Dimensões e Desafios da Infectologia

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CAPÍTULO 4
DIMENSÕES E DESAFIOS
DA INFECTOLOGIA
Um breve panorama para entender o universo
de atuação, o cenário atual e os desafios
de uma especialidade médica estratégica para a
saúde no Brasil e no mundo.
N
a história recente das doenças infecciosas, a partir do final do século 20 e início do século 21 –
período em que a Sociedade Brasileira de
Infectologia completou 25 anos – o Brasil reproduziu, em cenário nacional, uma realidade
dura na batalha da humanidade contra algumas doenças que são grandes
desafios da saúde pública, da ciência e da Medicina. Os obstáculos são
ainda maiores, se levadas em consideração as mazelas sociais e as desigualdades econômicas que assolam as populações que vivem nos países em desenvolvimento, caso dos brasileiros.
No intervalo de uma geração, duas décadas exatamente, o mundo se assustou com novas doenças infecciosas associadas a causas
potencialmente bem evidentes: o crescimento das cidades e a urbanização descontrolada, o desmatamento das áreas verdes do planeta,
a dinâmica do fluxo de pessoas entre países, o comportamento do
homem e os hábitos de vida modernos, o aumento da temperatura
na terra, a evidência, enfim, da responsabilidade humana no que diz
respeito ao fatores propícios para a propagação das infecções e epidemias do século 21.
De um lado, doenças emergentes e reemergentes, com poder
fulminante de multiplicação ao redor do mundo, como a Aids, o
cólera, a dengue, a SARS, ou a febre aviária, desafiando governos,
pesquisadores e infectologistas. Do outro, infecções com quadro
de persistência, ainda que aparentemente sob controle, como a
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
meningite, a febre amarela e as hepatites virais, para citar apenas
alguns exemplos. No terceiro grupo, as doenças identificadas como
de tendência descendente, como a poliomielite, o sarampo, a rubéola, entre outras tantas.
Com recursos, políticas e disposições diferentes para o enfrentamento de cada um destes desafios, a realidade brasileira passou a
ser um retrato de uma idéia que é mundial no combate às infecções:
sem decisão política, sem mobilização de recursos materiais e humanos e sem participação da sociedade, é impossível deter a ação e
o potencial devastador de novos agentes infecciosos. E só
O IMPACTO
mesmo a solidariedade internacional poderá deter as inDAS INFECÇÕES
São seis os grupos de doenças
fecções que encontram terreno fértil nas áreas mais poque representam 90%* das
bres do mundo causando uma média de 14 milhões de
mortes por infecção, por ano,
no mundo.
mortes anuais. Significa também, no plano social, combaAids: 3,1 milhões
ter a miséria, a pobreza, a desnutrição, as desigualdades e
Doenças respiratórias
agudas bacterianas e virais:
a dificuldade de acesso a tratamentos hoje só disponíveis
3 milhões
nos países mais ricos.
Doenças diarréicas:
2,5 mihões
A Sociedade Brasileira de Infectologia, cuja história é
Tuberculose:
construída neste cenário da humanidade e da Medicina,
cerca de 2 milhões de mortes
tem se esmerado na produção de conhecimento científi(dependendo do país,
até 80% dos casos estão
co, no acompanhamento sistemático da informação, dos
ligados ao HIV/Aids)
avanços e descobertas. Ao mesmo tempo tem buscado
Malária:
mais de um milhão de mortes
implementar ações efetivas em diversas frentes, na convic(com 300 a 500 milhões
ção de que é uma especialidade médica cada vez mais
de casos clínicos)
Rubéola:
importante na preservação da vida e da saúde, individual
750 mil mortes, ainda que
ou coletiva.
exista vacina que previne
totalmente essa mortalidade.
*De um total de 14 milhões de mortes,
em 2004, de acordo com a OMS.
DE TEMPOS EM TEMPOS
Gripe, hepatite, Aids, tuberculose, malária... No Brasil e
no mundo, as doenças infecciosas ainda representam uma importante
causa de morbidade e mortalidade humana. Em todos os tempos, a
História mostra que grandes epidemias arrasaram o mundo, como a
peste na Idade Média ou a gripe espanhola no início do século 20. A
Medicina, que sonha um dia eliminar estes flagelos que ameaçam a
humanidade, já conquistou um arsenal terapêutico e diagnóstico considerável. Os antibióticos, por exemplo, são recursos eficazes contra
doenças bacterianas. A imunização permite não só prevenir inúmeras
doenças, mas é capaz até de erradicar outras, como a varíola.
52 l 25 ANOS DA SBI
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
Os desafios da Infectologia atual são de toda ordem: da resistência crescente das bactérias patogênicas aos antimicrobianos às barreiras econômicas e à ausência de políticas públicas que impedem
que muitos países lancem mão dos tratamentos disponíveis para
beneficiar a população. Cria-se, no campo da bioética, da ciência e
da civilização, contradições e abismos inaceitáveis.
