Limitações éticas à prescrição de medicamentos..._p

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Cad. IberAmer. Direito. Sanit., Brasília, v.2, n.2, jul./dez. 2013
ISSN 2317-8396
Anais dos III Congresso Iberoamericano de Direito Sanitário / II Congresso Brasileiro de Direito Sanitário
3.06
Limitações éticas à prescrição de medicamentos: dos impactos no
protocolo SUS ao posicionamento do Poder Judiciário
Ethical limitations to drug prescription: from protocols to the Judiciary understanding
João Paulo K. Forster
Advogado, Especialista em Direito Tributário e Mestre e Doutorando em Direito
Processual Civil. Professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER).
Porto Alegre, Brasil.
Andressa Fracaro Cavalheiro
Advogada, Especialista em Direito Administrativo. Mestre e Doutoranda em Direito.
Professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Francisco
Beltrão, Brasil.
Resumo: Examinam-se as questões éticas envolvendo a prescrição de
medicamentos experimentais, a partir das relações estabelecidas entre médicos e
laboratórios, a fim de averiguar seus eventuais impactos nos protocolos clínicos
determinados pelo Sistema Único de Saúde, bem como perquirir o posicionamento do
Poder Judiciário no que tange à questão. Assim, aborda-se, primeiramente, a questão
ética, a partir do Código de Ética Médica vigente e das resoluções do Conselho
Federal de Medicina que disciplinam a matéria. Ato contínuo, são perscrutados os
protocolos clínicos relacionados a diagnóstico e tratamento oncológico. Ao final,
enfrenta-se criticamente o posicionamento do Poder Judiciário, apontando a
relevância do direito fundamental ao contraditório nas demandas que envolvem
medicamentos considerados de alta complexidade. Para a consecução do presente
trabalho, utilizou-se o método de abordagem dedutivo, o de procedimento analítico
por meio da técnica de pesquisa indireta.
Palavras-Chave: Medicamentos experimentais; protocolos do SUS; relação ética
médico x laboratório; posicionamento judicial.
Keywords: Experimental drugs; SUS protocols; physician x laboratory ethical relation;
judicial rulings.
1 Introdução
As políticas públicas de saúde envolvem uma série de temas delicados, dentre
eles se destacando um debate que se repete, que é aquele da alocação de recursos.
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Assim, sabe-se que o fornecimento de medicamentos pelo Estado se dá dentro dos
limites orçamentários, a partir do cotejo de uma série de elementos dinâmicos e
conflitantes, divididos grosseiramente entre possibilidades e necessidades. Não há
como o Sistema Único de Saúde oferecer cobertura universal para todos os
medicamentos solicitados, sendo estabelecido, para tanto, uma série de protocolos a
fim de incluir/manter/excluir fármacos na listagem daqueles que podem ser
alcançados à população.
A questão de serem alguns desses medicamentos experimentais é
particularmente delicada. Sua experimentalidade não afasta por completo sua
eficácia, contudo, seus custos costumam ser elevados, reavivando a questão da
alocação de recursos. Só que, como o cidadão que necessita de tais
medicamentosnão os encontra regularmente fornecidos, só lhe resta a via judicial. Tal
conduta, sistemicamente reiterada, apresenta-se como a judicialização da saúde,
levando juízes a influenciarem políticas públicas e agirem como se fossem membros
do Executivo ou do Legislativo.
Cabe ponderar alguns passos antes da propositura de tais demandas,
justamente na relação que se estabelece entre médicos e laboratórios. Em outras
palavras, a relação ética ali firmada deve ser cuidadosa, a fim de que não traga
prejuízos para o paciente e até mesmo riscos para a saúde coletiva, uma vez mais,
por conta da alocação de recursos já mencionada. Some-se a isto a necessidade,
reconhecida pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, de se adotarem requisitos
claros para a concessão de medicamentos pelo Poder Judiciário, e verifica-se de
plano a complexidade do tema.
Não se pode olvidar do debate o exame dos Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas, além da RENAME, alterados periodicamente, o que demonstra a
dinamicidade do tema e como ele se renova constantemente. Em derradeiro,
perquire-se o papel da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS –
CONITEC, que desempenha parte fundamental do esquema proposto, a fim de
melhor compreender essas relações e de como se pode auxiliar o Poder Judiciário a
trabalhar em harmonia com os demais Poderes, valendo-se de critérios medicamente
reconhecidos para a concessão de medicamentos.
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2 Questionamentos éticos na relação médico-paciente e médico-laboratório
O respeito do direito à vida relaciona-se com pelo menos outros quatro princípios
médicos, quais sejam: respeito à autonomia do paciente, princípio da não
maleficência, princípio da beneficência e princípio da justiça (Ganthaler, 2006, p. 47).
