a efetividade da medida de segurança no brasil

Propaganda
UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS UNIPAC
FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DE BARBACENA
- FADI
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA
A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL
BARBACENA
2011
JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA
A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL
Monografia apresentada ao curso de
Graduação em Direito da Universidade
Presidente Antônio Carlos – UNIPAC, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Esp. Paulo Afonso de
Oliveira Júnior
BARBACENA
2011
JOÃO VITOR MONTEIRO DE SOUZA
A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL
Monografia apresentada ao Curso de Graduação da Universidade Presidente Antônio
Carlos – UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Esp. Paulo Afonso de Oliveira Júnior
Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC
Prof. Esp. Marcos Sampaio Gomes Coelho
Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC
Prof.ª Esp. Josilene Nascimento Oliveira
Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC
Aprovada em ______/______/______
AGRADECIMENTOS
Este trabalho não é o resultado de um esforço individual, mas de uma rica troca de
experiências, conhecimentos e ideias com diversas pessoas, entre estas o meu agradecimento
especial:
À Deus e a Nossa Senhora Aparecida por me proteger e iluminar meus caminhos.
À minha família pelo apoio e amor em todos os momentos.
Aos professores pela oportunidade de aprender, e pela excelência em ensinar, em
especial a Josilene, Paulo Afonso, Fernando e Luiz Carlos.
Aos meus irmãos de coração Cybelle e Marcell pela paciência, generosidade e
amizade.
À todos os funcionários do HPJJV, que dividem comigo a possibilidade de
crescimento profissional e pessoal. E ainda por terem me ajudado a realizar este trabalho, em
especial ao Alexandre, Aparecida, Eliane, Fabiana, Fátima, Fernando, Gilmar, Glauce, Kênia,
Marli, Paulo César, Stela, Vera.
Ao coordenador de saúde mental do estado de Minas Gerais Dr. Paulo Roberto
Repsold e a Juliana.
Aos colegas da SAIGV Ludmila, Valéria e Roney.
À todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho, meus
sinceros agradecimentos.
Dedico este trabalho às pessoas que mais amo,
pois foram elas que me deram força para fazê-lo
e por elas, faço tudo. Em especial a minha Mãe,
meu Pai, ao Luís e a Ariane.
“O gênio, o crime e a loucura, provêm, por
igual, de uma anormalidade; representam, de
diferentes maneiras, uma inadaptabilidade
ao meio”.
Fernando Pessoa
RESUMO
A presente Monografia buscou se aprofundar no estudo das Medidas de Segurança no Brasil,
principalmente no que tange a sua efetividade e aplicabilidade. Para tanto foram analisados os
tópicos necessários para a elucidação do assunto em voga, para a busca de um tratamento
mais humanizado e eficiente. Trata-se de um tema muito discutido pelos especialistas,
principalmente pelos entusiastas da Luta Antimanicomial. Inicialmente coube o estudo da
evolução histórica da inimputabilidade até a instituição da Medida de Segurança.
Posteriormente busca-se a definição do que consiste a MS em suas mais variadas definições e
classificações. Por fim são apresentadas as evoluções ocorridas no país quanto ao tratamento e
a ressocialização dos pacientes em Medida de Segurança, novas experiências que são
fundamentais para a transformação que devem passar as MS no país, mas não são as únicas
medidas a serem adotadas no tratamento e ressocialização do doente, e ainda que não possam
cometer o erro de substituir integralmente o trabalho realizado pelos Hospitais de Custódia,
pois estes apesar de suas deficiências são fundamentais no tratamento e prevenção social.
Este trabalho não pretende defender nenhum tipo de ideologia, mas sim de forma imparcial,
buscar novos horizontes para o tratamento digno e para segurança de todos.
Palavras-chave:
Custódia.
Direito Penal. Medida de Segurança. Ressocialização. Hospitais de
ABSTRACT
This monograph has sought to deepen the security measures study in Brazil, especially in
regard to effectiveness and applicability. Therefore, we analyzed the topics required for the
subject in vogue elucidation, to search for a more humane and efficient. It is a subject much
discussed by experts, mainly by Anti-Asylum enthusiasts. Initially the study fit the historical
evolution of the incapacity until the institution of a safety measure. Subsequently seeks the
definition of what constitutes the safety measure in its various definitions and classifications.
Finally we present the developments occurring in the country regarding the treatment and
rehabilitation of patients in a safety measure, new experiences that are fundamental to the
transformation that must pass the SM in the country, but are not the only measures to be
adopted in the treatment and rehabilitation the patient, and still cannot make the mistake of
fully replacing the Hospitals Trust work, as these despite their disabilities, are fundamental in
the treatment and social prevention. This paper does not intend to defend any kind of
ideology, but impartially, seeking new horizons for the fair treatment and safety of all.
Keywords: Criminal Law. Security Measure. Resocialization. Custody Hospitals.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO..............................................................................................
9
2
BREVE HISTÓRICO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA......................................................................
Brasil Colonial................................................................................................
Ordenações Afonsinas....................................................................................
Ordenações Manuelinas.................................................................................
Ordenações Filipinas......................................................................................
Código Criminal do Império..........................................................................
Código Penal de 1890 e a Lei dos Alienados................................................
Consolidação das Leis Penais ou Código de Piragibe...................................
O Código Penal de 1940 e a reforma de 1984..............................................
11
11
12
12
12
13
14
15
16
2.1
2.1.1
2.1.2
2.1.3
2.2
2.3
2.4
2.5
3
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
3.6
3.7
3.7.1
4
4.1
4.2
4.3
4.4
4.5
4.6
5
RESPONSABILIDADE PENAL DO DELINQUENTE PORTADOR DE
TRANSTORNO MENTAL E A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE
SEGURANÇA...............................................................................................
Conceito e natureza jurídica das medidas de segurança................................
A inimputabilidade penal e a semi-imputabilidade penal na medida de
segurança.......................................................................................................
Pressupostos para aplicação da medida de segurança...................................
Do exame de sanidade mental.......................................................................
Espécies de Medida de Segurança.................................................................
Prazos das Medidas de Segurança.................................................................
Exame de cessação de periculosidade e desinternação e liberação
condicionais...................................................................................................
Desinternação progressiva............................................................................
18
18
20
22
24
25
26
27
29
A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL.............
Estabelecimentos de custódia e situação atual no Brasil...............................
Situação Atual dos Estabelecimentos de Custódia no Estado de Minas
Gerais.............................................................................................................
Implementação da Reforma Psiquiátrica na execução das Medidas de
Segurança.......................................................................................................
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)................................................
As Residências Terapêuticas.........................................................................
A Experiência do Programa de Atenção Integral ao paciente judiciário
portador de sofrimento mental – PAI-PJ.......................................................
31
31
CONCLUSÃO...............................................................................................
45
33
35
38
40
42
REFERÊNCIAS.............................................................................................. 48
9
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado com o objetivo de se aprofundar nos estudos das Medidas
de Segurança (MS), principalmente no que diz respeito a sua efetividade no Brasil. Visando
promover uma discussão sobre o tema proposto, com a finalidade de se aperfeiçoar as
tratativas sobre o assunto e traçar possíveis soluções para o mesmo.
Para a iniciação no estudo, importante se faz a análise histórica sobre o assunto,
principalmente no que tange a evolução da inimputabilidade penal, pois a Medida de
Segurança somente foi introduzida na legislação brasileira pelo Código Penal de 1940, antes
disso se discutia somente a inimputabilidade penal, o sujeito portador de transtorno mental,
obtinha atenuantes em sua pena ou era isento dela.
Posteriormente é apresentado o instituto das Medidas de Segurança com as suas
diversas peculiaridades, sua conceituação, as diferenças entre a inimputabilidade e a semiimputabilidade, os pressupostos necessários para a aplicação das mesmas, o exame de
sanidade mental que é requisito para a imposição da medida, e suas especificações, a
classificação das duas espécies de MS que podem ser tanto de internação como de tratamento
ambulatorial, quanto aos prazos que atualmente recebem a maior crítica da corrente contrária
a Medida de Segurança, pela não estipulação em lei do prazo máximo para cumprimento das
mesmas. Ainda são abordados os critérios utilizados para a desinternação do paciente em MS
elucidando a importância da realização do exame de cessação da periculosidade. E por fim
explica que a maior novidade da matéria, versa sobre a desinternação progressiva, inserida na
execução das MS por terem fundamental função de ressocialização, é uma desinternação
vigiada e controlada, dependendo dos resultados obtidos pelo paciente durante a
progressividade da desinternação para sua efetivação.
O último capítulo se destina a discussão da real efetividade das MS no país, a condição
atual a que são realizadas, principalmente com a elucidação de dados que fornecem um
panorama da crítica situação vivida no país pelos pacientes em MS. São apontadas ainda as
alterações que a lei 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica) trouxe a aplicação das MS, como
o fechamento de leitos para internações de pacientes psiquiátricos em contrapartida ao
incentivo aos tratamentos extra-hospitalares ou tratamentos substitutivos. A partir de então
grande revolução no tratamento dos portadores de sofrimento mental se iniciou. A
ressocialização, as novas ferramentas e iniciativas para tratamentos mais eficientes
priorizando a atenção extra-hospitalar, são tratadas com destaque na parte final do trabalho,
10
que descreve a importância dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), das Residências
Terapêuticas e do trabalho realizado pelo Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário
Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ). São iniciativas inovadoras que fazem parte da
solução dos problemas encontrados nas MS e que podem dar maior efetividade as instituto
pois permitem a continuação do tratamento em caráter ambulatorial.
Importante ressaltar que a efetividade das MS nos dias atuais depende
primordialmente da ressocialização do paciente, o tratamento e até mesmo a internação fazem
parte deste processo, mas deve-se buscar sempre a possibilidade da reinserção do paciente na
sociedade, para que os erros do passado, quais sejam, transformar os Hospitais Psiquiátricos
em um depósito de pessoas, não voltem a ocorrer no Brasil.
Por fim deve-se refletir sobre qual será o futuro que a sociedade escolherá, devemos
excluir os loucos do convívio social? Ou correr o risco de conviver com eles em sociedade?
11
2 BREVE HISTÓRICO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NA LEGISLAÇÃO
BRASILEIRA
No estudo dos tratamentos ao longo da história dispensados ao louco infrator, observase a falta de políticas públicas e legislações especializadas e ainda muitas vezes da falta de
tratamento adequado e humanizado para doentes mentais de uma forma geral, e de forma mais
acentuada quando se tratam de doente mental em conflito com a lei.
Pela análise histórica no Brasil da relação entre o direito e a doença mental, em
princípio se observa uma falta de repressão, de punição ao louco infrator, que era visto como
um problema da família e ela deveria controlá-lo. Posteriormente, com o surgimento das
regulamentações passou-se a julgar e condenar os loucos infratores, ignorando a doença que
portavam, deveriam ter o mesmo tratamento de outros criminosos. Por fim, surge nesse
cenário o instituto da MS, que nasce com a pretensão de ser o meio termo, com a ideia de
tratamento e prevenção.
O surgimento das MS como sanção penal, para infratores portadores de doença
mental, em substituição as penas, se fez necessário tendo em vista as particularidades de
tratamento desses indivíduos. O doente mental não poderia sofrer a mesma sanção penal de
um agente comum, se cometeu o ilícito penal em função de seu sofrimento mental. Esta ideia
veio ao encontro do desenvolvimento da psiquiatria forense no Brasil e nos estudos sobre a
doença mental no mundo, com isso os psiquiatras se juntaram ao judiciário na análise dos
casos para melhor indicação da resposta penal do Estado a ser utilizada.
2.1 Brasil Colonial
Durante o Brasil Colonial pode-se destacar no campo do direito, as ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas que nada mais eram do que uma compilação de títulos que
visavam regulamentar as relações humanas durante todo o período colonial. Vale ressaltar que
as ordenações vigentes neste período advinham do direito romano e do direito canônico,
portanto tinham grande fundamentação nos preceitos religiosos, fazendo com que em muitos
casos, crime e pecado se confundissem.
Todas as três ordenações do período continham essencialmente a mesma estrutura,
12
eram organizadas em cinco livros principais que se assemelham aos códigos atuais, cada livro
tratava de um assunto diferente e continha vários títulos sobre o tema. A matéria criminal era
tratada no Livro Quinto, temido por suas penas cruéis e desumanas, a pena de morte nesse
período era utilizada em larga escala (JESUS, 2010).