Soma-se o fato de que, historicamente, novas doenças sempre
surgem para desafiar o homem. E a dificuldade de elaborar vacinas
contra certos agentes infecciosos – o parasita da malária, por exemplo – é outra grande barreira a ser superada, entre tantos desafios.
Veja-se o exemplo da Aids, que transformou-se, no século 20, numa
pandemia de proporções incontroláveis: cerca de 40 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HIV no mundo em 2005.
A ameaça da SARS e da gripe aviária, que têm mobilizado
esforços de saúde pública em todos os continentes, revela novas faces
da mesma realidade e evidencia que a pesquisa de novas armas antiinfecciosas nunca foi tão necessária.
Para prevenir inúmeras doenças, todos os governos e países precisam cada vez mais investir em vigilância epidemiológica e vacinação, além de promoção e educação em saúde que conduzam a mudanças dos comportamentos que potencialmente expõem as pessoas
ao risco de infecções.
É neste contexto global que a SBI tem valorizado, ao longo de
sua história, a educação continuada dos infectologistas, a excelência
do ensino e da pesquisa, a parceria com instituições públicas, privadas e órgãos governamentais, no sentido de colocar a Infectologia a
serviço do bem comum.
AS DOENÇAS INFECCIOSAS SEMPRE EXISTIRÃO
De longe, os microorganismos ultrapassam o homem em quantidade e em diversidade genética. As bactérias têm uma capacidade
extraordinária de mutação ou de transferência horizontal de genes,
de se adaptar ao ambiente em que vivem, particularmente ao meio
animal ou humano. Além disso, cada vez mais a população aumenta, cada vez mais o homem oferece condições para o fortalecimento
dos micróbios patogênicos, que são potencializados e transmitidos
mais facilmente. Não conhecemos nem 1% das espécies bacterianas
que vivem no planeta. Nas escalas da evolução, portanto, as doenças
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
infecciosas e parasitárias provavelmente apenas começaram a se desenvolver. Sempre existirá uma espécie bacteriana adaptada a uma
situação específica. É o caso, por exemplo, da listeria monocytogenes
que, transmitida por alimentos, é capaz de se multiplicar a 4º C,
mesmo na geladeira.
Paralelamente a esta constatação, o rápido crescimento da
população naTerra, particularmente nos países em desenvolvimento,
representa uma situação alarmante em matéria de doenças
infecciosas, seja pelo crescimento de reservatórios potenciais de
patógenos; pela facilidade de sua transmissão devido à pobreza,
miséria, falta de higiene, desnutrição e ausência de prevenção; pela
dificuldade de acesso a imunização e tratamento; ou pelo uso
irracional de antimicrobianos.
Também as modificações ecológicas em certas regiões do planeta, devido à expansão territorial das populações, estabelece condições, antes inexistentes, de o homem ter contato com espécies
animais ou vetores que lhes transmitem microorganismos. Raramente, mas sempre de forma dramática, esses microorganismos
podem se mostrar particularmente patogênicos ao homem, como
foi o caso do vírus Ebola, do próprio HIV, da Borrelia burgdorferi,
dentre outros.
Os comportamentos humanos que geram guerras e fome no
mundo, o deslocamento em massa de populações para campos de
refugiados precários também causam sérias epidemias. E, ainda, as
viagens, principalmente de avião, permitem aos microorganismos
se moverem rapidamente de um lugar a outro no mundo. O turismo representa a maior migração do planeta; segundo a Organização
Mundial do Turismo, 700 milhões de viagens turísticas foram realizadas em 2002.
OS PARADOXOS DO PROGRESSO
Certo número de doenças infecciosas emergentes corresponde
de fato a doenças ligadas ao progresso e à civilização.A industrialização dos alimentos pode favorecer a transmissão da Salmonella, Listeria,
Yersenia, E. coli, dentre outras. Algumas infecções respiratórias estão
ligadas aos dispositivos de ar condicionado, aos circuitos de
distribuição de água, a exemplo da Legionella penumophila.
Há infecções ligadas aos viajantes, como doenças diarréicas,
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
malária, dengue e febres hemorrágicas virais. Além disso, o avião
tem favorecido a propagação de agentes infecciosos, que causam a
gripe e a tuberculose, por exemplo. Foi justamente por meio das
viagens aéreas que a epidemia da SARS se espalhou rapidamente no
mundo em 2003.
Algumas infecções estão ligadas também às modificações causadas pelo desenvolvimento. É o caso da relação entre desflorestamento
e o aparecimento de febres hemorrágicas. O vírus Guanarito, responsável por uma epidemia na Venezuela em 1989, que infectou
104 pessoas, com 26 mortes, atingiu inicialmente uma comunidade rural que passou a ocupar área desmatada.
Há ainda o paradoxo do progresso médico: certas técnicas utilizadas na Medicina podem expor os pacientes a
riscos de infecção. Os cateteres vasculares e as sondas
urinárias nos pacientes hospitalizados são algumas vezes
portas de entrada para bactérias. Esses dois instrumentos
podem ser responsáveis por até 40% das infecções
hospitalares.
