- Academia Brasileira de Neurocirurgia

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Relato de caso
Sindrome de Eagle simulando neuralgia occipital: Relato de
Caso e Revisão de Literatura
Eagle Syndrome simulating occipital neuralgia: case report and literature review
Antônio Carlos Moreira Albuquerque1
Francis Balduíno Guimarães Santos2
Ramon Guerra Barbosa3
Matheus Felipe Borges Lopes3
Isabella Drumond Figueiredo4
RESUMO
ABSTRACT
A Síndrome de Eagle caracteriza-se por sinais e sintomas
faríngeos e cervicais associados ao alongamento do processo
estilóide do osso temporal ou calcificação do ligamento
estilo-hióideo. Apesar de ser rara, ela está bem documentada
na literatura da otorrinolaringologia e da odontologia.
Todavia, na literatura neurológica há poucos relatos. O
objetivo desse trabalho é relatar um caso e fazer uma revisão
de literatura sobre a Síndrome de Eagle. Pretende-se, dessa
forma, familiarizar os neurologistas e neurocirurgiões com os
sintomas, diagnóstico e o tratamento dessa afecção.
Eagle´s syndrome is characterized by pharyngeal and
cervical signs and symptoms associated to an elongated
styloid process of temporal bone or calcification of stylohyoid
ligament. It is well documented in Otorrinolaringology and
odontology literature, but there are few reports in Neurology
journals. The objective of this article is to report a case , with
a literature review of the syndrome. We hope the symptoms,
diagnosis and treatment of Eagle’s syndrome be more familiar
to neurologists and neurosurgeons.
Palavras-chave: Síndrome de Eagle, Processo estilóide,
Tomografia computadorizada, Cefaléia.
Key words: Eagle syndrome, styloid process, Computed
tomography, Headache.
1 - Médico neurocirurgião da Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros, MG. Membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia - Montes Claros / MG / Brazil.
2 - Cirugião de cabeça e pescoço da Santa Casa de Misericórdia de Montes Claros - Montes Claros / MG / Brazil.
3 - Médico residente em Neurocirurgia. Graduação pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) - Montes Claros / MG / Brazil.
4 - Acadêmica de Medicina da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) - Montes Claros / MG / Brazil.
Recebido em 18 de agosto de 2011, aceito em 07 de novembro de 2011
Albuquerque ACM, Santos FBG, Barbosa RG, Lopes MFB, Figueiredo ID - Sindrome de Eagle simulando neuralgia occipital:
Relato de Caso e Revisão de Literatura
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Relato de caso
Introdução
A Síndrome de Eagle foi descrita no ano de 1937 pelo
otorrinolaringologista alemão W. Eagle. Ele verificou que
pacientes tonsilectomizados que manifestavam dor orofaríngea
e cervical após esse procedimento apresentavam aumento das
apófises estilóides do osso temporal nos exames radiográficos.3
Essa síndrome ocorre quando o processo estilóide do osso
temporal encontra-se alongado ou quando o ligamento estilohióideo calcifica-se.7,10
O processo estilóide do osso temporal corresponde a uma
delgada projeção óssea de aproximadamente 2,5 cm de
comprimento. Está localizado entre as artérias carótidas
interna e externa, posteriormente à faringe, onde se inserem os
músculos estilo-hióideo, estiloglosso e estilofaríngeo, os quais
são inervados, respectivamente, pelos nervos facial, hipoglosso
e glossofaríngeo.1,6
É importante observar que o alongamento da apófise do
processo estilóide não é patognomônico para essa doença,
pois muitos pacientes com achados ao acaso de processo
estilóide alongado são assintomáticos, podendo haver
também diferentes apresentações mesmo quando o aumento é
bilateral.1,8 Estima-se que o processo estilóide alongado ocorra
em aproximadamente 4% da população geral, sendo que 4-10%
podem ser sintomáticos.8,10
Essa afecção é mais prevalente entre os 30 e os 50 anos de
idade8, tem incidência maior no sexo feminino7,8 e em 50% dos
indivíduos pode ocorrer em ambos os lados.
retorno do quadro álgico após 12 horas. Posteriormente, foi
submetida à neurólise com alívio temporário e, devido à dor
intensa, foi realizada neurotomia do occipital maior à direita
e anastomose término-terminal, com alívio parcial e retorno do
quadro após 1 semana. Após revisão do caso dirigiu-se o exame
clínico para a Síndrome de Eagle. A paciente não apresentava
alterações à inspeção da loja amigdaliana e durante a palpação
houve desencadeamento da dor intensa à direita. A TC de
encéfalo apresentava-se dentro dos limites da normalidade e a
TC da transição crânio-cervical mostrava processos estilóides
discretamente alongados bilateralmente, sendo o da direita
pouco maior ( Fig.1 e 2) Assim, foi aventada a possibilidade
de se tratar da Síndrome de Eagle, sendo discutida com a
paciente a possibilidade de cirurgia como opção terapêutica.