2.1.1 Ordenações Afonsinas
Foi a primeira compilação oficial do século XV e primeira do Brasil, foi aprovada
durante o reinado de Dom Afonso V, e mandada elaborar anos antes pelo Rei da Boa
Memória. Contendo 121 títulos ao total, foi elaborada pelos chanceleres da época João das
Regras, João Mendes Cavaleiro e Rui Fernandes, vale lembrar também que foi o primeiro
código da Europa.
Foi, portanto, uma importante fonte para o conhecimento do direito da época,
ocupando uma destacada posição na história do direito português, perdurando até 1521.
2.1.2 Ordenações Manuelinas
As Ordenações Manuelinas foram à evolução das reformas Afonsinas, iniciada por
ordem de Dom Manuel, teve o objetivo de corrigir e atualizar as normas vigentes visando a
modernização da legislação da época. Trouxe importantes alterações como a inclusão de todas
as leis extravagantes publicadas e não codificadas desde as ordenações passadas.
Continham 113 títulos e foram consideradas as primeiras ordenações a serem
utilizadas no Brasil, já que a colonização se fez efetivamente a partir de 1532, com Martim
Afonso de Souza.
Ficaram marcadas por ser o primeiro código do mundo a ser publicado pela imprensa,
o que deu maior visibilidade e efetividade as mesmas.
2.1.3 Ordenações Filipinas
Como suas antecessoras, tiveram o objetivo de atualizar as legislações anteriores,
revogando as ordenações Manuelinas. Foram elaboradas por determinação do Rei da Espanha
e Portugal, Felipe I, que exigia a compilação das novas ordenações com raízes espanholas. Foi
13
o primeiro Código Penal e Processual Penal e também o ordenamento jurídico que mais
tempo vigorou no país, por mais de dois séculos.
As Ordenações Filipinas ainda não previam sanções para os doentes mentais, e
consideravam inimputáveis apenas os menores da seguinte forma: mencionava o
desenvolvimento mental incompleto no capítulo da responsabilidade penal, aplicando a pena
integralmente aos maiores de 20 anos, deixando ao critério do julgador a redução do castigo
quando se tratasse de infrator com idade entre 17 e 20 anos, tendo este que ponderar no caso
concreto, as circunstâncias e as maneiras com que o crime fora cometido, além da avaliação
da pessoa do menor, podendo este receber a pena integral, de acordo com tal critério, mas
sendo vedada a pena de morte e abrindo-se espaço para substituição da pena (D’URSO, 1999,
p. 135).
De acordo com D’Urso (1999) nas Ordenações Filipinas rezavam ainda que não se
poderia imputar fato ilícito àquele que não poderia obrar com dolo ou culpa, visto ser louco,
insensato ou doente.
2.2 Código Criminal do Império
O Código Criminal do Império do Brasil de 16 de dezembro de 1830, foi o primeiro
código autônomo da América Latina e o primeiro código penal nacional, foi sancionado pelo
então imperador Dom Pedro I. O código foi elaborado de acordo com a Constituição do
Império de 25 de março de 1824, importante diploma legal na época por ter abolido todas as
penas cruéis pelo dispositivo dos direitos e garantias individuais.
Foi também o primeiro a abordar explicitamente a figura do louco em conflito com a
lei, como no artigo 10º § 2º, que dizia:
Art. 10- Tambem não se julgarão criminosos:
(...)
§ 2º Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles
cometterem o crime. (grafia original)
E ainda no artigo 12º que determinava:
Art. 12
Os loucos que tiverem commettido crimes, serão recolhidos ás casas para elles
destinadas, ou entregues ás suas familias, como ao Juiz parecer mais conveniente.
(grafia original)
14
Portanto de acordo com a redação dada aos referidos artigos, os loucos que cometiam
crime neste período, deveriam ser entregues a sua família ou internados em locais destinados
ao tratamento destes. Sobre as instituições destinadas para o tratamento de loucos infratores
nesta época não existiam, tornando a lei inaplicável pela falta de condições de cumprimento
da mesma, já o tratamento da época deixava muito a desejar, fazendo com que a entrega dos
infratores as famílias fossem a conduta mais utilizada. Importante lembrar que a determinação
de internação ou entrega a família deveria ser feita pelo juiz de acordo com sua convicção
pessoal, não tendo nenhum tipo de auxílio médico para sua decisão.
A possibilidade de internação dos loucos que cometeram crime, ventilada pela
primeira vez na legislação pátria pode se dizer que tratava-se já de uma MS, claro que de
forma precária à época, mas com o propósito de se tratar e custodiar em instituições próprias
os loucos infratores, propósito este que no Brasil é seguido até os dias atuais.
2.3 Código Penal de 1890 e a Lei dos Alienados
Com a proclamação da república em 15 de novembro de 1889, realizada através do
golpe militar comandado pelo Marechal Manuel Deodoro da Fonseca, o então ministro da
justiça Campos Sales em meio a novas aspirações por reforma, designou o conselheiro João
Batista Pereira para elaboração de uma nova legislação criminal para a recém-formada
república. Nascia então o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, através do Decreto nº
847, de 11 de outubro de 1890.
O código penal republicano manteve o mesmo tratamento aos loucos infratores de seu
antecessor, como pode-se observar o artigo 27:
Art. 27 Não são criminosos:
(...)
§ 3º Os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, fôrem
absolutamente incapazes de imputação;
§ 4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de inteligência
no acto de commeter o crime.
(...) (grafia original)
Importante ressaltar que a partir desse momento a decisão do magistrado na escolha
pela internação ou entrega a família do paciente, deveria ser acompanhada de uma
fundamentação legal, restringindo a internação aos alienados que colocassem em risco a
segurança e ordem públicas como delimitado no artigo 29, in verbis:
15
Art. 29.
Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental serão
entregues às suas famílias, ou recolhidos a hospitaes, de alienados, se o seu estado
mental assim exigir para a segurança do público. (grafia original)
Grande evolução neste período ocorreu pelo Decreto nº 1.132, de 22 de Dezembro de
1903, que ficou conhecido como a Lei dos Alienados. Foi a primeira legislação brasileira a
tratar especificamente dos alienados e da alienação mental. Na elaboração do decreto, o
Estado garantiu a internação de infratores portadores de moléstia mental (nomenclatura usada
na época), foi um grande progresso no sentido de se estabelecer regras e normas, com a
justificativa da garantia da segurança coletiva, com a intenção de se estabelecer uma política
nacional de tratamento aos alienados. Novidade do Decreto foi trazer a figura do psiquiatra
para assessoramento judicial, dando grande importância a essa classe que a essa altura
histórica, avançava no estudo dos doentes mentais no Brasil.
2.4 Consolidação das Leis Penais ou Código de Piragibe
O Desembargador Vicente Piragibe, confeccionou e publicou um livro intitulado
“Código Penal Brasileiro, Completado com as Leis Modificadoras em vigor”, este trabalho
continha quatro livros e quatrocentos e dez artigos. Piragibe conseguiu reunir os códigos
anteriores e todas as leis criminais à época obtendo grande êxito na confecção do mesmo, com
a aprovação de grande parte da comunidade jurídica da época. Getúlio Vargas, Chefe do
Governo Provisório, observou o sucesso da atualização da legislação criminal feita por
Piragibe, e solicitou ao autor autorização para oficializá-la como a “Consolidação das Leis
Penais”, e assim o fez através do Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932.
Em sua obra, Vicente Piragibe tratou o louco infrator com influência direta das
legislações anteriores, principalmente no que concerne a despenalização do louco infrator,
como pode-se observar no Artigo 27 do referido decreto, in verbis:
Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º os menores de 14 annos;
§ 2º os surdos mudos de nascimento, que não tiverem recebido educação nem
instrucção, salvo provando-se que obraram com discernimento;
§ 3º os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente
incapazes de imputação;
§ 4º os que se acharem em estado de completa perturbação de sentimentos e de
16
inteligência no acto de commetter o crime. (grafia original)
Importante se faz observar nesta transcrição, que a exceção aos intervalos de lucidez
para penalização dos loucos infratores feita pelas legislações anteriores, foi suprimida pelo
Código de Piragibe.
Modificação importante também, quanto ao tratamento dispensado ao louco infrator
foi tratada no Artigo 29, define que em caso de constatação da necessidade da internação para
garantia da segurança pública a mesma deve ser aplicada mesmo na falta de “manicomios
criminaes”, como podemos observar na transcrição literal do referido artigo:
Art. 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de affecção mental
serão entregues a suas famílias, ou recolhidos a hospitaes de alienados, si o seu
estado mental assim o exigir para a segurança do público. Emquanto não possuirem
os Estados manicomios criminaes, os alienados delinquentes e os condemnados
alienados somente poderão permanecer em asylos públicos, nos pavilhões que
espacialmente se lhes reservem. (grafia original)
2.5 O Código Penal de 1940 e a reforma de 1984
A partir do Código Penal de 1940, a legislação brasileira seguindo uma tendência
mundial, passa a adotar a MS para os infratores portadores de doenças mentais, em moldes
bem semelhantes ao que é adotado atualmente, até porque essa legislação vigora até os dias
atuais. Pela primeira vez na lei pátria foi abordada a MS como uma forma de sanção penal
diferenciada para loucos infratores, visando tratar e prevenir novas infrações penais de
sujeitos com algum grau de periculosidade. Involução do Código Penal de 1940, foi a adoção
do sistema do duplo binário no cumprimento das MS, alvo de muitas críticas da comunidade
jurídica, como defende Dotti:
O Código Penal de 1940, tendo eleito a dupla via, incorreu em manifesto erro,
porquanto primeiro para os imputáveis e semi-imputáveis, nas palavras de Antolisei,
impõe a uma pessoa necessitada de cura e de educação, as constrangedoras
condições do cárcere, que só agravam a periculosidade que, depois, piorada, se
buscará cancelar, tudo para conciliar ou superar oposição entre culpabilidade e
periculosidade.” (DOTTI, 1985, p. 284.)
Com as alterações trazidas pela reforma da parte geral do código penal em 1984, o
legislador buscou a resolução deste problema extinguindo o sistema do duplo binário e passou
a adotar o sistema vicariante, determinou que somente aos sujeitos inimputáveis ou semiimputáveis poderiam ser aplicadas as MS. Excluindo, portanto que aos imputáveis se
17
acumulasse a pena e MS (Sistema Duplo Binário), e passando a se utilizar pena ou MS
(Sistema Vicariante).
Importante alteração também ocorreu na possibilidade de se cumprir a MS em
tratamento ambulatorial, quando o ato praticado for previsto como crime punível com
detenção. Neste caso o sujeito deve comparecer quando convocado nos hospitais, diante do
médico perito que fará a avaliação e acompanhamento do paciente até que se cesse a
necessidade da MS.
Ocorreram ainda outras mudanças, podendo ser consideradas menos importantes se
comparadas com as acima enumeradas, mas vale ressaltar a alteração do prazo mínimo de
execução das MS que hoje varia entre 01 a 03 anos e antes da reforma ficava entre 01 e 06
anos dependendo do crime cometido, e ainda a nova distribuição dos artigos no CP,
anteriormente ficavam entre os artigos 75 a 101, Título VI da parte geral do código e
atualmente também no Título VI mais apenas nos artigos 96 a 99; existiam ainda antes da
reforma, as Medidas de Segurança patrimoniais que consistiam na interdição de
estabelecimento ou sede de sociedade ou associação (art. 99) e o confisco (art. 100).
A reforma do código penal serviu para restringir as MS, tratando apenas das
internações em Hospitais de Custódia e do tratamento ambulatorial.
18
3 RESPONSABILIDADE PENAL DO DELINQUENTE PORTADOR
TRANSTORNO MENTAL E A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
DE
Para aplicação das Medidas de Segurança importante se faz observar a princípio, a
diferença existente entre o imputável, semi-imputável e o inimputável, somente esses dois
últimos sujeitos são passíveis desta sanção. Para definição da condição do sujeito, devem ser
observados diversos fatores, para adequação correta dos transtornos mentais com o grau de
responsabilidade penal do mesmo. A aplicação da MS somente é possível depois que
constatada por pericia médica oficial, eventual patologia que ao tempo da ação delituosa
inspirou a sua prática.