Só que a perspectiva tradicional da relação médico-paciente encontra novos lindes no
despertar da relevância da questão da saúde pública.1
Não basta, portanto, que o profissional da saúde assegure autonomia decisória
ao seu paciente, mormente através do consentimento informado, mas também
perceba se a sua atuação é autônoma enquanto agente de promoção da saúde, isto
é, sem que sua ação esteja sob a influência de “forças externas controladoras”
(Ganthaler, 2006, p. 48). O agir médico pauta-se tanto na relação que estabelece com
seus pacientes como na perspectiva de seus outros vínculos, laborais ou não, com
outros entes, públicos ou privados.
Nessa quadra, merece destaque a dicção do primeiro princípio fundamental
insculpido na mais recente edição do Código de Ética Médica, de 2009, referindo que
a medicina é uma profissão a serviço do ser humano e da coletividade. Apura-se que
o grande objetivo da profissão médica tem como alvo a saúde humana, tanto na
dimensão pessoal, quanto na dimensão comunitária.O médico, como agente de
realização da saúde, participa dessa responsabilidade social, cabendo-lhe apoiar
todas as iniciativas tendentes a preservar e a melhorar a saúde da população. Os
princípios seguintes (VII e VIII) asseguram ao médico autonomia e liberdade no
exercício de sua profissão, e o XIV o vincula de maneira muito clara à questão da
saúde pública, fazendo com que assuma sua responsabilidade.
A questão ética compreendida na relação que se estabelece entre médico e
paciente abarca todos os demais relacionamentos que o profissional da saúde possui,
que também devem ser sopesados em panorama ético. A potencia / influência de
laboratórios ou do empregador (ainda que este seja ente estatal) desse profissional
são fatores-chave para prevenir maleficência na relação ulterior ou concomitante com
1
O termo, notoriamente polissêmico, é aqui abordado enquanto questão de interesse coletivo,
mormente pelas consequências financeiras orçamentárias diretas do problema (Pavoni, 2012, p. 37 e
seguintes). Em perspectiva mais tradicional: “É um problema de saúde pública todo aquele que diz
respeito ao bem estar de uma coletividade e reúne ações coletivas” (Fassin, 2004, p. 1017).
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quem receberá o tratamento, de forma a evitar a visualização do paciente enquanto
objeto, e não como sujeito.2
O doutrinador Elio Sgreccia (2012, p. 701 e seguintes) levanta o tema de
considerar o médico um “agente duplo”, já que ele, na maioria dos países europeus,
possui dois contratos: um com o serviço nacional de saúde que o remunera, e o
paciente que o procura. Referido tema situa-se no âmbito dos médicos que atuam
dentro do SUS no Brasil, que não é propriamente o objeto do presente estudo. O
problema da prescrição de medicamentos exsurge não dos médicos diretamente
ligados ao serviço público, mas sim dentre aqueles que praticam a medicina em
âmbito privado e, inegavelmente, também desempenham papel social fundamental
enquanto agentes promotores da saúde. O que não se pode negar, contudo, é o
interessante elemento trazido pelo indigitado autor de que os objetivos do doente e do
Estado podem ser conflitivos (Sgreccia, 2012, p. 701).
Demonstra-se necessário o exame da relação que se estabelece entre
médicos e laboratórios, a fim de que este primeiro relacionamento não afete
perniciosamente o posterior, com o destinatário do tratamento. Afinal, verifica-se
absolutamente comum que laboratórios não só disponibilizarem medicamentos
gratuitos para os médicos distribuírem a seus pacientes, mas também ofereçam
outros tipos de incentivo em matéria de pesquisa, a ponto de que o Conselho Federal
de Medicina, na Resolução 1.974/2011, tenha referido da importância, no Anexo I, da
proibição do médico de deixar de informar possível conflito de interesses em
congressos dos quais participem, por interesses comerciais ou financeiros ligados a
laboratório.3
Resta omisso por completo o Conselho Federal e mesmo os Regionais de
Medicina na temática da atuação de médicos na prescrição de medicamentos não
constantes da listagem do Sistema Único de Saúde (SUS), o que acarreta demanda
2
Essa ‘coisificação’ pode ocorrer tanto na perspectiva do médico para com seu paciente, ao lhe
ignorar direitos e anseios particulares, como na via contrária, mormente quando o paciente coloca nas
mãos do médico seu destino e esperanças infundadas de cura, ao invés de tratamento (Silva, 2008, p.
41/42).
3
“De modo geral, na propaganda ou publicidade de serviços médicos e na exposição na imprensa ao
médico ou aos serviços médicos é vedado: (...) XVI - não informar potencial conflito de interesses aos
organizadores dos congressos, com a devida indicação na programação oficial do evento e no início de
sua palestra, bem como nos anais, quando estes existirem, no caso de médicos palestrantes de
qualquer sessão científica que estabeleçam relações com laboratórios farmacêuticos ou tenham
qualquer outro interesse financeiro ou comercial.”