AS DOENÇAS INFECCIOSAS
NO BRASIL E NO MUNDO
Nas escalas da
evolução, as
doenças
infecciosas e
parasitárias
provavelmente
apenas
começaram a se
desenvolver.
Sempre existirá
uma espécie
bacteriana
adaptada a uma
situação específica
Provocadas por vírus, bactérias, parasitas ou fungos, as
doenças infecciosas são responsáveis por cerca de 14 milhões de mortes a cada ano no mundo, sendo que mais de
90% desses registros estão concentrados nos países em
desenvolvimento.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que
pelo menos um bilhão de pessoas no mundo, no começo
do século 21, ainda estão privadas da “revolução sanitária”,
ou seja, não têm acesso aos avanços da Infectologia, da ciência e da
saúde pública para prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças
infecciosas e parasitárias.
Nem mesmo os países desenvolvidos estão salvos das ameaças
microbianas, já que a emergência ou reemergência de certas doenças também acontece nas nações ricas, que assistiram crescimento de
10 a 20% dos casos de doenças infecciosas a partir dos anos de 1990.
A tuberculose – principalmente como co-infecção do HIV/Aids –,
por exemplo, estava, na virada do século, em franco ressurgimento na
25 ANOS DA SBI l 55
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
Europa e nos Estados Unidos. O crescimento da doença
meningocócica, a doença de Lyme, a coqueluche, a varicela e até
mesmo a febre do oeste do Nilo, surgida em Nova York em 1999,
são outros exemplos.
Há um importante detalhe da desigualdade global: as doenças infecciosas são responsáveis por 43% das mortes nos países em desenvolvimento contra 1% nos países do Primeiro Mundo, segundo a OMS.
É preciso levar em conta, ainda, que a mortalidade imputada a
diversos tipos de câncer, guarda uma realidade constantemente ignorada: pelo menos 15% dos casos de câncer têm origem
DO TERMO
infecciosa. Se certas infecções fossem prevenidas,
INFECTOLOGIA
Qual seria a demoninação
diagnosticadas e tratadas, calcula-se que cerca de 1,5 milhão
certa para o segmento da
de mortes por câncer seriam evitadas por ano no mundo.
Medicina que engloba a
investigação, o diagnóstico e
Menos de 1% dos mais de 1.300 novos medicao tratamento das infecções?
mentos desenvolvidos nos últimos 25 anos foram desEntre outros nomes
utilizados no Brasil, doenças
tinados às doenças infecciosas que atingem os países
ou moléstias infecciosas
pobres. Esta é uma das conclusões do dossiê Desequilíbrio
procura reproduzir a
nomenclatura que
Fatal, da organização não-governamantal Médicos Sem
internacionalmente se
Fronteiras (MSF), que aborda a crise em Pesquisa &
impõe, a da língua inglesa:
infectious diseases. No
Desenvolvimento (P&D) de medicamentos para as
entanto, vale aqui também o
doenças negligenciadas. A negligência é resultado de
senso mais comum, no qual
as especialidades médicas no
falhas do mercado e da ausência de políticas públicas
Brasil são referidas quase
de saúde. Os países em desenvolvimento representam
sempre englobando o sufixo
grego logos: cardiologia,
80% da população mundial, mas respondem por apenas
reumatologia,
endocrinologia, etc. Por isso,
20% do mercado de medicamentos. Para essas pessoas,
a criatividade brasileira
o desequilíbrio entre suas necessidades e a disponibiliintroduziu a palavra
infectologia, até
dade de remédios é fatal.
então inexistente nos léxicos
e hoje consagrada e
aprovada pelo uso.
NO BRASIL
No Brasil, nos anos 30, as doenças infecciosas e
transmissíveis eram a principal causa de morte nas cidades. Com a
melhoria da assistência à saúde e da vigilância sanitária, com a chegada de novas tecnologias, os antibióticos e as vacinas, esse quadro
mudou bastante. As doenças circulatórias, as neoplasias, as causas
externas, acidentes e violências, agora matam muito mais que as
doenças infecciosas.
Mesmo assim, essas doenças têm grande impacto no adoecimento
e morte dos brasileiros, principalmente devido ao cruzamento com a
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
situação sócio-econômica, com as questões ambientais e com os hábitos de vida. A falsa idéia de que estariam estabilizadas, controladas
ou extintas no país tem levado ao relaxamento ou omissão na tomada
de decisões inadiáveis para o enfrentamento das doenças infecciosas.
É papel da SBI e dos infectologistas acompanhar e interferir, ao
lado dos programas governamentais, técnicos, demais especialidades
médicas e sociedade civil organizada, no quadro complexo e híbrido das doenças infecciosas no país. Há um cenário em que doenças
transmissíveis registram tendência de diminuição ou estabilidade,
resultado de ações bem sucedidas de prevenção e controle; ao lado
de doenças persistentes, típicas de países pobres, que colecionam
péssimos indicadores de saúde; e existem ainda as doenças emergentes e reemergentes.