3.1 Conceito e natureza jurídica das medidas de segurança
A medida de segurança consiste em uma sanção penal imposta pelo Estado aos
indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis, ou seja, aos incapazes de responder de maneira
satisfatória por seus atos por serem portadores de doença ou perturbação mental, e que
cometeram conduta típica e ilícita, esse indivíduo, portanto não poderá ser penalizado, surge
então a imposição da MS. Desta forma Guilherme de Souza Nucci conceitua a Medida de
Segurança:
Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a
evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semiimputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba
tratamento adequado (NUCCI, 2011, p. 576).
Vale ressaltar o caráter preventivo dessa sanção, por se tratar de indivíduo portador de
distúrbio mental que cometeu ilícito penal, tem que se levar em conta o possível grau de
periculosidade do agente, que poderá reincidir, justificando assim, a necessidade da custódia
do paciente. Sobre a importância da finalidade preventiva da medida, Fernando Capez diz:
Sanção penal imposta pelo estado, na execução de uma sentença, cuja finalidade é
exclusivamente preventiva, no sentido de evitar que o autor de uma infração penal
que tenha demonstrado periculosidade volte a delinquir (CAPEZ, 2007, p. 467).
Importante posição sobre a conceituação tem Mirabete, que reforça o caráter curativo
19
e preventivo da MS:
A medida de segurança não deixa de ser uma sanção penal e, embora mantenha
semelhança com a pena, diminuindo um bem jurídico, visa precipuamente à
prevenção, no sentido de preservar a sociedade da ação de delinquentes temíveis e
de recuperá-los com tratamento curativo (MIRABETE, 2010, p. 265).
Portanto a Medida de Segurança é uma forma de sanção penal de natureza preventiva
e curativa, divergindo da pena quanto aos seus fundamentos e as peculiaridades em sua
execução, não incidindo sobre ela, por exemplo, as regras gerais do cumprimento da pena,
como o sistema progressivo, ou seja, a progressão da pena existente entre os regimes fechado,
semiaberto e aberto.
Quanto a sua natureza jurídica a MS possui duas correntes, a maioria defende que a
MS tem caráter jurídico-penal, e a minoria entende que trata-se tão somente de uma medida
administrativa.
Corrente minoritária defende o caráter administrativo das MS por existirem registros
da ingerência na aplicação das mesmas pela autoridade administrativa, em que pese a
ausência de previsão legal das mesmas no Código Penal. Destarte, a “maioria dos partidários
da tese dicotômica (dualista), na verdade, não considera a medida de segurança uma espécie
do gênero sanção penal”. (SOUZA, 1979, p. 48). Existe também nesta corrente uma tentativa
de se enfraquecer o instituto da MS como sanção penal, embasada na argumentação que é
uma medida somente com fins curativos.
Ainda sobre seu caráter administrativo, importante citar o posicionamento de Zaffaroni
e Pierangeli, “essas medidas são materialmente administrativas e formalmente penais. Uma
das formas mais acabadas de que não pode ser outra a sua natureza é que juridicamente não
podem chamar-se ‘sanções’, ainda que na prática, o sistema penal as distorça e a elas atribua,
eventualmente, esta função, realidade que se faz necessário controlar e procurar neutralizar.”
Segundo o entendimento da maioria tal argumento não procede, como entende o
professor Luiz Regis Prado: “Embora se insista em negar às medidas de segurança o caráter
de sanção penal – sob o argumento de que tais medidas apresentam uma função
administrativa de polícia, não pertencendo, pois, ao Direito Penal, mas sim ao administrativo , é assente seu o caráter especificamente penal”.
Deve-se entender que a intervenção no direito do agente para imposição da MS é, se
não mais danosa, semelhante a própria pena, portanto não se pode conceber que este poder
fique nas mãos da autoridade administrativa em um Estado Democrático de Direito, como
20
Figueiredo Dias vem nos ensinar: “Fica com isto afastada uma concepção – extremamente
perigosa e de todo modo, em nossa opinião, hoje inaceitável nos quadros do Estado de Direito
– segundo a qual, para a legitimação da Medida de Segurança, necessário se tornaria
considerá-la dentro das medidas puramente administrativas”.
Finalmente, apesar das discussões quanto a matéria, pode-se considerar as MS como
uma sanção penal, do mesmo modo da pena. A ideia é afastar das MS o caráter administrativo
pelo claro caráter jurídico-penal das mesmas, que inclusive são dispostas no Código Penal
Brasileiro.
3.2 A inimputabilidade penal e a semi-imputabilidade penal na medida de segurança
De acordo com a legislação brasileira tanto a pena quanto a medida de segurança,
sucedem ao cometimento de uma conduta ilícito penal, as mesmas divergem quanto ao seu
fundamento, quando na pena se verifica a culpabilidade do agente, na MS deve-se pautar na
periculosidade do indivíduo.
O código penal brasileiro em seu art. 26 define que o sujeito inimputável ou semiimputável, não tem a plena consciência das consequências negativas de suas ações delitivas.
Portanto os diferenciou da seguinte forma:
Art. 26: É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
O instrumento legal transcrito acima isenta a aplicação da pena, ou seja, deverão ser
absolvidos os agentes que nessas condições elencadas no código, cometerem ilícitos penais.
Cabendo ao juiz, que amparado pelo laudo pericial fornecido pelo médico perito forense,
instituir a MS ao agente. A mesma é instituída através da sentença absolutória, denominada de
sentença de absolvição imprópria, tendo em vista que o réu não é condenado mais deve
receber uma sanção penal (Medida de Segurança). Sobre o tema a súmula 422 do STF,
esclarece que “A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber,
ainda que importe privação da liberdade”.
Sobre a imposição da Medida de Segurança, determina o art. 97 também do CP, que
caso o agente seja inimputável, o juiz deve determinar sua internação, salvo caso em que o
21
crime cometido seja punível com detenção. Neste caso o juiz poderá submetê-lo a tratamento
ambulatorial, como preconiza o § 1º do artigo supra. Quanto aos prazos, de internação ou
tratamento ambulatorial, serão por tempo indeterminado, com prazo mínimo de 1 (um) a 3
(três) anos, determinados pelo juiz da execução que fixará o prazo de acordo com as
particularidades de cada caso. Após esse período mínimo, o agente fica condicionado a
cessação de sua periculosidade para sua desinternação, cessação de periculosidade aferida
anualmente por meio de perícia médica.
Sobre a inimputabilidade pode-se dizer, portanto, que ocorre quando o agente se
encontra dentro dos requisitos do artigo 26 do CP, devendo atender a três requisitos básicos
como nos ensina Damásio de Jesus:
Requisitos da Inimputabilidade (art. 26, caput):
a) requisito causal (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado)
b) requisito cronológico (ao tempo da ação ou da omissão)
c) requisito consequencial (inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato
ou de determinar-se de acordo com esse entendimento)
Já a semi-imputabilidade, é definida pelo Parágrafo único do artigo 26 do CP, segundo
o código, a mesma acontece quando o sujeito perde a capacidade de entendimento e
autodeterminação, em razão de doença mental ou de desenvolvimento incompleto ou
retardado, é a ausência de imputabilidade plena. Ocorre que nesse caso, as perturbações
psíquicas afetam o poder de autodeterminação, e ainda podem alterar a força de resistência
interior, tendo em vista a prática do crime, devendo ser atenuada por tanto as penas aplicadas
a esses indivíduos.
Capez e Stela Prado (2007), falam sobre a responsabilidade nos atos ilícitos cometidos
por esses indivíduos, sendo que na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma
noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com
culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais.
Pode-se dizer que quanto aos requisitos, a semi-imputabilidade se assemelha muito a
inimputabilidade, divergindo somente quanto ao requisito consequencial, ao invés de inteira
incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento, se tem no semi-imputável a perda de parte da capacidade de entendimento e
determinação.
No caso de sujeito semi-imputável a criminalidade não é excluída como na
inimputabilidade, pois a capacidade e o entendimento não são eliminados, todavia, se o juiz
22
entender pela aplicação da pena, deverá reduzi-la de 1 a 2/3. Pode também o juiz, determinar
MS para os semi-imputáveis, devendo para decidir, examinar as peculiaridades de cada caso
para escolha entre a aplicação da MS ambulatorial ou detentiva, decisão esta que deverá
obedecer aos critérios da modalidade de pena aplicável ao delito cometido, quais sejam, se a
pena prevista for de detenção o juiz poderá aplicar a MS de forma ambulatorial, se for de
reclusão o juiz deverá aplicar a MS com internação compulsória. Na hipótese de substituição
da pena por MS para o semi-imputável, o juiz deverá obrigatoriamente fundamentar a decisão
com elementos do processo.
3.3 Pressupostos para aplicação da medida de segurança
Quanto aos pressupostos para a aplicação da MS, é necessário dizer que existem três
básicos, são eles: a prática de fato punível, a periculosidade do delinquente e a ausência de
imputabilidade plena.
A prática de fato punível pela legislação é pressuposto essencial para aplicação das
MS e também da pena. Em sua definição podemos dizer que é uma conduta humana que se
encaixa perfeitamente a um tipo penal, conduta esta reprovada pela sociedade e contra o
direito. A fonte para determinar-se fato punível, é utilizada a partir dos delitos descritos no
Código Penal, na Lei de Contravenções Penais, em leis especiais e extravagantes.
No tocante a periculosidade, importante se estudar as definições da pena e MS, ou da
culpabilidade e da periculosidade e principalmente de suas diferenças, informação importante
para se entender o principio norteador da MS, por se tratar de institutos com objetivos
totalmente diversos. Objetivo maior ao se introduzir o conceito de periculosidade, é de se dar
tratamento diferenciado aos doentes mentais que cometeram ilícitos penais, que pelas
peculiaridades de seu estado mental são merecedores de tratamento específico, não realizado
aos apenados comuns.
Sobre a pena podemos dizer que o fundamento que usamos para a aplicação das
mesmas é pautado basicamente na culpabilidade, sendo a pena uma sanção imposta pelo
Estado mediante o trânsito em julgado do processo, contra o autor de um fato ilícito (réu),
com finalidade preventiva e retributiva, conforme disposto no artigo 59, caput, do CP.
Já o fundamento norteador da MS usa o conceito de periculosidade, se mostra mais
complexo e controvertido se comparado a culpabilidade, se baseia no estado sociável do
23
indivíduo. No conceito de Nelson Hungria “a periculosidade significa um estado mais ou
menos duradouro de antissociabilidade, em nível subjetivo. Quanto mais injustos penais o
inimputável comete, mais demonstra sua antissociabilidade”, definição mais sintetizada sobre
a matéria tem Fernando Capez, que define a periculosidade como sendo a “potencialidade
para praticar ações lesivas. Revela-se pelo fato de o agente ser portador de doença mental”.
Deve-se ter o objetivo de verificar a condição do indivíduo no futuro, é quase que um
exercício de adivinhação, de probabilidade de reincidência criminal pela influência da doença
mental, deve-se analisar como poderia agir ou reagir o sujeito em situações conflituosas ou
não, situações rotineiras na convivência em sociedade. Para se verificar esse estado como diz
Damásio, devem ser observados fatores (ou elementos) e indícios (ou sintomas) do estado
perigoso.
Por fim vale anotarmos a lição de Damásio de Jesus sobre o tema:
As penas e as medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal.
Enquanto a pena é retributivo-preventiva, tendendo atualmente a readaptar
socialmente o delinquente, a medida de segurança possui natureza essencialmente
preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra
perigoso venha a cometer novas infrações penais (JESUS, 2010, p. 113).
Damásio define como formas de sanção penal tanto a pena como a MS, mas as
diferencia na forma de suas aplicações e nos fins pretendidos. Lembrando que a MS tem
como objetivo o restabelecimento e a reintegração do doente mental no que for possível. Para
se entender a ausência de imputabilidade plena, necessário se faz o estudo do sistema adotado
atualmente para execução da MS, e ainda sua distinção do sistema adotado anteriormente em
nosso Código Penal.
O Código Penal Brasileiro atual adota o sistema Vicariante, ou seja, é impossível se
aplicar cumulativamente a pena e a medida de segurança. Fato diferente do que ocorria no
Código Penal de 1940 antes da reforma penal de 1984, onde prevalecia o sistema do duplo
binário, no qual se permitia a comutação de pena e medida de segurança.