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maciça junto ao Poder Judiciário para obtenção de tais remédios. O Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), preocupado com esse tema, no II Encontro do Fórum
Nacional de Saúde, estabeleceu a recomendação da “Necessidade da elaboração de
enunciados para orientar os operadores de direitos e profissionais de saúde quanto a
procedimentos a serem adotados com intuito de evitar a judicialização de demandas
de saúde” (Brasil. CNJ, 2011).
Por óbvio, existem demandas diferenciadas que podem apontar a necessidade
de superar o lento procedimento burocrático do protocolo SUS para inclusão de
novos medicamentos; de outro lado, o Poder Judiciário não possui amplo rol de
experts a fim de esclarecer quais são os medicamentos efetivamente necessários e
eficazes para determinada condição. O ponto delicado não é só, como em todo caso
de saúde pública, o tema da limitação orçamentária4, mas também a atuação de
pessoas sem qualificação técnica na área da saúde determinando essa alocação de
recursos
para
aquisição
de
medicamentos
cujo
funcionamento
e
eficácia
desconhecem.
Antes da judicialização dessas prescrições, a seguir comentada, anota-se a
relevância da perspectiva ética na atuação médica. O art. 685 do Código de Ética
Médica vigente veda que o exercício da profissão se dê com interação ou
dependência de qualquer organização que comercialize produtos de prescrição
médica.6 Registra-se que a liberdade de prescrição do médico é limitada, ainda, pela
eficácia do medicamento e pelo real benefício que trará ao paciente.7 Portanto, se a
perspectiva ética reforça a preocupação com a qualificação humana do paciente
enquanto tal (Sirven, 1999, p. 201), o médico jamais poderá se deixar influenciar por
laboratórios ou quaisquer outras empresas que influenciem sua atuação, sob pena de
4
Como bem refere Michael Boylan (2000, p, 400/401), um sistema universal de saúde sempre envolve
a questão do custo e de qual o nível de prioridade que o tema ‘saúde’ possui em diferentes países.
5
Art. 68. Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, indústria farmacêutica, óptica
ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação, promoção ou comercialização de
produtos de prescrição médica, qualquer que seja sua natureza.
6
A resolução 1.595/2000 do CFM já vedava a prática em seu artigo 1º: “Proibir a vinculação da
prescrição médica ao recebimento de vantagens materiais oferecidas por agentes econômicos
interessados na produção ou comercialização de produtos farmacêuticos ou equipamentos de uso na
área médica.”
7
O Código de Deontologia Médica francês, em seu artigo 8º, assegura liberdade de prescrição,
limitado pelos limites legais e levando em conta os fatos adquiridos pela ciência, conhecendo as
vantagens, inconvenientes e consequências das diferentes terapêuticas possíveis. Sobre o desrespeito
de tal determinação, vide: Vialla, 2009, p. 197.
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grave violação de dever ético não só para com seu paciente, mas com a coletividade
integralmente considerada.
3 Perspectiva judicial: requisitos para concessão de medicamentos
Na esteira dessa judicialização das prescrições médicas no âmbito do SUS,
demonstra-se fundamental o estabelecimento de critérios mínimos a serem
considerados pelo magistrado ao apreciar pedido de fornecimento judicial de tais
medicamentos. Esses requisitos tendem a auxiliar na superação de problemas éticos
havidos entre médico e laboratório e na padronização da avaliação judicial do tema, a
fim de que problemas similares encontrem, no Poder Judiciário, respostas similares.8
Some-se a isto o fato de que a maioria das demandas propostas não se funda na
inexistência de políticas públicas, mas sim na alegação de caso diferenciado, a partir
de determinadas peculiaridades.9
A situação não é nova e, nos últimos anos, diferentes posicionamentos foram
tomados, mas sempre na perspectiva de se estabelecer critérios mínimos para a
concessão de tais medicamentos. Os pedidos, formulados em ações ordinárias
movidas contra o Município, Estado ou União Federal, geralmente são realizados em
caráter de urgência, na via da antecipação de tutela, a partir da dicção legal do artigo
273 do Código de Processo Civil, cumulada com o inciso I do mesmo dispositivo
legal. Além do requisito da prova inequívoca, o autor deverá demonstrar fundado
receio de dano irreparável.10
A irreparabilidade do dano subsiste na medida em que se trata de demanda
que envolve, sempre e sempre, tratamento sem o qual o prejuízo à saúde do autor
8
À toda evidência, não sendo o juiz um autômato, refere-se o cuidado de apontar a tendência à qual a
aplicação de tais critérios possa conduzir.
