ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA 16) AGENTES ANESTÉSICOS GERAIS 2) diminuição da resposta pós-sináptica por hiperpolarização da membrana através da ativação dos canais de K+; e Os anestésicos gerais são usados clinicamente em procedimentos cirúrgicos para tornar o paciente inconsciente e insensível à estimulação dolorosa. São administrados sistemicamente e exercem seus principais efeitos sobre o sistema nervoso central, diferente dos anestésicos locais, que atuam ao bloquear a condução de impulsos nos nervos sensoriais periféricos. 3) ativação direta dos receptores GABAa aumentando o fluxo de cloreto. A região do cérebro mais sensível aos anestésicos parece ser constituída pelos núcleos de transmissão sensoriais talâmicos e pela camada profunda do córtex para a qual se projetam esses núcleos. Isto constitui a via seguida pelos impulsos sensoriais que alcançam o córtex , razão pela qual a ocorrência de inibição pode resultar em falta de percepção do estímulo sensorial. À medida que aumenta a concentração de anestésico, todas as funções cerebrais são afetadas, incluindo o controle motor e a atividade reflexa, a respiração e a regulação autônoma. Por conseguinte, não é possível identificar um local alvo fundamental no cérebro, responsável por todos os fenômenos da anestesia. Os anestésicos podem ser divididos didaticamente em duas classes, conforme sua via de administração: anestésicos inalatórios e anestésicos intravenosos. Os anestésicos inalatórios geralmente são utilizados para a manutenção da anestesia. Os anestésicos intravenosos são empregados para induzir a anestesia, fornecer anestesia complementar ou permitir anestesia nos procedimentos operatórios curtos. Nas últimas décadas, foram reunidas evidências consideráveis de que o principal alvo molecular de muitos anestésicos gerais é o canal de cloreto-receptor GABAa, um importante mediador de transmissão sináptica inibitória. Os anestésicos inalatórios, os barbitúricos, os benzodiazepínicos, o etomidato e o propofol facilitam a inibição mediada pelo GABA. O estado anestésico, para fins clínicos consiste em três componentes principais, que são a perda da consciência, a analgesia e o relaxamento muscular. Na prática, esses efeitos são produzidos mais com uma combinação de drogas do que com um agente anestésico único. Um procedimento comum seria produzir rápida inconsciência com um agente de indução por via intravenosa (tiopental), manter a inconsciência e produzir analgesia com um ou mais agentes inalatórios (óxido nitroso, halotano), que poderiam ser suplementados com um agente analgésico intravenoso (um opiácido), e produzir paralisia muscular com um bloqueador neuromuscular (antracúrio). Além das ações sobre os canais de cloreto-GABA, foi relatado que os anestésicos inalatórios causam hiperpolarização da membrana através da ativação dos canais de potássio regulados por ligantes. Os neurônios na substância gelatinosa do corno dorsal da medula espinhal são muito sensíveis à concentração relativamente baixa de anestésicos. A interação com neurônios nessa região interrompe a transmissão sensitiva no trato espinotalâmico, incluindo a transmissão de estímulos nociceptivos (sistema do portão). A técnica anestésica varia, dependendo do tipo proposto de intervenção diagnóstica, terapêutica ou cirúrgica. Para procedimentos menores, utiliza-se a denominada anestesia monitorizada ou sedação consciente, que consiste na administração de sedativos por via oral ou parenteral em associação a anestésicos locais. Essa técnica proporciona analgesia profunda, enquanto o paciente conserva sua capacidade de manter as vias aéreas desobstruídas e de responder a comandos verbais. Para procedimentos cirúrgicos mais extensos, a anestesia frequentemente inclui a administração pré-operatória de benzodiazepínicos, indução da anestesia com tiopental ou propofol por via intravenosa e manutenção da anestesia com uma associação de fármacos anestésicos inalatórios e intravenosos. Em nível celular, o efeito dos anestésicos consiste principalmente em inibir a transmissão sináptica, não sendo provavelmente importante na prática nenhum efeito sobre a condução axonal. A inibição na transmissão sináptica pode ser devida a uma redução da liberação de neurotransmissores, inibição da ação do transmissor