CO 77: Abordagem do Teorema de Euler no Ensino Básico José Querginaldo Bezerra Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] Gabriela Lucheze de Oliveira Lopes Universidade Federal do Rio Grande do Norte [email protected] RESUMO A Abordagem do Teorema de Euler no Ensino Básico é uma proposta de comunicação oral ou oficina para ser apresentado no XI Seminário Nacional de História da Matemática, em Natal RN, destinada a professores de matemática do ensino básico, numa perspectiva histórica, contextualizando as discussões e contribuições de vários matemáticos sobre o assunto, desde sua divulgação por Leonhard Euler em 1758. Nosso objetivo maior é apresentar uma demonstração alternativa, que entendemos ser mais simples e compreensível que as demais que se tem conhecimento, inclusive a prova do professor Zoroastro Ajambuja, que nos serviu de inspiração. Em nossa experiência em sala de aula, por mais de dez anos com as disciplinas de Geometria Euclideana, constatamos que a demonstração do Azambuja e a prova de Cauchy apresentavam dificuldades de compreensão por parte dos alunos do curso de licenciatura em matemática, a de Azambuja por ser muito “rebuscada” e a de Cauchy por usar resultados de Topologia. Ao adotar nossa demonstração observamos uma maior compreensão da argumentação usada e um melhor desempenho dos alunos nos questionamentos levantados como feedback. Palavras-chave: Euler; Poliedro; Ensino Básico; Demonstração e Contextualização. Introdução A palavra Poliedro vem do grego poly, que significa muitos ou vários e edro, que significa face, ou seja, muitas faces. Os poliedros foram objetos de estudo de muitos filósofos da antiguidade e faziam parte das teorias sobre o universo. Os poliedros regulares são conhecidos desde a antiguidade. O livro XIII de Os Elementos de Euclides é dedicado aos sólidos regulares e inclui cálculos que determinam a razão entre o comprimento da aresta e o raio da esfera circunscrita. Ainda neste livro é enunciado (provado?) que os poliedros regulares, conhecidos por poliedros de Platão, são apenas cinco, o tetraedro, o hexaedro, o octaedro, o dodecaedro e o icosaedro. Figura 1 A História é cheia de exemplos de filósofos, matemáticos e astrônomos que exploraram os resultados sobre poliedros contidos nos livros Os Elementos. Em seu primeiro grande trabalho, Mysterium Cosmographicum de 1600, Johannes Kepler (15711630) utilizou os cinco poliedros regulares para construir o seu modelo para o sistema solar. A figura abaixo ilustra esse modelo. http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b26000825/f3.item.r=Johannes%20Kepler Figura 2 2 O Teorema de Euler ( ou Relação de Euler), de 1758, foi enunciado por Leonhard Euler (1707 - 1783) e diz que V - A + F = 2, onde V é o número de vértices, A é o número de arestas e F é o número de faces de um poliedro. Um manuscrito de 1639 produzido por Descartes traz indícios de que ele tinha conhecimentos básicos sobre o número de arestas, vértices e lados de um poliedro, mas que não culminaram na fórmula V - A + F = 2. Esse resultado tem sido amplamente abordado na Educação Básica sem que uma demonstração formal, nesse nível de escolaridade, seja apresentada de forma “compreensível” aos alunos. Na maior parte das vezes o resultado é apenas utilizado na resolução de exercícios de Geometria ou pede-se a simples verificação da fórmula para poliedros específicos. No entanto, a simplicidade do enunciado e a facilidade de ilustrá-lo com exemplos e conta-exemplos torna o Teorema atraente e cria um ambiente favorável para a exploração de outros conceitos e relações importantes sobre poliedros. Um exemplo é a prova de que , de fato, só existem cinco poliedros regulares. Euler supunha o Teorema verdadeiro para todos os poliedros, mas existem poliedros para os quais o resultado não é verdadeiro como o da figura a seguir, onde V – A + F = 16 – 32 + 16 = 0. Figura 3 As demonstrações O principal objetivo desse trabalho consiste em discutir algumas demonstrações do Teorema de Euler para poliedros convexos. Após anos de experiência no ensino superior e a análise do conteúdo sobre a relação de Euler para poliedros convexos nos livros didáticos, ou em livros voltados para a formação inicial de professores de Matemática, 3 notamos a carência de uma demonstração que seja compreendida com mais clareza pelos alunos. A demonstração de Cauchy, “Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857)”, apesar de