9
Como bem destacou o Min. Gilmar Mendes: “Após ouvir os depoimentos prestados pelos
representantes dos diversos setores envolvidos, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a
questão da judicialização do direito à saúde no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção
judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à
proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o
cumprimento de políticas já estabelecidas. Portanto, não se cogita do problema da interferência judicial
em âmbitos de livre apreciação ou de ampla discricionariedade de outros Poderes quanto à formulação
de políticas públicas”. STF, STA 175, Rel. Min Gilmar Ferreira Mendes, j. 17.03.2010, data de
publicação DJE 30/04/2010 - ata nº 12/2010. DJE nº 76, divulgado em 29/04/2010.
10
O requisito da prova inequívoca não se pode imaginar como prova cabal e indiscutível, mas sim
prova “robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o
magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato e de suas consequências jurídicas.” Ou seja,
a prova deve trazer segurança suficiente a fim de que o julgador possa antecipar o pleito final e, ab
initio, estender à parte o bem pretendido (Bueno, 2011, p. 36).
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tornar-se-á praticamente irreversível. De qualquer forma, sempre deve haver a
demonstração clara de qual a condição de saúde do jurisdicionado, a fim de que o
magistrado possa compreender o estado em que ele se encontra quando do
ajuizamento da ação e qual sua expectativa em relação à melhora dessa situação.
No intuito de satisfazer o requisito que ofereça ao magistrado o convencimento
da verossimilhança das alegações, pode-se estabelecer, a partir de alguns julgados,
os seguintes requisitos: (1) Legitimidade do solicitante – ainda que se trata de
questão de cunho exclusivamente processual, é fundamental que o pedido seja
formulado por quem detenha legitimidade, ou seja, pelo próprio interessado ou por
quem possa legalmente representa-lo, aí excepcionalmente incluído o Ministério
Público.11 (2) A inexistência de política pública para tratar da doença apresentada
pelo solicitante12 ou demonstração da impropriedade da política pública já vigente;13
(3) Comprovação de necessidade do fármaco, sendo insubstituível por outro já
fornecido, de caráter não experimental, e urgente.14 Não se pode imaginar que tais
requisitos possam ser preenchidos por meras alegações, o termo prova inequívoca
requer amplo substrato documental que comprove a exposição fática do solicitante,
11
“O Ministério Público Federal tem legitimidade ativa para propor ação em defesa de direito individual
indisponível, como é o direito à saúde.” Brasil, TRF 5ª R.; APELREEX 0018026-84.2009.4.05.8300;
PE; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior; Julg. 15/05/2012; DEJF 25/05/2012;
Pág. 697.
12
“2. A interferência judicial, para determinar ao Poder Público o fornecimento de tratamentos de
saúde, não pode descuidar das políticas fixadas pela Administração, a esse respeito, devendo atentar
a alguns critérios mínimos (STF, Suspensão de Tutela Antecipada 175). Assim, existindo política
estatal que abranja a prestação pleiteada pelo paciente, com previsão de dispensação do tratamento
buscado, o postulante tem direito subjetivo público a este, cabendo ao Judiciário determinar seu
cumprimento pelo Poder Público.” Brasil. TRF 4ª R.; AI 0002531-61.2010.404.0000; SC; Quarta Turma;
Relª Desª Fed. Silvia Maria Gonçalves Goraieb; Julg. 30/03/2011; DEJF 02/05/2011; Pág. 507.
13
“V. Tampouco restou provado a deficiência/inadequação do tratamento médico fornecido pelo
Sistema Único de Saúde ao enfermo, o qual recebeu da rede pública, desde que foi diagnosticado,
toda a assistência necessária, consubstanciada no fornecimento de medicamentos, realização de três
cirurgias e radioterapia. VI. Ausência de demonstração, que se requeria cabal, da impropriedade da
política pública existente para fins de tratamento do câncer e de que o paciente se encontra em
situação de excepcionalidade a respaldar a prestação pelo estado de atendimento diferenciado, não
incluído na política desenvolvida pelo SUS.” Brasil, TRF 5ª R.; APELREEX 001802684.2009.4.05.8300; PE; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior; Julg. 15/05/2012;
DEJF 25/05/2012; Pág. 697.
14
IV. Na espécie, da análise do substrato fático-probatório acostado aos autos. Especialmente do
laudo médico e da norma técnica nº 1940/2009, emitida pela coordenação geral do departamento de
atenção especializada do ministério da saúde. Não se conclui, com segurança, ser imprescindível o
uso do medicamento temozolomida (temodol) pelo paciente em questão, portador de câncer cerebral,
seja pelo caráter experimental do referido fármaco, seja pelo tipo de câncer a ser tratado, astrocitoma
grau III. Brasil, TRF 5ª R.; APELREEX 0018026-84.2009.4.05.8300; PE; Quarta Turma; Rel. Des. Fed.
