Paralisia de C5 Pós-Descompressão Medular Cervical: Relato de

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Paralisia de C5 Pós-Descompressão Medular Cervical:
Relato de Caso
Post Cervical Medullary Decompression C5 Palsy: Case Report
Ricardo Lubini1
Antônio Delacy Martini Vial1
Eduardo Schuch1
Guilherme Gago da Silva1
Fernando Antonio de Oliveira Costa2
Othello Moreira Fabião Neto3
Carlo Domenico Marrone4
RESUMO
A paralisia de C5 é uma conhecida complicação de cirurgia de descompressão medular cervical devido à mielopatia espondilótica
crônica, que pode ser definida como déficit motor do deltóide e/ou do bíceps braquial, déficit sensitivo no território de C5, ou
aumento da dor no território de C5 comparado ao status pré-operatório. Apresentamos um relato de caso de um paciente com
mielopatia espondilótica cervical que foi submetido à laminectomia dos níveis C4 a C6 e evoluiu com paralisia de C5, obtendo
melhora muito significativa em aproximadamente um ano. A incidência de paralisia de C5 pós-operatória pode variar de 0 a
30%, conforme a literatura. A fisiopatologia da paralisia pós-operatória de C5 ainda não é bem compreendida. Os pacientes
geralmente têm bom prognóstico. A recuperação é espontânea, o que justifica o emprego de tratamento conservador. Há estudos
comparando diferentes técnicas empregadas para descompressão medular cervical quanto à recuperação neurológica e a
ocorrência de paralisia pós-operatória de C5, bem como avaliando o valor preditivo de monitoração neurofisiológica.
Palavras-chave: Medula espinhal, Paralisia, C5
ABSTRACT
The paralysis of C5 is a known complication of cervical spinal decompression surgery due to chronic spondylotic myelopathy,
which can be defined as deltoid and / or biceps motor deficit, sensory deficit in C5 territory, or increased pain in the territory
of C5 compared to preoperative status. We report a case of a patient with cervical spondylotic myelopathy who underwent
laminectomy of C4 to C6 levels, and developed C5 palsy, obtaining very significant improvement in about 1 year. The incidence of
postoperative C5 palsy can range from 0 to 30%, according to the literature. The pathophysiology of postoperative C5 palsy is not
well understood. Patients usually have a good prognosis. Recovery is spontaneous, what justifies the employment of conservative
treatment. There are studies comparing different techniques used for cervical spinal decompression, for neurological recovery
and occurrence of postoperative C5 palsy, as well as assessing the predictive value of neurophysiological monitoring.
Key words: Spinal cord, Paralysis, C5
I ntrodução
A paralisia de C5 é uma conhecida complicação de cirurgia
de descompressão medular cervical devido à mielopatia
espondilótica crônica, que pode ser definida como déficit
motor do deltóide e/ou do bíceps braquial, déficit sensitivo
no território de C5, ou aumento da dor no território de
C5 comparado ao status pré-operatório8. Embora sua
fisiopatologia ainda não tenha sido elucidada, provavelmente
é complexa e multifatorial7. Apresentamos um relato de caso
de um paciente que apresentou paralisia de C5 após realização
de laminectomia, bem como revisão de literatura a respeito da
fisiopatologia, incidência, diferença na incidência de acordo
com as técnicas cirúrgicas empregadas para descompressão
medular.
R elato de Caso
Paciente do sexo masculino, 69 anos de idade, procurou
atendimento médico devido a dores em queimação na região
dorsal, que iniciaram de forma insidiosa há cerca de três anos.
Acadêmico, Faculdade de Medicina, Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
Neurocirurgião, PhD em Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo, Professor adjunto da Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil
3
Neurocirurgião, mestre em neurocirurgia pela Universidade Federal de São Paulo, Hospital Universitário São Francisco de Paula, Pelotas, RS, Brasil.
4
Neurofisiologista, Clínica Marrone, Porto Alegre, RS, Brasil.
1
2
Received Jul 15, 2015. Accepted Aug 25, 2015
Lubini R, Vial ADM, Schuch E, Silva GG, Costa FAO, Fabião Neto OM, Marrone CD. - Paralisia de C5 PósDescompressão Medular Cervical: relato de caso
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As dores irradiavam para membros superiores, acompanhadas
de parestesias em ambas as mãos, perda de capacidade para
movimentos finos, diminuição de força muscular e dificuldade
para deambular. Não houve alterações quanto ao controle
esfincteriano. Apresentava piora da dor aos esforços físicos
e quando permanecia em decúbito dorsal, motivo pelo qual o
paciente adquiriu o hábito de dormir recostado em poltrona.
