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Propaganda
Luciana Scur
Felipe Gonzatti
Eduardo Valduga
Ronaldo Adelfo Wasum
Restinga é um termo bastante discutido, tanto por sua origem, se portuguesa, espanhola
ou inglesa, quanto por seus conceitos. Várias definições podem ser encontradas para a palavra “restinga”. Algumas se restringem somente ao tipo de vegetação que recobre áreas
das planícies costeiras brasileiras; outras, ao sistema substrato-vegetação como um todo.
Neste caso, o substrato é a planície costeira, cuja gênese decorre de um conjunto variado
de fatores e sobre a qual se desenvolvem diferentes tipos vegetacionais.
Geólogos, historiadores, botânicos e ecólogos apresentam diversos significados para a
palavra “restinga”, designando elementos diferentes. No Brasil, a referência mais antiga é
encontrada em um dicionário do século XIX (Diccionario Geographico do Brazil, de Pinto,
em 1899), onde a feição é definida como “baixio de areia ou pedra que, a partir da costa, se
prolonga para o mar, quer seja constantemente visível, quer só se manifeste na baixa-mar”.
Recentemente o termo vem sendo cada vez mais utilizado no sentido de ecossistema,
considerando não só as comunidades de plantas, mas também as de animais e o ambiente
físico em que vivem. Ecologicamente, as restingas são ecossistemas costeiros de origem
sedimentar (início do Quaternário) definidos pelas condições do solo e pela influência marítima. As espécies nelas encontradas apresentam capacidade de suportar os fatores físicos
dominantes, como salinidade, extremos de temperatura, forte presença de ventos, baixa
disponibilidade de água, solo instável e insolação forte e direta.
As restingas, ou áreas de formação pioneiras,
são um conjunto de fitofisionomias que se desenvolvem
ao longo do litoral do continente americano,
onde compõem um mosaico de diferentes tipos
vegetacionais em cada um dos biomas costeiros.
Estas formações possuem características peculiares, pois respondem especificamente às condições ambientais a que estão submetidas, diferenciando-se facilmente nos gradientes latitudinais
ao longo da costa brasileira.
No sentido geomorfológico o termo “restinga” designa terrenos de planície formados por depósitos
sedimentares com influência marinha. Desde um ponto de vista fitogeográfico, é interpretado como
um conjunto de ecossistemas dominados por formações pioneiras de influência marinha e fluvial,
além de formações campestres e florestais que coincidem com a região fisiográfica denominada Litoral. Para a área de estudo, estas formações estão inseridas dentro do domínio do bioma Pampa,
mais especificamente em situação de transição entre o bioma Mata Atlântica e Pampa.
Do ponto de vista legal, o termo é definido
ou referido em vários dispositivos, desde o
Código Florestal (Lei Federal 4.771/65), que
considera áreas de restinga como áreas de
preservação permanente, até a Lei da Mata
Atlântica (Lei Federal 11.428/06), que dispõe sobre sua proteção e uso, passando
por várias Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que estabelecem definições. Na inexistência de um
instrumento legal definindo restingas para o
Estado do Rio Grande do Sul, foi utilizada a
definição aprovada pela Resolução nº 261de
30 de junho de 1999 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Segundo
esta resolução, “Entende-se por restinga um
conjunto de ecossistemas que compreende
comunidades vegetais florísticas e fisionomicamente distintas, situadas em terrenos
predominantemente arenosos, de origem
marinha, fluvial, lagunas, eólica ou combinações destas, de idade quaternária, em geral
com solos pouco desenvolvidos. Estas comunidades vegetais formam um complexo
vegetacional edáfico e pioneiro, que depende mais da natureza do solo que do clima,
encontrando-se em praias, cordões arenosos, dunas e depressões associadas, planícies e terraços”.
No Rio Grande do Sul, os processos de formação geológicos imprimem características
específicas na composição das restingas litorâneas. Os eventos recentes de regressão
e transgressão marinhos desencadearam um
processo diferenciado de ocupação vegetacional. Devido à instabilidade geológica presente nos períodos Pleistoceno e Holoceno,
a vegetação que colonizou estas áreas assumiu uma fisionomia mista, representada principalmente por grupos oriundos de regiões
biogeográficas vizinhas. Pelo menos quatro
rotas migratórias de plantas superiores estabeleceram-se, colonizando o território e
compondo este mosaico de paisagem. Mais
ao norte do litoral ocorreu a interferência
principal das espécies atlânticas, provindas
pela Porta de Torres, e, mais ao sul, o predomínio de espécies campestres oriundas
da região do Pampa. Além destas formações
marcantes pampeanas e atlânticas, a flora
litorânea possui elementos chaquenhos, andinos, austral-antárticos e holárticos. O caráter migratório e geologicamente recente da
vegetação torna raros os casos de endemismos e de associações exclusivas.
30ºS
Laguna
dos
Patos
Oceano
Atlântico
32ºS
0
Água
52ºW
Formações pioneiras com influência fluvial
Formações pioneiras com influência marinha
Área de abrangência do Projeto Lagoas Costeiras II
50
100 Km
50ºW
Restinga: formações
pioneiras com influência
marinha e fluvial (baseado
em IBGE, 2004).
Mata Atlântica
Pampa
Água
Área de abrangência do Projeto Lagoas Costeiras II
Área de abrangência do projeto:
bioma Pampa com forte influência
da Mata Atlântica (adaptado de
IBGE e MMA, 2004).
