Faculdade de Tecnologia Estácio de Sá de Belo

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FACULDADE DE TECNOLOGIA ESTÁCIO – UNIDADE BELO HORIZONTE
CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM GASTRONOMIA
GASTRONOMIA ITALIANA
4º PERÍODO
PROF. FERNANDO SABINO
ASPECTOS HISTÓRICOS DA GASTRONOMIA ITALIANA
A Itália é um país com mais de trinta séculos de história. Foi, de fato, sede de grandes
civilizações que influíram profundamente na evolução de toda a cultura ocidental. Berço da civilização
etrusca e sede de importantes centros históricos e culturais da civilização grega, foi o centro do
Império Romano que, por centenas de anos, dominou o mundo ocidental.
A queda do Império Romano (476 d.C.) significou o fim de uma organização política, mas não
o de uma civilização. Os invasores, freqüentemente primitivos como os povos provenientes do norte
da Europa, acabaram por serem influenciados pela cultura romana, claramente superior na época.
Na história do país, sucederam-se divisões e reunificações. Carlos Magno, rei dos Francos,
coroado imperador no ano de 800, reconduziu sob o poder de Roma quase todas as províncias
européias do antigo império, ocorrendo a restauração da idéia imperial, associada à religião cristã,
com a criação do Sacro Império Romano.
Com Carlos Magno e os seus sucessores, surgiu na Europa uma nova ordem política e
social: o feudalismo, assentado na subdivisão do Império em várias partes. Em todas as suas
graduações, a nobreza feudal constituía uma classe privilegiada, dotada de terra e de bens, enquanto
a grande massa da população servil era duramente explorada. As cidades, ao contrário, embora
escassamente povoadas, gozavam de certo bem-estar e de relativa prosperidade por causa da
possibilidade de trocas comerciais e pela presença de pequenas oficinas locais, de caráter artesanal.
Lançavam-se assim as bases para o desenvolvimento da autonomia das cidades, que no século XII
se realizaram completamente com a criação das comunas, um ordenamento que se desenvolveu,
sobretudo, na Itália setentrional e central, enquanto que na meridional este processo foi detido por
conquistas estrangeiras e pelas monarquias que aí se sucederam.
Nos séculos XIV e XV as comunas transformaram-se em senhorias para salvar-se dos
perigos externos e das lutas civis internas. A um "Senhor", de fato, era confiada a direção de
assuntos públicos, com plenos poderes. As famílias mais célebres que se sucederam no poder foram
os Visconti e os Sforza em Milano, os Médici em Firenze, enquanto começava a firmar-se uma
família, os Savoia, que teria grande influência sobre os destinos da Itália nos séculos seguintes.
Em 1453, a queda do Império Romano do Oriente e a conquista, pelos turcos, de grande
parte da bacia do Mediterrâneo, impeliram os navegadores ao encontro de outras rotas para alcançar
o extremo Oriente, fonte de aprovisionamento dos prósperos mercados europeus.
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Na Itália, as lutas internas pela sucessão haviam, entretanto, favorecido o advento de outras
dominações estrangeiras.
Durante o Renascimento, a influência da Igreja Católica continuou sendo muito grande e o
domínio espanhol e austríaco (séculos XVII-XVIII), o desmembramento extremo do país e o
deslocamento das vias marítimas em detrimento do Mediterrâneo provocaram o declínio econômico
da península. Pouco a pouco, as velhas cidades perderam sua influência em proveito do Reino da
Sardegna (casa de Savoia).
Mesmo a história mais recente da Itália é marcada por lutas e insurreições, como o
Resorgimento, por exemplo, que buscou entre 1815 e 1870 unificar o país, na época apenas uma
coleção de pequenos estados submetidos a potências estrangeiras. A unificação do país foi concluída
somente em 20 de setembro de 1870. A partir da unificação, a Itália desenvolveu amplamente seus
recursos econômicos e militares.