DOENÇAS EM DECLÍNIO
Com intensa vigilância, prevenção e tratamento eficiente,
o Brasil conseguiu diminuir casos de doenças infecciosas
Especialmente a partir da década de 1970, com alguns registros de
decréscimos significativos, e daí por diante, com ações específicas realizadas
a partir dos anos de 1990, o Brasil viu declinar doenças como o tétano,
a coqueluche ou a paralisia infantil. No primeiro caso, em vinte anos,
os registros baixaram de milhares de casos para algumas poucas dezenas.
A coqueluche, que chegou a fazer 40 mil vítimas nos anos de 1980, não
registrava mais que 2000 casos na virada do século.
A paralisia infantil, por sua vez, teve, em 1994, certificado de
erradicação no país concedido pela Organização Mundial de Saúde.
O sarampo, que atingia até 3 milhões de crianças nos anos de 1970,
também teve seu vírus eliminado, ainda que possam ocorrer surtos
como o de 1997, revelando o comportamento cíclico da doença.
Por extensão, a rubéola também foi controlada.
A raiva transmitida por animais também entra no grupo de
doenças em declínio no contexto brasileiro, assim como a Doença
de Chagas, que permanece sob monitoramento entomológico, o
que permite identificar e combater o barbeiro, transmissor da doença. Mesmo que não tenha atingido a meta determinada pela
OMS, de erradicar a hanseníase até 2005, o país vê a doença
diminuir em território nacional, mesma situação da febre tifóide,
que persiste de forma endêmica em regiões específicas.
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
DOENÇAS PERSISTENTES
Doenças persistem por causa da geografia, da impossibilidade
de prevenção ou das condições ambientais e sócio-econômicas
A malária chegou a vitimar seis milhões de brasileiros por ano
na década de 40, em todas as regiões do país. Hoje está concentrada
na região da Amazônia Legal, que responde por mais de 99% dos
casos. Em proporções e situações diferentes, doenças como a
leishmaniose visceral, antes predominantemente silvestre e hoje registrada em cenários urbanos, a febre amarela silvestre, a esquistossomose mansônica, a leptospirose ou o tracoma, também mantêm-se no grupo de infecções que persistem no país.
É o caso ainda da tuberculose, cuja associação com a Aids acontece em 25% dos registros da infecção pelo HIV. No mundo, a
tuberculose mata 2 milhões de pessoas por ano, 98% em países pobres. A meningite também integra o grupo de doenças persistentes
e segue, no Brasil, como problema complexo e multifacetado, já que
tem diferentes etiologias, impactos e estratégias de prevenção.
DOENÇAS EMERGENTES
Aids, dengue e cólera são os exemplos mais impactantes de
doenças novas ou reemergentes
Reintroduzida no Brasil em 1991, vinda do Peru, a cólera atingiu todas as regiões do país até 2001, com as maiores epidemias no
Nordeste. Foram 168.598 casos e 2.035 mortes. Persiste o risco de
sua reintrodução, sobretudo em regiões já atingidas, pois estudos
detectaram, em 2002 e 2003, a presença do V. cholerae toxigênico no
Nordeste. Aumentar o monitoramento das doenças diarréicas agudas é uma estratégia imprescindível para identificar casos precoces
de cólera, ao mesmo tempo que deve ser aumentado o controle da
qualidade da água.
O Aedes aegypti havia sido erradicado em vários países das Américas nos anos 50 e 60, mas voltou na década de 70, devido à falhas
na vigilância e à depredação do meio ambiente, dentre outros
fatores. Há surtos importantes de dengue no Brasil, Cuba,
Venezuela, e Paraguai. O Programa Nacional de Controle da
Dengue gasta R$ 1 bilhão por ano, para que não se repita o grande aumento da incidência verificado entre 1999 e 2002, ano em
que o Brasil registrou quase 800 mil casos.
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
Já as hantaviroses não existiam no Brasil até 1993, quando a doença
apareceu em São Paulo e, no começo dos anos 2000, era detectada
também na região Sul, em Minas Gerais e Mato Grosso. Desde 1993
já foram registrados mais de 300 casos em onze estados. Por sua vez, a
febre maculosa brasileira, causada pela bactéria do gênero Rickettsia
(R.rickettsii) e transmitida por carrapatos, foi registrada em 2005 em
São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.
