Lições 19/20 – 12ºA e B 19-10-2012 (sexta-feira) Auditório - 09H05/10H35 Sumário: Observação do documentário «Segredos da Mente», da PBS. Resolução das questões alusivas ao guião de observação deste documentário. Da lesão ao cérebro normal: o síndrome dos membros-fantasma, a «visão cega», o «Neglet visual», a «Delusão de Capgras» e a epilepsia dos lobos temporais. Depois de legendar o documentário, experimentá-lo no auditório de manhã. Instalar o VLC player, testar. - Pretende-se com a observação deste documentário mostrar aos alunos como o estudo do cérebro normal se faz por via indireta, a saber, pelos casos de experiência invocada, a partir do estudo de pessoas que sofreram acidentes e lesões cerebrais que afetaram regiões específicas do córtex. - Das questões que são sugeridas pela análise e descrição de cada caso clínico, merece destaque o fenómeno da dor sentida por pessoas cujos membros corporais já não existem: como é possível explicar uma sensação de um membro corpóreo inexistente? Será que a do, e o nosso próprio corpo, não é mais do que uma construção do nosso cérebro? - Explora-se a hipótese da reorganização das redes neurais, ou vias de feixes de células nervosas, e pretende-se confirmar, por recurso à experimentação, com um «brain scan», que isso acontece no caso das pessoas cujos membros foram amputados e que continuam a experimentar sensações dos membros ausentes. - Hipótese de tratamento: criar uma ilusão visual aos pacientes, de modo a que estes, através de uma «caixa de espelho», reaprendam a entender os estímulos ao nível cerebral, reduzindo assim a dor «do membro-fantasma». - A lesão cerebral conhecida como «Negligência Visual», implica a perda cognitiva de um lado corporal, no caso descrito, de Peggy Palmer, ao desenhar flores, o lado esquerdo surge sempre em falta, apesar de nada de errado existir com as funções visuais da paciente. Um AVC danificou o córtex somatossensorial direito, afetando a memória visual para os objetos e eventos do lado esquerdo do corpo. - Mais intrigante é o fenómeno de «Delusão de Capgras» e que leva uma pessoa a suspeitar da realidade de pessoas, lugares e objetos que eram familiares e evidentes antes de uma lesão cerebral. Destaca-se neste caso a ausência de estímulos sensoriais ligados às emoções e à memória. Sem resposta emocional que acompanhe a memória das pessoas que conhecemos, origina-se uma dissociação cognitiva. De notar a referência ao suporte neurológico do córtex auditivo, que permite recuperar a noção de realidade das memórias antigas dos seus pais. É por isso que ao telefone a ilusão reduplicativa deixa de existir. - O último caso, de John Sharon, refere-se aos efeitos da epilepsia do lobo temporal, que reduz a capacidade de controlo emocional e origina o estranho fenómeno semelhante ao êxtase religioso. A explicação de Ramachandran é complexa, mas não deixa de ser uma aproximação científica interessante para explicar a origem da conduta religiosa: a paixão pelo «todo», pela deidade, enfim, pelo sagrado e transcendência não terá uma explicação neurológica ao nível de uma desregulação da importância emotiva que damos às coisas na experiência quotidiana? Tópicos orientadores para as questões do documentário 1. A síndrome de membro-fantasma é basicamente uma «sensação de dor e de presença na consciência» que uma pessoa experimenta em zonas corporais que foram alvo de amputação ou de remoção cirúrgica: sente-se dor de um membro corporal que já não existe. 2. O caso de Derek Steen é um exemplo claro de «membrofantasma». A explicação dada no documentário passa pela função de suplência do cérebro e pela reorganização das redes neuronais no que diz respeito ao «mapa corporal». O neurologista recorreu à imagiologia cerebral (um «scan») para mostrar como é que a área cerebral responsável pela sensibilidade do rosto passa a assumir a sensibilidade da mão e braço amputados. Ao observar o estímulo na mão direita, regista-se no «scan» cerebral que a parte esquerda está ativa normalmente (cor verde para a mão e braço direitos); mas, ao ativar o rosto na face esquerda, verifica-se que a área direita do cérebro preencheu a área responsável pelas sensações do braço esquerdo (e mão) amputado. Ora, é por isso que há inervação do «membro-fantasma». 3. A ideia central de Ramachandran que foi formulada a título de hipótese, a partir do estudo de pacientes que sofriam do síndrome de membros-fantasma, é a seguinte: «as redes neuronais são capazes de se reorganizar massivamente ao longo da vida e de se adaptar a novas situações». Ou então, existem redes neurais secundárias, que só ficam ativas quando são necessárias para compensar eventuais danos nas redes neurais primárias (esta hipótese é mais difícil de comprovar). 4. O «dogma científico» que foi refutado pela hipótese de Ramachandran era a ideia preconcebida de que o desenvolvimento neuronal estaria completo no final do período de maturação biológica. As redes neuronais não são inalteráveis nem fixas – pelo contrário, possuem um carácter moldável, plástico. Ramachandran acentua a noção de plasticidade cerebral numa visão mais dinâmica e que envolve o ciclo de vida das pessoas, notando-se esse proceso de reestruturação neuronal sobretudo nas situações de défices das funções cerebrais. 