Edilson Pereira Nobre Júnior; Julg. 15/05/2012; DEJF 25/05/2012; Pág. 697.
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através de atestados médicos fundamentados15, motivando a opção pelo tratamento
prescrito ao invés daquele tradicional, talvez coberto pelo SUS, bem como literatura
médica, se existente.16
De seu lado, o Estado deve apresentar justificativa para o não fornecimento, de
forma célere e adequada, especialmente nos casos em que o julgador diferir a análise
do pedido de antecipação de tutela. Com efeito, deverá realizar prova da (1) ineficácia
do tratamento; (2) possível vedação legal do emprego do fármaco requerido; (2)
alternativas viáveis e aplicáveis ao caso do autor; (4) demais negativas aos fatos
conforme apresentados pelo requerente.
À toda evidência, trata-se de mera sugestão, estando ao alcance do julgador o
acréscimo de novos requisitos, tais como a estimativa de valor do medicamento e de
similares, acaso existentes, a fim de que possa avaliar, após informações do ente
público, se há risco de grave lesão à economia ou ordem pública na concessão da
15
DIREITO À SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA ANTECIPADA. ALEGAÇÃO DE QUE O
MEDICAMENTO NÃO TEM COMPROVAÇÃO DE EFICÁCIA AO TRATAMENTO DO AGRAVADO E
QUE É DE USO EXPERIMENTAL. Evidencia-se que não se trata de medicamento experimental, pois
já vem sendo comercializado e possui registro do órgão competente, não obstante inexistir
informações precisas da eficácia no tratamento de papilomatose de laringe. No entanto, deve ser
respeitada a prescrição medicamentosa, eis que constitui ato privativo do médico assistente a escolha
por determinado medicamento, o que pressupõe o necessário exame do paciente, acompanhamento e
evolução do tratamento, sendo de sua inteira responsabilidade a prescrição, notadamente diante do
consentimento informado, ut art. 15 do Código Civil. Se o médico prescreve determinada medicação,
com certeza acredita ser a que melhor atende ao tratamento para restabelecer o paciente ou pelo
menos evitar o agravamento da moléstia, não podendo ser afastada sua disponibilidade por não
constar das listas de medicamentos elaboradas pelo ente público, o que se coaduna com o que dispõe
art. 32 da resolução CFM nº 1.931, de 17.09.2008. Neste contexto, desinfluente a alegação de que o
medicamento não é o indicado para o tratamento do agravado. Ressalte-se, que o médico que assiste
o agravado é integrante do Hospital Universitário Gaffrée Guinle, vinculado à Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro e ao SUS. Desprovimento do recurso. (TJRJ; AI 0051929-24.2010.8.19.0000;
Nona Câmara Cível; Rel. Des. Roberto de Souza Cortes; Julg. 21/06/2011; DORJ 01/07/2011; Pág.
217)
16
Ainda sobre o tema: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. FORNECIMENTO DE
MEDICAMENTO ATRAVÉS DO SUS. PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA DE GAUCHER.
MOLÉSTIA GRAVE E PROGRESSIVA. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO FÁRMACO
CEREZYME Substituição por fármaco não aprovado pela Anvisa - Remédio (cerezyme) indicado por
profissional da medicina que acompanha o paciente - Benefício sugerido pelas provas até então
produzidas - Pedido de tutela antecipada - Presença dos requisitos - Recurso provido. - Atenta,
inicialmente, contra o direito constitucional à saúde a atitude do estado de Minas Gerais consistente
em negar ao agravante, portador de doença de Gaucher, o fornecimento de medicamento indicado,
antes fornecido pelo SUS, sob o único e frágil argumento de que existe alternativa terapêutica, ainda
mais quando a medicação disponibilizada pelo SUS é ainda experimenta, não aprovada pela Anvisa. Existindo nos autos detalhado relatório confeccionado pelo médico do paciente, atestando a
necessidade do uso de um determinado medicamento para tratamento da grave enfermidade que o
acomete, impõe-se a concessão da tutela antecipada requerida na presente ação ordinária, para que
seja fornecido o fármaco pleiteado, notadamente se há relatos de que a alternativa terapêutica é
utilizada em caráter experimental. v. V. (TJMG; AGIN 0148574-45.2011.8.13.0000; Belo Horizonte;
Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Armando Freire; Julg. 25/10/2011; DJEMG 03/02/2012).
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medida. O que se pretende evitar, com a necessidade de tais cuidados, é que o
Poder Judiciário se torne realizador de políticas públicas com igual intensidade àquela
dos Poderes Executivo e Legislativo, ferindo o princípio da Separação dos Poderes.