Foi realizada, então, cervicotomia alta e ressecção do processo
estilóide à direita. A paciente apresentou como complicações
da cirurgia disfunção transitória da articulação temporomandibular e parotidite. Houve total melhora do quadro álgico
referido.
A
B
Figura 1. TC da transição crânio-cervical - corte coronal ( A ) e sagital ( B ) processo estilóide alongado à direita.
Relato de Caso
SSMS, 38 anos, sexo feminino, apresentava um quadro de dor
intensa, contínua, em choques na região occipital e temporal
direita, com irradiação para o território do nervo occipital
maior e zona de gatilho na região occipital, coincidente com
o trajeto de C2. Havia 4 anos de evolução e acreditava-se
tratar-se de neuralgia do occipital maior. A dor era refratária
a antiinflamatórios não esteróides, anticonvulsivantes
como: clonazepan, topiramato, gabapentina, antidepressivos
como: nortriptilina e fluvoxamina, além de acupuntura. A
paciente negava tonsilectomia e informava traumatismo
cranioencefálico prévio ao início dos sintomas. Havia
sido submetida previamente a 3 infiltrações de lidocaína e
dexametasona no nervo occipital maior, com alívio total e
Figura 2. TC com reconstrução 3D, mostrando processo estilóide alongado à
direita.
Discussão
A Síndrome de Eagle está bem documentada na literatura da
otorrinolaringologia e odontologia. No entanto, na neurologia
e neurocirurgia, há pouca menção à síndrome.13
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Há dois tipos de Síndrome de Eagle: a clássica e a
estilocarotídea.7,8,13 A primeira é caracterizada por uma
dor persistente e espástica na faringe que pode ser vista em
pacientes submetidos a tonsilectomia e, algumas vezes, em
pacientes que não foram submetidos a cirurgia, mas que tem
processo estilóide do osso temporal comumente maior do que
3cm ou ossificação do ligamento estilo-hioideo.13 A segunda
não está relacionada à cirurgia faríngea prévia e devido à
irritação mecânica do processo estilóide alongado sobre a
artéria carótida interna ou externa e à estimulação do plexo
simpático, há dor cervical com irradiação para as regiões
correspondentes à vascularização dessas artérias, com piora da
dor quando o paciente gira a cabeça.7,13 Se houver envolvimento
da artéria carótida externa, a dor é freqüentemente referida em
regiões infraorbital, temporal, auricular e occipital. Quando há
comprometimento da artéria carótida interna, a dor é referida
em região supraorbital e parietal.7,13
A etiologia dessa síndrome é desconhecida, porém existem três
teorias postuladas por Steinmman.7 A primeira é a teoria da
hiperplasia reativa, em que a apófise estilóide é estimulada a
ossificar na sua zona terminal, em decorrência de um trauma
faringeano, com conseqüente ossificação do ligamento estilohióideo.7,13 A segunda teoria é a da metaplasia reativa, em
que estímulos traumáticos induzem mudanças metaplásicas,
provocando a osssificação do tecido fibrocartilaginoso do
ligamento estilo-hioideo.7,13 Finalmente, existe a teoria da
variação anatômica, que explicaria a presença de calcificações
dos ligamentos estilóides em crianças e jovens.