Sobre a alteração trazida pela adoção do sistema Vicariante, através da reforma do
código penal de 1984, foi de grande valia na opinião da maioria dos juristas. O sistema do
duplo binário sofria diversas críticas por impor ao condenado a pena privativa de liberdade,
que deveria ser cumprida por completo e somente após seu cumprimento, se entendesse
necessário o juiz, deveria se cumprir a medida de segurança, ficando recluso o indivíduo por
muito mais tempo. Por essa prática o sujeito seria punido com duas sanções por uma única
ação delitiva, ferindo o princípio do “non bis in idem”, ou seja, ninguém poderá ser
24
condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo fato.
Portanto pela legislação atual deverá ser aplicada a pena para os imputáveis, e a
medida de segurança para os inimputáveis, já para os semi-imputáveis uma ou outra,
conforme recomendação dos peritos e decisão do juiz.
3.4 Do exame de sanidade mental
O Exame de Sanidade Mental é realizado pelo médico perito oficial, com o objetivo de
determinar ou não a inimputabilidade do agente no momento do cometimento do crime.
Para a realização do exame é utilizado o critério biopsicológico na apuração da
inimputabilidade penal, ou seja, devem ser observados dois critérios no momento da pericia.
Primeiramente se verifica a capacidade do agente de entender a ilicitude do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento, e posteriormente é examinada a saúde
mental do agente, deve-se observar se o agente é ou não doente mental, e ainda se possui ou
não um desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
A solicitação para realização do exame pode ser feita ainda no decorrer do inquérito
policial a pedido do delegado do caso, podendo ser solicitada também, pelo Ministério
Público, pelo defensor, curador, ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, ou
ainda de oficio pelo juiz, sempre que se desconfiar da integridade mental do acusado.
Entendendo ser necessária a realização do exame médico-legal, o juiz deverá nomear um
curador ao acusado, ficando suspenso o processo com a instauração do incidente de sanidade
mental, que deverá ser apensado ao principal após confecção do laudo pericial.
O exame deverá ser realizado no prazo de 45 dias, salvo se os peritos demonstrarem a
necessidade de maior prazo. No caso de réu preso, o mesmo deverá ficar internado em
Hospital de Custódia até o término do exame, já se estiver solto e se requererem os peritos,
deverá ficar em estabelecimento adequado que o juiz designar, conforme o disposto do Art.
150 do CPP. Normalmente tanto o réu preso quanto solto, é internado pelo prazo necessário
para a realização do exame nos Hospitais de Custódia.
O exame de sanidade mental é de suma importância para se determinar a
inimputabilidade do individuo, pois é indispensável a participação do perito forense para se
determinar a doença mental ou mesmo o desenvolvimento incompleto ou retardado. Análise
que o juiz não pode realizar de forma precisa, o diagnóstico da doença mental deve ser
atestado por especialista. Entretanto o juiz tem a capacidade de verificar a capacidade que o
25
sujeito tinha ao tempo da ação ou omissão delituosa, de se conduzir de acordo com tal
entendimento, compreendendo o caráter ilícito do fato. O juiz deve usar provas colhidas ao
longo da instrução, para formar o seu convencimento sobre este fato.
Vale ressaltar que o magistrado tem de acordo o sistema processual penal liberatório
adotado no Brasil, a faculdade de aceitar ou rejeitar os laudos, porém caso decida pela
rejeição do laudo pericial, deve haver a realização de outro exame por diferente perito
forense. Cabe ao juiz a avaliação psicológica do caso e não a biológica, que deverá ser feita
apenas por peritos com conhecimentos técnicos específicos para análise do caso.
3.5 Espécies de Medida de Segurança
Segundo o Código Penal em seu art. 96, as Medidas de Segurança podem ser divididas
em duas espécies, podem ser: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico
ambulatorial. Na primeira hipótese deverá obrigatoriamente o agente permanecer internado
em hospitais gerais ou hospital de custódia, para tratamento médico interno e na maioria dos
casos em regime fechado.
A medida de segurança pode ainda, ser cumprida por sujeição a tratamento
ambulatorial, que deve ser usado quando o crime for punível com detenção. Consiste no
agente realizar tratamento médico de forma externa, ou seja, o agente não necessita da
internação, mais fica obrigado a comparecer ao médico perito oficial, para realizar o exame
de cessação de sua periculosidade anualmente.
Portanto, devem-se diferenciar as duas hipóteses, quanto ao tipo de regime da
internação ou ambulatorial. Deve-se lembrar de que quando a pena imposta for de reclusão, é
obrigatória a imposição da medida de segurança detentiva, ou seja, deverá cumprir a MS em
regime de internação. No caso de crime punível com a detenção, cabe ao juiz determinar a
internação (medida detentiva) ou o tratamento ambulatorial (medida restritiva). Nas duas
hipóteses o prazo para cumprimento é indeterminado, até constatada a cessação da
periculosidade do agente, sendo também o mesmo prazo mínimo de 01 a 03 anos, o exame de
cessação pode ainda ser realizado a qualquer momento se houver o requerimento do juiz.
Cabe ressaltar que o juiz tem a faculdade de escolha entre a internação ou o tratamento
ambulatorial, mediante a aferição do grau de periculosidade do indivíduo e ainda as condições
do crime, devendo sempre observar o disposto no art. 97, caput, do CP, qual seja, no caso de
26
crime punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
Importante se faz ressaltar que existe precedente no STJ (Resp. 324091-SP, 6.ª T., rel.
Hamilton Carvalhido, 16.12.2003, v.u., DJ 09.02.2004, p.211), acolhendo a possibilidade de
se permitir a aplicação de tratamento ambulatorial para o autor de crime apenado com
reclusão, para tal decisão é usado o argumento de que não se deve observar a relação entre a
MS e a gravidade do delito e sim a periculosidade do agente, como defende Carlota Pizarro
de Almeida:
Não é correto, portanto, quando se trate de portadores de anomalia psíquica,
estabelecer uma correspondência entre a medida de segurança e a gravidade do fato
praticado. Mas já será importante estabelecê-la em relação a periculosidade do
agente: só assim se respeita o princípio da proporcionalidade (...) (ALMEIDA, 2000,
p. 34).
3.6 Prazos das Medidas de Segurança
Conforme o disposto no § 1º do artigo 97 do CP, a internação ou o tratamento
ambulatorial se dará por tempo indeterminado, devendo perdurar enquanto não for constatada
por pericia médica a cessação da periculosidade do agente, também estabelece que o prazo
mínimo de cumprimento da MS é de 1 (um) a 3 (três) anos, devendo ser fixado pelo juiz,
quando da instituição da medida.
A perpetuidade das medidas de segurança surge como um dos temas mais polêmicos e
discutidos atualmente, sobre isso Rogério Greco diz:
Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a
chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras as vezes, ser
mantida até o falecimento do paciente. Esse raciocínio levou parte da doutrina a
afirmar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser
completamente indeterminado, sob pena de ofender o princípio constitucional que
veda a prisão perpétua, principalmente tratando-se de medida de segurança detentiva
(GRECO, 2011 p. 36).
Sobre a duração máxima das medidas, existem pelo menos três importantes vertentes.
Há quem defenda que a medida de segurança não pode perdurar por tempo maior, ao
limite máximo da pena privativa de liberdade abstratamente cominada ao delito, pois esse
seria o limite temporal máximo em que se finda a pretensão punitiva do Estado. Ou seja, se o
indivíduo plenamente imputável tivesse sido condenado, não poderia ultrapassar o tempo
máximo previsto para tal delito, apesar de não ser propriamente uma pena e sim uma sanção
27
penal, entendem os defensores desta corrente que é totalmente inadmissível que a medida de
segurança tenha uma duração maior que a pena aplicada a um imputável condenado pelo
cometimento do mesmo delito. Devendo após este decurso do tempo, o paciente receber
tratamento como qualquer outro doente mental que não tenha praticado delito, ou seja, tratado
na rede de saúde pública ou particular.
Existem também os que defendem o teto estabelecido no artigo 75 do CP, que limita o
tempo de cumprimento da pena em no máximo 30 (trinta) anos. Opinião compartilhada pelo
Supremo Tribunal Federal, conforme podemos verificar na ementa abaixo descrita:
Medida de segurança. Projeção no tempo. Limite. A interpretação sistemática e
teológica dos arts. 75, 97 do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais,
deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolida das prisões perpétuas. A
medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (HC 84219/SP
– 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 16/08/2005, p. 16).
Há ainda os que acreditam que pela medida de segurança não ser considerada pena,
apesar de possuir caráter de sanção penal, prevalecem suas características com propósito
curativo e terapêutico, além do que, promover a desinternação do paciente sem sua
periculosidade cessada por meio de parecer médico, poderia incorrer em grande risco a
sociedade. Defensor desta última tese, Guilherme de Souza Nucci define assim:
Apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o
propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o
sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado
(NUCCI, 2010, 32).
As discussões sobre o prazo de duração das MS são alimentadas por não haver lei
regulamentadora, previsão de um prazo máximo de internação para as medidas de segurança.
Como possuem as penas privativas de liberdade, que segundo o § 1º do artigo 75 do CP, não
podem ultrapassar o limite máximo de 30 (trinta) anos. Abrindo, portanto o precedente para se
ter várias posições doutrinarias e jurisprudenciais sobre o tema.
3.7 Exame de cessação de periculosidade e desinternação e liberação condicionais
O exame de cessação da periculosidade é realizado após o trânsito em julgado da
sentença absolutória imprópria que aplicou medida de segurança ao réu. Ao aplicar tal
28
medida, o juiz deve estabelecer de acordo com o § 2.º do artigo 97, o período mínimo de 1
(um) a 3 (três) anos de internação ou tratamento ambulatorial ao paciente, para fixação deste
prazo o juiz deve observar as condições em que o crime foi cometido e a periculosidade do
agente. Ao final desse prazo, deve ser realizado o exame de cessação da periculosidade,
posteriormente ao decurso do prazo mínimo, o exame deve ser realizado anualmente até que
se constate a cessação da periculosidade do agente. Existe ainda a possibilidade do juiz
determinar sua realização a qualquer tempo, mesmo no decorrer do prazo mínimo de duração
da MS, sobre a antecipação da realização do exame esclarece Reale Júnior:
A perícia médica deverá, se constatada, findo o prazo mínimo, a persistência da
doença, realizar-se de ano em ano, podendo, no entanto, ocorrer a qualquer tempo,
conforme o art. 176 da Lei de Execução Penal, se há elementos justificadores da
antecipação do exame (REALE JÚNIOR, 2004, p. 112).
Sobre a realização do exame de cessação da periculosidade, o art. 175, I, da Lei de
Execução Penal define que a autoridade administrativa, até 01(um) mês antes de expirar o
prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório para que o mesmo
possa decidir sobre a revogação ou manutenção da medida de segurança, deverá conter nesse
relatório laudo psiquiátrico, e deverão ser ouvidos o Ministério Público e o curador ou
defensor do indivíduo.
Cabe ressaltar ainda que a Lei de Execução Penal garante ao paciente o direito de ter
assistência médica particular de sua confiança, podendo acompanhar e orientar o tratamento,
no caso de divergência de pareceres médicos, cabe ao juiz decidir.
Ocorre a desinternação quando se tratar de pacientes que estiverem internados (medida
detentiva), já a liberação ocorre quando se tratar de paciente em tratamento ambulatorial.
Cabe ressaltar que tanto a desinternação, como a liberação, serão realizadas de forma
condicional.
A desinternação ou liberação do paciente em MS em regra, ocorrerá quando se
constatar cessada a periculosidade do agente, após a desinternação durante o prazo de 01 (um)
ano o agente corre o risco de se restabelecer a condição anterior, ou seja, de se reinstituir a
MS, se o mesmo cometer fato que possa ser analisado como indicativo de sua periculosidade,
tal ato não necessariamente deva ser criminoso, mas sim, deve ser analisada a suposta
periculosidade do agente ao cometê-lo. A sujeição às condições do livramento condicional,
são estabelecidas no artigo 178 da Lei de Execução Penal – LEP.
Sobre as condições em que o sujeito em livramento condicional deva cumprir, são
29
estabelecidas nos artigos 132 e 133 da LEP, divididas em condições obrigatórias e
facultativas. Obrigatórias são: obter ocupação lícita; comunicar ao juiz sua ocupação
periodicamente; não mudar do território da comarca, sem autorização judicial. Facultativas
são: não mudar de residência, sem prévia comunicação; recolher-se à habitação no horário
fixado; não frequentar determinados lugares. Passado esse período e não havendo razões para
se restituir a MS, a mesma se torna extinta, nesse caso o sujeito é denominado egresso, como
define o artigo 26, I da LEP.
