2. O cérebro, seu envelhecimento e a sociedade

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Sumário
1. Psicoses orgânicas ................................................................................................. 1
2. O cérebro, seu envelhecimento e a sociedade ....................................................... 3
2.1. Anatomia do cérebro......................................................................................... 3
2.2. Fisiologia e neurotransmissores ....................................................................... 4
2.3. Desempenho cognitivo ..................................................................................... 4
3. Delirium ................................................................................................................... 5
3.1. Conceito e considerações gerais ...................................................................... 5
3.2. Epidemiologia ................................................................................................... 5
3.3. Aspectos clínicos e diagnóstico ........................................................................ 6
3.4. Etiologia ............................................................................................................ 7
3.5. Diagnóstico diferencial ...................................................................................... 8
3.6. Curso e desenvolvimento ................................................................................. 9
3.7. Avaliação, estabilização clínica, manejo ......................................................... 10
3.8. Ambiente imediato .......................................................................................... 11
3.9. Contato da equipe com o paciente ................................................................. 11
3.10. Farmacoterapia ............................................................................................. 11
3.11. Tratando a ansiedade co-mórbida ................................................................ 12
3.12. Protocolo de combinação - Farmacoterapia para “delírium” agitado ........... 12
3.13. Considerações especiais .............................................................................. 13
3.14. Prognóstico e Curso da doença .................................................................... 13
Bibliografia................................................................................................................. 14
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TRANSTORNOS MENTAIS ORGÂNICOS
Prof. Dr.Sergio Olivé Leite
Primavera 2008
1. PSICOSES ORGÂNICAS
O fracasso em reconhecer-se uma psicose orgânica qualifica-se como um dos
pecados capitais na medicina. Sua diferenciação das “psicoses funcionais”,
tampouco é difícil.
Os médicos e os psiquiatras devem aprender a reconhecer os transtornos
mentais produzidos por uma enfermidade mental orgânica. É trágico tratar como
doente mental um paciente com hematoma subdural; é desmoralizador não tratar
corretamente um paciente com tireotoxicose ou uremia e é uma injustiça castigar
como “criminosos” os atos de um paciente portador de tumor de lobo temporal ou
epilepsia psicomotora.
Conceito. A nomenclatura oficial denomina de síndromes encefálicos orgânicos
aos “transtornos mentais provocados ou associados com alterações da função do
tecido encefálico”. Ainda que façamos referência ao DSM IV (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders), para fins de exposição e de valor clínico
prático, também empregaremos aqui uma nosologia descritiva e pragmática. O CID
10 declara que este grupamento nosológico compreende uma série de transtornos
mentais reunidos, tendo em comum uma etiologia demonstrável tal como doença ou
lesão cerebral ou outro comprometimento que leva a uma disfunção cerebral. A
disfunção pode ser primária a doenças, lesões etc. que afetam o cérebro de maneira
direta e seletiva; ou secundária a doenças ou transtornos sistêmicos que afetam o
cérebro apenas como um dos múltiplos órgãos ou sistemas envolvidos.
As psicoses orgânicas dividem-se de forma natural em delirium e demência,
dependendo se a disfunção básica está no nível mental inferior ou superior. O
modelo médico fornece o entendimento mais adequado para o cuidado do paciente
em casos de delírium e demência, porque enfatiza uma etiologia biológica para os
sintomas do paciente. Essa abordagem ajuda o médico a estabelecer ligações
cruciais entre a patologia médica e os sintomas psiquiátricos do paciente.
Freqüentemente, pacientes delirantes e pacientes com complicações
comportamentais da demência requerem regimes terapêuticos complicados. Em
muitos pacientes idosos a terapêutica para diferentes problemas clínicos não é bem
tolerada e pode produzir alterações cognitivas. Daí a necessidade do médico
entender os efeitos colaterais comportamentais das terapêuticas farmacológicas.
Tratar alucinações e agitação acrescentando psicotrópicos é possível, porém, em
certos casos pode piorar a situação do paciente.
Os médicos ao tratar os transtornos cognitivos precisam cruzar as fronteiras
tradicionais da psiquiatria e da neurologia.
2
Muitos pacientes idosos apresentam transtornos múltiplos e coexistem o
delírium, a demência e dificuldades cognitivas. Devem também esclarecer e apoiar
as famílias freqüentemente ansiosas, porque serão forçadas a aceitar mudanças em
relacionamentos plenos de carga emocional e afetos variados. Privações sociais e
financeiras amplificam o senso de apreensão acerca do futuro do paciente e, além
de explicar os processos naturais da doença, o médico deve saber como transmitir
más notícias de modo que os membros da família possam tomar as medidas
adequadas e preparar-se para o futuro. Enfim, deve confirmar a expectativa de que
o médico saberá promover o respeito a dignidade do paciente recuperando a
esperança e o seu sentido de vida.
