AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE MÉRTOLA Escola EB 2,3/Secundária de S. Sebastião, Mértola Ano Lectivo 2011/2012 Disciplina de Psicologia B – 12º Ano – Turma A Guião de observação do documentário Segredos da Mente (2001) Docente: Rui Nunes Kemp Silva 7-11-2011 (segunda-feira) Tema 2 – Antes de Mim: 1.3. O Cérebro – lesões, função de suplência e unidade funcional Ficha Técnica Apresentador: Vilayanur S. Ramachandran Alan Ritsko, Christopher Rawlence Realizadores: Produção: EUA e Canadá Ano de realização: 2001 Estúdio: WGBH Boston Duração: 56 minutos Sinopse: Neste documentário, Segredos da Mente, podemos observar algumas situações reais trágicas de pessoas que sofreram os efeitos de lesões cerebrais, e verificar em simultâneo como é que estas podem abrir uma janela de oportunidade para investigar e compreender melhor o funcionamento do cérebro humano dito «normal». As explicações do professor Ramachandran visam esclarecer-nos sobre alguns dos aspectos misteriosos relacionados com a «matéria organizada mais complexa do universo» por nós conhecida: o cérebro, entendido como a base psicofisiológica dos comportamentos humanos, a motivação, a emoção, a cognição. I – Como se pode sentir dor num braço que não existe? O documentário começa a investigação de alguns enigmas cerebrais, com uma exposição acerca do chamado «síndrome dos membros-fantasma», a saber, a sensação de dor e a presença na consciência de partes do corpo desaparecidas devido a uma cirurgia de amputação. Como é que algo não físico, não corporal, pode provocar um fenómeno físico, como a dor de um membro inexistente? Esta questão científica, do campo da neuropsicologia, também se relaciona a um nível mais abstrato com os problemas da Filosofia da Mente. Um aspeto curioso: o cérebro sente tudo no corpo, mas não se sente a si próprio. Há uma hipótese de trabalho para tentar resolver este enigma dos membros-fantasma: o nosso cérebro tem um mapa completo da superfície do nosso corpo, todo o lado esquerdo do corpo humano tem um mapa cerebral que se situa no nosso hemisfério direito, e vice-versa, e este mapa está situado ao longo de uma faixa vertical de córtex, chamada «córtex somatossensorial». Cada ponto da nossa superfície corporal tem um ponto correspondente neste mapa cerebral. O raciocínio de Ramachadran, confirmado através de uma técnica de imagiologia cerebral (brain scanning), explica-nos que o cérebro tem um mapa neuronal responsável por várias áreas corporais, e que as áreas do braço e da face do lado direito são adjacentes (chama-se a isso «vizinhança cerebral»). Deste modo, as áreas corporais em falta podem levar a uma situação de interferência com as áreas cerebrais associadas, que procuram compensar a privação de estimulação sensorial, por exemplo, através de um processo que se chama «cruzamento neuronal». As sensações do rosto só activam habitualmente a área somatossensorial do rosto, mas a área vizinha é responsável pela recepção dos sinais da mão que foi amputada. O que acontece é que os sinais provenientes do rosto passam a invadir a área da mão que deixou de ser estimulada – e começam a ativar a área responsável pela mão, reanimando o «membro» inexistente. Há um erro de interpretação dos sinais, de tal modo que, os sinais oriundos do rosto passam a ser interpretados como se fossem sinais vindos dos dedos de uma «mão-fantasma». Outra hipótese, ainda mais complicada, é a suposição de que há redes neuronais secundárias que podem ser ativadas quando necessário. Esta hipótese é mais difícil de testar, mas não deixa de ser uma explicação plausível. 1 Os casos clínicos de pessoas com membros amputados, Derek Steen e James Peacock, comprovam uma nova hipótese proposta por Ramachandran e que abriu uma nova interpretação da ciência cerebral: as redes neuronais são capazes de se reorganizar massivamente ao longo da vida e de se adaptar a novas situações. Esta evidência dos «membros-fantasma» fez cair um dos dogmas mais antigos da neurologia, a saber, a ideia de que as conexões cerebrais são fixas permanentemente, constituindo-se ao nível do próprio feto e durante os primeiros anos de vida de desenvolvimento da criança, conservando-se inalteráveis para o resto da vida. A explicação deste processo também pode ser dada por aquilo