Vale ressaltar que presentes as condições de extinção da punibilidade, previstas no art.
107 do CP, a MS não poderá ser imposta. Podendo ocorrer antes ou depois de sentença
irrecorrível.
Sobre a extinção da pretensão punitiva do Estado na MS, o parágrafo único do artigo
96 do CP determina que no caso de extinção da punibilidade não poderá se impor a MS e
ainda não deve subsistir a que tenha sido imposta.
3.7.1 Desinternação progressiva
A desinternação progressiva é uma novidade trazida à matéria pela doutrina, já que a
lei fala somente na possibilidade do tratamento ambulatorial ser transformado em internação
no caso de haver necessidade de tal medida, mais nada fala sobre a possibilidade da
internação ser convertida em tratamento ambulatorial. Sobre o tema Nucci defende a
possibilidade de desinternação progressiva:
Questão interessante, merecedora de destaque, é a viabilidade da conversão da
internação em tratamento ambulatorial, denominada desinternação progressiva.
Prevê a lei penal que o tratamento ambulatorial pode ser convertido em internação,
caso essa providência seja necessária para “fins curativos”. Nada fala, no entanto,
quanto à conversão da internação em tratamento ambulatorial, o que se nos afigura
perfeitamente possível (NUCCCI, 2010, p. 235).
Não se trata puramente de desinternação, mais sim de conversão de regime pelo
paciente, o mesmo passa da condição de internado em Hospitais de Custódia e Tratamento,
para o acompanhamento em tratamento ambulatorial, ambos em MS, continuando o
tratamento mais não necessitando mais da internação para isso. Exceção poderá ocorrer,
quando por meio do exame de cessação da periculosidade o perito atesta que o paciente se
encontra curado de sua doença, com plena capacidade de convivência social, neste caso o juiz
30
não deve sujeitar o indivíduo ao tratamento ambulatorial e sim conceder a desinternação
condicional comum, pois não existe a necessidade de submeter o paciente ao tratamento
ambulatorial obrigatório.
Esse instrumento de desinternação se torna muito importante atualmente para melhor
tratar os pacientes em MS, pois na prática, existe uma enormidade de casos em que o médico
perito indica sua desinternação, mas condicionada a um acompanhamento médico obrigatório.
Nestes casos os pacientes poderão experimentar o tratamento em liberdade, mais não estarão
liberados do tratamento e do acompanhamento que devem fazer para sua recuperação.
Sobre o tema, vale ressaltar que em decisão recente a 5ª Câmara Criminal do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais sob a presidência do Desembargador Alexandre Victor de
Carvalho, decidiu pela aplicação da desinternação progressiva, no julgamento de Hebeas
Corpus nº 1.0000.11.023797-1/000, em que o paciente tinha sua periculosidade cessada
conforme laudo pericial, mais por não ter apoio familiar e nem local adequado para a
desinternação o mesmo permanecia em MS internado em Hospital de Custódia, como relatado
na ementa do referido julgado.
HABEAS CORPUS - MEDIDA DE SEGURANÇA - PERICULOSIDADE
CESSADA - SOLTURA IMEDIATA - IMPOSSIBILIDADE - PACIENTE QUE
NÃO CONTA COM APOIO FAMILIAR, TAMPOUCO LOCAL ADEQUADO
PARA SUA DESTINAÇÃO - CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM. I. Havendo
indicação da cessação da periculosidade do réu, por meio de laudo subscrito por
psiquiatra designado para tal fim, mas, todavia, ausente apoio familiar, tampouco
local a ser destinado o paciente, deve o mesmo ser submetido à desinternação
progressiva pelo prazo de 01 (um) ano. II. Ordem parcialmente concedida.
Salutar se faz a análise em julgado, semelhante ao descrito acima, o STJ assim
decidiu:
Ainda que a cessação da periculosidade do paciente tenha sido atestada por dois
laudos consecutivos, não é recomendável a desinternação imediata, tendo em vista
as circunstâncias do caso, já que a doença do paciente é controlada apenas mediante
o uso contínuo da medicação, que este não tem qualquer respaldo familiar, e que
possui extensa folha de antecedentes, demonstrando a possibilidade de reiteração de
condutas previstas como crime. (STJ, HC 89212/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, DJ 27/03/2008)
Em sua decisão a eminente Ministra destacou a importância da desinternação
progressiva para o caso em tela, visto que o paciente se encontrava com sua periculosidade
cessada em virtude de tratamento contínuo. Tendo em vista a falta de apoio familiar e seu grau
de periculosidade o mesmo deveria ser acompanhado de perto em sua desinternação, para que
se adapte ao meio externo antes da convivência em sociedade, minimizando assim os
possíveis riscos da desinternação.
31
4 A EFETIVIDADE DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO BRASIL
Questão central do presente trabalho é o estudo da efetividade das Medidas de
Segurança no Brasil, existem inúmeras discussões sobre o tema nas comunidades jurídica e
médica. Muitas também são as opiniões e sugestões de aprimoramento para esse instituto do
direito penal. Existem ainda iniciativas e experiências em desenvolvimento no Brasil,
buscando a ressocialização do paciente em MS, atitudes estas que visam a efetividade da
mesma pelo caráter curativo inerente a esta sanção penal. A efetividade da MS deve ser
relacionada também a recuperação que se pode obter do paciente, medida que também atende
ao caráter preventivo da mesma, já que os tratando, subtrai-se a possibilidade de reincidência
e de produção de perigo a sociedade.
4.1 Estabelecimentos de custódia e situação atual no Brasil
Antes de elucidar a situação atual dos estabelecimentos de custódia no Brasil, vale
ressaltar o que a legislação brasileira e a jurisprudência definem como devem ser os
estabelecimentos de custodia dos pacientes em MS no Brasil.
Preconiza o § 1ª do artigo 96 do CP, que a internação do paciente em MS se dará em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à falta deste, em outro estabelecimento
adequado. Portanto deverá ser cumprida em estabelecimento próprio, com características
hospitalares para o tratamento médico (Artigo 99 do CP).
A possibilidade de se cumprir a MS em estabelecimento prisional comum,
constitui afronta ao estabelecido em Lei. A manutenção do paciente em estabelecimentos
inadequados, mesmo que por inexistência de vagas para tal, constitui constrangimento ilegal,
nesse sentido, decidiu o TJSP:
Medida de Segurança – Internação em hospital psiquiátrico – Cumprimento na
cadeia pública local, por falta de vaga em estabelecimento adequado –
Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal configurado – Concessão de habeas
corpus – Liberdade condicionada a tratamento em ambulatório – O Estado só poderá
exigir o cumprimento de medida de segurança de internação (detentiva, portanto), se
estiver aparelhado para tanto. A falta de vaga, pela desorganização, omissão ou
imprevidência do Estado-Administração, não justifica o desrespeito ao direito
individual, pois, além de ilegal, não legitima a finalidade de tal instituto.” (HC –
Rel. Renato Talli).
32
Caso não exista vaga em estabelecimento hospitalar de custódia para a internação do
paciente em MS, deverá se substituir a internação por tratamento ambulatorial, ou tratamento
em hospitais comuns públicos ou particulares, exceto em unidades prisionais comuns, que
podem agravar a doença ao invés de tratar o doente, procedimento que deve ser extinguido da
aplicação da MS, tendo em vista o caráter curativo da mesma.
Apesar do determinado na lei, a realidade da aplicação das MS no Brasil é diversa. Os
números oficiais do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, órgão do Ministério da
Justiça, informam que são 30 (trinta) os hospitais de custódia e tratamento em todo Brasil, e
01 (uma) ala de tratamento psiquiátrico em penitenciária comum. Estas unidades internam
cerca de 3.604 (três mil seiscentos e quatro) pacientes psiquiátricos e ainda dependentes
químicos em conflito com a lei. (BRASIL. MPF, 2011)
Os 31 estabelecimentos de custódia estão divididos em apenas 19 estados da
federação, são eles: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espirito Santo, Minas Gerais, Mato
Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Distrito Federal. No Rio de Janeiro
podemos encontrar o maior número de Hospitais de Custódia do país, com 07 hospitais em
todo estado, também entre os estados com maior número de estabelecimentos no Brasil podese citar os estados de São Paulo e de Minas Gerais, com 04 e 03 HCTPs respectivamente.
Vale ressaltar que os dados oficiais do Ministério da Justiça apesar de recentes, não
são precisos, conforme previsto pelo próprio Ministério, está sendo realizado um censo
nacional sobre as medidas de segurança e os estabelecimentos de custódia no país, mais ainda
não foi possível à divulgação dos resultados.
Entre os problemas enfrentados dentro dos HCTPs, podemos citar a falta de estrutura e
de um tratamento efetivo, com resultados na recuperação do doente mental em conflito com a
lei, os estabelecimentos de custódia são hoje um misto entre prisão e hospital, entre
tratamento e custódia. Existe uma falta de direcionamento no tratamento e ainda é precária a
visão de um tratamento multidisciplinar, entre os profissionais da saúde e assistência para
traçar o melhor trabalho a ser realizado. Como expõe a Professora Margarida Mamede:
A literatura especializada em MJs, ainda escassa no Brasil, é unânime em mostrar os
maiores problemas desse tipo de hospital: a ambiguidade de sua existência (prisão
versus hospital), a ineficácia e a impossibilidade, até então, de um consenso e de um
diálogo profundo entre o direito, a medicina, a psicologia e outros saberes que se
debruçam sobre as pessoas para lá encaminhadas. Questiona-se: onde devem estar os
doentes que cometeram crimes? Se são doentes, por que permanecem em um
hospital que prioriza a ideologia carcerária e tem um funcionamento muito mais
próximo de uma penitenciária do que de um hospital? (MAMEDE, 2006, p. 28-29).
33
Maiores problemas ocorrem nos estados que não possuem HCTPs, no total são 07
estados brasileiros, são eles: Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rondônia,
Roraima e Tocantins, nestes, os pacientes ficam presos em presídios comuns ou são soltos
pela não existência de estabelecimentos adequados para o tratamento dos doentes mentais em
conflito com a lei (BRASIL. MPF, 2011). Outro grave problema nessas instituições, é a falta
de profissionais capacitados para a recuperação do louco infrator, como denunciou a
coordenadora técnica da saúde no sistema penitenciário do Ministério da saúde, Maria
Cristina Fernandes, em notícia publicada no site agência brasil em 2007, sob o título
“Hospitais de Custódia e tratamento não tem equipes de saúde”, situação não muito diferente
da encontrada nos HCTPs de todo Brasil. (MATTEDI, 2007)
A falta de atenção as unidades que custodiam pacientes em MS, também pode ser
compreendida pela falta de interesse das secretarias de estado de segurança pública e das
instituições que gerem o sistema penitenciário no Brasil, já que grande maioria das unidades
de custódia são unidades prisionais comuns, para a custodia de condenados a pena privativa
de liberdade ou em prisões temporárias. Para se ter uma ideia, segundo levantamento do
Departamento Penitenciário Nacional (dados obtidos através de consulta eletrônica), existe
hoje no Brasil uma população carcerária de 496.251 pessoas, desse total menos de 1% são
internados em MS, ou seja, a maior parte da atenção é dada aos presídios e as penitenciárias,
pelo maior número de apenados, e muitas vezes os estabelecimentos de custódia para
pacientes em MS, são esquecidos pelo poder público.
4.2 Situação Atual dos Estabelecimentos de Custódia no Estado de Minas Gerais
No Estado de Minas Gerais os HCTPs são administrados pela Secretaria de Estado de
Defesa Social (SEDS), mais precisamente pela Subsecretaria de Administração Prisional
(SUAPI), órgão responsável por todo o sistema prisional do estado. Ao total são oferecidas
425 vagas nos HCTP para as mais diversas finalidades, sendo que para execução das MS são
apenas 143 para ambos os sexos. Para fins de comparação, atualmente no Estado de Minas
Gerais existe uma população carcerária de aproximadamente 41.500 presos, nas unidades
subordinadas a Subsecretaria de Administração Prisional (MINAS GERAIS. SAIGV, 2011).
Em todo o estado são três os HCTPs, o mais antigo (inaugurado em 1929) e com
maior capacidade é o Hospital Psiquiátrico e Judiciário “Jorge Vaz” (HPJJV), de Barbacena.