A culinária italiana conhecida hoje é o resultado da evolução de séculos de mudanças sociais
e políticas. Suas raízes se encontram no século IV e na Alta Idade Média e mostram a influência dos
árabes e normandos que levaram os primeiros cozinheiros notáveis à região da Itália. Essas
influências ajudaram a moldar o que hoje é conhecido como culinária italiana, adicionando itens como
batatas, tomates, pimenta e milho.
Os árabes, a partir do século IX, levaram, principalmente pra região da Sicilia, o açúcar, o
arroz, a canela, o açafrão, a berinjela, o marzipã e as técnicas de produção de passas e figos secos.
Mais tarde, já em 1600, os espanhóis introduziram na mesa italiana a batata, o feijão, o milho, o
cacau, o rum e o café. Há, ainda, a influência francesa, austríaca e húngara com o uso constante do
leite e seus cremes e manteiga.
No século XVIII a maior parte da Itália era governada pela França, Espanha e Áustria. Foi no
início deste mesmo século que livros de culinária italiana se tornaram populares e eram distribuídos
para que os cozinheiros espalhados pelas regiões da Itália pudessem mostrar seu orgulho pelo país.
A COZINHA DOS ANTIGOS ROMANOS
Antes de Roma se tornar uma potência mundial, a cultura alimentar dos habitantes da região
podia ser considerada bastante frugal. A puls, uma papa de cereais, semelhante à atual polenta, era
servida como um creme espesso ou como um tipo de pão achatado, frito em azeite. Os legumes eram
também muito bem cozidos, até se desfazerem, e temperados com cebola e alho. Os ovos, o queijo,
a carne de porco e de galinha constituíam os pontos altos culinários das casas mais abastadas.
Durante o Imperium Romanum (27 a.C. – 476 d.C.) as diferenças alimentares continuaram
marcantes devido às desigualdades sociais – dentro das fronteiras do império, um terço da população
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era tão pobre que cabia ao estado evitar que morresse de fome, embora na mesa dos grandes e dos
“novos-ricos” se tivesse começado a processar uma mudança espantosa.
As legiões romanas não se limitaram a conquistar novas províncias, mas, das suas
campanhas, trouxeram também as especialidades locais e os respectivos cozinheiros. Na Sicilia,
outrora uma colônia grega, os romanos pouco sofisticados aprenderam a conhecer, por um lado, a
saborosa cozinha mediterrânea e, por outro, começaram a imitar a cultura grega do banquete,
segundo a qual, uma tal ocasião servia essencialmente para a edificação da alma, através de
conversas e de representações artísticas. Em Roma passou a ser moda contratar um cozinheiro
grego e convidar pessoas para usufruírem um prazer requintado, que terminava invariavelmente em
orgias e bebedeiras.
Lugares como Grécia, Cartago e Egito forneciam novas iguarias e asseguravam, à custa das
populações locais, o abastecimento das quantidades imensas de alimentos, diariamente necessárias
em Roma. Passou, então, a ser de bom tom servir pratos e ingredientes vindos de longe, obviamente
caros e que permitiam assim demonstrar riqueza e superioridade social. Da Arábia vinham tartarugas,
da Gália, presuntos, e o salmão do Reno. Os comerciantes e transportadores não poupavam esforços
para engendrar novos métodos que permitissem o acesso de produtos sempre frescos à capital.
A cozinha “internacional” de Roma era realmente saborosa, sabendo usufruir das artes
culinárias das províncias mais longínquas. Existia um gosto acentuado para produtos frescos de alta
qualidade. Os agrônomos romanos obtiveram sucesso na fruticultura e horticultura e, nos mercados,
a variedade de produtos era enorme, encontrando até mesmo ostras vivas, mantidas no frio.
Como entrada de uma refeição era praticamente obrigatório servir um prato de ovos.