4
Algumas
considerações
sobre
os
Protocolos
Clínicos
e
Diretrizes
Terapêuticas do SUS
Feitas as considerações constantes dos itens acima, especialmente as
relacionadas pelo item 4, nossa intenção, a partir de agora, é descortinar alguns
dispositivos legais que possam servir de base não só a um melhor diagnóstico e
tratamento de algumas doenças, mas também, subsidiar o trabalho do magistrado ao
ter de decidir acerca de demandas cujo pedido refira-se ao fornecimento de fármacos
(medicamentos).
Neste sentido, é preciso ressaltar que todas as fontes consultadas para
construção deste tópico encontram-se disponíveis no sítio eletrônico do Ministério da
Saúde, sendo, portanto, de acesso bastante facilitado. Assim, pretende-se
demonstrar a existência de critérios técnicos estabelecidos para o trato de diversas
patologias, cujo cumprimento deve(ria) ser observado.
Segundo a página institucional do Ministério da Saúde (portal da saúde) o
objetivo dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticasé o estabelecimento claro
dos critérios de diagnóstico de cada doença, o algoritmo de tratamento das doenças
com as respectivas doses adequadas e os mecanismos para o monitoramento clínico
em relação à efetividade do tratamento e a supervisão de possíveis efeitos adversos.
A preocupação também está centrada na ética e na técnica, já que os PCDT
objetivam, ainda, a criação de mecanismos que garantam a prescrição segura e
eficaz.
Partindo-se do pressuposto de que a equipe que elabora os PCDT é
constituída por técnicos competentes e dada a presunção de veracidade que gozam
as informações emanadas dos órgãos públicos, o não cumprimento dos Protocolos e
Diretrizes deveria ser pouco comum.
Existem diversos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas relacionados às
mais variadas doenças, entre as quais se pode citar: esclerose lateral amiotrófica,
síndrome de Guillain-Barré, hiperplasia adrenal congênita, doença falciforme, doença
de Alzheimer, epilepsia, síndromes coronarianas agudas, acidente vascular verebral,
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imunossupressão no tratamento renal, acromegalia e mesmo a doença de Gaucher,
objeto da decisão judicial objeto da nota 21.
Assim, dentro os requisitos aventados no item 4, a comprovação de
necessidade de fármaco, sendo insubstituível por outro já fornecido, dever(ria) se dar
mediante comprovação de que todo o protocolo clínico existente relativo àquela
doença foi realizado de maneira correta e, ainda assim, o paciente não obteve
melhora.
A obrigatoriedade do cumprimento destes protocolos e diretrizes não deve se
dar exclusivamente pelos médicos assistentes somente em âmbito SUS, mas
também os que compõe a rede privada de saúde, cujo acesso aos protocolos e
diretrizes é também irrestrito. Não se trata, em nosso sentir, de interferir em ato
privativo do médico assistente quanto à escolha por determinado medicamento, mas
de preservar a saúde do paciente, já que muitos dos medicamentos indicados são de
caráter experimental (caso das jurisprudências constantes das notas de rodapé 21 e
12), ao contrário dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, que são resultado
de consenso técnico-científico e formulados dentro de rigorosos parâmetros de
qualidade, precisão de indicação e posologia.
Obviamente que os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas não são
imutáveis e, se outro fármaco for de fato considerado mais eficaz a um determinado
tratamento, podem ser revistos. Aliás, o Ministério da Saúde atualiza, a cada dois
anos, a Relação Nacional de Medicamentos (RENAME) e os protocolos clínicos e
diretrizes terapêuticas, conforme determina o parágrafo único do artigo 26, do
Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de
setembro de 1990.
Portanto, nosso entendimento é de que o descumprimento de tais critérios
deve
ser
autorizado
somente
em
situações
excepcionais
e
devidamente
comprovadas, com indicação de substituição de tratamento (medicamentoso ou de
intervenção cirúrgica) devidamente fundamentada. Além disso, o paciente seria
melhor beneficiado se tivesse em seu receituário medicamento constante de lista
geral (RENAME) do que um cuja aquisição necessariamente dependesse de
autorização judicial. Obviamente que esta observação ser refere aos casos de
medicamentos disponibilizado e, portanto, constante de políticas públicas de
assistência farmacêutica, não se referindo, portanto, aos casos onde o medicamento,
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embora constante da Relação Nacional de Medicamentos, não se encontra
disponível.
Mas e quanto aos casos de doenças que não estão abarcadas por protocolos
clínicos ou diretrizes terapêuticas? Qual o procedimento que deve ser adotado? Para
respondermos a esta questão, necessário será falarmos um pouco sobre Assistência
Terapêutica e Incorporação de Tecnologia em Saúde, objeto do nosso próximo item.
5 A Assistência terapêutica e incorporação de tecnologia em saúde: o papel da
Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC
A Lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação
da
saúde,
a
organização
e
o
funcionamento
dos
serviços
correspondentes e dá outra providência e que, ao lado da Lei 8.142, de 28 de
dezembro de 1990, que dispõe sobre participação da comunidade e financiamento do
SUS, são consideradas como a Lei Orgânica da Saúde (LOS), teve recentes e
importantes alterações que dizem respeito à incorporação de tecnologia.