34
É o único usado para internação de pacientes em MS no estado, também é o único a ter
espaço para realização de exames e internação de MS para pacientes do sexo feminino. Ao
total são 54 vagas para mulheres, entre estas, 31 são especialmente para o cumprimento da
MS. Quanto aos homens, a unidade tem capacidade para 161 internações, destas, apenas 112
são para pacientes em MS. A instituição realiza também o exame de sanidade mental, exame
de dependência toxicológica em mulheres, exame de cessação da periculosidade e ainda os
tratamentos psiquiátricos e toxicológicos temporários.
O Hospital de Toxicômanos Padre Wilson Vale da Costa – HTPWVC, localizado na
cidade de Juiz de Fora, atende a tratamentos psiquiátricos e toxicológicos temporários, além
de tratamentos diversos de média complexidade. Elabora também exames de sanidade mental,
de dependência toxicológica, de cessação de periculosidade e criminológico. Ao todo são 100
vagas para homens e nenhuma para mulheres, também não existem vagas para execução das
MS. O trabalho realizado na unidade é voltado para o tratamento de dependentes químicos.
Por fim o Centro de Apoio Médico Pericial – CAMP, em Ribeirão das Neves também
realiza o exame de sanidade mental, exame de dependência toxicológica, exame de cessação
da periculosidade, exame criminológico e os tratamentos psiquiátricos e toxicológicos
temporários além de tratamentos diversos de média complexidade. A capacidade é de 110
vagas somente para homens, existem atualmente 14 pacientes em MS internados no CAMP
mais em caráter provisório, são ex-pacientes do HPJJV com suas periculosidades cessadas,
mais por não terem familiares para acolhê-los e nem outro local apropriado para a
continuação do seu tratamento, foram transferidos para a unidade para cumprirem uma
espécie de “medidas asilares”, recebendo os cuidados necessários para o seu tratamento
enquanto aguardam vagas em outras instituições capazes de acolhê-los.
Os acompanhamentos e exames em pacientes que cumprem a MS em regime
ambulatorial não são realizados nos HCTPs, pela grande demanda por vagas nestas
instituições, esses acompanhamentos são realizados na rede SUS/FHEMIG ou ainda nas
unidades CAPS, espalhadas por todo o estado. Portanto as unidades pertencentes a SEDS
realizam somente atendimentos aos pacientes em MS no regime de internação.
Causa surpresa a análise do número de pacientes em MS no estado de Minas Gerais
que cumprem a medida em presídios comuns, são aproximadamente 250 pacientes em MS
espalhados pelo sistema prisional comum sem o devido acompanhamento e tratamento, o que
pode na maioria dos casos agravar ainda mais o sofrimento mental do indivíduo, esta prática
como exposto no item 4.1 deste trabalho é condenável e atualmente existem diversas posições
35
jurisprudenciais quanto da impossibilidade de se cumprir a MS em estabelecimentos
inadequados.
Segundo informações da Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de
Vagas (SAIGV) do estado de Minas Gerais, a demanda para internação nos HCTPs é
infinitamente maior que a oferta de vagas, existe uma lista de espera para pacientes
cumprirem a medida de segurança nos HCTPs que hoje chega a mais de 700 solicitações, para
a realização de exame de sanidade mental a fila supera 100 requerimentos e para o exame de
cessação de periculosidade são mais de 60 pacientes na espera por vagas (MINAS GERAIS.
SEDS, 2011)
Entre os principais problemas encontrados pelas instituições de custódia no estado,
pode-se incluir a falta de profissionais da área de saúde para um tratamento eficaz, a falta de
apoio dos familiares que rejeitam até mesmo o parente que teve sua periculosidade cessada.
Fatos estes que muitas vezes inviabilizam a soltura dos mesmos por falta de garantias para
continuidade do tratamento, nestes casos os pacientes continuam internados por falta de
condições de ressocialização, e para a prevenção social e dos próprios internos. Existe ainda
no judiciário, na sociedade e em algumas instituições públicas e privadas, uma forte corrente
“antimanicomial”, que condena severamente a criação de novas vagas para internação desses
pacientes, com isso o estado fica “engessado”, sem poder criar novas vagas para custódia e
tratamento de pacientes em MS, a somatória desses fatores criam um ambiente impróprio na
execução das MS visando a recuperação do paciente.
4.3 Implementação da Reforma Psiquiátrica na execução das Medidas de Segurança
A lei 10.216 foi sancionada em 06 de abril de 2001, mais o projeto de lei nº 3.657/89
que a antecedeu, foi proposto pelo deputado Paulo Delgado (PT/MG) em 1989. Após 12 anos
de tramitação do projeto no congresso nacional, a lei que ficou conhecida como “Lei da
Reforma Psiquiátrica” entrava em vigor. O objetivo foi regular os direitos e garantias dos
doentes mentais em seus tratamentos, tentou-se humanizar o tratamento prestado aos
enfermos e principalmente promover políticas públicas que fossem contrárias a internação em
manicômios, grandes vilões segundo a Luta Antimanicomial. O objetivo era de se transferir o
foco, do tratamento que se concentrava à época nas instituições hospitalares, modificando
36
para uma rede de atenção psicossocial, estruturada em unidades de serviços comunitários e
abertos, com os chamados tratamentos substitutivos.
A lei tratou das antigas reivindicações da luta antimanicomial, que se iniciou no Brasil
em 18 de maio de 1987, em um congresso dos trabalhadores da área de saúde mental na
cidade de Bauru em São Paulo, até os dias atuais o dia 18 de maio é lembrado como o dia
nacional da Luta Antimanicomial. Segundo Ana Marta Lobosque, 2001, a Luta
Antimanicomial revela um modo político peculiar de organização da sociedade em prol de
uma causa, a saber: uma sociedade sem manicômios. É uma luta da sociedade que não delega
aos técnicos a gestão da convivência com a loucura. Esta luta é um movimento aberto, muito
particularmente, aos principais envolvidos, ou seja, os próprios loucos.
Entre os direitos garantidos pela lei aos doentes mentais, estão: o de assegurar o
melhor tratamento a saúde de acordo com a necessidade individual do sujeito, o tratamento
com respeito e com a garantia da dignidade do doente visando sempre a reinserção social
deste paciente por intermédio da família, garantias quanto a liberdade de comunicação e de
informação sobre a doença acometida e principalmente de ser tratado em local adequado. Em
seu artigo 3º a lei imputa ao estado a responsabilidade da estruturação e da promoção do
tratamento em estabelecimentos adequados.
Grande discussão no ordenamento jurídico versa sobre a aplicabilidade do caput do
artigo 4º da Lei 10.216 que assim diz: “Art. 4º A internação, em qualquer de suas
modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem
insuficientes”. Ou seja, a internação do portador de sofrimento mental somente poderá ser
realizada, em último caso, se não existirem outras formas mais adequadas de tratamento para
os mesmos. O centro da discussão se mostra quando confrontada tal situação com o louco
infrator, pois a internação neste caso é fruto do cometimento de um ilícito penal, alguns
entendem que o referido artigo não se aplica aos casos de MS por serem tipos de internações
diversas. Já os entusiastas da luta antimanicomial entendem que a Lei 10.216/01, revogou
parcialmente o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais no que
diz respeito às medidas de segurança, incorrendo em novas interpretações quanto a relação
entre o louco infrator e a justiça penal.
Defensores desta tese Paulo Jacobina e Paulo Queiroz defendem a revogação nos
seguintes termos:
1. Finalidade preventiva especial. A lei 10.216/2001 considera como finalidade
permanente do tratamento a reinserção social do paciente em seu meio (art. 4º, § 1º),
reforçando assim a finalidade – já prevista na LEP – preventiva individual das
37
medidas de segurança. Portanto, toda e qualquer disposição que tiver subjacente a
ideia de castigo restará revogada.
2. Excepcionalidade da medida de segurança detentiva (internação). Exatamente por
isso, a internação só poderá acontecer quando for absolutamente necessária, isto é,
quando o tratamento ambulatorial não for comprovadamente o mais adequado.
3. Revogação dos prazos mínimos da medida de segurança, pois não são
compatíveis com o princípio da utilidade terapêutica do internamento (art. 4º, § 1º da
lei n. 10.216/2001) ou com o princípio de desinternação progressiva dos pacientes
cronificados (art. 5º da lei n. 10.216/2001).
4. Presunção de periculosidade do inimputável e o seu tratamento em razão do tipo
de delito que cometeu (se punido com reclusão ou detenção), baseado em prazos
fixos e rígidos, são incompatíveis com a citada legislação em saúde mental, que
objetiva a reintegração social da pessoa.
Quanto ao artigo 6º, a lei vincula a internação, a elaboração anterior de laudo médico
fundamentado para tal, ela abrange as internações voluntárias, involuntárias e a compulsória,
todas elencadas nos incisos do parágrafo único do referido artigo. Entende-se como internação
compulsória a realizada para execução da MS por determinação judicial, conforme define o
inciso III do citado artigo.
A lei resguarda ainda, o paciente que em virtude de um longo período de internação
em instituições psiquiátricas, criou uma situação de dependência institucional grave tornando
difícil a sua desinternação e a ressocialização. Para os mesmos a lei regula que compete ao
Estado providenciar a alta progressiva do paciente, a desinternação progressiva do mesmo,
quando necessário e pelo tempo que se fizer útil para a reinserção social do indivíduo. (Art.
5º)
O artigo 9º da lei define que a internação compulsória se dará por determinação do
juiz, de acordo com a legislação vigente e que ao tomar a decisão o juiz deve analisar além do
melhor tratamento utilizado, as condições de segurança do estabelecimento, para salvaguardar
o próprio paciente, os outros internos e ainda os funcionários da instituição.
Além das implicações trazidas pela lei 10.216/01 nas MS, existem ainda
recomendações e resoluções que abordam o tema nos poderes executivo e judiciário, entre
estas podemos destacar a Resolução nº 113 de 20 de Abril de 2010 do Conselho Nacional de
Justiça - CNJ, as Resoluções nº 05 de 04 de maio de 2004 e a nº 04 de 30 de julho de 2010 do
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e ainda a mais recente, a
recomendação nº 35 de 12 de julho de 2011 do CNJ. Todas estas diretrizes tem o objetivo
comum de adequar a execução das MS às disposições da lei da Reforma Psiquiátrica,
38
objetivando a humanização do tratamento do louco infrator, e redirecionando o tratamento do
mesmo para os serviços substitutivos de forma a priorizar a reinserção social do paciente em
seu meio. Como forma de melhoria no tratamento as normatizações também defendem, a
política de desospitalização e a superação do modelo tutelar do estado. O tratamento deve-se
dar de forma menos invasiva ao paciente, com a participação de equipe multidisciplinar
especifica para atenção ao paciente judiciário.
4.4 Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é um serviço de saúde municipal, aberto e
comunitário realizado em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS). O primeiro a ser
inaugurado no Brasil foi o Centro de Atenção Psicossocial Professor Luiz da Rocha
Cerqueira, em março de 1986 na cidade de São Paulo. Surgiram pela necessidade de um
tratamento mais humanizado e efetivo aos portadores de doenças mentais, e ainda para
oferecer cuidados intermediários entre o regime de internação e o tratamento ambulatorial.
Podem também ser chamados de Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e ainda de Centro
de Referência em Saúde Mental (CERSAM). As regulamentações destas instituições são
feitas principalmente pelas portarias: nº 245/GM, de 17 de fevereiro de 2005, nº 336/GM, de
19/02/02, nº 189/SAS de 20/03/02, nº 106/GM de 11/02/00, nº 246/GM, de 17/02/05 e nº
2077/GM de 31/10/03 todas do Ministério da Saúde.
Segundo o SUS o CAPS é “[…] dispositivo fundamental do modelo de atenção
psicossocial substitutivo ao hospital psiquiátrico, ressaltando sua função estratégica de
articulador da rede de serviços, e a necessidade de potencializar parcerias intersetoriais e de
intensificar a comunicação entre os CAPS, a rede de saúde mental e a rede geral de saúde,
contemplando as dimensões intra e intersetoriais”. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2010, p.69).