Passava-se então à carne, caça ou ave, acompanhada de legumes e o final da refeição era uma
sobremesa ou um prato de frutos. O cotidiano culinário de um romano de classe média assemelhavase bastante aos atuais hábitos mediterrâneos. No café da manhã comia um pouco de pão branco,
mergulhado em vinho; no almoço havia queijo, cebolas, ovos e, possivelmente, um pouco de carne
fria. Por razões de segurança, nas habitações alugadas não era permitido acender o lume para
cozinhar, por isso era costume comer as refeições frias. Quem desejasse, podia recorrer a um dos
muitos estabelecimentos que ofereciam pratos quentes para levar para casa.
A principal refeição diária era tomada à noite, quando se ia comer na casa de um amigo ou
amigos eram convidados para comer junto. O único ponto fraco da cozinha do Império Romano
residia nestes eventos: a obsessão pelo prestígio. O preço dos ingredientes frequentemente era o
que determinava o cardápio e não a composição dos pratos.
Os métodos de preparo, altamente elaborados, gozavam igualmente de grande popularidade,
pois era uma forma de impressionar os convivas. A alta sociedade romana estava obcecada em fazer
da mesa um palco e da refeição um espetáculo. Os “pratos de fantasia” estavam na ordem do dia. Os
cozinheiros mais requisitados eram os que conseguiam preparar, por exemplo, uma vitela com sabor
de carpa e servir um prato de bacalhau sem bacalhau. Esta tendência a pratos caros, extravagantes e
sofisticados – fiéis ao ideal romano: “ninguém vai conseguir adivinhar o que o prato realmente é” –
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manteve-se ainda durante alguns séculos, nas cortes principescas e reais da Europa. Só no
Renascimento é que os reformadores das artes culinárias começaram a lançar a idéia de que pratos
menos dispendiosos e preparados de uma forma mais natural também poderiam ser excelentes.
No século I da era cristã, Marcus Gavius Apicius subiu ao palco da culinária
de Roma. Mesmo constantemente exposto à troça e à malícia dos filósofos
que pregavam a moderação, Apicius descobriu um método de tornar o fígado
de porco ainda mais saboroso, desenvolveu diversas receitas de caracóis e,
por fim, compilou os seus conhecimentos culinários em um livro.
Infelizmente, não dispomos hoje de nenhum original deste clássico culinário,
pois, ao logo dos séculos, a obra foi continuamente copiada, editada e
adaptada, sendo que os editores, sempre da classe monástica, não eram
propriamente peritos no assunto.
Todavia, seu livro consegue transmitir uma idéia do que era servido e o que
se encontrava nas mesas de apoio quando os romanos se banqueteavam.
A hospitalidade romana
Roma sempre foi uma cidade hospitaleira. Desde que a Cidade Eterna foi literalmente
invadida pelos seus visitantes, fossem eles peregrinos cristãos, homens de negócios, funcionários da
igreja, caixeiros-viajantes, turistas, artistas, homens de letras ou aventureiros. Já nos tempos da
Antiguidade, a vida nas Sete Colinas atraía curiosos de muitas províncias romanas. E foi quando o
Cristianismo se impôs como potência mundial que Roma, o centro do mundo, se tornou
verdadeiramente um destino privilegiado. No ano de 1300, quando o Papa Bonifácio VIII endereçou
um convite para as comemorações de um jubileu gigantesco, a cidade foi inundada por mais de dois
milhões de peregrinos.
Estas imensas massas de visitantes colocavam enormes desafios à infra-estrutura romana e
também ao “setor hoteleiro” de então. Onde toda esta gente? Em que hospedarias procederia a
mudança de cavalos e que estradas deveriam tomar para chegar à cidade? Como dar de comer e
beber a todos os forasteiros e onde obter as quantidades necessárias de alimentos? Foram os
conventos e mosteiros que assumiram, inicialmente, o encargo de cuidar do bem estar espiritual e
físico dos viajantes.
Mas, em Roma, a afluência de visitantes ultrapassava em muito as capacidades dos piedosos
alojamentos, o que levou ao crescimento de hospedarias privadas. Floresceram as osterie e, entre
1500 e 1800, Roma era a cidade que dispunha da melhor e mais acessível das gastronomias.