3
2. O CÉREBRO, SEU ENVELHECIMENTO E A SOCIEDADE
Apesar de ocorrem em qualquer idade, os transtornos mentais orgânicos são
mais comuns em pacientes idosos. A freqüência destes transtornos aumenta com o
incremento da população mais idosa, fenômeno denominado pelos demógrafos
como “movimento das gerações”, decorrentes de dois fatores: aumento da
expectativa de vida (de 68 anos em 98 para 71 anos em 2015) e redução da taxa
de fecundidade (de 4,02% em 1980 para 2,06% em 2020). A partir das próximas
décadas será verificado no Brasil, um crescimento cada vez maior dos idosos acima
de 64 anos, passando de 7,12 % para 17,22 % da população em 2050. No ranking
mundial já é o país dos índices mais altos de envelhecimento. Segundo a OMS, o
Brasil hoje ocupa o 16º lugar em número de idosos. Dentro de 30 anos, ocupará a 5ª
posição, atrás apenas para a China, Índia, EUA e Japão. Segundo o Dr. João
Senger – Soc. Brás. Geriat. e Geront. –Sec. Gaúcha, serão aproximadamente 45
milhões de pessoas em 2025. No início do século XX, a expectativa de vida média
dos brasileiros era de 33 anos, hoje é de aproximadamente 68 anos.
O Brasil hoje segundo o IBGE tem 181, 586 milhões de habitantes, ou seja, o
dobro que havia em 1970. Em 1950, possuía 40 milhões, vivendo 2/3 na zona rural.
Em 2050, seremos 260 milhões. Felizmente, nossa taxa de crescimento devido a
queda da fecundidade (nºde filhos/mulher; de 4,06/80 para 2,31/2004 e 1,85/2050),
também cai velozmente prevendo-se uma estabilização de população; adequada
aos nossos recursos naturais na metade da próxima década.
Com o incremento dos idosos, o diagnóstico de transtornos cognitivos deverá
ser mais complexo porque os problemas físicos interagem com problemas
emocionais e sociais. Mesmo no envelhecimento normal esta interação existe,
exigindo avaliação cuidadosa cognitiva e, meticuloso exame físico e mental,
detectando déficits significativos alguns dos quais podem ser tratáveis.
2.1. Anatomia do cérebro
O peso e o volume do cérebro alcançam seus valores máximos no inicio da
adolescência, porém, perde peso e volume na medida que envelhece. O
encolhimento gradual inicia-se por volta dos 60 anos e em torno da décima década a
proporção do cérebro em relação a cavidade craniana caiu de 93% para 80%.
Quando o número de neurônios corticais diminui, a faixa cortical também diminui. Os
lobos frontais e temporais são mais afetados que os parietais. O sistema límbico, a
substância negra e o lócus cerúleus também perdem substância.
A despeito da perda de neurônios, o cérebro envelhecido continua a passar por
uma remodelação dinâmica e de certa forma até substitutiva. Os dendritos
hipocampais continuam a apresentar plasticidade. Apenas quando a arborização
dendrítica falha, as forças e funções mentais declinam.
A relação entre as alterações morfológicas e o declínio das funções cognitivas
não é completamente conhecida.
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Os aumentos de tamanho dos ventrículos, sulcos e espaços subaracnóides são
facilmente observáveis com as modernas técnicas de imagem. O número de placas
senis e degenerações em cérebros normais é geralmente menor do que o número
observado no cérebro de pacientes com Alzheimer. Infartos pequenos também são
observados em muitas pessoas idosas.
2.2. Fisiologia e neurotransmissores
Os cérebros em processo de envelhecimento têm capacidade diminuída de
responder ao estresse metabólico. O uso de oxigênio diminui e a necessidade de
glicose declina, entretanto, os efeitos de ligeiras anormalidades no metabolismo da
glicose são evidentes mesmo quando o cérebro está em repouso, mesmo assim é
crucial, porque contribui para a síntese de neurotransmissores como a acetilcolina,
glutamato, aspartato, ácido gama aminobutírico (GABA) e glicina. A acetilcolina tem
sido muito estudada, dado o seu vital papel na memória, pois, as pessoas idosas
apresentam uma diminuição da acetilcolinatransferase, sua enzima sintetizadora.