Em especial, os CAPS atendem de forma diária, os portadores de doença mental
podendo também atender aos dependentes de drogas. O atendimento pode ser de forma
intensiva, semi-intensiva e não-intensiva. O objetivo é realizar o acompanhamento clínico e a
reinserção social dos usuários, principalmente tentando manter a relação social do mesmo
com o trabalho, lazer e convivência familiar, por isso os centros atuam de forma ramificada
em várias localidades de todo país, valorizando a convivência do paciente com o seu meio
39
social. É um serviço que visa substituir as internações em Hospitais Psiquiátricos, apesar de
sua existência ser anterior a lei da reforma psiquiátrica, tiveram maior incentivo com a
aprovação da referida lei, que traçou um novo horizonte para os tratamentos substitutivos para
os doentes mentais, como no caso dos CAPS.
Os CAPS podem ser de tipo I, II, III, Álcool e Drogas (CAPS AD) e Infanto-juvenil
(CAPSi). Cada unidade tem suas particularidades, divergindo quanto à estrutura física,
profissionais, tipos de atividades terapêuticas e ainda quanto a especificidade da demanda,
podendo ser para crianças e adolescentes, usuários de álcool e outras drogas ou para
transtornos psicóticos e neuróticos graves. Os CAPS I e II são para atendimento diário de
adultos com transtornos mentais severos e persistentes, normalmente funcionam de segunda a
sexta-feira das 8 às 18 horas, podendo ocorrer turnos extras até 21 horas. O CAPS III é para
atendimento diário e noturno de adultos com transtornos mentais severos e persistentes,
funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, inclusive em feriados. O CAPSi atende a
crianças e adolescentes (até 25 anos) com algum tipo de transtorno mental e o CAPSad é
usado para o tratamento de dependentes de álcool e outras drogas (BRASIL. MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2004).
Para a implantação do CAPS em determinada cidade é utilizado o critério do perfil
populacional, ou seja, municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes poderão ter
o CAPS I, entre 70.000 e 200.000 habitantes poderão ter o CAPS II, já o CAPS III se instalará
em cidades com população maior a 200.000 habitantes, igual regra se utiliza para o CAPSi, e
por último o CAPSad em cidades com mais de 100.000 habitantes. A iniciativa para a
implantação das unidades depende do gestor da cidade, que juntamente com a coordenação de
saúde mental do município deve analisar a necessidade de se realizar tal tarefa, e ainda é
necessária a analise das condições financeiras e estruturais para tal.
O tratamento realizado nos CAPS pode ser realizado através de medicamentos,
atendimento em grupo ou familiares, atendimento individualizado, orientações, atendimento
psicoterápico, e ainda atividades comunitárias como festas juninas, jogos entre outras
atividades de lazer, a escolha entre os tratamentos é feita com base na necessidade de cada
paciente que deverá ser analisada por uma equipe multidisciplinar que atua nessas unidades.
Em média o CAPS deve conter 1 médico psiquiatra, 1 enfermeiro, 4 profissionais com nível
superior como: assistentes sociais, psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos entre
outros profissionais que participam da recuperação do doente, deve ter ainda 5 profissionais
40
de nível médio, como técnicos em enfermagem, auxiliares administrativos, técnicos
educacionais entre outros que dão suporte para o trabalho realizado nas unidades.
Para o incentivo a implantação dos CAPS nos municípios interessados e que
cumprem as exigências legais para tal, o Ministério da Saúde oferece um incentivo pecuniário
antecipado nos valores de R$ 20.000,00 (CAPS I), R$ 30.000,00 (CAPS II e CAPSi) e ainda
R$ 50.000,00 (CAPS III e CAPSad). Pode-se notar claramente que o Ministério da Saúde tem
adotado medidas de apoio a desinternação dos pacientes mentais para tratamentos na rede de
atenção extra-hospitalar.
Quanto aos números, segundo levantamento recente realizado pelo Ministério da
Saúde publicado em “Saúde Mental em Dados 9” de julho de 2011, existem no Brasil um
total de 1650 CAPS, destes, 780 são CAPS I, 420 CAPS II, 55 CAPS III, 132 CAPSi, 262
CAPSad e ainda no Rio de Janeiro o primeiro CAPSad III. A região Nordeste possui a maior
quantidade de CAPS no país com 614 unidades distribuídas em seus 9 estados, já a região
norte possui o menor número com 89 estabelecimentos. Analisando o número de CAPS por
100.000,00 habitantes têm-se que a média nacional é de uma cobertura regular/boa segundo o
próprio Ministério, são 0,68 CAPS para cada 100.000,00 habitantes. A melhor média é da
região sul do país 0,88 considerada muito boa pelos parâmetros estabelecidos pelo governo, e
a pior é da região Norte com 0,42 considerada regular/baixa.
4.5 As Residências Terapêuticas
As residências terapêuticas (RTs) ou os serviços residenciais terapêuticos (SRT),
tiveram início no Brasil, no começo da década de 90, como pioneiras nesse processo é
possível citar as cidades de Ribeirão Preto/SP, Campinas/SP, Santos/SP, Rio de Janeiro/RJ e
Porto Alegre/RS. O sucesso alcançado por essas experiências, permitiu que a iniciativa fosse
adotada em outros municípios ao longo do território nacional, expandindo assim a rede de
atenção pelas RTs, como mostram dados colhidos do Ministério da Saúde que dão conta que
entre 2002 e 2011 o crescimento no Brasil das residências foi de mais de 700% passando de
85 para 596 unidades, esse avanço se deve principalmente ao advento da Portaria 106/2000 do
Ministério da Saúde que oficializou a iniciativa no SUS e pela adoção da Lei 10.216 de 2001,
que incentivou a desospitalização dos pacientes psiquiátricos. Os usuários das RTs são
41
principalmente os que se encontravam em longos períodos de internação, que demandavam
mais cuidados por este fato e que normalmente já tinha perdido os laços familiares e afetivos.
Apesar do crescimento, a formação de novas vagas é um grande desafio para o governo, pois
com a demanda criada pelo fechamento dos leitos psiquiátricos, a procura por vagas nestas
instituições é cada vez maior, até porque as RTs acolhem aqueles que não têm familiares para
cuidá-los, em alguns casos idosos que não tem condições de se subsistir sozinho.
As residências terapêuticas funcionam da seguinte forma, o gestor da cidade
observando a necessidade de implantação do serviço em seu município, solicita ao Ministério
da Saúde a implantação e o valor de incentivo para o inicio do projeto no valor de R$
10.000,00, com esse valor o responsável deverá providenciar a casa em espaço urbano e
apropriado, com espaço físico compatível com o número de moradores que deverão ser de no
máximo 8 pessoas, e ainda garantir com os próprios recursos o mínimo de 3 refeições diárias
aos atendidos. Cabe ao município também garantir a equipe técnica mínima de suporte que
deverá acompanhar todo o trabalho e o cotidiano dos pacientes incentivando o convívio
social, esta equipe deverá ser formada por no mínimo 1 médico e 2 profissionais de nível
médio com experiência específica para a reabilitação.
Cabe ressaltar que existem requisitos a serem adotados antes da escolha pelo
município, um deles é que o município obrigatoriamente deve ter um CAPS e um hospital
psiquiátrico, o primeiro se faz necessário para dar assistência ao tratamento realizado nas RTs,
e o segundo é condição que justifica a implantação das residências, já que a maioria dos
atendidos é oriunda destas unidades.
O objetivo principal das RTs é de reduzir os leitos psiquiátricos, e de proporcionar
melhor condição de vida, a pacientes que devido a longos períodos de internação em hospitais
psiquiátricos se encontram “cronificados” por esta convivência, em sua maioria estes
pacientes foram relegados pelos familiares e amigos por serem pessoas de difícil convivência
e em muitos casos por terem cometido crimes contra seus entes e assim por terem se tornado
antissociáveis aos olhos destes. Pela falta de um lugar para ir, acabam internados por mais
tempo que deveriam. Para deixar esta condição, os atendidos necessitam de suporte físico,
técnico e afetivo adequado para a sua condição de enfermo, e justamente esse ambiente é que
se tenta recriar na formação das RTs, onde os pacientes tem acompanhamento e cuidado para
as mais simples tarefas do dia a dia, como por exemplo, o controle do horário das medicações,
questões relativas a higiene pessoal, passeios diversos pela cidade ou fora dela, e até mesmo a
prática de simples conversas, comuns a todos.
42
As garantias de espaços de morada aos portadores de doenças mentais nos moldes das
RTs são de fundamental importância para a ressocialização dos pacientes. Nestes locais existe
uma qualidade de vida muito superior a vivida nos HTCPs, principalmente por não existir a
privação da liberdade, mas por outro lado não ocorre também a completa liberdade dos
mesmos, de certa forma as RTs funcionam como uma liberdade assistida, mais de forma
amena e exitosa no tratamento e acompanhamento dos loucos infratores, claro que quando for
indicada por profissional especializado e quando o mesmo atestar a cessação de
periculosidade do indivíduo.
Atualmente existem no Brasil em funcionamento 596 módulos do Serviço Residencial
Terapêutico com o total de aproximadamente 3236 moradores, segundo levantamento recente
feito pela coordenação de saúde mental do Ministério da Saúde, conforme a publicação
“Saúde Mental em Dados 9” de julho de 2011. Apesar do crescente aumento de vagas, esse
número ainda é considerado insuficiente para a demanda que se estima ser de 2500 unidades
com a população atendida de aproximadamente de 20.000 pacientes.
Por fim cabe ressaltar que existe hoje no país e em especial no estado de Minas Gerais
uma latente necessidade de se expandir essa rede de atendimento das RTs, a falta de vagas em
diversas cidades principalmente do interior, causa um sério problema para os municípios
referência em tratamento, como é o caso da cidade de Barbacena/MG, que acaba acolhendo
pacientes de diversos lugares do país por ter uma boa rede de assistência. O ideal seria que
cada cidade fizesse o seu papel de atender essas pessoas e providenciar um local para esse
cuidado, e para subsistência dos seus concidadães em sua cidade natal. A centralização desse
serviço nas cidades referências, causa a superlotação dos mesmos e por consequência a
impossibilidade de se realizar um bom trabalho para a população destas cidades.
4.6 A Experiência do Programa de Atenção Integral ao paciente judiciário portador de
sofrimento mental – PAI-PJ
O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental
(PAI-PJ) foi implantado através da Portaria Conjunta nº 25 de dezembro de 2001 do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais (TJMG), programa pioneiro no país, surgiu através de uma
pesquisa realizada por estagiários do curso de psicologia do Centro Educacional Newton
Paiva na cidade de Belo Horizonte/MG, os estudantes realizaram um levantamento dos
43
processos em que figuravam portadores de doença mental e passaram a acompanha-os. Em
julho de 2002 foi inaugurada a Casa PAI-PJ, em parceria com o referido centro educacional,
possibilitando a ampliação dos trabalhos já realizados pelo programa, que acompanhava todas
as fases do processo com o objetivo de garantir os direitos constitucionais desses indivíduos,
que diversas vezes eram esquecidos pelo judiciário, o propósito era de auxiliar o mesmo a
tomar a melhor decisão que beneficiassem o tratamento do louco infrator, seguindo os
princípios e diretrizes lançadas pela Lei 10.216/01, da Reforma Psiquiátrica.
Cabe ressaltar que a participação do programa, na individualização da aplicação e da
execução não somente estende a pacientes portadores de doenças mentais, mais também
podem agir nas medidas socioeducativas e nas penas, dependendo sempre da determinação do
juiz da execução, que se optar pela participação do programa, utiliza-se dos relatórios e
pareceres elaborados pela equipe multidisciplinar do mesmo no contato com os doentes
mentais. A equipe do PAI-PJ é composta por psicólogos, assistentes sociais e profissionais do
direito.
Entre as funções do programa pode-se destacar o acompanhamento dos processos
criminais, atuando com o objetivo de fornecer subsídios técnicos para a prestação
jurisdicional no curso do processo; a utilização da legislação vigente para auxiliar o judiciário
na individualização das MS, se orientando pelos princípios da reforma psiquiátrica visando a
desinternação dos pacientes em MS com a promoção de tratamentos substitutivos; a busca da
aplicação dos direitos fundamentais e sociais previstos, para os loucos infratores, e por fim,
promover a interação entre o Ministério Público, o Judiciário e o Executivo, na busca por uma
assistência mais efetiva e de qualidade aos pacientes judiciários.