simples, não é adequada para alunos do ensino básico pois supõe conhecimentos de Topologia, quando fala em inflar o poliedro até obter uma esfera e, principalmente, porque omite detalhes sobre a retirada dos triângulos, após a triangularização das faces [Lima, 1985]. A demonstração publicada na RPM no 3, em 1983, pelo professor Zoroastro Azambuja Filho, e republicada no livro A Matemática do Ensino Médio, vol. 2, da SBM, é realmente elegante e precisa, como afirmam os autores do livro. No entanto, devido aos “preparativos” para a demonstração da segunda parte do Teorema, onde o autor recorre aos raios do sol para ilustrar o raciocínio utilizado, os alunos de licenciatura em matemática apresentam dificuldades em compreender a prova. Essa dificuldade, acreditamos, comprova a deficiência dos jovens universitários na leitura e compreensão de textos, de um modo geral. Para contornar essa dificuldade, elaboramos uma demonstração alternativa inteiramente equivalente à prova do professor Zoroastro, onde destacamos a principal hipótese, que é o fato do poliedro ser convexo. Essa demonstração foi plenamente aceita pelos nossos alunos, tendo os mesmos demonstrado total compreensão da argumentação empregada e respondido satisfatoriamente aos nossos questionamentos. Demonstração alternativa A demonstração consiste de duas partes, determinando-se em cada uma a soma S dos ângulos internos dos polígonos que correspondem às faces do poliedro. Primeira Parte – Nessa primeira parte, consideremos todas as F faces como sendo polígonos regulares numerados de 1 a F e tomamos nk como sendo o número de lados da késima face, com 1≤ k ≤ F. Como a soma dos ângulos internos de um polígono convexo de n lados é igual a π(n-2) e lembrando que as faces de um poliedro convexo também são polígonos convexos, segue que a soma dos ângulos internos de todas as F faces de P é S = π(n1-2) + π(n2-2) + π(n3-2) + ∙∙∙ + π(nF-2), S = π[( n1 + n2 + n3 + ∙∙∙ + nF ) – ( 2 + 2 + 2 + ∙∙∙ +2 )], S = π[ 2A – 2F] 4 S = 2π[A – F]. Para obter o resultado anterior usamos dois fatos que merecem esclarecimentos: n1 + n2 + n3 + ∙∙∙ + nF = 2A e 2 + 2 + 2 + ∙∙∙ +2 = 2F. O primeiro é porque cada aresta de um poliedro pertence a duas e exatamente duas faces e, o segundo é devido ao fato da soma 2 + 2 + 2 + ∙∙∙ +2 ter F parcelas. Segunda Parte - Para a segunda parte da demonstração, consideramos que o interior de um poliedro é uma região limitada do espaço e, portanto, pode sempre ficar entre dois planos paralelos, como ilustra a figura abaixo. Sem perda de generalidade, consideramos também que o poliedro está numa posição tal que nenhuma de suas faces fique paralela à reta r, veja na figura abaixo, que é perpendicular aos planos α e β. Figura 4 Como P é convexo, qualquer reta s, paralela à r, que intersecte P o fará em um ou dois pontos. Se s intersectar P em um único ponto, projetamos esse ponto nos planos α e β, obtendo em cada plano uma poligonal fechada C, que é um polígono convexo correspondente à projeção da poligonal do espaço formada por arestas de P. 5 Se a intersecção ocorrer em dois pontos, o que estiver mais próximo de α será projetado em α e o outro será projetado em β. Desta forma, considerando apenas as projeções de vértices e arestas, α ficará com a projeção de V1 vértices de P no seu interior e as respectivas arestas, além de C, enquanto β ficará com a projeção de V2 vértices de P no seu interior e as respectivas arestas, além do polígono C. Então, se V0 é o número de vértices de P projetados em C, segue que V = V0 + V1 + V2. Agora vamos calcular a soma dos ângulos internos de todas as faces de P, considerando que a soma dos ângulos internos de uma face é igual à soma dos ângulos internos de sua projeção, já que, em função da posição que colocamos o poliedro P, essa projeção preserva o número de lados de cada face. Para os pontos que estão no interior de C, tanto em α quanto em β, a soma dos ângulos com vértices nos mesmos é sempre igual a 2π. A soma dos ângulos internos de C complementam a soma dos ângulos de todas as faces que foram projetadas em α e β . Assim, a soma de todos os ângulos dos vértices projetados em α é S1 = 2πV1 + π(V0 – 2 ). Já a soma dos ângulos dos vértices projetados em β é S2 = 2πV2 + π(V0 – 2 ). Consequentemente, S = S1 + S2 = 2πV1 + π(V0 – 2 ) + 2πV2 + π(V0 – 2 ) = 2π(V1 + V2 + V0 – 2). Como V = V0 + V1 + V2, segue que S = 2π(V – 2). Comparando os resultados obtidos nas duas partes, obtemos, 