Diminuições da dopamina relacionadas com a idade tornam os pacientes mais
velhos mais sensíveis aos efeitos colaterais dos neurolépticos, por outro lado, os
idosos exibem uma aumentada atividade inibitória de receptores GABA e, como
conseqüência uma sensibilidade aumentada para as dibezodiazepinas. A
capacidade das mitocôndrias diminui, possivelmente por acumulação de radicais
livres causadores de lesões no DNA mitocondrial. Os radiais livres parecem ser o
principal contribuinte para o envelhecimento tecidual e celular.
2.3. Desempenho cognitivo
O desempenho cognitivo relacionado ao envelhecimento varia enormemente
de pessoa para pessoa. No processamento de informações, velocidade verbal e na
memória de trabalho é que verificamos as alterações mais pronunciadas. Pessoas
com capacidade cognitiva altamente desenvolvida podem mascarar os defeitos da
memória por muito tempo. À partir dos 70 anos, as funções e capacidades cerebrais
declinam rapidamente. Aparecem então as dificuldades de memória, capacidades
diminuídas para idéias complexas rigidez mental, respostas lentas e cautelosas e
lentidão comportamental. A lentidão nas respostas é a alteração cognitiva mais
consistente.
Como resultado, leva-se mais tempo para fornecer serviços profissionais para
pessoas mais velhas. Pessoas mais velhas tem mais dificuldade de lembrar nomes e
objetos fora de sua rotina familiar. Elas se saem mal em tarefas da memória que
envolvem velocidade, material desconhecido ou lembranças livres, entretando, se
dermos tempo suficiente para que possam organizar a informação, seu desempenho
melhora significativamente. Portanto, a calma melhora o desempenho cognitivo.
Freqüentemente as queixas sobre memória, nos idosos, está relacionada a
uma baixa estima. Qualquer aumento da auto-estíma e motivação melhoram
objetivamente o desempenho cognitivo.
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3. DELIRIUM
O “Delírium” é uma síndrome, não um trastorno específico. Sua etiologia
geralmente é complexa, multifatorial, e freqüentemente secundária a fatores
sistêmicos. Sua fisiopatologia é pouco compreendida. Tendo em vista sua etiologia
complexa e seus aspectos pleomórficos e heterogêneos o “delírium” é mal
entendido, sub-reconhecido e mal diagnosticado. Pelo menos 25 termos têm sido
usados para sua descrição. Os neurologistas gostam de seu sinônimo – estado
confusional agudo.
3.1. Conceito e considerações gerais
O “Delírium” é uma síndrome específica de déficit cognitivo causada por
disfunção cerebral metabólica, imediata ou diretamente. As alterações nas funções
cognitivas mais elementares e mais básicas ou de nível inferior – vigília, alerta,
consciência, atenção para estímulos externos, atenção e concentração – são
patognomômicas para o “delírium”. Por conseqüência as operações cognitivas de
nível superior embasadas nas anteriores, são afetadas observando-se prejuízo
cognitivo global e difuso.
O “Delírium” geralmente tem aparecimento agudo, durando tempo limitado e é
reversível; porém quando não identificado, pode estar associado a morbidez e
mortalidade significativos.
1. Os pacientes delirantes podem apresentar conduta auto-destrutiva (tropeçar,
cair, desconectar equipamentos de suporte à vida, etc). Como é pouco reconhecido,
seu prolongamento pode levar a lesão cerebral estrutural irreversível.
2. Os pacientes delirantes têm altas taxas de mortalidade porque o “Delírium” é
prenúncio de sérias doenças orgânicas, colapso de órgãos vitais e falência de
múltiplos órgãos.
3. Os custos do tratamento de delirantes são altos, dadas as elevadas taxas de
permanências hospitalares.
3.2. Epidemiologia
O “Delírium” é a síndrome de déficit cognitivo mais comum observada em
hospitais gerais.
A incidência é de aproximadamente de 10-30 % das internações. Em
populações de alto risco como geriátricos, queimados, pós-operatórios, a incidência
é de 40-67%. Em carcinomatosos é de 15 a 40% e em casos de câncer avançado é
de 85%. Perto de 80% de pacientes terminais tornar-se-ão delirantes antes de
morrer. Saber diferenciar e tratar depressão e “delírium” é imprescindível porque em
ambas as condições os médicos podem tratar e melhorar a qualidade de vida do
doente terminal. Entre os fatores de risco mais freqüentes estão a idade avançada e
doença estrutural do cérebro.