Em meados do século XIX, existiam mais de 200 hospedarias, 200 cafés e cerca de 100
albergues e outros tipos de alojamentos. É certo que não podemos falar, nesta época, de um hotel no
sentido atual. Nas estalagens raramente havia quartos individuais e os viajantes mais abastados
pernoitavam em salões repletos, enquanto que a criadagem tinha de se acomodar nos estábulos,
juntamente com os cavalos. Também a cozinha era bastante simples. Normalmente quem cozinhava
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era a mulher do estalajeiro, servindo pratos tradicionais romanos ou do Lazio, acompanhados de uma
caneca de vinho.
A COZINHA DA IDADE MÉDIA
A dependência do trigo e de outros cereais permaneceu grande ao longo da época medieval,
e, com o crescimento do Cristianismo, espalhou-se para o norte. A centralidade do pão em rituais
religiosos, como a Eucaristia, significava que ele gozava de um elevado prestígio entre gêneros
alimentícios. Apenas o azeite e o vinho tinham valor comparável, mas permaneceram ainda restritos
fora das regiões mais quentes onde cresciam uvas e olivas.
O Catolicismo começou a mudar os hábitos. Os conventos incentivavam o uso de frutas e
legumes em refeições mais simples. Entre os séculos VII e IX, a comida se sofisticou, passando a
incluir massas, ovos recheados, carne e peixe. As Cruzadas, entre os séculos XI e XIII, permitiram
aos italianos entrar em contato com produtos do Oriente, logo incorporados na culinária: trigosarraceno, açúcar, canela, noz-moscada, açafrão e ameixa, entre outros.
Tipicamente havia duas refeições por dia: a principal feita ao meio-dia e uma ceia mais leve
ao anoitecer. Os moralistas, os membros da igreja e as classes cultas desaprovavam quebrar o jejum
da noite muito cedo. Por razões práticas, um desjejum era feito pela maior parte dos trabalhadores e
era tolerado para crianças pequenas, mulheres, idosos e doentes. Em razão de a igreja pregar contra
a gula e as fraquezas da carne, as pessoas se envergonhavam da fraca natureza prática do
desjejum. Os banquetes esbanjadores, regados a bebida, passaram a ser considerados imorais, pois
eram associados aos vícios e ao comportamento lascivo. Pequenas refeições e lanches eram
comuns, embora desaprovados pela igreja, e os trabalhadores comumente recebiam um subsídio de
seus patrões para pequenas porções de alimento, comidas durante intervalos no trabalho.
Já entre as classes mais abastadas, antes da refeição e entre os pratos, bacias rasas e
toalhas de linho eram oferecidas aos convidados para que pudessem lavar as mãos, já que a limpeza
era enfatizada. Códigos sociais dificultavam que as mulheres participassem dos banquetes
suntuosos, fazendo com que a refeição refinada fosse predominantemente masculina. A natureza
hierárquica da sociedade era reforçada pela etiqueta, sendo que compartilhar os vasilhames de beber
era comum para todos até mesmo em banquetes superabundantes, assim como era o padrão da
etiqueta partir o pão e trinchar a carne para os companheiros de refeição.
O comportamento à mesa até o final da Idade Média era o que se pode chamar um autêntico
desastre. A carne e as aves eram servidas inteiras e cada um dos comensais cortava o seu bocado.
Os alimentos, em sua maior parte, eram servidos em pratos ou em potes de ensopado e as pessoas
pegavam suas porções dos pratos com a ajuda de colheres ou com as mãos e colocavam-nas em
recipientes de madeira, de pão seco ou de peltre. Nas casas das classes mais baixas era comum
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comer o alimento diretamente da mesa, onde todos metiam as mãos. As facas eram usadas à mesa,
mas era esperado da maioria que trouxesse a sua própria, e somente aos convidados altamente
favorecidos seria dada uma faca pessoal. A faca era usualmente compartilhada com pelo menos
outro convidado, a menos que se fosse de alta classe ou conhecido próximo do anfitrião.
