Tratamento Conservador da Instabilidade Fêmoro

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Edição 6 – set/out/nov 2006
Tratamento Conservador da Instabilidade
Fêmoro-Patelar
Autores:
Wilson Mello A. Jr.
Campinas – SP
Anna Maria Almeida Prado
Fisioterapeuta do Centro Médico de Campinas
Introdução
As instabilidades do aparelho extensor, representadas pelas luxações e
subluxações recidivantes de patela envolvem grande complexidade biomecânica e
são causadas por fatores que resultam num defeito fêmoro-patelar dinâmico de
difícil tratamento(7,10) .
O tratamento cirúrgico com mais de 100 técnicas diferentes descritas(2,12)
demonstra não haver consenso em como abordar esta patologia. O alto índice de
resultados insatisfatórios, principalmente a longo prazo, e o grande potencial
iatrogênico fazem do tratamento conservador uma alternativa promissora(2,11) .
Porque não operar?
Existem muitas técnicas cirúrgicas para o tratamento da instabilidade fêmoropatelar descritas na literatura. A cirurgia desta articulação é difícil, não tem
parâmetros objetivos que definam quem necessita de tratamento cirúrgico e o
quanto de cirurgia é necessário para o tratamento de cada paciente.
Quando buscamos na literatura os resultados a longo prazo dos tratamentos
cirúrgicos, encontramos números desanimadores. Muitos trabalhos relatam
resultados a curto prazo mas poucos a longo prazo. Arnbjornsson(1) e colaboradores
publicaram uma avaliação de 29 pacientes com luxação recidivante de patela
bilateral, que tiveram apenas um dos lados operado. Os resultados foram avaliados
com um seguimento médio de 14 anos (variando de 11 a 19 anos) e foram
surpreendentes: 6 dos joelhos operados continuavam a apresentar luxações, contra
4 dos não operados. Dos 29 joelhos operados, somente 7 eram indolores enquanto
que 22 estavam insatisfeitos com o resultado. O índice de Lysholm era de 69 nos
operados e 89 nos não operados. Nos joelhos operados, a incidência de osteoartrite
foi de 75% contra 29% nos não operados. Com estes números, a conclusão do
artigo é de que a cirurgia pode beneficiar o paciente a curto prazo, mas a longo
prazo o joelho se torna pior pela maior incidência de osteoartrite.
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Um grande problema encontrado na instabilidade fêmoro-patelar é a definição
objetiva dos chamados “sinais objetivos de instabilidade”. O artigo “Clinical
Assessment of Malallignment: Does It Correlate With the Presence of
Patellofemoral Pain?”, publicado por William Post(17), comenta os seguintes
aspectos:
Ângulo Q: a recomendação inicial de Insall foi de que o limite superior deste
ângulo deveria ser de até 20º. No seu estudo inicial, com 50 joelhos normais, o
ângulo medido em extensão foi de 14º com “pequena variação”. Estudos que
apresentam informações de desvio padrão para medida do ângulo Q mostram que
95% do normal, colocam o ângulo Q em extensão na mulher entre 16º e 28º,
muito acima do limite proposto por Insall. A correlação do ângulo Q com sintomas
também é contestada. No trabalho de Insall, apenas 48% dos pacientes com
condromalácia de patela apresentavam ângulo maior que 20º, ou seja, mais da
metade dos pacientes apresentavam ângulo Q normal. Aglietti mostrou que 60%
dos seus pacientes sintomáticos também apresentavam ângulo Q normal.
Fairbanks não encontrou nenhuma diferença no ângulo “Q” entre 310 adolescentes
do sexo masculino e feminino sem dor no joelho e 136 que tiveram dor no joelho
no ano anterior.
Thomee, na avaliação de 40 jovens do sexo feminino com dor fêmoro-patelar e 20
controles assintomáticos não encontrou diferenças significativas no ângulo “Q”.
A conclusão de William Post(17 ) é que a medida do ângulo Q é muito usada na
avaliação do mal alinhamento fêmoro-patelar, mas não tem uma correlação clínica
cientificamente estabelecida. Assim, seu uso no planejamento cirúrgico é
meramente empírico.
A avaliação radiológica da articulação fêmoro-patelar deve ser feita com
radiografias simples e os achados, tais como a inclinação lateral da patela, nunca
devem ser considerados se não tiverem correlação com a clínica. É fato conhecido,
a partir das imagens da ressonância magnética e pelos estudos de Stäubli e
colaboradores( 20 ), que não há congruência entre as superfícies ósseas. A
congruência existe entre as superfícies articulares cartilaginosas.
A definição das patologias da fêmoro-patelar também é confusa. Assim, quando
falamos em luxação de patela, estamos falando de maneira genérica de uma
grande série de patologias. Por exemplo: luxação traumática, luxação recidivante,
subluxação, condromalácia patelar, dor anterior do joelho, mal alinhamento do
aparelho extensor e assim por diante. São patologias que não podem ser agrupadas
em categorias e na minha opinião se confundem com sintomas e sinais de
instabilidade. Isto torna a definição do joelho cirúrgico muito difícil.
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Uma Nova Visão da Articulação Fêmoro-patelar
A dificuldade em abordar a articulação fêmoro-patelar decorre, na minha opinião de
um erro filosófico que é cometido quando nos deparamos com um paciente com
história de instabilidade. Pensamos na patela que “sai do lugar” e procuramos uma
forma de “prende-la” em sua posição. Aí está a sede de todos os problemas
iatrogênicos provocada por inúmeras técnicas de cirurgia existentes e que
confundem o cirurgião na hora de indicar o tratamento cirúrgico.