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O crescimento da população idosa fará do “delírium”um problema cada vez
mais significativo e preocupante. Os segmentos populacionais com alta prevalência
de SIDA também estão predispostos para a síndrome; o vírus tem efeito direto sobre
o cérebro além de processos secundários e sistêmicos.
3.3. Aspectos clínicos e diagnóstico
Exame de estado mental com ênfase na função cognitiva. Os prejuízos mais
patognomônicos para o “delírium” são os seguintes:
Vigília representa o estado neurofisiológico necessário para a ativação cortical
e envolve o sistema ativador reticular ascendente, varia num continuum decrescente
- do alerta espontâneo ao coma. O alerta é a capacidade de responder a qualquer
estímulo ambiental.
Consciência é o estado de atenção quanto à si próprio (self) e ao ambiente.
Atenção - a capacidade de focalizar sobre um estímulo específico.
Concentração - capacidade de permanecer atento a um estímulo ao longo do
tempo. As áreas subcorticais (sistema límbico) e corticais (lobos frontais e parietal
direito) servem a estas funções. A atenção é testada p. ex. na recordação de uma
série de dígitos e a concentração pela solicitação de que os pacientes soletrem uma
palavra na ordem normal e depois na inversa. O prejuízo na vigília, alerta,
consciência, atenção e concentração são patognomônicos de “delirium”.
Memória e funções corticais superiores. Dependem da integridade das funções
anteriores que freqüentemente estão alteradas. Os prejuízos na memória e funções
cognitivo -superiores são observadas no “delírium”e também nas demências,
entretanto, são menos específicos. Oferecem, apesar disso, informações preciosas
para o diagnóstico diferencial. Os pacientes afetados, podem apresentar disgrafia,
dispraxia, e atribuição errônea de nomes, dificuldades de cálculos, abstrações e
tarefas do lobo frontal.
Emoções e estado afetivo anormais – sem correspondência na realidade,
acompanhadas de alterações sensoriais, como alucinações (+ visuais), ilusões,
idéias delirantes. O afeto é lábil, podendo oscilar da apatia à frivolidade e até ira ou
pânicos súbitos.
Conduta inadequada, impulsiva, irracional ou violenta. Ocorre muitas vezes de
modo automático ou semelhante a um transe.
Transtorno do sono e flutuação da consciência. É uma manifestação precoce
do “delírium” sendo denominado “síndrome do por do sol”; quando o paciente
apresenta sonolência diurna e insônia noturna com confusão mental e desorientação
a tarde.
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3.4. Etiologia
3.4.1. Neurológica
Traumatismos craneanos - são a causa mais comum em adultos e jovens. O
exemplo típico são jogadores de futebol, box, acidentes de trânsito sobretudo com
motocicletas. A confusão mental observada após o episódio de concusão, pode
variar de desde um apagão da consciência até um longo período de alterações.
Além de outras, lesões expansivas como: tumores, hematoma subdural, aneurismas
e abcessos. Doenças cerebrovasculares como: trombose, embolia, arterite,
hemorragia, encefalopatia hipertensiva, doença de Halzheimer, epilepsia etc. podem
promover “delírium”.
3.4.2. Febre
O “delirium” por febre é freqüiente em crianças, sobretudo em doenças
exantemáticas quando ultrapassam os 40º C. A criança apresenta-se inquieta,
irritável, e segundo os pais - “fantasia”. Terrores noturnos e alucinações visuais são
encontradiças e podem ocupar todo o quadro clínico. O tratamento é médico: baixar
a febre, sedação, antibióticoterapia se indicado, hidratação e nutrição com reposição
de eletrólitos. A presença de adulto tranqüilizador e a promoção de estímulos
sensoriais adequados são importantes.
As infecções intracranianas como as encefalites e meningites (virais,
bacterianas, fúngicas, por protozoários); ou sistêmicas como: pneumonias,
septicemias, endocardites bacterianas, febre tifóide, mononucleose infecciosa, febre
reumática aguda, malária, caxumba, difteria, etc, são outras freqüentes promotoras
de “delírium”.
3.4.3. Causas metabólicas, tóxicas e outras muitas
- Intoxicação por drogas ou medicamentos: anticolinérgicos, antidepressivos
tricíclicos, lítio, sedativos e hipnóticos, agentes anti-hipertensivos, drogas
antiarrítimicas, digitálicos, anticonvulsivantes, agentes antiparkinsônicos, esteroides
e drogas anti -inflamatórias, analgésicos (opiáceos e não narcóticos), dissulfiran,
drogas antineoplásicas, cimetidina, brometos, alcalóides da belladona.
- Abstinência de drogas sendo o exemplo mais comum o álcool, os narcóticos e
o cloridrato de cocaína.