Os garfos não eram muito difundidos na Europa até o período moderno, e no início eram
limitados à Itália. Mesmo aí não foi antes do fim do século XIV que o garfo se tornou comum entre os
italianos de todas as classes sociais. A mudança de hábitos pode ser ilustrada pelas reações aos
modos à mesa da princesa bizantina Theodora Doukaina no fim do século XI. Ela era a futura esposa
do Doge de Veneza Domenico Selvo e causou um desânimo considerável entre os venezianos
honrados. A insistência da consorte estrangeira, que queria que sua refeição fosse cortada por seus
servos eunucos, para ser então comida com um garfo dourado, chocou e perturbou os convidados.
A COZINHA DO RENASCIMENTO
Também o Renascimento culinário tem na Itália as suas raízes na redescoberta da
Antiguidade. Nas cozinhas dos mosteiros e dos palácios nobres reproduziam-se testemunhos da arte
culinária grega e romana e sobretudo Apicius transformou-se num autor muito estudado. Cozinheiros
e mestres de banquetes tentavam agora pôr em prática, também nas questões culinárias, os ideais
do Renascimento de ordem, proporção, harmonia e contenção.
Renascimento ou Renascença é o período da História da Europa
aproximadamente entre fins do século XIII e meados do século XVII, quando
diversas transformações em muitas de áreas da vida humana assinalam o
final da Idade Média e o início da Idade Moderna. Apesar destas
transformações evidentes na cultura, sociedade, economia, política e religião,
caracterizando a transição do feudalismo para o capitalismo e significando
uma ruptura com as estruturas medievais, o termo é mais comumente
empregado para descrever seus efeitos nas artes, na filosofia e nas ciências.
Influências do Oriente, com o qual se desenrolava um comércio próspero, e também as que
resultaram da ocupação da Sicilia pelos árabes foram aceitas de boa vontade e sem preconceitos.
Enquanto na Idade Média a preferência geral era por pratos primeiramente cozidos, depois assados
e, por fim, “soterrados” sob um molho preparado com o maior número possível de especiarias caras,
os cozinheiros do Renascimento esforçaram-se para criar receitas pouco complicadas e métodos
suaves de cozinhar os alimentos, que deveriam realçar o sabor próprio dos ingredientes em vez de o
alterarem grosseiramente. Assim, cada gourmet podia reconhecer, sem grande esforço, o que tinha
no prato.
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Mesmo quando se desenvolvia na Itália um esforço no sentido de se prepararem pratos
simples e aristocráticos, recorria-se com muita hesitação à culinária regional rural. Os cozinheiros
preferiam adaptar novos pratos provenientes de países distantes. Os pratos camponeses da
Toscana, como a papa de cereais ou o purê de legumes e cebolas picantes eram considerados
alimentos pouco requintados e assim continuariam a ser durante ainda muito tempo, pois a revolução
culinária passou pelas panelas dos menos privilegiados quase sem deixar vestígios.
O Renascimento é também o período em que, pela primeira vez, se ligou a idéia do
patológico com a alimentação cotidiana. O que até então era considerado evidente, passou a ser
ponderado, comentado, analisado e finalmente encarado por uma perspectiva totalmente nova por
médicos e fisiólogos: a comida pode nos tornar saudáveis, mas pode igualmente ser a causas de
várias doenças. Da mesma forma como faziam com o ser humano, centro de todas os interesses da
época, os sábios passaram e estudar as características dos alimentos, para poderem recomendar
seu uso como ingrediente, em determinados grupos, ou, então, a desaconselhar o uso em absoluto.
Em setembro de 1533, quando Caterina de’Medici subiu a bordo do navio
que a levaria ao matrimônio com Henrique II, da França, foi acompanhada
não apenas das suas arcas de roupas e cofres de jóias, mas também de
diversas caixas de provisões. Na sua comitiva encontravam-se competentes
cozinheiros, confeiteiros, padeiros, copeiros e ajudantes de cozinha.