INFECÇÃO HOSPITALAR E BACTÉRIAS RESISTENTES
Conduzido pela Coordenação de Controle de Infecção
Hospitalar do Ministério da Saúde, em 99 hospitais terciários
A SARS e a
de 100 a 299 leitos, nas capitais e no Distrito Federal, um
gripe aviária, que
estudo realizado em 1994 apontou que a taxa de prevalência
têm mobilizado
de infecção hospitalar no Brasil chegava a 15,5%. Ou seja:
esforços de saúde
mais de um em cada dez dos pacientes internados no país
contraíam algum tipo de infecção hospitalar.
pública em todos
As infecções mais comuns verificadas foram as localizaos continentes,
das no trato respiratório inferior (29% do total), seguidas
revelam novas
pelas infecções de sítio cirúrgico (15,5%). Estudos europeus
semelhantes observaram taxas de prevalência inferiores, vafaces da mesma
riando entre 3,5 % (Alemanha) a 10,1% (Suíça).
realidade e
Além das hospitalares, infecções cada vez mais potentes
evidenciam que a
estão resistentes aos tratamentos, por causa do uso indiscriminado de medicamentos. Esta é hoje a principal causa do
pesquisa de novas
aumento da resistência aos antimicrobianos. Devido a mutaarmas antições genéticas e à seleção natural pelo uso excessivo de antiinfecciosas nunca
bióticos, algumas bactérias tornaram-se capazes de produzir
enzimas que destroem os efeitos dos medicamentos. É o que
foi tão necessária
acontece com as bactérias do grupo pseudomonas aeruginosa,
uma das causas mais freqüentes de infecção hospitalar no Brasil, responsável por altos índices de mortalidade por pneumonia hospitalar.
OS MAIORES DESAFIOS
A epidemia da Aids
Em duas décadas, a doença matou 20 milhões de pessoas. No
Brasil, a estimativa era de 600 mil infectados em 2005
Um dos mais graves e complexos problemas de saúde pública da
atualidade, a epidemia da Aids, doença diagnosticada pela primeira
25 ANOS DA SBI l 59
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
vez em 1981, está longe de ser controlada. Conforme estimativa do
Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids),
em 2005, o total de infectados pelo HIV em todo o planeta já chegava
perto de 40 milhões, dos quais 66% na África Subsaariana. No começo do século 21, só 20% da população mundial infectada tinha acesso
à prevenção e somente 10% das pessoas que vivem com Aids no mundo
recebiam anti-retrovirais.
Segundo o Relatório 2004 sobre a Epidemia Global de Aids, da
Unaids, até aquele ano, 20 milhões de pessoas haviam morrido de
Aids desde o aparecimento da doença. Só em 2003 foram
SOCIEDADES
2,9 milhões de óbitos no mundo. O documento alertava
PIONEIRAS
Dos poucos antibióticos
que a Ásia abriga 60% da população mundial e que a cresinicialmente disponíveis, as
cente epidemia no continente tem implicações globais.
décadas de 1970 e 1980
assistiram à chegada de uma
No Brasil, a Aids apresentou um crescimento na inciavalanche de novos
dência até 1998, quando foram registrados 25.732 casos
medicamentos desta classe,
exigindo conhecimentos
novos, com um coeficiente de 15,9 casos/100.000 habiespecíficos para manuseio
tantes. A partir de então observou-se uma desaceleração
adequado. Conforme previu,
em 1945, o bacteriologista
nas taxas de incidência de doença no conjunto do País, a
inglês Alexander Fleming,
despeito da manutenção das principais tendências da epique descobriu a penicilina
em 1929, a evolução das
demia: crescimento em direção aos heterossexuais, muresistências bacterianas aos
lheres e população em situação de miséria, pobreza e exantibióticos gerou maior
complexidade das infecções.
clusão social.
Expandiram-se, igualmente, a
No início dos anos 2000, cerca de 600 mil brasileiros
bacteriologia e a virologia.
Novos agentes etiológicos e
estavam infectados pelo HIV e mais de 10.000 mortes
novas doenças infecciosas
exigiam esforços da ciência e
eram registradas por ano. Em 2005, cerca de 170 mil pesrespostas da Medicina. Foi
soas seguiam em tratamento na rede pública de saúde. O
neste contexto que
internacionalmente surgiram
programa brasileiro de combate à Aids foi reconhecido
as pioneiras sociedades de
mundialmente pelo fato de garantir acesso universal aos
doenças infecciosas, como a
Infectious Diseases Society of
anti-retrovirais para todos os pacientes, o que fez cair pela
America, nos Estados Unidos.
metade a mortalidade e as internações. A sustentabilidade
desta política, no entanto, estava ameaçada pelos custos crescentes
dos medicamentos, sobretudo as drogas de segunda geração protegidas por patentes. Em 2005, o Brasil gastou mais de R$ 1 bilhão
com medicamentos anti-Aids.
Em pouco mais de 20 anos de existência da Aids, sabia-se quase
tudo sobre o HIV: seu ciclo de replicação, sua diversidade e sua
interação com as células. Daí vieram os sofisticados e caros antiretrovirais. O tratamento da Aids progrediu muito após a introdução
60 l 25 ANOS DA SBI
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
da combinação dessas drogas, sobretudo com os inibidores da protease,
em meados da década de 90; dos exames marcadores da evolução
da infecção – CD4, carga viral e genotipagem – e dos medicamentos que permitem o controle das doenças oportunistas.
Desde a aprovação do AZT, a primeira droga para o tratamento da Aids, em 1987, até 2005, o arsenal terapêutico para enfrentar
o HIV/Aids incluía 20 anti-retrovirais liberados pelo FDA – Food
and Drug Administration do EUA. Com esses medicamentos, distribuídos em cinco classes terapêuticas, era possível chegar a mais
de 1.300 combinações entre eles, conhecidas como coquetéis.