Foi constatada força muscular grau 3, de acordo com a
escala modificado do Medical Research Council (mMRC),
hiperreflexia profunda sem clônus nos membros inferiores,
sem outros sinais de liberação piramidal. Foi levantada a
hipótese diagnóstica de mielopatia espondilótica cervical,
confirmada por exame de Ressonância Magnética (RM), que
evidenciou alterações isquêmicas medulares nos níveis C5 e C6,
espondilolistese grau I no nível C5-C6, sinais de calcificação
do ligamento longitudinal posterior de C4 a C6, calcificação do
ligamento amarelo em vários níveis, sendo mais importante em
C5-C6 (Figura 1), além de complexo disco-barra osteofitária
projetando-se para o interior do canal medular nos níveis C4 a
C6 (Figuras 2 e 3). A eletroneuromiografia evidenciou sinais de
radiculopatia crônica em C5, C6 e C7 bilateralmente, e de C8
e T1 à esquerda. Foi aplicado o escore modificado da Japanese
Orthopedic Association (mJOA), obtendo-se 10 pontos.
Devido ao quadro clínico do paciente e às alterações no exame
de RM, foi indicado tratamento cirúrgico por laminectomia
cervical posterior. A via posterior foi escolhida pelo reduzido
comprimento vertical do pescoço, obesidade, calcificações
do ligamento longitudinal posterior e do ligamento amarelo,
e receio de aumentar a isquemia medular já existente ao se
realizar extensão cervical, manobra necessária para realização
do procedimento por via anterior. Foi obtida liberação da medula
cervical nos níveis C4 a C6, sendo ampla a liberação da medula
espinhal e das raízes. Durante o procedimento, o paciente foi
monitorado com potenciais evocados transcranianos, potencial
evocado somatosensitivo, eletromiografia livre e potencial
evocado motor.
orientado a realizar fisioterapia. Seis meses após, foi orientado
a realizar musculação, recuperando o déficit e a mobilidade
após cerca de um ano, evoluindo para força grau 4 (mMRC)
no músculo deltóide e bíceps braquial, e 16 pontos no escore
mJOA. No último follow-up desempenhava normalmente suas
atividades diárias, tendo voltado a dormir em decúbito dorsal
sem sentir dor.
Figura 1. RM de coluna cervical ponderada em T2, plano sagital, demonstrando
sinais de alterações isquêmicas na medula espinhal cervical. Em todas as imagens
observa-se sinais de importante calcificação do ligamento longitudinal posterior
nos níveis de C4 a C6, e do ligamento o amarelo em C5-C6.
A monitorização neurofisiológica evidenciou redução da
amplitude em mais de 50% no bíceps braquial direito após
a laminectomia, que persistiu até o final da monitorização
intraoperatória,
caracterizando
comprometimento
predominante de C5 à direita. Ao despertar, o paciente
apresentava dor intensa na cintura escapular e déficit motor
no músculo deltóide e bíceps braquial, força grau 1 (mMRC),
sendo constatada paralisia pós operatória de C5. O paciente foi
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motor do deltóide e/ou do bíceps braquial, déficit sensitivo
no território de C5, ou aumento da dor no território de C5
comparado ao status pré-operatório8. Sua incidência pode
variar de 0 a 30%, conforme a literatura8, 11. Tipicamente é
unilateral, mas pode ser bilateral em 5 a 7% dos casos8, 11. O
início pode ocorrer imediatamente após a cirurgia ou em até
dois meses8, 11.
Entre os fatores de risco, se encontram idade avançada, sexo
masculino, mielopatia pré-operatória severa, estenose de forame
intervertebral C4-C5, ossificação do ligamento longitudinal
posterior e maior número de níveis descomprimidos. Destes,
sexo masculino e maior número de níveis descomprimidos são
estatisticamente significativos5, 8.
Figuras 2 e 3. RM de coluna cervical ponderada em T1, planos sagital e axial,
evidenciando complexo disco-barra ostefitária projetando-se para o interior do
canal medular, principalmente nos níveis C4-C5 e C5-C6, espondilolistese grau
I entre C5-C6 no sagital, e redução significativa do diâmetro do canal medular no
corte axial.