A desconfiança de Caterina em relação à cuisine francesa era perfeitamente
fundada, pois, no início do século XVI, a cultura gastronômica junto às
margens do Sena era deplorável. A corte francesa conservava, ainda, as
concepções rígidas e pantagruélicas da Idade Média, segundo as quais uma
refeição deveria refletir a riqueza dos anfitriões, onde um ingrediente exótico
e caro valia mais que um produto fresco local e os alimentos eram torturados
por lentos processos de preparação e verdadeiras orgias de especiarias.
Esta situação alterou-se quando Caterina de’Medici subiu ao palco da política
e da culinária francesas. Ela aboliu as estranhas misturas preparadas até
então e tomou a iniciativa de servir alimentos que de fato se adequavam. Os
banquetes se transformaram num cerimonial de pratos requintados, com
taças elegantes de Veneza e louças de faiança e com o uso do garfo, até
então desconhecido na corte francesa.
A COZINHA DOS PAPAS
De um modo geral, os chefes supremos da Igreja Católica não se distinguiam por hábitos
alimentares inimigos da meditação ou mesmo pelo ascetismo, influenciando, com seus banquetes e
refinamento culinário, o desenvolvimento da gastronomia italiana.
Enquanto que, no início do século XIII, Inocêncio III ainda advogava uma alimentação
espartana e exigia que à sua mesa apenas fosse servido um prato principal, no final desse mesmo
século, Martinho IV já evidenciava uma especial predileção por enguias, principalmente as
provenientes de Bolsena. Conta-se mesmo que o Pontífice mandava apanhar vivas e guardar em
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recipientes especiais para posteriormente as comer, embebidas em Vernaccia e grelhadas. Cerca de
100 anos mais tarde, Pietro Tomacelli foi eleito papa e ostentava o codinome Bonifácio IX, mas
consta que os tomaselle, almôndegas de fígado que Sua Santidade adorava, são assim chamadas
em sua honra. Com Eugenio IV voltaram os tempos de frugalidade culinária e o próprio Pontífice fazia
questão de tornar pública a sua moderação. No fim do século XV, Alexandre VI era conhecido por
suas predileções gastronômicas, sempre satisfeitas pela filha, Lucrezia Borgia. No pontificado de
Leão X (1513-1521), a cozinha do Vaticano estava à altura da cozinha florentina e festas e banquetes
dos papas da família Medici eram comentados por toda a cidade. Os banquetes papais passaram,
então, a não ser apenas ocasiões onde se praticavam excesso de comida e bebida, mas verdadeiros
espetáculos, com saltimbancos, músicos e outros artistas.
Pio V, que mais tarde veio a ser santificado, tinha a seu serviço o mais célebre dos
cozinheiros de seu tempo, o gênio Bartolomeo Scappi, autor da Opera dell’arte del cucinare e
reformador da cozinha ocidental. No seu tratado de culinária de 1570, Scappi faz referência a alguns
pratos preferidos dos papas.
Bartolomeo Scappi pertence ao grupo dos renovadores mais importantes da
cozinha italiana. Bem ao espírito do Renascimento, Scappi procurava que as
sua criações refletissem sobretudo harmonia e originalidade. Para segundo
plano foram remetidas as especiarias caras que acabavam por mascarar o
sabor dos ingredientes principais, em vez de realçar. As técnicas culinárias
passaram a ser mais exatas e elaboradas.
No ano de 1570, foi publicada, em Veneza, a obra Opera di Bartolomeo
Scappi, maestro dell’arte del cucinare, cuoco secreto di Papa Pio Quinto
divisa in sei libri. Esta obra, em seis volumes, a que o Papa deu a sua
benção, tornou-se a obra culinária de referência das cozinhas palacianas e
da burguesia abastada. Scappi não se limitava a dar conselhos e truques,
mas incluía uma lista enorme de receitas de assados, estufados, refogados,
frituras, molhos, iguarias saborosas, picantes, acres e doces, muitas das
quais ainda hoje se encontram nos nossos modernos livros de cozinha.
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