Apesar dos avanços, limites e incertezas também caracterizavam
estes medicamentos, pois nenhum deles é capaz de erradicar totalmente o vírus. Inevitáveis, as resistências a eles e seus efeitos colaterais
preocupam médicos e pacientes.
O fato é que há uma busca frenética por novos medicamentos
para assegurar a manutenção da saúde e da vida das pessoas infectadas
pelo HIV. As novas drogas – geralmente mais potentes, mais fáceis
de tomar e com menos efeitos colaterais – poderão beneficiar as
pessoas HIV-positivas virgens de tratamento ou ser alternativas para
aqueles que se tornaram resistentes ou intolerantes aos medicamentos disponíveis.
A descoberta de uma vacina será, no entanto, a única forma de
controlar definitivamente com a Aids, mas a comunidade internacional e os laboratórios privados não investiram até agora recursos
suficientes na pesquisa, em que pesem os esforços de cientistas em
todo o mundo. Calcula-se que seriam necessários mais de 1 bilhão
de dólares anuais para avançar nos estudos. Em menos de dez anos,
acreditava-se em 2005, não haverá uma vacina eficaz.
As hepatites virais
Cerca de dois bilhões de pessoas já tiveram contato com o
vírus da hepatite B no mundo, segundo a OMS
De distribuição universal e magnitude variável, de acordo com
a região, as hepatites virais são um importante problema de saúde
pública no mundo e no Brasil. Segundo a Organização Mundial de
Saúde, cerca de dois bilhões de pessoas já tiveram contato com o
vírus da hepatite B. No mundo, são cerca de 325 milhões de portadores crônicos da hepatite B e 170 milhões da hepatite C.
25 ANOS DA SBI l 61
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que pelo menos 70% da
população já teve contato com o vírus da hepatite A e 15% com o vírus
da hepatite B. A maioria das pessoas desconhece sua situação sorológica
e constitui elo importante na cadeia de transmissão do HBV e HCV.
Do ponto de vista global, as hepatites A e E apresentam alta
prevalência nos países em desenvolvimento, onde as condições sanitárias e sócio-econômicas são precárias. A prevalência de hepatite B
tem sido reduzida em países onde a vacinação foi implementada, porém permanece alta em populações potencialmente expostas a risco,
como profissionais de saúde, usuários de drogas injetáveis, homossexuais masculinos, profissionais do sexo, dentre outros.
No Brasil, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
estimava a infecção pelo HAV em aproximadamente 130 casos
novos por 100 mil habitantes ao ano e que mais de 90% da população maior de 20 anos já foi exposta ao vírus. Entretanto, com as
melhorias nas condições de saneamento, alguns estudos têm demonstrado um acumulo de suscetíveis em adultos jovens acima
desta idade.
Estudos do final da década de 1980 e início de 1990 sugeriram
uma tendência crescente doVHB em direção às regiões Sul e Norte.
Quanto à hepatite C, ainda não existem estudos capazes de estabelecer sua real prevalência no país.
Um dos poucos estudos de base populacional realizado no Brasil revelou 1,42% de portadores de Anti-HCV na cidade de São
Paulo. Resultado semelhante foi obtido em um estudo de
soroprevalência realizado na cidade de Salvador, com 1,5% de portadores de Anti-HCV. Atualmente a transmissão da hepatite C via
transfusão sanguínea e hemoderivados é rara.
O tratamento das hepatites B e C crônicas está em plena evolução, com o lançamento de promissores medicamentos, mas que ainda não estão disponíveis no Brasil para todos que necessitam.
Tendo em vista a magnitude das hepatites virais no Brasil, é
urgente a criação de mecanismos para organizar, articular e integrar
as ações voltadas à prevenção e ao controle dessas doenças. Neste
sentido, o Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das
Hepatites Virais do Ministério da Saúde – que sempre poderá contar com a colaboração da SBI – deve ser dotado de recursos capazes
de aprimorar a prevenção, o diagnóstico e a vigilância epidemiológica,
62 l 25 ANOS DA SBI
CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
e ao mesmo tempo ampliar o acesso e a capacidade instalada dos
serviços de saúde que atendem os portadores de hepatites virais.