5. O fenómeno de «visão cega» é um caso bizarro que se verifica em pacientes lesionados, como acontece com Graham Young, e que permite «ver sem ver», isto é, uma pessoa é capaz de detectar o movimento de objectos no espaço, mas é incapaz de identificá-los, de reconhecê-los. Podemos considerar que esta condição rara e bizarra revela-nos uma espécie de agnosia visual para o reconhecimento dos objetos. O que se mostra neste caso é que a organização de um quadro visual é um processo muito mais complexo do que se poderia pensar, envolvendo cerca de 30 regiões cerebrais e níveis diferenciados de consciência. O que falta a Graham Young é a capacidade de organizar num todo a sua visão do real – ele só pode contar com um nível de observação não consciente e que regula em grande parte o nosso quotidiano, um tipo de visão estruturante semelhante à dos répteis e outros mamíferos inferiores. Ora, este caso é interessante e coloca-nos questões subtis: se faezemos imensas coisas de modo inconsciente, por que razão não fazemos tudo assim? Precisamente porque não ter consciência implica não ter consciência, o caso de «visão cega» é uma oportunidade única para detetar o funcionamento cerebral ao nível do processamento visual em modo de «piloto automático» (a explicação é referida a partir da localização de uma rede de fibras nervosas cuja origem é o tronco cerebral e termina no córtex somatossensorial superior). É por isso que Graham Young deteta movimentos no seu campo visual, mas é incapaz de detetar que objetos se tratam, ou cores, ou formas, tamanhos, etc. 6. A «ilusão de Capgras», ou «paramnésia reduplicativa» é um défice comportamental bizarro provocado por lesões neuronais: uma pessoa tende a ver pessoas, objectos, animais, lugares conhecidos como se fossem cópias. E acredita que todas essas imitações são impostores. No caso descrito, de David Silvera, as dimensões cognitiva da memória e a relação com a amígdala, o portão de entrada no sistema límbico, responsável pela regulação e reconhecimento das emoções, foram afetadas. O paciente duplica as pessoas conhecidas em função da ausência de um marcador emocional e toma-as por cópias ou sósias. 7. O caso clínico de John Sharon explica-se através da epilepsia que afecta os lobos temporais. Os comportamentos evidenciados são perturbadores: acredita que fala com Deus, ou que é um profeta, e interessa-se por questões filosóficas especulativas. As crises de epilepsia levam-no a descargas emocionais intensas, que se aproximam de visões místicas e alucinatórias. A explicação de Ramachandran é a seguinte: - Os ataques epilépticos de John são essencialmente uma tempestade eléctrica, que ocorre nos lobos temporais, quando um grupo específico de neurónios começa a disparar ao acaso, fora de sincronia com o resto do seu cérebro. - Admite o professor Ramachandran: uma possibilidade é a de que a actividade neuronal, quando as crises epiléticas ocorrem no lobo temporal, gera um turbilhão de emoções estranhas na mente e cérebro da pessoa, e este turbilhão de emoções bizarras causa a estranha impressão no paciente de que está a passar por uma experiência de visita de seres alienígenas, ou a impressão de que «Deus está a falar comigo». Outra hipótese é a incapacidade de distinguir o que é emocionalmente importante: se tudo é emocionalmente equivalente, uma pessoa que sofre este tipo de crises de epilepsia pode emocionar-se com um simples grão de areia: «ver o mundo num grão de areia». Se há uma espécie de «paisagem emocional» que está registada nas redes neuronais, os ataques epiléticos afetam a sua constituição normal, criando novos sulcos ou saliências que nos levam a atribuir importância emocional a coisas, pessoas, ou situações que, normalmente, são emocionalmente neutrais para as pessoas. 8. Ramachandran especula sobre a possibilidade de existir um conjunto de redes neuronais que são responsáveis, em todas as pessoas, por crenças de tipo religioso, ou por questões de natureza filosófica. Será que há uma espécie de «centro neuronal» responsável pela experiência religiosa, ou por Deus? E que lugar tem este padrão neuronal na evolução da espécie humana? Pensa-se que um fator crítico é a ligação neuronal entre as áreas sensoriais nos lobos temporais e a amígdala, que é o portão de entrada para os centros emocionais do cérebro. A força dessa ligação, dessas redes neuronais, é que determina até que ponto pode uma coisa ser emocionalmente saliente, ou relevante. Por conseguinte, podemos falar de uma espécie de paisagem emocional, com vales e montes, correspondendo àquilo que é ou não importante. E acontece que cada um de nós tem uma paisagem emocional ligeiramente diferente. Agora imagine, através de uma analogia, o que pode acontecer a uma pessoa quando sofre uma crise de epilepsia do lobo temporal, uma série repetida de ataques epiléticos: o que pode estar a acontecer é um reforço, um aumento indiscriminado da intensidade das ligações neuronais. É um pouco como se tivéssemos cursos de água a descer por uma falésia, formando sulcos, quando chove repetidamente, com tendência para os aprofundar com a passagem contínua da água. Ora, é este aprofundamento progressivo e repetido dos sulcos, por analogia, os ataques repetidos de epilepsia, que faz aparecer artificialmente no nosso cérebro a importância emocional de algumas categorias de estímulos sensoriais. É por isso que um paciente que sofre deste tipo específico de epilepsia, em vez de achar emocionalmente saliente apenas tigres, leões, e mães, julga pelo contrário, que tudo é profundamente saliente. Por exemplo, um grão de areia, um ramo de uma árvore caída no chão, uma onda do mar, tudo isto apresenta-se, para a mente do paciente, como impregnado de significado profundo. Ora, esta tendência para atribuir significado emocional cósmico para tudo aquilo que nos rodeia, pode ser semelhante àquilo que consideramos ser uma experiência mística típica da religião, uma espécie de união com o cosmos, ou uma conversa com Deus, a observação de seres de outros planetas, vozes estranhas, ou até a própria aparição de Deus na experiência da pessoa afetada. Note-se como se explora no documentário os dois lados de uma questão: que efeitos comportamentais podem ocorrer quer num défice de reações emocionais, quer num excesso de reações emotivas. Anotações: