CASO CLÍNICO SBPT outubro 2007 Autor: Miguel Abidon Aidé Coordenador do Curso de especialização em pneumologia da UFF [email protected] RELATO DO CASO Paciente do sexo feminino, 89 anos, com passado de bronquiectasias e DPOC, apresentou quadro de tosse com secreção purulenta, febre, sudorese noturna, prostração intensa, dispnéia e anorexia. Foi prescrito ciprofloxacino por 10 dias, sem melhora clínica. Internada por 10 dias pelo agravamento do quadro clínico, sendo isolado Klebsiella pneumoniae do exame de escarro, e prescrito piperacilina/tazobactam, corticosteróide sistêmico e broncodilatadores. Alta com melhora clínica parcial. Em casa houve recidiva dos sintomas de febre, aumento do volume e purulência do escarro, prostração e dispnéia de repouso. Realizou radiograma de tórax que mostrou lesões nodulares difusas nos pulmões (Figura 1) e tomografia computadorizada de tórax (TC) que confirmou aquelas lesões, sendo algumas com cavitação (Figura 2). Exame físico: prostrada, emagrecida, febril (38°C), mucosas hipocoradas e ressecadas, taquicardica( 106 bpm), coração com RR2T, roncos e estertores inspiratórios em ambos pulmões. Laboratório: SpO2 88% em ar ambiente, anemia hipocrômica e leucocitose sem desvio. Questão 1- Qual a principal hipótese diagnóstica? a – Metástases pulmonares b – Criptococose c - Aspergilose semi-invasiva crônica (necrosante crônica) d – Nocardiose e - Granulomatose de Wegener Questão 2 – Como faríamos o diagnóstico? a – Punção biópsia transtorácica com agulha fina b – Exame de escarro c - Sorologia específica d - Biópsia a céu aberto e - Biópsia de pulmão vídeo- assistida Questão 3 – Qual melhor esquema de tratamento: a – Sulfametoxazol-trimetoprima b – Imipenen-cilatastina + amicacina c - Ceftriaxona d - Ciproflaxacino e – Amoxacilina/clavulanato Resposta da 1ª questão: alternativa d Trata-se de um caso de Nocardiose pulmonar em doente portador de DPOC/bronquiectasias. Embora seja raro, infecção por Nocardia pode ocorrer de 10% a 25% em doentes imunocompetentes. Em geral os pacientes apresentam certo grau de imunodepressão como no presente caso. Algumas séries têm mostrado uma incidência elevada em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica e bronquiectasias. Tosse produtiva, febre, prostração intensa e perda de peso são as manifestações clínicas mais freqüentes, com duração dos sintomas por mais de três semanas. Os aspectos radiográficos mais encontrados são: consolidações lobares e/ou segmentares, nódulos múltiplos ou isolados (mais raro) com ou sem cavitação. Derrame pleural e infiltrado difuso é menos freqüente. A hipótese de doença pulmonar metastática fica descartada devido à precocidade do aparecimento das lesões nodulares. Tem-se descrito na literatura médica, com mais freqüência casos de aspergilose invasiva das vias aéreas e angioinvasiva, como também aspergilose necrosante crônica em portadores de DPOC. O diagnóstico diferencial inicialmente é muito difícil. A evolução clínica e a identificação do fungo atestam a probabilidade diagnóstica. O mesmo raciocínio pode ser feito para a criptococose. É muito difícil doentes portadores de DPOC/bronquiectasias cursarem com PAC com aspecto radiográfico de nódulos pulmonares com cavidade. PAC por S. aureus e H. influenzae podem originar esse tipo de lesões radiográficas desse tipo, porém, não é freqüente. Foi isolado de escarro K. pneumoniae na primeira internação. Houve resposta parcial ao tratamento, provavelmente pela possibilidade de ser a klebsiela naquele momento um germe colonizador e já pela presença da Nocardia como germe principal sem tratamento adequado. A hipótese de granulomatose de Wegener deve ser levantada pelo aspecto das lesões pulmonares e a falta de resposta clínica aos antibióticos, diante de quadro clínico de infecção