ou redução da excitabilidade da célula pós-sináptica. Embora todos os três efeitos tenham sido descritos, a maioria dos estudos sugere que a redução da liberação de transmissor e a resposta pós-sináptica diminuída constituem os principais fatores. De modo simplificado, podemos dizer que os anestésicos gerais agem em nível celular através de interações com componentes da membrana (ainda não totalmente identificados) que por sua vez alteram a ação dos canais de íons regulados por ligantes. Além disso, o principal alvo de muitos anestésicos gerais é o canal de cloreto mediado pelos receptores GABAa. De tudo isso resulta a inibição da transmissão sináptica em locais específicos do SNC, uma vez que ocorre: Efeitos farmacológicos dos agentes anestésicos: A anestesia envolve três alterações neurofisiológicas principais: perda da consciência, perda da resposta a estímulos dolorosos e perda dos reflexos. Em doses supra-anestésicas, todos os agentes anestésicos podem causar morte em conseqüência da perda dos reflexos cardiovasculares e da paralisia respiratória. Em nível celular, os agentes anestésicos afetam mais a transmissão sináptica do que a condução axonal. Tanto a liberação de transmissores excitatórios quanto a resposta dos 1) a redução da liberação de transmissores excitatórios; 1 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA receptores pós-sinápticos são inibidas. A transmissão inibitória mediada pelo GABA é potencializada por alguns anestésicos. Efeitos sobre o sistema cardiovascular: O halotano, o desfluano, o enflurano e o sevoflurano reduzem a pressão arterial média em proporção direta à sua concentração alveolar. Os anestésicos inalatórios alteram a freqüência cardíaca diretamente ao alterar a freqüência de despolarização do nodo sinusal, ou, indiretamente, ao deslocar o equilíbrio da atividade do sistema nervoso autônomo. Com freqüência verifica-se a ocorrência de bradicardia com o uso do halotano, provavelmente através de uma estimulação vagal. Quando o nervo vago é estimulado, ocorre a liberação de acetilcolina que ativa os receptores muscarínicos M2. A acetilcolina diminui a corrente de entrada de Ca+ durante o platô do potencial de ação; e aumenta a corrente de saída de K+, portanto encurtando a duração do potencial de ação e diminuindo indiretamente a corrente de entrada de cálcio. Juntos, esses dois efeitos diminuem a quantidade de Ca+ que penetra nas células atriais durante o potencial de ação, diminuindo o cálcio disparador e diminuindo a quantidade de Ca+ liberado do retículo sarcoplasmático. Todos os anestésicos inalatórios tendem a aumentar a pressão atrial direita de um modo relacionado à dose, refletindo a depressão da função miocárdica. Embora todas as partes do sistema nervoso sejam afetadas pelos agentes anestésicos, os principais alvos parecem ser o hipotálamo, o córtex e o hipocampo. A maioria dos agentes anestésicos provoca depressão cardiovascular através de efeitos sobre o miocárdio e os vasos sanguíneos, bem como no sistema nervoso. Os agentes anestésicos halogenados provavelmente causam disritmias cardíacas, acentuadas pelas catecolaminas circulantes. Agentes anestésicos inalatórios: Anestésicos inalatórios são administrados por via inalatória nas fases de indução e manutenção da anestesia. Incluem o halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano e óxido nítroso. Os pulmões constituem a única via quantitativamente importante através da qual os anestésicos inalatórios penetram no corpo e dele saem. Os anestésicos inalatórios são, sem exceção, moléculas lipossolúveis pequenas, que atravessam com grande facilidade a membrana alveolar. Por conseguinte, é a velocidade de liberação da droga para os pulmões e a partir deles, através do ar inspirado e da corrente sanguínea, que determina o comportamento cinético global de um anestésico. A razão pela qual os anestésicos variam quanto ao seu comportamento cinético é que suas solubilidades relativas no sangue e na gordura corporal variam de uma droga para a outra. A profundidade da anestesia é determinada pelas concentrações dos anestésicos no sistema nervosos central, e este, por conseguinte, é diretamente proporcional à presão parcial inspirada (PI). Efeitos respiratórios: À exceção do óxido nitroso, todos os anestésicos inalatórios