O diagnóstico baseia-se na história clínica, exame físico e de
imagem. Os principais sintomas são: cervicalgia, sensação
de corpo estranho na faringe, disfagia, odinofagia, cefaléia,
restrição a movimentação do pescoço e otalgia. Em alguns
pacientes, o processo estilóide do osso temporal na loja tonsilar
pode ser palpado sendo fortemente indicativo de Síndrome de
Eagle.7,8,10,12 Essa manobra palpatória pode exacerbar a dor e há
remissão dos sintomas após infiltração de anestésicos na loja
tonsilar, o que auxilia no diagnóstico da doença.7,8,10 Há também
relato de ataque isquêmico transitório relacionado à síndrome de
Eagle.4 A investigação por imagem, pode ser realizada a partir
das radiografias cervical, de crânio (ântero-posterior e perfil),
panorâmica de mandíbula e tomografia computadorizada (TC)
de base de crânio com reconstrução tridimensional, que é o
padrão ouro. Dos exames de imagem, a TC parece ser mais
precisa, pois permite mensurar o comprimento do processo
estilóide, cujo comprimento normal é de aproximadamente
2,5cm e é considerado alongado quando maior do que 3cm.
Entretanto apenas o processo estilóide medido isoladamente
não deve ser o único critério diagnóstico, considerando que a
literatura mostra variação de tamanhos dos processos estilóides
normais e patológicos.5,10
O diagnóstico diferencial da síndrome de Eagle inclui nevralgias
glossofaríngea, trigeminal e do occipital, otite, mastoidite,
cefaléias, disfunção da articulação temporomandibular, dor
secundária a terceiros molares não irrompidos ou impactados,
doenças inflamatórias da faringe e dor miofacial.7,8,12
No caso apresentado, o diagnóstico diferencial com neuralgia
occipital foi importante. Trata-se de uma causa incomum de
cefaléia que pode apresentar-se com dor na região dos nervos
occipitais, paroxística e em pontadas. Alguns pacientes podem
apresentar sinal de Tinnel positivo ao longo do nervo occipital
e ocasionalmente movimentos do pescoço podem desencadear
a dor. Pode ser relacionada a causas específicas como trauma,
cirurgia em base de crânio prévia, artrite reumatóide, artrose
de C1-C2, entre outras, mas a maioria é idiopática.16 Pode ser
difícil diferenciá-la de outros tipos de cefaléia e o diagnóstico
pode ser desafiador. O bloqueio dos nervos occipitais com
anestésicos locais pode ajudar no diagnóstico, entretanto tem
uma baixa especificidade. Para alguns autores, uma resposta
aparente ao bloqueio nervoso é frequentemente usada como
um de muitos critérios para o diagnóstico de cefaléias. Mas
ressaltam que tal diagnóstico, ainda que de valor clínico
discutível e por si só inexato, justifica o procedimento somente
como um modo de controle empírico da dor.2,15
Assim, mediante um quadro de cefaléia na região occipital e
temporal com características de irradiação, moderada a forte
intensidade, paroxismos e que podem ser relacionadas à
movimentação do pescoço ou palpação da região occipital é
importante fazer o diagnóstico diferencial com as causas de
cefaléias cervicogênicas, como neuralgia do occipital.
O tratamento da Síndrome de Eagle pode ser clínico, a partir
da infiltração de anestésicos ou esteróides na loja tonsilar e
cirúrgico por meio da abordagem intra-oral ou por cervicotomia
alta.8,10 Anticonvulsivantes e antidepressivos também podem
ser administrados.13 O tratamento mais satisfatório e efetivo
é a ressecção do processo estilóide . Essa ressecção a partir
da abordagem intra-oral não deixa cicatriz externa, porém
apresenta risco de contaminação dos espaços cervicais e lesão
de estruturas nervosas e vasculares pela difícil visualização
de estruturas adjacentes ao processo estilóide.7,8,10 A ressecção
a partir da cervicotomia alta determina melhor exposição,
preserva estruturas vasculonervosas e permite ressecções mais
amplas do processo estilóide alongado.7,8 Na maioria dos casos,
a escolha da abordagem cirúrgica é baseada na especialidade
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e experiência do cirurgião, contudo a literatura evidencia
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abordagem externa.
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A síndrome de Eagle é uma entidade clínica pouco conhecida no
âmbito neurológico e neurocirúrgico, mas deve ser considerada,
principalmente, nos diagnósticos diferenciais de cervicalgias,
cefaléias e nos casos de nevralgia do glossofaríngeo. Assim,
considerando as peculiaridades dessa síndrome, ressalta-se a
importância do seu conhecimento pelos profissionais médicos,
principalmente neurologistas e neurocirurgiões, já que esses
especialistas, normalmente, são procurados após diversas
tentativas terapêuticas sem sucesso.
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Matheus Felipe Borges Lopes
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