- Drogas de abuso: hidrocloreto de fenciclidina (“pó de anjo”), e outros
alucinogênicos naturais ou sintéticos (mescalina, cipó “huaasso”, LSD etc).
- Venenos: metais pesados (Pb no nosso meio), solventes orgânicos, álcool
metílico, glicól etileno, monóxido de carbono e inseticidas (clorados e fosforados).
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-Transtornos metabólicos: hipóxia, hipoglicemia, desequilíbrio hidroeletrolítico
(Ca, Mg, K, Na), desidratação, intoxicação por H2O, deficiências vitamínicas como
tiamina (encefalopatia de Wernicke), ac. nicotínico, folato, cianocobalamina.
- Insuficiência de órgãos vitais como fígado, rins, pulmão, pâncreas etc.
- Transtornos circulatórios: insuficiência cardíaca congestiva,
cardíacas, embolia cerebral, apoplexias e encefalopatia hipertensiva.
arritmias
- Transtornos endócrinos: hipertiroidismo, hiper e hipoadrenocorticismo.
- Mesenquimopatias difusas: lupus eritematoso.
- Insuficiência respiratória: mal da montanha, mal dos mergulhadores e
síndrome de Pickwick ( obesidade + sonolência + Cheyne- Stocks noturna +
policitemia secundária + insuficiência cardíaca congestiva).
- Epilepsia: pós íctus, estado de pequeno mal, epilepsia psicomotora.
- Lesões físicas: queimaduras extensas, hipertermia ou hipotermia.
3.4.4. Depauperação sensorial
Em muitos casos a depauperação sensorial e o isolamento podem provocar um
estado de delírio ligeiro, semelhante a um quadro psicótico, rapidamente reversível
quando é sanado o isolamento. É quadro encontradiço em náufragos, sentinelas
avançadas, choferes de caminhões quando dirigem longas distâncias, pilotos de
aviões a jato em grandes altitudes (cegueira cinza), pacientes recém operados de
cataratas, pacientes cardíacos isolados em excesso, pacientes em longas estadas
em U.T.I.
3.5. Diagnóstico diferencial
A diferenciação do “delirium” da demência e de outras doenças orgânicas pode
ser difícil e trabalhoso, porém, não impossível .
Os estudos por imagem são necessários quando o exame neurológico sugere
um processo focal ou quando os testes iniciais e/ou a história (anamese objetiva)
não revelaram uma causa tratável ou uma hipótese diagnóstica plausível. A TC
freqüentemente revela dilatação ventricular e atrofia cortical. Hemorragia
subaracnoide ou hematoma subdural ou derrame no hemisfério dominante causam
alterações precoces no estado mental. O dano estrutural é às vezes a única razão
do “delirium”. Entretanto, exames comuns revelam freqüentemente a etiologia do
“delírium”. Por isso, são muito úteis, o hemograma completo e a taxa de
sedimentação, eletrólitos, uréia sanguínea, glicose, testes de função hepática, testes
toxicológicos, EEG, raios X de tórax, análise de gases sangüíneos, análise urinária.
Eventualmente, a punção lombar confirmará imediatamente uma infecção intratecal.
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O “delírium” é uma doença aguda. A demência é duradoura. O exame físico e o
estado mental também são importantes. Tremores, asterixis, inquietação e outras
anormalidades motoras são mais comuns no “delírium” que na demência.
Transtornos corticais como disfasia (prejuízo na linguagem) e apraxias (disfunções
motoras) são mais comuns da demência que no “delírium”. Os médicos devem
lembrar que as duas condições muitas vezes coexistem.
Em algumas situações clínicas, as fronteiras entre “delírium”e outras doenças
psiquiátricas estão embotadas. Em certas populações psiquiátricas o “delírium” pode
ser prevalente, como por exemplo, os pacientes mais velhos freqüentemente ficam
deprimidos e estão propensos a ficarem desnutridos e desidratados. Podem
também abusar ou usar erroneamente de drogas prescritas.
3.6. Curso e desenvolvimento
Geralmente o “delírium”em aparecimento agudo e ocorre do longo de horas ou
dias. Algumas apresentações podem tem um aparecimento mais arrastado, de dias
ou horas.
Pródromo consistindo em letargia e inquietação, insônia, sonhos ou pesadelos
vívidos e hipersensibilidade a estímulos. Este quadro pode preceder em até 24/72
horas.
Dois estados comportamentais gerais. Dentro de amplo espectro de variação
temos o estado hiperativo, característico e proeminente em delírios causados por
síndromos de abstinência por álcool ou drogas. Inversamente, estado hipoativo,
observado nos delírios relacionado à condição urêmica ou hepática.