atualmente utilizados provocam diminuição dosedependente do volume corrente e aumento da freqüência respiratória. Todos os anestésicos inalatórios são depressores respiratórios, sendo o sevoflurano e o enflurano os mais depressores. Os anestésicos inalatórios também deprimem a função mucociliar nas vias aéreas. Por conseguinte, a anestesia prolongada pode levar a um acúmulo de muco, resultando posteriormente em atelectasia (colapso de um segmento, lobo ou todo o pulmão) e infecções respiratórias. As velocidades de indução e a de recuperação são determinadas por duas propriedades do anestésico: solubilidade no sangue (medida pelo coeficiente de partição sangue/gás que mede sua afinidade relativa pelo sangue em comparação com o ar) e lipossolubilidade. Outros efeitos: Os anestésicos inalatórios diminuem a taxa metabólica do cérebro. Todos os anestésicos inalatórios diminuem em graus variáveis, a taxa de filtração glomerular e o fluxo plasmático renal efetivo. Eles também reduzem o fluxo sanguíneo hepático, variando de 15 a 45% do fluxo pré-anestesia. Os agentes com baixos coeficientes de partição sangue/gás, ou seja, baixa solubilidade no sangue, produzem rápida indução e também rápida recuperação (óxido nitroso, desflurano), enquanto que os agentes com coeficientes de partição sangue/gás elevados apresentam indução e recuperação lentas (halotano). Toxicidade: Os fármacos que possuem pequeno coeficiente sangue/gás também possuem menor potência anestésica. Os anestésicos gerais são fármacos perigosos, haja vista que não possuem antagonistas farmacológicos para neutralizar níveis acidentalmente altos administrados ao paciente, e também por possuírem uma estreita janela terapêutica. Os agentes com alta lipossolubilidade (halotano) acumulam-se gradualmente na gordura corporal e podem produzir ressaca prolongada se forem utilizados para uma operação de longa duração. O halotano pode raramente causar hepatite grave num pequeno subgrupo de pacientes, que pode ser fatal. Alguns anestésicos halogenados (halotano e metoxiflurano) são metabolizados. Isto não é muito importante na determinação de sua duração de ação, porém contribui para a toxidade. O metabolismo do enfurano e do sevoflurano resulta na formação de íons de fluoreto, levantando a questão de nefrotoxicidade desses anestésicos. A hipertermia maligna é um distúrbio genético autossômico dominante dos canais de Ca+ dos retículos sarcoplasmáticos do músculo esquelético que afeta indivíduos suscetíveis submetidos a anestesia geral com agentes inalatórios e relaxantes musculares. Na síndrome da A administração de respiração artificial com oxigênio diminui o tempo necessário para a recuperação de um estado anestésico. 2 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA hipertermia maligna ocorre saída descontrolada de Ca+ dos retículos, o que causa o rápido início de taquicardia e hipertensão, rigidez muscular intensa (tetania), hipertermia, hipercalemia e desequilíbrio ácido-básico com acidose. A hipertermia maligna representa uma causa rara, porém importante, de morbidade e mortalidade por anestésicos. O tratamento consiste na administração de dantroleno (que impede a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático) e medidas apropriadas para reduzir a temperatura corporal e restaurar o equilíbrio eletrolítio e ácido-básico. Agentes anestésicos intravenosos: Os agentes anestésicos intravenosos pertencem a diferentes grupos farmacológicos, com estruturas químicas e mecanismos de ação diversificados. Compreendem os barbitúricos (tiopental, metoexital), benzodiazepínicos (midazolam, diazepam e lorazepam), propofol, etomidato, cetamida e analgésicos opióides (fentanil, sufentanil, alfentanil, remifentanil, meperidina e morfina). consciência, com hipotensão mínima, sem alteração na freqüência cardíaca e com baixa incidência de apnéia. Mecanismo de ação: facilita a inibição mediada pelo GABA. O propofol também se assemelha ao tiopental nas suas propriedades; entretanto, tem a vantagem de sofrer metabolismo muito rapidamente, permitindo assim rápida recuperação sem qualquer efeito de ressaca. A ocorrência de náusea e vômito no pós-operatório é menos comum. Ele provoca acentuada redução da pressão arterial sistêmica durante a indução da anestesia, além de exercer efeitos inotrópicos