Assim, a Lei 12.401, de 28 de abril de 2011, alterou a Lei 8.080/90 para dispor
sobre a assistência terapêutica e a incorporação de tecnologia em saúde no âmbito
do SUS, incluindo, nesta lei, o capítulo VIII, que disciplina a matéria. A primeira
informação importante, é que esta alteração esclarece o que se deve considerar por
assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d, inciso I, do art. 6º da
mesma lei:
Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d
do inciso I do art. 6º consiste em:
I – dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a
saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes
terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo
à saúde a ser tratado ou, na falta de protocolo, em conformidade com
o disposto no art. 19-P;
II – oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar,
ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo
gestor federal do Sistema Único de Saúde – SUS, realizados no
território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.
Note-se, portanto, que além da definição de em que consiste a assistência
integral terapêutica, a dispensação de medicamentos somente pode ocorrer em
conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a
doença ou o agravo a ser tratado. Desta feita, no item anterior defendeu-se nada
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além do cumprimento da disposição normativa existente sobre a matéria, e que, a
exemplo do que nos traz as decisões mencionadas, não está sendo observada pelo
Judiciário.
Mas vejamos, assim, o que determina a lei sobre o procedimento a ser adotado
para doenças ou agravos ainda não contemplados por diretrizes terapêuticas
definidas em protocolos clínicos. Sobre isto, tem-se:
Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a
dispensação será realizada:
I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor
federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei,
e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão
Intergestores Tripartite;
II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma
suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas
pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo
fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite;
III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base
nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais
do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no
Conselho Municipal de Saúde.
Em linhas gerais, a dispensação dos medicamentos deverá ser feita
exclusivamente com base nas relações de medicamentos federal, estadual ou
municipal, já que, em muitos casos, um mesmo medicamento pode tratar patologias
diversas. De toda forma, a ideia é que se respeite a listagem fornecida, atualizada a
cada dois anos. Claro que, em não havendo uma política pública sobre determinada
doença, ou não constando medicamento na listagem oficial, há que se avaliar melhor
o caso concreto, nunca esquecendo que o objetivo é não inviabilizar o SUS, já que a
saúde, como direito social, é direito de todos e não de um só.
Mas a quem compete a incorporação, a exclusão ou a alteração de
medicamentos, produtos e procedimentos? De acordo com o artigo 19-Q da Lei
8.080/90, a incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos
medicamentos, produtos e procedimentos, ou mesmo a constituição ou a alteração de
protocolo clínico ou diretriz terapêutica são atribuições do Ministério da Saúde. Para
cumprir com tal desiderato conta o Ministério da Saúde com a ajuda da Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC.
A CONITEC está regulamentada pelo Decreto nº 7.646, de 21 de dezembro de
2011, que, ainda, dispõe sobre o processo administrativo para incorporação, exclusão
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e alteração de tecnologias em saúde pelo SUS. Sua estrutura de funcionamento
compõe-se por um plenário e uma secretaria executiva. Compete ao plenário a
emissão de relatórios e pareceres acerca da incorporação, exclusão ou alteração,
pelo SUS, de tecnologias em saúde, na constituição ou alteração de protocolos
clínicos e diretrizes terapêuticas e na atualização da RENAME.
O Plenário da CONITEC é composto de treze membros, com direito a voto,
representantes de órgãos e entidades, indicados por seus dirigentes. O Ministério da
Saúde tem direito a indicar sete membros, representantes dos seguintes órgãos: a)
Ministério da Saúde, com os seguintes órgãos: a) Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, que obrigatoriamente presidirá o
Plenário; b) Secretaria-Executiva; c) Secretaria Especial de Saúde Indígena;
d) Secretaria de Atenção à Saúde; e) Secretaria de Vigilância em Saúde; f) Secretaria
de Gestão Estratégica e Participativa; e g) Secretaria de Gestão do Trabalho e da
Educação na Saúde. Os demais órgãos a indicarem membros são: Agência Nacional
de Saúde Suplementar, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Conselho Nacional
de Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde; Conselho Nacional de
Secretarias Municipais de Saúde; e Conselho Federal de Medicina, que deve indicar
um especialista na área.
A diversidade de membros pode, em nosso sentir, garantir uma melhor análise
das alterações, inclusões, exclusões e protocolos e diretrizes, fazendo com que o
SUS realmente possa oferecer aos seus usuários ações e serviços de saúde, bem
como dispensação de medicamentos seguros e eficazes. A diversidade também pode
ajudar a evitar lobbys de grandes laboratórios e indústrias farmacêuticas, auxiliando o
atingimento do bem coletivo e não dando ênfase a interesses particulares.