Curso no tempo. Em geral a recuperação do “delírium” depende:
reconhecimento precoce; gravidade e intensidade da causa etiológica; da idade do
paciente; da presença de doença estrutural pré-mórbida. Os delírios causados por
condições agudas (hipoglicemia, hipotensão, hipoxemia), respondem rapidamente
ao tratamento do transtorno subjacente. Uma média de tempo para outros tipos de
delírios (abstinência ao álcool, pós-operatório) é de 4 a 7 dias. Delírios mais
complicados podem durar semanas.
Resultado.
a) Resolução completa é o habitual, desde que as condições sejam favoráveis,
e, as causas remediáveis e o reconhecimento seja precoce.
b) Déficits cognitivos permanentes quando não reconhecidos precocemente e a
etiologia severa e o tempo prolongado. O prejuízo metabólico pode transformar-se
em lesão estrutural.
c) A morte pode ser o resultado em porcentagem considerável de pacientes.
Sobretudo quando é resultado da falha ou insuficiência de órgão ou múltiplos órgãos
em moribundos.
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Aspecto Clínico
Aparecimento
“Delírium”
Agudo(horas/dias)
Demência
Crônico(meses/anos)
Duração
4 a 7 dias (diagnosticado
e tratado)
Flutuação, exacerbação
noturna, prejuízo do ciclo
sono-vigília.
Prejuízo primário
Prejuízo primário
Crônica (7 a 10 anos)
Cognição
Prejuízo 2º global
Difuso
Conteúdo do pensamento
Delírios: transitórios não
sistematizados. Alucina
Alucinações; visuais,
Freqüentemente presente
Curso diurno
Vigília-alerta
Atenção/concentração
Doença física,
Polifármacos, intoxicação,
Abstinência.
Estável
Doença psiq.. Idiopática
Dias e semanas
(diagnosticado e tratado)
Agudosubagudo(dias/semanas)
Geralmente estavel
Intacto
Geralmente intacta
Intacto
Geralmente intacta
Déficit de memória 1ª
Geralmente intacta
e cortical/subcortical.
Delírios: conteúdo
empobrecidos, simples.
Não é contribuidor ativo
Delírios sistematizados,
Complexos, elaborados.
Alucinações auditivas.
Não contribui
3.7. Avaliação, estabilização clínica, manejo
As mais variadas fontes devem ser usadas para o diagnóstico diferencial e
para a determinação das possíveis causas de um “delírium” e para possibilitar
estabilização clínica e tratamento definitivo. Entre outras:
1. informações históricas recentes.
2. Achados nos exames físicos de rotina.
3. Achados em exames em série e comparativos ao estado mental.
4. Informações de pessoas ou prontuários.
5. Investigação laboratorial; exames de sangue (eletrólitos e gases),
hemograma
completo,
provas
de
função
hepática,
velocidade
de
hemosedimentação, uréia, gasometria arterial, níveis séricos de drogas, VDRL,
testes de função tereoideana.
6. Triagem toxicológica do sangue e urina para álcool, drogas e venenos.
7. Raios X de Tórax e ECG.
8. A estabilização clínica e, o metabolismo do paciente deve ser monitorado,
mantendo-se os sinais vitais, as vias aéreas permeáveis, respiração, circulação,
equilíbrio hidroeletrolítico e nutricional.
9. O paciente com “delírium” que não é tratável através de uma intervenção
bem definida deve ser hospitalizado para avaliação contínua, monitoramento e
tratamento. Isto é apenas realizado com segurança em uma unidade médica ou
UTI, dependendo da estabilidade das condições clínicas. Neste contexto, apenas
unidades com recursos e equipe médica com monitoramento especializado pode
oferecer respostas que as exigências médicas impõem.
10. O ambiente deve ser estruturado. Dado o prejuízo cognitivo, o paciente
delirante têm perturbadas as funções do ego. Portanto, o paciente necessita de
estruturação externa, constância, consistência e regulação e controle oferecida pela
unidade de internação.
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3.8. Ambiente imediato
Em geral, a estimulação externa deve ser apropriada (interpessoal, auditiva,
visual). Tanto a superestimulação quanto a subestimulação devem ser evitadas.
Déficits sensoriais devem ser corrigidos (uso de óculos, ap. auditivos, etc) para
melhorar o teste de realidade e minimizar percepções errôneas.
Luz artificial ou natural adequadas para oferecer estimulação visual e estimular
a variação diurna do ciclo claro-escuro.