respiratória. A idade avançada, a falta de manifestações das VAS e a função renal normal, torna essa hipótese improvável. Resposta da 2ª questão: alternativa b Na maioria dos trabalhos citados o diagnóstico de Nocardiose pulmonar é aceito pela identificação da bactéria no exame de escarro (direto e/ou cultura) em três amostras consecutivas, sem a presença de outro microrganismo, dentro de um contexto clínico e radiográfico. Técnicas de identificação bacteriana simples como o gram (a Nocardia é aeróbia gram+) e para BAAR identificam facilmente a bactéria. Lembrar que a Nocardia quando corada pelo método de Ziehl-Neelsen é fracamente resistente à descoloração pela solução álcool-ácida, requerendo coloração de Ziehl-Neelsen modificado, isto é, método de Kinyoun. A cultura é o padrão áureo para o diagnóstico de Nocardiose, porém é uma ferramenta para ser aproveitada após 30 dias, pelo lento crescimento da bactéria, tal como o bacilo de Koch. Os meios de cultura utilizados para as espécies de Nocardia são: Agar-sangue, Agar coração-cérebro e Agar-chocolate. A Nocardia spp é identificada por técnicas especiais manuais e/ou automatizadas. Amostras obtidas por métodos invasivos são processadas e analisadas com as mesmas técnicas descritas. A Nocardia asteróides é a principal espécie isolada (80% a 90%) seguida de outras como a N. farcinica, N. nova e N. brasiliensis. Nesse caso o diagnóstico foi realizado identificando a Nocardia spp em três amostras seguidas de escarro com coloração pelo gram e posteriormente com a coloração de Kinyoun. Resposta da 3ª questão: alternativa a O esquema de tratamento irá depender da extensão da doença. Na forma pulmonar isolada a literatura médica é quase unânime em apontar a associação Sulfometoxazol-trimetoprima (SMZ-TMP) como primeira escolha, com tempo de tratamento de 6 a 12 semanas nas formas localizadas e 24 a 48 semanas nas formas disseminadas. A dose também é variável, isto é, 5 a 10mg/kg/dia a 15mg/kg/dia de SMZ-TMP nas formas isoladas e disseminadas, respectivamente. Existem relatos de casos, principalmente nas formas disseminadas, de resistência da Nocardia spp a Sulfametoxazol-trimetoprima. Cresce ao mesmo tempo a tendência de se associar dois tipos de antibióticos ao esquema de tratamento. Parece que a dupla mais eficaz é a amicacina associada com Imipenemcilastatina. Existe um sinergismo de ação entre essas duas drogas. A dose é a habitual e o tempo de tratamento é de 2 semanas, seguindo manutenção com SMZ-TMP. Outros antibióticos podem ser usados, isolados ou em associação, tais como minociclina, ceftriaxona, cefotaxina, ciprofloxacino, amoxicilina/clavulanato. Alguns lembretes são importantes: 1. A Nocardiose afeta principalmente pacientes imunodeprimidos; 2. O sítio de infecção mais comum é o pulmão. 3. O diagnóstico diferencial principal é com a tuberculose, responsável pelo retardo diagnóstico e consequentemente retardo no tratamento; 4. A associação SMZ-TMP é a mais prescrita; 5. Imipenem-citastatina deve ser prescrito para doentes graves, resistentes ou intolerantes a SMZ-TMP. Referências bibliográficas 1. Feigin DS. Nocardiosis of the lung: chest radiographic findings in 21 cases. Radiology 1986; 159(1): 9-14. 2. Mari B, Monton C, Mariscal D, Lujan M, Sala M, Domingo C. Pulmonary nocardiosis: clinical experience in ten cases. Respiration 2001; 68(4): 382-8. 3. Menendez R, Cordero PJ, Santos M, Gobernado M, Marco V. Pulmonary infection with Nocardia species: a report of 10 cases and review. Eur Respir J 1997: 10(7): 1542-6. 4. Matulionyte R, Rohner P, Uckay I, Lew D, Garbino J. Secular trends of nocardia infection over 15 years in a tertiary care hospital. J Clin Pathol 2004; 57(8): 807-12. 5. Ferrer A, Llorenc V, Codina G, de Gracia-Roldan J. 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