A CONITEC, ao tratar dos assuntos de sua competência, deve levar em
consideração, necessariamente: (a) as evidências científicas sobre a eficácia, a
acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento
objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização
de uso e (b) a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em
relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos
domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.
Dessa obrigatoriedade pode-se inferir o objetivo de atingir uma racionalidade
no sistema, já que, além das evidências científicas acerca da tecnologia em questão,
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deve também levar em conta os benefícios e os custos que envolvem essa
tecnologia. Ainda que possa haver vozes destoantes, os limites financeiros devem ser
sempre levados em conta, já que a realidade das sociedades contemporâneas nos
mostra uma equação por vezes difícil de compatibilizar: aumento de demandas e
finitude de recursos. Não se está aqui a advogar a tese de que a simples alegação de
“reserva do possível” seja argumento apto a impedir o acesso às ações e serviços de
saúde, mas é preciso lembrar que sendo o SUS um sistema de saúde universal, com
quase 190 milhões de usuários, é preciso evitar sua desestabilização orçamentária.
Por fim cumpre mencionar que a incorporação, a exclusão e a alteração de
tecnologias, protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas serão sempre efetuadas
mediante a instauração de processo administrativo, cujo prazo de conclusão não
pode ser superior a 180 dias, ainda que possa ser prorrogado por mais 90 dias. O
prazo, dada a complexidade da matéria, não nos parece desarrazoado. Ainda vale a
pena mencionar que o interessado nos procedimentos de alteração, exclusão ou
alteração antes mencionados, deve seguir alguns requisitos, como entrega de
documentação e de amostras do produto (em sendo o caso). Outro ponto
interessante é a realização de consulta pública que inclua a divulgação do parecer
emitido pela CONITEC, bem como de outra audiência pública, antes de tomada a
decisão, se houver matéria cuja relevância justifique a convocação. Seria, pois, uma
tentativa de propiciar uma maior participação comunitária ao sistema, em
cumprimento à diretriz da participação comunitária que rege o SUS.
Em nosso sentir, todos esses são pressupostos a serem levados em
consideração quando das decisões cujo mote seja a judicialização da saúde,
notadamente no que tange à dispensação de medicamentos e, mais ainda, pelos
médicos assistentes nas relações com seus pacientes.
6 Conclusão
A nova ética que envolve a relação médico-paciente deve pautar-se tanto na
relação que estabelece com seus pacientes como na perspectiva de seus outros
vínculos, laborais ou não, com outros entes, públicos ou privados. A medicina é uma
profissão a serviço do ser humano e da coletividade.
Sendo, portanto, uma profissão a serviço do ser humano, deve ser
absolutamente cuidadosa no que tange à prescrição medicamentosa, notadamente
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no que tange à prescrição de medicamentos experimentais. Influências externas não
podem significar qualquer prejuízo ao ser humano sob seus cuidados. Sendo,
também, uma profissão a serviço da comunidade, deve o médico ter em mente o
sistema de saúde do Brasil, o SUS, do qual todos fazemos uso, ainda que
indiretamente. Assim, sua prescrição também deve levar em consideração a
racionalidade do sistema. Os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas devem ser
seguidos, porque resultado de consenso técnico-científico, formulados dentro de
rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia.
Assim, nos parece indispensável que a prescrição medicamentosa deva levar
em consideração o respeito ao ser humano e à coletividade, numa demonstração
inequívoca da ética que deve pautar a relação médico-paciente e médico-sociedade;
isso não significa interferir na prescrição medicamentosa, enquanto ato privativo do
profissional médico, significa, ao contrário, pautar sua atividade por meio de critérios
técnico-científicos que objetivam simplesmente oferecer o tratamento mais seguro e
eficaz possível.
Também os magistrados deve(ria)m levar em consideração os critérios
estabelecidos nos diversos diplomas legais mencionados, já que assim emitiriam
decisões mais seguras e ajustadas à política de saúde estabelecida, demonstrando
não só o conhecimento do sistema de saúde brasileiro, mas a preservação da saúde
enquanto direito social, o que significa que, sendo de todos, é de cada um
individualmente.
Neste sentido, é forçoso dizer que algumas decisões judiciais acabam
atentando com o próprio SUS e, assim, contra o próprio direito à saúde que, enquanto
coletivo, não deve ser dado somente aqueles que podem acessar o judiciário. É
preciso levar em consideração o impacto orçamentário de sua decisão. Conceder a
dispensação de um medicamento que não faz parte das listagens de medicamentos
das três esferas federais ou mesmo dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas
deve ser uma exceção, nunca a regra e, por isso mesmo, somente pode ser feito
depois de farta justificativa e comprovação terapêutica que supere os protocolos e
diretrizes.
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