Rádio e televisão como ligação à realidade e fonte de estimulação apropriada.
Fotografias e quadros familiares ou outras recordações para propiciar intimidade e
segurança.
Uso de relógios, calendários e dizeres de identificação pessoal, facilitam um
senso de constância e identidade.
3.9. Contato da equipe com o paciente
Dadas as dificuldades interpretativas e de memória, usar sempre frases e
termos concretos, com repetições e períodos curtos para solicitações, explicações e
orientações.
Os pacientes e seus familiares podem sentir-se tranqüilizados e confortados
quando lhes é explicado que a confusão e o comportamento alterado são resultado
de problema médico e que a melhora definitiva depende da resolução de problema
orgânico.
Os sinais vitais e o estado mental devem ser sempre monitorados diretamente
ou obliquamente quando o paciente sentir-se desconfortável ou agitado pelo exame.
Familiares e amigos podem ser reconfortantes e auxiliares preciosos na supervisão
24 horas em pacientes instáveis e agitados e com controle de impulsos
prejudicados.
As contenções toráxicas macias podem ser úteis, sobretudo quando a
contenção química é desaconselhável por diferentes motivos. A observação de
paciente contido deve ser regular e a cada 15 minutos.
3.10. Farmacoterapia
O tratamento farmacológico para o “delírium” é orientado para os sintomas-alvo
agudos e não é definitivo em si mesmo. Os sintomas alvo são: ansiedade intensa,
ilusões, delírios, alucinações, descontrole comportamental derivados dos sintomas
anteriores tais como agitação psicomotora.
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De acordo com os parâmetros da Society of Critical Care Medicine, o
Haloperidol é o agente preferido para o tratamento do “delírium” no adulto. Ele e
outros neurolépticos de alta potência têm menos probabilidade de produzir reações
adversas que os de menor potência. Na emergência, o haloperidol deveria ser
administrado por via endovenosa para um início de ação indolor, rápido e confiável e
que ocorre em +/- 10 minutos. A dosagem é variável, dependendo da intensidade
dos sintomas alvo e deve ser sempre tateada. Na média, 1-2 mg a 4 mg. pode ser o
suficiente. Aproximadamente 80% dos pacientes responderão a menos de 20 mg de
haloperidol. No nosso meio habitual, fora de ambiente de UTI, é cautelar usar a via
intramuscular, por ser prática e eficaz, tateando-se a dose eficiente. A via oral
geralmente é usada para a manutenção após o estabelecimento do controle inicial.
O nível plasmático máximo é alcançado 2-4 horas após a dose oral.
3.11. Tratando a ansiedade co-mórbida
Os pacientes internados em UTI estão freqüentemente com dor, ansiosos e
outras condições que pioram o “delírium”. Pode ser difícil diferenciar ansiedade do
“delírium”. A confusão mental que acompanha a ansiedade pode fazer com que os
pacientes tornem-se agitados e com condutas auto -destrutivas como as tentativas
de retirar equipamentos de ventilação mecânica.
As benzodiazepinas, se cuidadosamente monitoradas e administradas por via
endovenosa, podem ajudar nestas situações. Esta classe de medicamentos pode
causar depressão respiratória ou hipotensão. Elas agem sinérgicamente ao
haloperidol,. O nível de consciência e, o esforço respiratório, mesmo mantidos
devem ser monitorados. É importante lembrar que diversos fatores, incluindo a
redução do metabolismo hepático modificam a farmacocinética das
benzodiazepinas.
As escolhas preferenciais recaem no Lorazepan e Oxazepan por serem menos
afetados por fatores de conjugação hepáticos. O Midazolan dada a sua curtíssima
meia vida tem sido usado como infusão intravenosa contínua em UTIs. A dose do
Lorazepan (fármaco mais comum) é de 0,5 mg nos idosos e de 2 mg em adultos
jovens.
O alívio da dor também é muito importante e os opiáceos, no caso, são a base
da analgesia, entretanto podem contribuir para o “delírium”. Em situações agudas
devemos usar os de meia vida curta. A morfina é contra-indicada em pacientes com
insuficiência renal e a meperidina não deveria ser administrada em pacientes
delirantes por ter sido associada a alucinações.
3.12. Protocolo de combinação - Farmacoterapia para “delírium”
agitado
1. Administrar haloperido 2 mg + lorazepan 1 mg (IM ou IV) – observar a
qualidade e nível de resposta por 20 min.
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2. Administrar haloperidol 5 mg + lorazepan 2 mg; observar a qualidade e nível
de resposta por 20 min.