negativos acentuados sobre o coração. Mecanismo de ação: facilita a inibição mediada pelo GABA. A cetamida não exerce seus efeitos através da facilitação da função do receptor GABAa, todavia pode atuar através do antagonismo da ação do neurotransmissor excitatório, o ácido glutâmico, sobre o receptor NMDA. É o único anestésico intravenoso que possui propriedades analgésicas e produz estimulação cardiovascular. Em geral, a frequência cardíaca, a pressão arterial e o débito cardíaco estão significativamente aumentados. A cetamida produz estimulação cardiovascular através de excitação do sistema nervoso simpático central e, possivelmente, inibição da recaptação de noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas. Este fármaco aumenta acentuadamente o fluxo sanguíneo cerebral, o cosumo de oxigênio e a pressão intracraniana, sendo potencialmente perigoso para aqueles pacientes com pressão intracraniana já aumentada. Em virtude da elevada incidência de fenômenos psíquicos pósoperatórios associados ao seu uso, a cetamida não é comumente utilizada em cirurgia geral. Até mesmo os anestésicos inalatórios de ação mais rápida, como o óxido nitroso, levam alguns minutos para agir, causando um período de excitação antes de a anestesia ser produzida. Já os anestésicos intravenosos atuam muito mais rapidamente, produzindo inconsciência em cerca de 20 segundos, logo que a droga atinge o cérebro a partir de seu local de injeção. Normalmente o tiopental, etomidato e o propofol são utilizados para indução da anestesia. Outras drogas utilizadas como agentes de indução por via intravenosa incluem certos benzodiazepínicos, como o diazepam e o midazolam, que atuam menos rapidamente que as drogas citadas anteriormente, e possuem propriedades sedativas e amnésicas. Mecanismo de ação: ativação dos receptores GABAa. Os analgésicos opióides em altas doses têm sido utilizados para obter anestesia geral, particularmente em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca ou outra cirurgia de grande porte, quando a reserva circulatória é mínima. Os opióides causam analgesia por ativar as vias descendentes da dor, por inibir a transmissão aferente do corno dorsal e por inibir a excitação das terminações nervosas sensoriais da periferia. O droperidol, um antagonista da dopamina relacionado com os agentes psicóticos pode ser utilizado em combinação com um analgésico opiácido, como o fentanil para produzir um estado de sedação profunda e analgesia (conhecido como neuroleptanalgesia), em que o paciente permanece responsivo a comandos e questões simples, mas não responde a estímulos dolorosos nem tem qualquer lembrança do procedimento. Essa técnica é utilizada para pequenos procedimentos cirúrgicos, como endoscopia. O tiopental pertence à classe dos barbitúricos depressores do sistema nervoso central, sendo o único de maior importância em anestesia. As ações do tiopental sobre o sistema nervoso são muitos semelhantes à dos anestésicos inalatórios, embora não possua nenhum efeito analgésico. Mecanismo de ação: ativação dos receptores GABAa. O etomidato passou a ser preferido ao tiopental em virtude de sua maior margem entre a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão respiratória e cardiovascular. Este fármaco produz rápida perda de 3 Marcelo A. Cabral ANOTAÇÕES EM FARMACOLOGIA E FARMÁCIA CLÍNICA Referências Bibliográficas 1. RANG, H. P. et al. Farmacologia. 4 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001; 2. KATZUNG, B. G. Farmacologia: Básica & Clinica. 9 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006; 3. CRAIG, C. R.; STITZEL, R. E. Farmacologia Moderna. 6 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005; 4. GOLAN, D. E. et al. Princípios de Farmacologia: A Base Fisiopatológica da Farmacoterapia. 2 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009; 5. FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L.; FERREIRA, M. B. C. Farmacologia Clínica. 3 edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 6. GILMAN, A. G. As Bases farmacológicas da Terapêutica. 10 edição. Rio de Janeiro: Mc-Graw Hill, 2005. 7. CONSTANZO, L. S. Fisiologia. 2 edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. 8. PORTH, C. M. Fisiopatologia. 6 edição. Rio de Janeiro: Ganabara Koogan, 2004. ЖЖЖЖЖЖ 4 Marcelo A. Cabral