Ecos da Grande Depressão?

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SAMUELSON , ROBERT J. Ecos da Grande Depressão? OESP, 10-10-98
WASHINGTON - É difícil assistir ao turbilhão da economia mundial sem pensar na
Grande Depressão. Há paralelos perturbadores entre o que ocorre agora e o que se
passou no início dos anos 30. Algumas semelhanças dramáticas podem não significar
muito - é possível que não passem de coincidências intrigantes. Mas alguns paralelos,
sutis e obscuros, são preocupantes - podem representar forças econômicas estranhas
que não compreendemos e não podemos controlar.
Como regra, eu faço objeções a analogias entre depressões. Tais comparações são
freqüentemente exibidas quando a economia se retrai. E geralmente representam um
uso irresponsável da linguagem. A Grande Depressão não foi apenas uma queda. Ela
foi a pior calamidade econômica da era industrial, voltando até o século XIX. Entre
1929 e 1933 a produção da economia americana despencou: 30%. O desemprego
subiu de 3% para 25%: durante os anos 30, o índice oscilou na média de 18%.
Nada nessa magnitude aconteceu até agora. Nas nove recessões verificadas no pósguerra a maior queda na produção atingiu cerca de 2% durante a retração de 1981-82.
A taxa anual de desemprego mais elevada foi 9,7%, também em 1982. A desocupação
média foi de 4,5% nos anos 50, 4,8% nos anos 60, 6,2% nos anos 70, 7,3% nos anos
80 e (até agora) chegou a 5,9% nesta década. Desacelerações infligiram dificuldades e
perdas financeiras. Mas não envolveram o sofrimento maciço ou o colapso
generalizado da década de 30. Comparações entre os estresses financeiros do pósguerra e a Depressão são tipicamente enganadoras a um nível quase imoral.
Então, por que a comparação agora?
A resposta não está no fato de que paralelos mais óbvios, começando pelo boom no
mercado acionário, sejam surpreendentes. Na década de 20, a média industrial Dow
Jones subiu 344% de outubro de 1923 até setembro de 1929. O ganho foi
ligeiramente menor nos anos 90: 295% entre o limite de baixa registrado em 11 de
outubro de 1990 ao pico de 9.337,97 de 17 de julho último. A resposta também não é,
nem naquela época nem agora, que muitos americanos pensam ter entrado numa era
de prosperidade ininterrupta.
Uma explicação melhor seria o fato de que vários países confrontam-se com
depressões genuínas. Em 1998 a economia vai encolher 15% na Indonésia, 7% na
Coréia do Sul e 8% na Tailândia, conforme estimativas do Fundo Monetário
Internacional. A Rússia tem vivido numa espiral decrescente durante a maioria dos
anos 90. A tragédia humana representada por essas estatísticas cruas é freqüentemente
vasta. As classes médias em países como a Coréia do Sul estão ficando empobrecidas.
Na Indonésia, as pessoas estão retornando à condição de mera sobrevivência que
haviam deixado apenas recentemente.
Mas essas tragédias, por si, não evocam a Grande Depressão. O que justifica a
comparação é o fato de que os declínios econômicos estão alimentando uns aos
outros. A mesma coisa aconteceu na década de 30. Tipicamente, os países recuperamse de retrações com relativa rapidez. Os juros caem e os excessos de estoque são
vendidos; a produção é reativada. Nos anos 30 isso não aconteceu. A crise espalhouse. Os problemas de um país aprofundaram os problemas de outro. O comércio
mundial caiu (em volume físico) 25% entre 1929 e 1932. A deflação foi global. Os
preços do trigo desabaram quase 50% entre meados de 1929 e o fim de 1930.
Nossa compreensão a respeito da Depressão foi recentemente aperfeiçoada graças aos
historiadores econômicos Barry Eichengreen e Peter Temin. Eles argumentam que o
padrão-ouro desarmou os mecanismos normais de recuperação. Para proteger as
reservas de ouro (que eram intercambiáveis com papel-moeda) os países mantiveram
as taxas de juros demasiadamente altas. Os governos eram extremamente avarentos
em prover dinheiro a bancos ameaçados por corridas de clientes. O resultado foi
quebra de bancos; os agregados monetários, o poder de compra e o crédito
encolheram. Só quando os países abandonar am o padrão-ouro suas economias
começaram a recuperar-se lentamente. A Inglaterra o fez em 1931; os Estados Unidos
o fizeram efetivamente em 1933.
O que é perturbador no momento é o fato de que um processo semelhante - fuga de
capitais - está transmitindo declínios econômicos ao redor do mundo. Países pobres
estão perdendo os dólares, ienes e marcos que usam para financiar o comércio
exterior. Para conter a evasão de reservas, países aumentam os juros. Ou admitem a
derrota e deixam que suas moedas se depreciem. De qualquer maneira, suas
economias sofrem. (Uma depreciação na moeda torna as importações e os
pagamentos de dívidas em dólar mais caros).
A evasão de capitais já se alastrou da Ásia para a América Latina e a maior parte da
antiga União Soviética. O Japão e a China estão sofrendo em razão de seu intenso
comércio com o resto da Ásia.
Juntos, esses países respondem por quase metade da economia mundial. Todos
entraram em recessão ou enfrentam retrações. Isso não seria perturbador, se os
Estados Unidos e a Europa, que representam quase 40% da economia mundial,
pudessem compensar o processo por meio de uma aceleração no crescimento de suas
economias. Isso ajudaria a recuperação global. Mas não está claro se os Estados
Unidos e a Europa podem ou pretendem fazê-lo.
O refluxo de capitais em dólares para os Estados Unidos não estimula
automaticamente a economia americana. A razão é que (numa explicação
simplificada) a Reserva Federal (Fed, o banco central americano) regula o suprimento
de dinheiro e as condições de crédito. Se os Estados Unidos recebem dólares do
exterior, o Fed pode injetar menos dólares no mercado para manter os juros estáveis.
Assim, o efeito do retorno de capitais aos Estados Unidos é amortecido. O Fed teria
de aumentar o suprimento de moeda e reduzir os juros para obter um impacto
comensurável. O mesmo aplica-se à entrada de marcos na Alemanha. Contudo, cortes
mais profundos nos juros podem induzir apenas uma reduzida aceleração no
crescimento.
Podemos estar diante de um processo (fuga de capitais) que não é fácil de entender ou
controlar, que retira demanda econômica de uma parte do mundo sem adicioná-la às
partes restantes. O perigo é de um jogo de somas negativas: todos perdem. Essa é a
história da Grande Depressão. Ataques aos estoques de ouro de alguns países
espalharam retração e causaram deflação (preços em queda) que travaram produção e
lucros. Mau presságio: a deflação já apareceu nos preços internacionais de matériasprimas (petróleo, alimentos, metais).
Mesmo assim, os Estados Unidos ainda estão longe de qualquer coisa que se pareça
com uma depressão. A comparação não tem cabimento. Em setembro, a taxa de
desemprego estava em 4,6%. Poucos economistas prevêem uma recessão para 1999.
Se ocorresse uma recessão, o Fed poderia cortar as taxas de juros.
E os líderes mundiais estão discutindo planos para estancar a fuga de capitais. O que
começou inesperadamente pode acabar inesperadamente. Tudo isso parece
confortante. Contudo, os americanos estavam seguros de que a desaceleração do
início dos anos 30 iria passar depressa.
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