NOVAS AMEAÇAS: GRIPE AVIÁRIA E SARS
A evolução da comunicação multiplicou o alarde em torno de
cada nova doença infecciosa
Em 2005 o mundo viu-se atordoado diante da hipótese de que
a gripe aviária pudesse se tornar uma epidemia de proporções catastróficas. Doença infecciosa que acomete aves, causada pelo vírus
influenza A e seus diferentes subtipos, a exposição às aves
infectadas e suas excreções (saliva, secreção nasal e fezes)
Pelo menos
ou solo contaminado pode resultar em infecção humana.
um bilhão de
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, houve
pessoas em todo
confirmação da presença do vírus influenza A/H5N1, de
alta patogenicidade, em amostras coletadas de aves doméso mundo não
ticas na Turquia e na Romênia.
têm acesso aos
A OMS, até final de 2005, não havia modificado o
avanços da
nível de alerta diante de uma possível pandemia. Este perInfectologia, da
manecia na fase 3, isto é, há um novo subtipo viral que
infecta os seres humanos, que no entanto não é facilmenciência e da
te transmitido de uma pessoa para outra.
saúde pública
A maioria dos países, inclusive o Brasil, adotaram sispara prevenção,
tema de vigilância e passaram a planejar a rede de assistência, laboratório, e reserva estratégica de vacinas e antivirais
diagnóstico e
diante de uma eventual pandemia de gripe aviária.
tratamento das
A identificação, notificação e investigação de surtos
doenças
de doença respiratória, com detecção rápida do agente
causal, são outras medidas efetivas para prevenção e coninfecciosas
trole da gripe aviária.
SARS
A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), ou pneumonia
asiática, é outra doença emergente que assustou o mundo em 2003.
A repercussão da SARS foi intensa, devido à expansão de casos da
doença para os Estados Unidos, Canadá e alguns países europeus, e
a hipótese aventada de que a SARS pudesse estar vinculada ao
bioterrorismo. A maioria dos casos ocorreu em profissionais de saúde e nos familiares que tiveram contato direto com os pacientes, o
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
que fortaleceu a hipótese de transmissão direta.
Do foco central em Hong Kong, onde provocou centenas de
mortes, a SARS também matou outras 32 pessoas em Cingapura e
cinco no Vietnã. No Canadá, foram 40 mortes na região de Toronto, quase 400 casos registrados e 12 mil moradores colocados em
quarentena, um dos recursos utilizados para manter a doença sob
controle.
Em maio de 2003, dois meses depois do registro dos primeiros
casos, pesquisadores da Universidade de Hong Kong, divulgaram que
o vírus da SARS, um Coronavírus, pode ter chegado aos
OS GRANDES
seres humanos pelo consumo da carne de civeta (Viverra
FLAGELOS
Bactérias, vírus e
civeta), uma iguaria muito apreciada no sul da China. Em
outros microorganismos já
2004, na Austrália, houve dois casos suspeitos de SARS,
causaram estragos tão
grandes à humanidade
enquanto a comunidade científica de diferentes lugares do
quanto as mais terríveis
mundo, na Ásia especialmente, tentava encontrar novas droguerras e catástrofes da
natureza:
gas e até uma vacina contra a doença.
Peste (1333-1351)
50 milhões de mortos
Tuberculose (1850-1950)
1 bilhão de pessoas
Varíola (1896-1980)
300 milhões mortos
Gripe Espanhola
(1918-1919)
20 milhões de mortos
Tifo (1918-1922)
3 milhões de mortos
Febre Amarela
(1960-1962)
30 mil mortos
Sarampo (até 1963)
6 milhões de mortes/ano
Malária (desde 1980)
3 milhões mortes/ano
Aids (desde 1981)
20 milhões de mortes
EXPERIÊNCIA BEM-SUCEDIDA
Programa Nacional de Imunizações
O PNI completa 30 anos com o objetivo de enfrentar
doenças preveníveis por meio de vacinação
Ao registrar três décadas de atuação no país, em 2003,
o Programa Nacional de Imunizações do Ministério da
Saúde anunciava como metas de médio prazo, para os
cinco anos seguintes, conquistas consideráveis: a ampliação da auto-suficiência nacional dos principais produtos
adquiridos e utilizados pela população brasileira no combate e prevenção de doenças infecciosas e a produção de
algumas vacinas, a saber: contra o Haemophilus influenza
b, a combinada tetravalente (DPI + Hib) e a tríplice viral
(contra sarampo, rubéola e caxumba), assim como a vacina contra
pneumococos e a vacina contra influenza, e ainda a vacina antirábica em cultivo celular.
O objetivo de avançar numa trajetória bem sucedida ao longo
de trinta anos baseou-se em feito essencial do ponto de vista da
saúde pública: eliminar, ou pelo menos manter sob controle, num
dos países mais populosos e de maior extensão territorial do mundo, doenças preveníveis por meio de vacinação.
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
O PNI, conforme ficou conhecido, tem respaldo internacional
e já foi usado como referência pela Organização Pan-Americana de
Saúde (OPAS). O programa organizou, por exemplo, duas campanhas de vacinação no Timor Leste, já promoveu cursos no exterior
e, entre outros países, mantém cooperação técnica com os Estados
Unidos, México, Israel, Argentina, Angola e Filipinas.
Oficialmente criado em 18 de setembro de 1973, o PNI,
especializou-se no desenvolvimento de ações planejadas e de estratégias diversas – de varreduras a grandes campanhas de alcance
nacional – que possibilitaram feitos como a erradicação da poliomielite no ano de 1989.