que se chama, em neurologia, de função de suplência do cérebro, ou função vicariante: há uma recuperação de funções cerebrais (embora não exista, de acordo com o estado atual de conhecimentos científicos do funcionamento cerebral, uma regeneração celular dos neurónios lesionados). Se encontramos a explicação dos «membros-fantasma», continuamos ainda com o problema neurológico de tratar a dor de um paciente que a sente num membro corporal que já não existe. O neurologista Ramachandran descobriu que, ao colocar a parte oposta do membro corporal que está intacto, no exemplo, a mão, numa caixa-espelho, consegue-se iludir a mente e evitar que esta continue a receber estímulos nervosos da «mão-fantasma», e evita-se em simultâneo o envio crescente de mensagens (respostas) nervosas para a «mão-fantasma» e que são a causa da dor no paciente. Para saber mais acerca do síndrome do «membro-fantasma» e da «caixa-de-espelho», consultem-se os artigos da wikipédia. II – Como é que uma pessoa cega consegue, afinal, ver? As actividades visuais ocupam quase metade do cérebro humano. O neurologista Ramachandran vê-se confrontado com a situação bizarra de um indivíduo, chamado Graham Young, que consegue «ver» (detectar) o movimento no seu campo visual perceptivo, mas é incapaz de reconhecer que objecto se trata (é um caso especial de agnosia visual), o que constitui uma situação verdadeiramente paradoxal: vê sem ver, ou melhor, tem uma espécie de “visão cega” («blind sight»). O caso de Graham Young teve a sua origem num acidente de viação que afectou a sua capacidade visual: ele consegue ver conscientemente tudo o que se apresenta no lado esquerdo da sua visão, mas é incapaz de ver qualquer objecto que apareça no lado direito dos dois olhos. Se colocarmos um objecto diante dos seus olhos que só pode ser captado pelo campo visual direito, como acontece com o ecrã azul e branco, ele é incapaz de dizer que objecto se trata, não consegue percebê-lo de modo consciente. Mas, o que é mais notável, é que se deslocarmos o objecto, para cima ou para baixo, no lado direito do ecrã (cor azul) ele é capaz de ver o seu movimento, ainda que seja incapaz de identificá-lo e dizer o que é. A explicação de Ramachandran para este enigma é a seguinte: nos seres humanos existem duas vias, ou redes neurológicas, para o órgão da visão – uma é a via para o córtex visual, que reconhece o objecto visto, e outra via está ligada ao tronco cerebral, que tem por função detectar sensivelmente o movimento. Desta forma, quando a ligação neuronal para o córtex visual se encontra lesionada, uma pessoa só seria capaz, por exemplo, de reconhecer o movimento de uma mosca, o seu vôo, mas seria incapaz de identificar e reconhecer a própria mosca – talvez seja esta a forma pela qual os répteis percebem o mundo envolvente, como o lagarto que podemos ver no documentário. De um modo pedagógico, Ramachandran explica-nos que o fenómeno da «visão cega» ocorre em nós diariamente, pois, quando nos encontramos a conduzir um automóvel, na maior parte do tempo a condução é feita inconscientemente, enquanto uma outra parte do cérebro consciente está ocupada em manter uma conversa, ou a pensar noutras coisas que não a própria condução. Uma parte muito importante da nossa consciência só é possível porque não estamos sempre conscientes de tudo o que nos rodeia – se isso acontecesse seria impossível organizar a informação mais relevante e rapidamente o nosso cérebro seria inundado com estímulos sensoriais que esgotariam a sua capacidade de processamento. III – Só vejo o lado direito do mundo: o caso de «Neglect Visual». No documentário descreve-se uma outra situação de lesão cerebral provocada por um AVC numa senhora chamada Peggy Palmer. A área lesionada foi o córtex somatossensorial direito, o que afetou as suas capacidades cognitivas do lado esquerdo do corpo. Em particular, esta paciente passou a «desprezar» ou «negligenciar» tudo o que se passava ao nível do lado esquerdo do seu corpo. É por isso que quando tenta desenhar uma margarida, o seu desenho revela a falta do lado esquerdo da flor: a lesão afetou a sua memória visual de todos os factos relacionados com a perceção do seu lado esquerdo. E repare-se que a visão desta paciente está intata, funciona bem, mas o lado esquerdo do mundo está ausente da sua perceção, a lesão que 2 sofreu não lhe que permite focar a atenção para o que está a acontecer no plano empírico, no campo visual, nem na memória visual para a representação do lado esquerdo dos objetos. IV – Os meus pais não são os meus pais: a «Delusão de Capgras» O doutor Ramachandran acredita que há pelo menos cerca de trinta áreas cerebrais que se ocupam funcionalmente da visão – existem áreas separadas para a percepção da cor, do movimento, das formas, da distância e da profundidade, etc. Qualquer dano ou interferência numa destas áreas pode levar ao aparecimento de estranhos casos de défices comportamentais, por exemplo, um indivíduo lesionado, como parece ser o caso de David Silvera, pode ser levado a acreditar que os seus pais são impostores, quando a área de resposta emocional, associada às imagens guardadas na memória de pessoas, animais e objectos conhecidos, é cortada, ou sofre uma lesão. Este caso neurológico enquadra-se na chamada «síndrome de Capgras», ou «ilusão de Capgras» (é mais correto atualmente chamar-lhe de «Delusão de Capgras»). A pessoa afectada cria uma duplicação idêntica de outras pessoas (ou de lugares, como a rua, o bairro, a casa em que vive) e julga que elas são impostoras, ou ficções. A «delusão de Capgras» é um caso de «paramnésia reduplicativa» e mostra-nos como a ausência de emoções tem uma influência nas capacidades cognitivas superiores. Uma pessoa em estado delusório, acrescente-se, julga que as suas faculdades ou a sua cognição do mundo é perfeitamente «normal», e que são os outros que estão errados ou tentam até enganá-la perversamente. V – Eu vi Deus, eu falo com Deus, enfim, Eu sou Deus: epilepsia do lobo temporal e o papel das emoções na vida das pessoas. Finalmente, encontramos a descrição de um caso clínico perturbador, de John Sharon, e que nos faz suscitar imensas questões: há pessoas que sofrem de epilepsia no lobo temporal e que têm experiências emocionais muito intensas, algo semelhantes ao êxtase místico que caracteriza as experiências religiosas extremas, o que leva as pessoas a acreditarem que são profetas, ou mesmo Deus. John Sharon pensa que é um profeta, ou que é Deus, que é omnipotente e tem visões alucinatórias, preocupando-se com questões de ordem religiosa, metafísica, e acredita que tem visões de outros mundos. Outras pessoas afetadas por este tipo particular de epilepsia do lobo temporal revelam passar por experiências de reacções emocionais intensas a todas as coisas – mesmo um grão de areia pode despoletar uma experiência intensa de descarga emocional, como se uma pessoa fosse capaz de se unir ao universo e sentir-se parte do todo cósmico. Não é por mero acaso que esta doença era chamada na antiguidade de «mal divino» ou «doença dos deuses». Isto pode levar-nos a outras questões mais intrigantes: será que os nossos cérebros já estão programados com redes neuronais para experimentarmos vários tipos de pensamento, como acontece com os pensamentos acerca de Deus e as crenças religiosas? Será que as pessoas que experimentam este tipo de pensamentos e vivências religiosas são pessoas neurologicamente “normais”? Pode a experiência religiosa ser explicada como um caso especial de padrões neuronais? Haverá lugar para uma investigação de carácter neuroteológico? No fundo, e para levar a questão a um nível mais radical, a crença religiosa e a busca de Deus por parte das pessoas não passará de um mero acontecimento cerebral, ou pior ainda, uma disfunção cerebral? Deus será um produto derivado de uma espécie de «delírio neuronal» do cérebro? O nosso entendimento científico do cérebro ainda é muito precoce, mas hoje sabemos muito mais sobre o seu funcionamento e podemos esperar que, com o desenvolvimento de técnicas de observação sistemática mais precisas, muitos segredos do cérebro e da mente humana poderão ser desvendados. Questões 1. 2. 3. 4. 5. 6. O que se entende por «síndrome de membro-fantasma»? Procura informação relevante que te ajude a construir uma resposta para esta questão. Como é que o neurologista Ramachandran explicou o caso clínico de Derek Steen? A investigação de Ramachandran de pacientes com a síndrome de membro-fantasma permitiu-lhe formular uma nova teoria do funcionamento cerebral. Descreve a sua ideia central. Qual foi o «dogma científico» que Ramachandran derrubou com a sua nova hipótese científica acerca das redes neuronais? Em que consiste, basicamente, o fenómeno de «visão cega»? A «ilusão de Capgras» descreve um défice comportamental provocado por uma lesão cerebral. Explica de um modo sucinto em que consiste. 3 7. 8. Como é que se pode explicar, neurologicamente, o caso clínico de John Sharon? Que questões especulativas são colocadas na parte final do documentário por Ramachandran? Cotações: 8 itens x 25 pontos = 200 pontos BOM TRABALHO! 4 Correcção das questões acerca do documentário Segredos da Mente Apresentam-se os tópicos de conteúdo centrais para a elaboração das respostas. 1. A síndrome de membro-fantasma é basicamente uma «sensação de dor e de presença na consciência» de uma pessoa de zonas corporais que foram alvo de amputação ou de remoção cirúrgica. Mais informação no artigo da wikipédia que é fonte para desenvolver a resposta por parte dos alunos. 2. O caso de Derek Steen é um exemplo claro de «membro-fantasma». A explicação dada no documentário passa pela função de suplência do cérebro. O neurologista recorreu à TAC para mostrar como é que a área cerebral responsável pela sensibilidade do rosto passa a assumir a sensibilidade da mão e braço amputados. 3. A ideia central de Ramachandran que foi formulada a título de hipótese, a partir do estudo de pacientes que sofriam da síndrome de membros-fantasma, é a seguinte: «as redes neuronais são capazes de se reorganizar massivamente ao longo da vida e de adaptar a novas situações». Isto indica-nos igualmente a acção da função de suplência ou vicariante do cérebro. 4. O «dogma científico» que foi refutado pela hipótese de Ramachandran era a ideia preconcebida de que o desenvolvimento neuronal estaria completo no final do período de maturação biológica. As redes neuronais não são inalteráveis nem fixas – pelo contrário, possuem um carácter moldável, plástico. Referência à função de suplência. 5. O fenómeno de «visão cega» é um caso bizarro que se verifica em pacientes lesionados, como acontece com Graham Young, e que permite «ver sem ver», isto é, uma pessoa é capaz de detectar o movimento de objectos no espaço, mas é incapaz de identificá-los, de reconhecê-los. 6. A «ilusão de Capgras», ou «paramnésia reduplicativa» é um défice comportamental bizarro provocado por lesões neuronais: uma pessoa tende a ver pessoas, objectos, animais, lugares conhecidos como se fossem cópias. E acredita que todas essas imitações são impostores. Pesquisar mais informação na Internet, em particular, no artigo da wikipédia disponibilizado. 7. O caso clínico de John Sheridan explica-se através da epilepsia que afecta os lobos temporais. Os comportamentos evidenciados são perturbadores: acredita que fala com Deus, ou que é um profeta, e interessa-se por questões filosóficas especulativas. As crises de epilepsia levam-no a descargas emocionais intensas, que se aproximam de visões místicas e alucinatórias. A explicação de Ramachandran é a seguinte: - Os ataques epilépticos de John são essencialmente uma tempestade eléctrica, que ocorre nos lobos temporais, quando um grupo específico de neurónios começa a disparar ao acaso, fora de sincronia com o resto do seu cérebro. - Admite o professor Ramachandran: Uma possibilidade é a de que a actividade neuronal, quando as crises epilécticas ocorrem no lobo temporal, gera um turbilhão de emoções estranhas na mente e cérebro da pessoa, e este turbilhão de emoções bizarras causam a estranha impressão no paciente de que está a passar por uma experiência de visita de seres alienígenas, ou a impressão de que «Deus está a falar comigo». Outra hipótese é a incapacidade de distinguir o que é emocionalmente importante: se tudo é emocionalmente equivalente, uma pessoa que sofre este tipo de crises de epilepsia pode emocionar-se com um simples grão de areia: «ver o mundo num grão de areia». 8. Ramachandran especula sobre a possibilidade de existir um conjunto de redes neuronais que são responsáveis, em todas as pessoas, por crenças de tipo religioso, ou por questões de natureza filosófica. Será que há uma espécie de «centro neuronal» responsável pela experiência religiosa, ou por Deus? E que lugar tem este padrão neuronal na evolução da espécie humana? 5 6