se. A relação salário/câmbio
é favorável aos trabalhadores assalariados. O salário mínimo de R$ 350,00 equivale, em
dólares, pelo câmbio atual (04.05.2006), a aproximadamente US$ 169,00. Se a taxa de
câmbio estivesse em US$ 1,00 x R$ 3,00, o salário mínimo, em dólares, seria de US$
116,00.
Com a valorização do câmbio, os insumos e bens intermediários importados, que
entram na composição de diversos produtos, tornam-se mais baratos em reais. Isso se
reflete na variação do IGP-M, que se reduz. Para se ter uma idéia, a variação do IGP-M
passou de 12,41%, em 2004, para 1,21%, em 2005. Isso devido à valorização cambial.
Com isso, os contratos de locação de imóveis (aluguel) que, via de regra, são
indexados ao IGP-M e os produtos com insumos importados, sofrem reajustes reduzidos.
Nesse sentido, o câmbio valorizado ajuda a manter baixos os índices de inflação,
contribuindo para preservar o poder de compra dos salários.
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12,5% é só um número para ilustrar o exemplo.
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Assim, na medida em que os salários se beneficiam com a valorização cambial,
tornando mais acessíveis as importações, os aluguéis e produtos que utilizam matériasprimas importadas, qualquer medida na direção da desvalorização cambial poderia soar
como arrocho salarial. Visto sob este ponto de vista restrito, sim. No entanto, o câmbio
valorizado, associado às altas taxas de juros e à elevada carga tributária, reduz a
competitividade de muitos setores da indústria, diminuindo sua rentabilidade, tendo como
conseqüência, o desemprego.
Câmbio e Dívida Pública
Parcela da dívida pública é indexada ao câmbio. Isto é, o correspondente em reais
da dívida aumenta ou diminui de acordo com a variação do câmbio. Como a dívida pública
é referida em reais, quando o dólar se valoriza, a parte da dívida indexada à variação
cambial aumenta, aumentando a dívida como um todo.
Por outro lado, quando o dólar se desvaloriza, essa parcela da dívida fica menor em
reais, reduzindo, igualmente, o valor total da dívida. Assim, o câmbio valorizado ajuda a
melhorar a relação dívida/PIB, um dos indicadores de solvência do país. E é graças,
principalmente, à valorização do real que essa relação encontra-se hoje em torno de 51,7%
do PIB.
A valorização cambial facilitou o equacionamento da parcela da dívida pública
indexada ao dólar. “Em dezembro de 2000, 22,3% dos títulos públicos eram indexados pelo
câmbio, percentual esse que diminuiu para 5,2% em dezembro de 2004 e para 3,1% em
outubro de 2005.5” Em março de 2006, a dívida externa líquida, em proporção do PIB, era
de 1,08%.
Capacidade de Crescimento e Indicadores Macroeconômicos
“Um país é julgado por cinco indicadores internos e externos, que dão uma visão
da sua capacidade de crescimento e, portanto, das oportunidades que oferece internamente
para os investidores produtivos e para a ampliação do nível de emprego, e dão ao mundo o
grau de segurança de sua solvência”.6 Os cinco indicadores:
5
6
DIEESE, Nota técnica 14
Delfim Netto. Valor Econômico, São Paulo, 31 maio de 2005
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Indicadores internos
1.
Crescimento do PIB que mantenha baixo o desemprego;
2. Taxa de inflação moderada, preferencialmente abaixo de dois dígitos;
Indicador misto (interno e externo)
3.
Relação Dívida Líquida do Setor Público/PIB em torno de 30% (depende, também,
da história do país, seu comportamento secular);
Indicadores externos
4. Dívida Externa Líquida vs Exportações anuais de bens e serviços;
5. Valor das amortizações das dívidas já feitas somado aos juros para servi-las vs as
exportações anuais de bens e serviços.
O câmbio interfere, assim, no comportamento de todos esses indicadores. Trata-se,
portanto, de variável fundamental para se entender o comportamento da economia.
Bibliografia
ABREU, M. P. (Org.). A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana
1889-1989. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
DIEESE. Dez perguntas e respostas para entender a dívida pública brasileira. São Paulo,
fev. 2006. (Nota Técnica, 14).
DORNBUSCH, R; FISHER, S. Macroeconomia. 5. ed. São Paulo: Makron Books, 1991.
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Campus, 2000.
FILGUEIRAS, L. História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2000.
O VALOR ECONÔMICO, São Paulo, várias edições.
PAULANI, L. M; BRAGA, M. B. A nova contabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2000.
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DIEESE
Direção Executiva
Carlos Andreu Ortiz – Presidente
STI. Metalúrgicas de São Paulo
João Vicente Silva Cayres – Vice-presidente
Sind. Metalúrgicos do ABC
Antonio Sabóia B. Junior – Secretário
SEE. Bancários de São Paulo
Carlos Eli Scopim – Diretor
STI. Metalúrgicas de Osasco
Alberto Soares da Silva – Diretor
STI. Energia Elétrica de Campinas
Zenaide Honório – Diretora
APEOESP
Pedro Celso Rosa – Diretor
STI. Metalúrgicas de Curitiba
Paulo de Tarso G. B. Costa – Diretor
Sind. Energia Elétrica da Bahia
Levi da Hora – Diretor
STI. Energia Elétrica de São Paulo
Carlos Donizeti França de Oliveira – Diretor
Femaco – FE em Asseio e Conservação
do Estado de São Paulo
Mara Luzia Feltes – Diretora
SEE. Assessoria Perícias e Porto Alegre
Célio Ferreira Malta – Diretor
STI. Metalúrgicas de Guarulhos
Eduardo Alves Pacheco – Diretor
CNTT/CUT
Direção técnica
Clemente Ganz Lúcio – diretor técnico
Ademir Figueiredo – coordenador de desenvolvimento e estudos
Nelson Karam – coordenador de relações sindicais
Equipe técnica
Airton Gustavo dos Santos
Cornélia Nogueira Porto
Patrícia Lino Costa
Iara Heger (revisão)
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