Antes disso, seguindo estratégias similares, a febre amarela havia
sido erradicada em 1942 e a varíola, cujo desaparecimento foi registrado pela Organização Mundial de Saúde, em 1973. Entre outras
conquistas importantes do PNI, registra-se o controle do sarampo.
Desde a década de 1980, o Ministério da Saúde investe em laboratórios produtores oficiais com o Programa de Auto-Suficiência
Nacional em Imunobiológicos (Pasni). Segundo dados do Ministério,
77% dos imunobiológicos utilizados no Brasil, em 2004, tinham origem nacional.
O FUTURO DA PESQUISA EM INFECTOLOGIA
Os pesquisadores buscam a cada dia um desenvolvimento mais
racional de meios de lutar contra as doenças infecciosas e espera-se
chegar a instrumentos mais eficazes do que os que atualmente a
Medicina tem à disposição. Isso vale para as imunizações, os meios
dignósticos e os tratamentos.
As pesquisas em curso visam a descobrir novas drogas antivirais
e antimicrobianas, cada vez mais eficazes e com menos efeitos adversos. Para isso há uma busca incansável para melhor conhecer a
escala molecular, os microorganismos responsáveis pelas infecções,
além de buscar definir, com precisão, tanto no nível celular quanto
molecular, quais são as interações entre os hospedeiros e o homem.
Conhecer cada vez mais os animais vetores e os modos de transmissão é outro terreno fundamental.
A ciência deverá avançar ainda mais no estudo do verdadeiro
exército de células que trabalham permanentemente para proteger
nossos organismos das infecções, a exemplo dos linfócitos e
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
macrófagos. Neste sentido, foi fundamental a descoberta de que estas células se comunicam entre elas por meio das citoquinas, numa
orquestração extremamente complexa. Conhecer a linguagem destas defesas imunitárias tornou-se indispensável para diversas pesquisas aplicadas, notadamente na busca de novas vacinas.
O estudo dos agentes infecciosos e da biologia molecular passará
cada vez mais pela engenharia genética. Descobrir os genes responsáveis pela invasão, aqueles que são códigos para as toxinas, ou aqueles
ligados à virulência, tornou-se uma peça-chave para os pesquisadores
e cientistas.
VANGUARDA
O avanço das técnicas de sequenciamento dos genomas
PAULISTANA
Inaugurado em 08 de janeiro
é uma área que certamente guarda resultados promissores
de 1880, ainda no Império,
para a Infectologia em um futuro próximo. Além de apongraças à contribuição da
população paulista que doou
tar os alvos certos para o desenvolvimento de novos meparte do dinheiro para a sua
dicamentos e novas vacinas, poderá igualmente melhorar
construção, com o objetivo
de isolar e tratar os pacientes
o terreno do diagnóstico das doenças infecciosas.
portadores de doenças
Quanto às vacinas que estão sendo desenvolvidas no
infecciosas, o Instituto de
Infectologia Emilio Ribas, que
começo do século 21, elas são ainda mais precisas que as
completa 125 anos em 2005,
vacinas clássicas, e também buscam maior eficácia e mefoi uma das primeiras
instituições de Saúde Pública
nos efeitos colaterais. Nas clássicas, conforme é sabido, o
em São Paulo. O hospital,
processo consiste em injetar um microorganismo inteiro
que inicialmente atendia
apenas varíola, foi ampliado
morto ou inativo para que o sistema imunitário acione
em 1894, para enfrentar as
suas defesas contra ele. Daí, ele estará pronto para atacar o
epidemias de doenças
infecciosas que estavam
mesmo microorganismo, ativo e potencialmente
ocorrendo na época (febre
amarela, tifo, peste, difteria),
patogênico, se vier a se introduzir naturalmente no orgapassando a se chamar
nismo.
Hospital de Isolamento de
São Paulo (Capital),
As vacinas do futuro são baseadas no mesmo princíconsiderado no início do
pio mas serão muito mais potentes, por serem mais espeséculo 20 um dos
melhores do mundo.
cíficas. Boa parte delas será produzida utilizando uma
molécula ou frações de moléculas representativas do microorganismo.
Outros métodos, que visam associar a molécula vacinal a um vetor
(uma proteína, por exemplo), serão capazes de produzir vacinas
que atuarão nas células mais fortes do sistema imunitário. Espera-se,
assim, encontrar vacinas mais eficazes, inclusive para doenças que
não são hoje imunopreviníveis.
O avanço dos meios diagnósticos, testes e exames é outra etapa
primordial na luta contra as doenças infecciosas. De nada adiantará
os avanços da ciência se não for possível compreender como as
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CAPÍTULO 4 l DIMENSÕES E DESAFIOS DA INFECTOLOGIA
doenças infecciosas se desenvolvem atualmente, e medir e monitorar
a eficácia real dos instrumentos atualmente utilizados contra elas; se
não for desenvolvido um bom conhecimento epidemiológico dos
problemas sanitários que permita a escolha de medidas de saúde
pública adequadas; e, principalmente, se não houver maior igualdade e justiça na distribuição dos meios diagnósticos e terapêuticos
disponíveis.
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