2π[A – F] = 2π(V – 2), ou seja, A – F = V – 2. Portanto, V – A + F = 2. Como observamos no início, essa demonstração é inteiramente equivalente à prova do professor Zoroastro, com os vértices sombrios projetados no plano α, os vértices iluminados projetados no plano β e o contorno aparente correspondendo à curva C. A extratégia que adotamos para verificar à compreensão de nossa demonstração, constou duas atividades, que exporemos a seguir: Atividade 1 – Pegamos vários protótipos de poliedros, emprestados pelo Laboratório de Matemática da UFRN e, segurando-os com as mãos, pedimos para os 6 alunos desenharem a projeção dos vértices e respectivas arestas no chão e no teto da sala de aula, como sugere a figura 5 para os planos α e β, respectivamente. A maioria dos alunos respondeu satisfatoriamente e os que apresentaram alguma dificuldade, se convenceram quando viram os desenhos dos colegas. Atividade 2 – Distribuimos um desenho com um poliedro não convexo, como o da figura 5 abaixo, e pedimos para eles desenharem os dois planos α e β, como na nossa demonstração alternativa, fazendo as projeções dos vértices nos respectivos planos, para verificarem a segunda parte da demonstração. Nesse caso poucos responderam a contento, pois a maioria não conseguia desenhar os planos satisfatoriamente. Mesmo assim, após nossa mediação, todos se convenceram da veracidade da argumentação. Nessa atividade ficou claro que a fórmula de Euler também se verifica em alguns poliedros não convexos. Embora as demonstrações aqui apresentadas usem a hipótese dos poliedros serem convexos, o Teorema de Eules também é valido em alguns poliedros não convexos, como é o caso do poliedro da figura 5 a seguir. A figura representa um sólido com formato de um prisma, do qual foi retirada uma pirâmide com base na face superior do prisma e V – A + F = 7 – 12 + 7 = 2. Figura 5 Um exemplo ainda mais surpreendente é o prisma (poliedro) contruído com base na figura 6 a seguir, que representa uma poligonal fechada sem auto-interseções, com 33 vértices e 33 lados. Nesse poliedro não convexo, V = 66, A = 99, F = 35 e, então, V – A + F 2. = 66 – 99 + 35 = Figura 6 7 A figura 6 foi desenhada com o Geogebra, que destacou o seu inetrior. Ela poderia ser bem mais complicada, como ilustra a figura 118, página 282, do livro O QUE É MATEMÁTICA? [Courant, R. e Robbins, H., 2000], onde temos dificuldade até para identificar seu interior. Entretanto, se n é o número de lados do polígono, convexo ou não, o prisma construído tendo esse polígono como base terá V = 2n, A = 3n e F = n + 2. Logo, V – A + F = 2n – 3n + n + 2 = 2, isto é, a fórmula de Euler vale para qualquer prisma, convexo ou não. Conclusão Como professor do ensino superior, nossa atuação sempre priorizou a preocupação com o processo de ensino-aprendizagem em matemática, especialmente com a formação/aperfeiçoamento de professores. As disciplinas de Geometria Euclideana, que lecionamos há mais de 10 anos, figuram como tema principal de nossos estudos e pesquisas, sempre com a preocupação de melhorar nossas aulas, nossos textos e, principalmente a eficácia do processo ensino aprendizagem. Em nossa experiência em sala de aula percebemos a dificuldade de compreensão pelos alunos de Licenciatura em Matemática com temas cuja abordagem geométrica faz-se necessária, especialmente quando a percepção espacial está envolvida. Nesse sentido, abordamos o Teorema de Euler para poliedros contextualizando-o historicamente, buscando motivar os alunos a superar as deficuldades apontadas anteriormente. Sobre a demonstração do professor Zoroastro Azambuja Filho, percebemos que a dificuldade maior dos alunos é o fato dele projetar as duas partes do poliedro, a sombria e a iluminada, num mesmo plano, daí nossa idéia de colocar o poliedro entre dois planos paralelos. Bibliografia AZAMBUJA FILHO, Z. Demonstração do Teorema de Euler para poliedros convexos. Revista do Professor de Matemática, São Paulo: Sociedade Brasileira de Matemática, nº 3, p. 15-17, 1983. BOYER, C. B. História da Matemática. SP: Editora Edgar Blucher Ltda. Tradução de Elza F. Gomide. 1974 8 COURANT, R.; ROBBINS, H. O que é Matemática?, Rio de Janeiro: Editora Ciência Moderna. 2000. LIMA, E. L. et al. A Matemática do Ensino Médio, volume 2. Rio de Janeiro: SBM. 2006. LIMA, E. L. Matemática Universitária. Rio de Janeiro: SBM. 1985. http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b26000825/f3.item.r=Johannes%20Kepler 9