3. Administrar háloperidol 10 mg + lorazepan 5 mg de hora em hora, até a
sedação ser induzida e a agitação controlada; depois suspenda a medicação.
4. Use o intervalo de tempo entre a indução de sedação e o retorno da agitação
como intervalo de dosagem pelas próximas 24 horas, por ex.- se o paciente tornarse agitado após 3 horas, administre as drogas a cada 3 horas.
5. Retire o lorazepan.
6. Aumente o intervalo de dosagem do haloperidol.
7. Use a melhora do paciente como guia para a determinação de doses de
manutenção e de descontinuação. O paciente deve estar em condições de ser
trazido ao estado de alerta por estímulos verbais. Evitar a supersedação promotora
de confusão adicional e complicações como aspiração e incontinência.
3.13. Considerações especiais
Como o fígado e os rins eliminam os sedativos e analgésicos, a falha ou
insuficiência destes sistemas orgânicos requerem, planejamento e monitoração
cuidadosas. A falha de sistemas orgânicos geralmente afeta seus volumes
distributivos e liberação. Daí a importância do médico avaliar a depuração da
creatinina e a função hepática do paciente. Lembrando também que os mal nutridos
podem ter ligação plasmática reduzida, necessitando de menores e menos
freqüentes doses para evitar efeitos tóxicos.
3.14. Prognóstico e Curso da doença
Pacientes delirantes têm internações hospitalares mais longas do que
pacientes lúcidos. Metade dos pacientes com síndrome cerebral orgânica aguda
melhoram se receberem tratamento adequado. O restante, metade morrerá e a outra
metade revelará ter sinais precoces de demência.
A gravidade da doença subjacente determinará se a pessoa delirante viverá ou
morrerá, e, quanto mais deteriorada a função cognitiva na internação, piores os
resultados a longo prazo. O tratamento ideal requer conhecimento das causas do
“delírium” e esforços ativos na prevenção. Os mais idosos e com prejuízo sensorial
são os de maior risco.
O médico atento que reconhece doença sistêmica precoce e evita regimes
terapêuticos medicamentosos complicados ajuda a evitar e prevenir o “delírium”.
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BIBLIOGRAFIA
Organização Mundial da Saúde: Transtornos mentais e comportamentais, CID 10,
10ª Revisão. OMS, 1989.
Flaherty, Davis & Janicak; Psiquiatria: diagnóstico e tratamento.- 2ª ed. –Porto
Alegre: Artes Médicas, 1995.
Solomon P.& Patch V.: Manual de Psiquiatria.- El manual moderno, S.A. 3ª ed.Mexico D.F. 1992
Ebert, Michael H. : Psiquiatria: diagnóstico e tratamento.- Artmed Editora, 2002.
DEMÊNCIAS (F00 a F03)
Definição: é uma síndrome caracterizada por déficits cognitivos múltiplos
devido a uma doença cerebral adquirida por causa orgânica não especificada,
usualmente de natureza crônica ou progressiva, não redutível espontâneamente, na
qual há comprometimento de numerosas funções corticais superiores, tais como a
memória, pensamento, a orientação, a compreensão, o cálculo, a aprendizagem, a
linguagem e o julgamento.
Considerações gerais e avaliação.
A maioria das demências está associada com destruição de grandes partes do
cérebro. A autópsia mostra que o dano é resultado de doença degenerativa, doença
vascular, infecção, inflamação, tumores, hidroencefalia ou dano cerebral traumático.
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O diagnóstico baseia-se na história do paciente, no estado mental e em
exames laboratoriais, como hemograma, eletrólitos, testes de função hepática,
nitrogênio e uréia sangüínea, creatinina, albumina, vitamina B12, VDRL (Veneral
Disease Reserch Laboratory), análise urinária, e outros opcionais como folato, antiHIV, triagem para metais pesados, SPECT, PET, IRM, testagem genética para
apoliproteina E, etc.
A imagem cerebral não é uma parte rotineira do exame clínico pois raramente
são úteis para um diagnóstico. Apenas a IRM é muito útil para diferenciar demências
vasculares de hidrocefalia de pressão normal. O EEG antigamente era bastante
usado, porém a lentidão de suas ondas são de difícil interpretação e especificidade.
Raramente, a imagem leva a um tratamento definitivo, sobretudo quando a sua
etiologia é tóxica ou metabólica. Comumente o médico estabelece uma explicação
plausível ao achado clínico e o comportamento perturbado do paciente. A família
necessita de uma explicação ou interpretação dos sintomas e, de sugestões de
como lidar com seu familiar.
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