Discussão
A paralisia de C5 é uma conhecida complicação de cirurgia
de descompressão medular cervical devido à mielopatia
espondilótica crônica, que pode ser definida como déficit
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A fisiopatologia da paralisia pós-operatória (PO) de C5 ainda
não é bem compreendida. A migração posterior da medula
espinhal cervical após descompressão é uma das principais
hipóteses1-11. Esta hipótese foi sustentada pelos achados
obtidos por Sounders et al., que obteve redução significativa
de radiculopatia C5 – de 14,6 % para 2,5% – diminuindo a
extensão da corpectomia central de 20 para 15 milímetros2.
Anatomicamente, o nervo C5 é curto e mais horizontalizado em
relação aos outros nervos espinhais cervicais, além de ocupar a
posição mais superior entre os nervos que constituem o plexo
braquial, o que o torna mais propenso à tração após migração
posterior da medula, após cirurgia de descompressão posterior2,
3, 4, 7, 8, 11
. Todavia, uma vez que a paralisia PO de C5 também
pode ocorrer após descompressão anterior, outras hipóteses
também são sugeridas. Uma delas é a de neurite braquial após
cirurgia, onde a lesão ocasionada pelo ato cirúrgico seria um
“gatilho” para a reativação de uma infecção latente, hipótese
paralela à de paralisia facial periférica após craniotomia, na
qual é especulada uma reativação do vírus herpes simples7.
Outros exemplos: injúria térmica devido à termocoagulação
com cautério bipolar ou monopolar; isquemia de tecido nervoso
pela cauterização de pequenos vasos sanguíneos; reperfusão
local após descompressão vascular, que seria uma causa de
injúria adicional à substância cinzenta da medula espinhal;
resíduo lateral de ligamento longitudinal posterior ossificado;
ossificação e adesão ligamentar no trajeto do nervo C52, 5, 7, 11.
Os pacientes geralmente têm bom prognóstico.
Aproximadamente 70% apresenta recuperação completa em
4 a 5 meses11; há relatos de pacientes em que a recuperação
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demorou até 2 anos8. Pode haver dor residual em cerca de
20% dos casos11. A recuperação é espontânea, o que justifica o
emprego de tratamento conservador1-11.
Há estudos comparando diferentes técnicas empregadas
para descompressão medular cervical quanto à recuperação
neurológica e a ocorrência de paralisia PO de C5, assim como
avaliando o valor preditivo de monitoração neurofisiológica.
No estudo retrospectivo conduzido por Nassr et al.8 foram
acompanhados 630 pacientes observando incidência de
6,7%; corpectomia anterior foi realizada em 255 pacientes,
corpectomia anterior com fusão posterior foi realizada em 154
pacientes, laminectomia com fusão em 116, e laminoplastia em
105. A maior incidência de paralisia PO de C5 foi observada
no grupo submetido à laminectomia com fusão (9,5%), seguida
de corpectomia anterior com fusão posterior (8,4%), seguida
de corpectomia (5,1%), e laminoplastia com 4,8%; todavia,
sem significância estatística (p=0,28). Também não houve
significância estatística no número de pacientes com déficit
residual baseado no tipo de cirurgia.
Spitz et al.9, em estudo retrospectivo, evidenciaram incidência
de paralisia PO de C5 de apenas 0,8%. Foram incluídos 600
pacientes, com sintomas de mielopatia e/ou radiculopatia, com
evidência de compressão medular e/ou radicular. Em todos os
casos, não foram observadas alterações durante a monitoração
neurofisiológica que pudessem sugerir injúria medular ou
radicular, secundárias à manipulação cirúrgica, demonstrando
que potenciais evocados motores, potenciais evocados
somatossensoriais e eletromiografia não são técnicas de
monitoração sensíveis o bastante para avaliar risco de paralisia
de C5 no transoperatório, secundária à manipulação cirúrgica.
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Conclusão
Nesse contexto, pode-se dizer que a paralisia de C5 após cirurgia
de descompressão medular cervical é uma complicação rara
cuja fisiopatologia ainda não foi elucidada, e que a diferença
de ocorrência com as técnicas empregadas possivelmente
depende da área de alargamento do canal medular obtida, com
base na hipótese de migração medular. Não há dados suficientes
que possam sugerir superioridade entre uma técnica ou outra
quanto à melhora de déficits neurológicos ou ocorrência de
paralisia PO de C5.
Lubini R, Vial ADM, Schuch E, Silva GG, Costa FAO, Fabião Neto OM, Marrone CD. - Paralisia de C5 Pós-Descompressão Medular Cervical: relato de caso
Corresponding Author
Ricardo Lubini
Faculdade de Medicina
Universidade Católica de Pelotas
Pelotas, RS, Brasil
E-mail: [email protected]
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