Existem dois núcleos que fazem parte do programa, o Núcleo Supervisor que tem sede
na comarca de Belo Horizonte conforme determina o artigo 1º da Portaria Conjunta 181/2010
do TJMG, e tem atuação em todas as comarcas do estado, deve prestar orientação
metodológica e monitorar os núcleos regionais.
Atualmente existe no estado apenas um núcleo regional na cidade de Barbacena, que
foi instituído pela Portaria Conjunta nº192/2010, DJe 16/08/2010, as atribuições dos núcleos
regionais são similares as do núcleo supervisor, mais com a devida limitação territorial e
hierárquica. Suas atribuições são definidas pelo artigo 11º da Resolução nº 633/2010 do
TJMG, são elas: I - promover o estudo e o acompanhamento dos processos criminais e
infracionais em que figurem pacientes judiciários, visando à elaboração de projeto
individualizado de atenção integral; II - realizar o acompanhamento psicológico, jurídico e
44
social do paciente judiciário; III - manter contato e articulação intersetoriais, em caráter
permanente, com: a) a rede pública de saúde, visando efetivar a individualização do projeto de
atenção integral; b) a rede social, visando à promoção social do paciente judiciário e à
efetivação das políticas públicas pertinentes ao caso; IV - realizar discussões com peritos
criminais, nos casos em que houver exame de sanidade mental e cessação de periculosidade,
apresentando, em atendimento a determinação judicial, dados relativos ao acompanhamento
do paciente; V - emitir relatórios e pareceres, dirigidos ao Juiz competente, relativos ao
acompanhamento do paciente judiciário nas diversas fases processuais; VI - sugerir à
autoridade judicial medidas processuais pertinentes, com base em subsídios advindos do
acompanhamento clínico-social do paciente judiciário; VII - prestar ao Juiz competente as
informações clínico-sociais necessárias à garantia dos direitos do paciente judiciário.
Segundo dados do programa, ao longo de 10 anos de funcionamento, foram atendidos
799 pacientes, com baixo índice de reincidência criminal que é de aproximadamente 2%.
Atualmente são 246 pacientes atendidos e desse total 70% estão cumprindo a MS em caráter
ambulatorial, 23% ainda estão em regime de internação e cerca de 7% estão internados na
rede pública de saúde. (MINAS GERAIS. TJMG, 2011).
O trabalho realizado pelo PAI-PJ sem dúvida foi um avanço no cumprimento das MS
no estado de Minas Gerais, tanto para os pacientes quanto para o judiciário, o programa se faz
eficiente pois ajuda aos magistrados na decisão a ser executada, e proporciona ao paciente um
tratamento adequado para os sofrimentos que os acometem. Vale dizer que esse trabalho deve
ser realizado de forma muito criteriosa e responsável, pois devemos acreditar na recuperação
dos loucos infratores e proporcionar a eles o melhor tratamento necessário, mais não se pode
deixar de lado que se este trabalho for mal realizado o risco tanto para o paciente, quanto para
a sociedade pode ser fatal. O critério de escolha entre os pacientes atendidos deve ser
realizado de forma minuciosa, pois têm-se que desinternar os pacientes que estão em
condições de fazê-lo e ainda proporcionar a eles um ambiente adequado para a sua
recuperação, esta talvez seja a grande dificuldade encontrada para os profissionais da área.
45
5 CONCLUSÃO
O presente trabalho procurou apresentar um estudo aprofundado sobre o tema,
utilizando-se da exposição das matérias mais importantes para a elucidação do mesmo. As
explicações foram direcionadas para o estudo da real efetividade das Medidas de Segurança,
objetivando a reinserção do louco infrator na sociedade.
Pela análise histórica observa-se que trata-se de um instituto relativamente novo no
Direito Penal Brasileiro, introduzido apenas no Código Penal de 1940. Analisando a história
no Brasil, o louco infrator em um primeiro momento não sofria nenhum tipo de repressão,
cabia ao estado apenas perdoá-lo por sua condição e devolvê-lo ao convívio sócio familiar.
Posteriormente com o início das regulamentações, passou-se a puni-los de forma severa como
se pudessem responder por seus atos com a plena capacidade de entendimento e
determinação. Posteriormente surge a MS, que teve como objetivo, o tratamento e a proteção
da sociedade e do próprio indivíduo.
O problema da assistência aos loucos infratores, não se resolveria com a utilização das
MS e a criação dos HCTPs, com o passar do tempo estas instituições se desvirtuaram de seu
objetivo principal, ou seja, de agir na recuperação do doente, e passaram a ser as grandes vilãs
na recuperação dos mesmos. Vários são os motivos que podemos apontar para isso ter
acontecido, como principais pode-se dizer a falta de políticas públicas que apoiem e
financiem projetos de estruturação e de planejamento para o restabelecimento dos internos;
falta de apoio familiar no processo de resgate do paciente considerado de fundamental
importância para o tratamento; a morosidade do judiciário em apreciar e julgar também,
causas referentes aos loucos infratores, e principalmente a falta de investimentos e de vontade
política para se desenvolver programas mais efetivos de tratamento e reinserção social.
Neste universo de críticas, devemos ressaltar que muitas mudanças ocorreram com o
objetivo de se introduzir a ideia de recuperação, devemos louvar as iniciativas de tratamento
extra-hospitalares de reinserção social, são grandes aliadas dessa política. A criação dos
CAPS foi importante tanto para tratar, quanto para prevenir, pois quando devidamente
acompanhados e tratados, os atendidos dificilmente irão reincidir na prática de ilícitos. As
Residências Terapêuticas tem papel fundamental para acolhida e cuidado, dispensados
principalmente àqueles que não possuem vínculos familiares, é a oportunidade que os
atendidos têm de ter uma vida “normal”, de realizar atividades comuns a todos e com isso
46
elevar a qualidade de vida dos mesmos. Também importante é a função do PAI-PJ, que
funciona como um intermediário para auxiliar nas soluções dos problemas visando o melhor
tratamento possível e humanizado. O auxílio do PAI-PJ se mostra eficiente tanto na
recuperação dos doentes, quanto na busca de ajudar o judiciário a tomar as melhores decisões,
minimizando a morosidade e
maximizando o suporte intensivo aos atendidos, também
importante papel do programa é o de promover a integração do Judiciário, do Ministério
Público, Defensoria Pública e dos Hospitais de Custódia, para a busca da solução ideal.
Vale ressaltar que a responsabilidade pela melhora da estrutura e condições de
recuperação, cabe também aos gestores tanto dos municípios quanto do estado e da nação,
muitas vezes a falta de recursos para o tratamento é responsabilidade do esquecimento do
poder público na atenção aos doentes, cabe aos governantes assumirem a responsabilidade de
oferecer tratamento digno aos seus cidadãos. A falta de CAPS ou a má qualidade dos serviços
prestados por estes, a falta de residências terapêuticas em demais municípios, enfim a falta de
estrutura, medicação e profissionais capacitados, são os principais problemas para o
funcionamento da rede extra-hospitalar de atenção aos portadores de doenças mentais,
incluindo os infratores. Posição cômoda tem o gestor que transfere para outro município a
responsabilidade de tratar seus doentes.
Ainda abordando o tema da ressocialização, temos que lembrar que a sociedade atua
de forma muito preconceituosa com doentes mentais, claro que ninguém é contra a
recuperação dos mesmos, mas ninguém faz nada para mudar a situação em que vivemos, e
pior, quando as vezes os próprios parentes necessitam desta ajuda, as famílias os excluem,
eximem da responsabilidade que lhes cabe de lutar pela recuperação do seu semelhante. Podese observar a hipocrisia da coletividade ao se chocar com os problemas de exclusão vividos
por esses indivíduos, mas ao mesmo tempo se acomodarem com a situação vivida por eles.
Existem ainda os problemas na legislação penal vigente, que por ser antiga, não
acompanhou a evolução dos tratamentos, deveriam existir métodos mais eficazes de sanções e
prevenções. Muitas das alternativas de tratamentos são impossibilitadas de se realizar pela
falta de legislação sobre o tema. Podemos citar a desinternação progressiva, que tem sido
introduzida aos poucos pela jurisprudência e doutrina, o papel dos HCTPs tem que ser revisto,
não com o objetivo de extinção dos mesmos, pois desempenham um papel fundamental de
sistema misto de tratamento e prevenção, mas poderiam exercer com mais força a função
ressocializadora, poderiam também ser diversificadas e ampliadas as possibilidades de
execução das MS, como além do tratamento ambulatorial se introduzir um regime semiaberto
47
e aberto para as mesmas, e ainda uma interação maior entre o judiciário e os hospitais
(semelhante a executada em Minas Gerais pelo PAI-PJ).
Deve-se ainda tomar cautela com as medidas de ressocialização adotadas, que não
devem ter como finalidade a extinção dos HCTPs e sim a otimização do trabalho realizado
pelos mesmos. Os HCTPs tem papel essencial na proteção social e dos próprios internos, e
agem com a função de individualizar o melhor tratamento para o paciente, seja ele extrahospitalar ou de internação. Considero leviana a afirmação que todos os tipos de sofrimentos
mentais podem ser tratados de uma forma eficiente somente pelos chamados tratamentos
substitutivos, sem a necessidade de internação em um local que assegure a segurança de
todos, vários são os exemplos que nos mostram isso. Se o fim das instituições de custódia e
tratamento, se efetive, existirá uma lacuna entre o sistema prisional comum e as instituições
de tratamento psiquiátrico também comum, corre-se o risco de agravar as enfermidades
mentais dos pacientes infratores que pela falta de instituição que os trate e faça sua custodia,
os mesmos terão que cumprir a sua sanção penal em estabelecimentos impróprios.
Por fim considerando as informações prestadas por este trabalho, pode-se concluir que
o tratamento psiquiátrico em hospital de custódia e os tratamentos substitutivos são
igualmente importantes para a cura e a prevenção, dos doentes e da sociedade.
48
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Carlota Pizarro de. Modelos de inimputabilidade: da teoria à prática. Coimbra:
Almedina, 2000.
BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Parecer sobre medidas de segurança e
hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico sob a perspectiva da Lei nº. 10.216/2001.
Ministério Público Federal. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC. Brasília,
DF. 2011.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Centros de Atenção Psicossocial. 2010. Disponível
em < http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=1>
Acesso em: 13 ago. 2011.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção
psicossocial. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da
Saúde, 2004.
CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal Comentado. Porto Alegre: Verbo Jurídico,
2007. 696 p.
______. Curso de direito penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, parte geral: arts. 1º a
120.
DOTTI, René Ariel. Penas e medidas de segurança no novo código. Rio de Janeiro:
Forense, 1985.
D’URSO, L. Flávio Borges. Direito Criminal na atualidade. São Paulo: Atlas, 1999.
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro. Forense, 1951. v. 3
JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Direito penal da loucura e reforma psiquiátrica. Brasília:
ESMPU, 2008.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1: parte geral.
LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da Loucura. Rio de Janeiro: Ed. Garamond, 2001.
MAMEDE, Margarida C. Cartas e retratos: uma clínica em direção à ética. São Paulo:
Altamira, 2006.
MATTEDI, J.C. Hospitais de custódia e tratamento não têm equipes de saúde. Agência
Brasil. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2007-07-07/hospitais-decustodia-e-tratamento-nao-tem-equipes-de-saude-aponta-coordenadora> Acesso em: 15 jul,
2011.
49
MINAS GERAIS. SEDS. Superintendência de Articulação Institucional e Gestão de
Vagas - SAIGV Disponível em: < https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=
com_content&task=view&id=411&Itemid=1> Acesso em: 15 ago. 2011.
MINAS GERAIS. TJMG. Resultados PAI-PJ. Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br/
presidencia/projetonovosrumos/pai_pj/resultados.html>. Acesso em: 27 ago. 2011.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 26. ed. São Paulo: Atlas 2010.
MORAES FILHO, Marco Antonio Praxedes de. Evolução histórica da inimputabilidade
penal: uma abordagem cronológica da loucura na humanidade e seus reflexos na legislação
criminal brasileira até o Código de Piragibe. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1017, 14
abr. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8234>. Acesso em: 27 nov. 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral; parte especial. 7. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
______. Código penal comentado. 10. ed. .São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7. ed. 2007. v. I – Parte Geral.
QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: parte geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004.
SOUZA, M. B. de. O problema da unificação da pena e da medida de segurança. São Paulo:
José Bushatsky Editor, 1979.
ZAFFARONI, Raúl Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal
brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997.
Download