Ecossistema restinga
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FITOGEOGRAFIA
DA AMÉRICA DO SUL
EVIDENCIANDO AS QUATRO
ROTAS MIGRATÓRIAS
QUE COMPÕEM
A VEGETAÇÃO DE RESTINGA
DO RIO GRANDE DO SUL.
Mosaico
vegetacional
As restingas se destacam e despertam acentuado interesse no
meio científico por se apresentarem como um ecossistema frágil
e constituído por grande diversidade vegetal. Elas estão distribuídas desde o norte do Brasil
até o Chuí, no sul, onde ocupam
grande parte das planícies quaternárias como um conjunto de
comunidades vegetais florísticas
de grande complexidade estrutural e fisionomicamente distintas.
Mosaico vegetacional: dunas, campos e matas.
O Padre Balduíno Rambo, ao
descrever as fisionomias do Rio
Grande do Sul em 1956, interpretou a vegetação do litoral como
uma sequência de zonas paralelas a partir do oceano. O referido
autor também descreve a vegetação no litoral triunfando sobre
a areia, reduzindo a faixa móvel
a um cordão insignificante; “mas
esta vitória não é obtida sem um
máximo de adaptação por parte
dos vegetais. De um lado não há
dúvida que a vegetação domina o litoral muito mais do que a
areia; do outro lado, é igualmente
indubitável que a areia determina
o caráter da vegetação”.
Rotas migratórias
Do Brasil central, com elementos da
periferia da floresta da Amazônia
Da costa atlântica brasileira, com
elementos tropicais da Floresta Atlântica
Oeste, com elementos chacopampeanos
Meridional, com elementos austrais
antárticos
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Sistemas biológicos
O solo litorâneo oferece um
substrato extremamente desfavorável ao desenvolvimento
da vida vegetal. Porém, as diferentes formações do relevo,
associadas a distintos fatores
ambientais, formam habitats
específicos para numerosas espécies vegetais. Esta diferenciação de ambientes faz com que
a vegetação assuma distintas
fisionomias, reguladas principalmente pela movimentação de
areia, pelo grau de salinidade,
pela distância do lençol freático,
pela disponibilidade de nutrientes, pela permeabilidade do solo
e pelo intenso calor do sol.
Mosaico da paisagem: lagoa, banhado, campo e mata.
Aspecto de sucessão e avanço da vegetação sobre as dunas incipientes.
Ecossistema restinga
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Tal mix vegetacional apresenta diversas
adaptações características, desde a reserva
de água e nutrientes nos tecidos suculentos
dos cactos (Cactaceae) até a insetivoria em
droseras (Droseraceae), sem contar as espécies de gramíneas (Poaceae), com seus
rizomas resistentes ao mosaico climático
regional. Nestes ecossistemas o vento também se torna um fator ecológico, imprimindo
feições marcantes nas copas de árvores e
arbustos da vegetação das matas de restinga arenosas mais frontais. Este fenômeno
produz formas conhecidas como anemorfoses. As plantas com esta característica são
conhecidas como “árvores-bandeira”.
Drosera, planta insetívora e indicadora de solos pobres.
Pela própria história geológica e pelas condições
edafoclimáticas, a vegetação de restinga é bastante
complexa, variando de tipos herbáceos até arbustivos
e arbóreos. Esta variabilidade resulta não só
de modificações nas condições climáticas e edáficas,
mas também da topografia e do caráter sucessional.
Este conjunto de variáveis determina um zoneamento vegetacional no sentido costa oceânica para o interior, que inclui complexos
mosaicos de dunas, banhados, campos e
matas, além de um sistema de lagoas costeiras representado por inúmeros corpos d’água
de diferentes tamanhos, desde a Laguna dos
Patos até pequenas lagoas. Da margem destas lagoas, com acúmulo de água e umidade,
até os ambientes mais secos encontram-se
distribuídas diferentes comunidades neste
mosaico vegetacional da restinga.
A existência de ambientes considerados extremos em nutrientes e água determina os tipos de vegetação pioneira em fase inicial de
sucessão primária, caracterizados pela diversidade baixa e pelas adaptações ecológicas
das plantas. As matas secas arenosas em solos bem drenados de cordões arenosos que
cobrem terraços e as matas paludosas relacionadas a solos mal drenados representam a
vegetação mais complexa e a fase avançada
da sucessão. À medida que ocorre a substituição de espécies herbáceas por arbóreas,
as condições microclimáticas permitem que
ocorra o epifitismo, representado principalmente por líquens, briófitas, pteridófitas (samambaias), bromélias e cactáceas.
Estas condições fazem da restinga um dos
ecossistemas mais importantes para estudo,
pois permite o entendimento dos processos
de ocupação do ecossistema e da estruturação das comunidades ao longo dos gradientes ecológicos.
Este complexo fitogeográfico e mosaico vegetacional que se constitui na Planície Costeira do
Rio Grande do Sul é único no mundo e, desde a
introdução do gado pelos jesuítas em meados
do Século XVI, vem sofrendo vários tipos de
pressões antrópicas. Atualmente, devido aos
processos de ocupação humana, muitos destes habitats vêm sendo destruídos e utilizados
para plantios agrícolas, pecuária, silvicultura,
exploração imobiliária e turística. Estes eventos têm modificado a paisagem, perturbando
os processos naturais de sucessão, inferindo
diretamente na distribuição, abundância e regeneração das comunidades vegetacionais.
Cactos colunares em borda de mata.
Planta bandeira. Exemplar de Mimosa bimucronata (maricá).
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Gramíneas e seus rizomas fixadores do solo arenoso.
Epifitismo em figueira.
Sistemas biológicos
Ecossistema restinga
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