Se consideramos o joelho como um órgão efetor, ou seja, um órgão cuja função é
transmitir, absorver e redirecionar forças no membro inferior, a nossa abordagem
se torna funcional. Assim, o tratamento das disfunções desta articulação passa a
ter por meta a restauração da função como um todo e não apenas “prender” a
patela na sua posição.
Scott Dye(4,5,6 ) traduz de forma objetiva esta nova maneira de abordar a
articulação fêmoro-patelar: o joelho pode ser comparado a uma transmissão
mecânica biológica cujo propósito é aceitar, redirecionar e dissipar cargas
biomecânicas. A articulação fêmoro-patelar pode ser visualizada como uma grande
superfície de sustentação deslizante, com um sistema de transmissão vivo de auto
manutenção e auto reparação. Os ligamentos podem ser visualizados como um
sistema articulado e sensitivo, os meniscos como superfície sensitiva móvel. Os
músculos, nesta analogia, funcionam como motores celulares vivos, que em
contração concêntrica transmitem forças através do joelho e em contração
excêntrica agem para absorver e dissipar cargas.
A capacidade funcional de uma articulação de aceitar e transmitir forças de
intensidade variada e manter sua homeostasia tecidual pode ser representada por
um “envelope de função” ou “envelope de aceitação de carga”, definido pela
representação gráfica de carga e freqüência do esforço. Se pouca carga é aplicada
na articulação por um período prolongado, pode ocorrer perda da homeostasia
tecidual, manifestada por atrofias musculares e osteopenia por desuso. Esta região
de carga diminuída é chamada de zona de carga sub fisiológica. Se carga
excessiva é aplicada na articulação, acima dos limites aceitáveis, mas insuficiente
para provocar lesão macroestrutural, perda da homeostasia pode ocorrer,
manifestada por dor e disfunção articular. Estas alterações podem ser
documentadas no osso por alterações na cintilografia. Esta região de carga
excessiva é chamada de zona de carga supra fisiológica. Se cargas
suficientemente altas são colocadas na articulação, que ultrapassam os limites
teciduais, teremos as rupturas ligamentares e fraturas e esta área é chamada de
zona de falência estrutural.
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Figura 1 - O Conceito do Envelope de Função
Combinação de carga e freqüência tolerada pelo sistema patelo femoral
A causa mais comum de perda de homeostasia, provocando dor fêmoro-patelar, é
um paciente com alinhamento fêmoro-patelar normal, que suporta cargas que o
colocam na zona de carga supra fisiológica. Pode ser por um evento único (tipo
trauma direto) ou por eventos repetitivos (tipo subir escadas em excesso). Os
tecidos da articulação fêmoro-patelar suportam as cargas mais altas comparada a
todas as outras articulações do corpo humano e freqüentemente funcionam no
limite ou próximo a seus limites biológicos. Assim, estes tecidos são os primeiros no
joelho a serem submetidos a cargas supra fisiológicas, provocando perda da
homeostasia indicada pela sensação de dor. O envelope de função, ou a capacidade
de suportar forças sem dor diminui após um episódio de lesão, fazendo com que
mesmo as atividades de vida diária que anteriormente eram toleradas, se tornem
dolorosas (fora do envelope de função), provocando um prolongamento da duração
dos sintomas. Cargas repetitivas que estejam na zona de carga supra
fisiológica, fora do envelope de função, pela participação em atividades antes
toleradas, subverte o processo de cicatrização normal e é causa de dor fêmoropatelar crônica.
Scott Dye colocou estas idéias na avaliação da dor fêmoro-patelar, que
freqüentemente está associada a mau alinhamento do mecanismo extensor. Nós
estendemos este pensamento na avaliação e tratamento da instabilidade fêmoropatelar. A abordagem de Dye é a explicação para algumas observações como:
porque alguns pacientes com “sinais objetivos” de instabilidade fêmoro-patelar
bilateral apresentam sintomas em apenas 1 dos joelhos; porque uma senhora de
37 anos de idade esteve assintomática até apresentar sua primeira luxação patelar
na 4º década de vida; porque pacientes com história de luxação bilateral ficam
mais satisfeitos com seu joelho não operado a longo prazo?
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São pacientes que em determinado momento de sua vida saíram de seus envelopes
de função e se tornaram sintomáticos. Assim, a restauração da função eliminará os
sintomas. A restauração da eficiência muscular e articular possibilitará um retorno
ao envelope de função. Se neste momento pensarmos apenas em “prender “ a
patela com cirurgia, estaremos dando início a uma história que pode terminar com
grave disfunção articular.
Figura 2 - Restauração do Envelope de Função
Diminuição do envelope de função após trauma e sua restauração
pelo controle da dor e recuperação da eficiência muscular
AVD = Atividade de vida diária
Uma Nova Visão da Articulação Fêmoro-patelar
Os tratamentos conservadores clássicos, representados por programas de
fisioterapia convencional, tem alcance limitado. São muito eficientes na fase de dor
e edema e representam um papel muito importante na nossa abordagem.
Entretanto, com o passar do tempo se tornam repetitivos, desestimulando os
pacientes. Por este motivo, eles abandonam o tratamento, perdem eficiência
funcional e voltam a apresentar sintomas. Estes episódios sintomáticos se repetem
até que o cirurgião proponha um tratamento cirúrgico na tentativa de controlar a
disfunção. Esta é a história clássica da instabilidade fêmoro-patelar.
A observação desta história revela dois aspectos importantes:
1- a melhora da função pode ser alcançada com exercícios. A dificuldade está em
manter os exercícios ao longo da vida;
2- a falta de informação sobre a patologia e a falta de comprometimento do
paciente no seu tratamento.
Partindo da premissa de que a restauração da eficiência muscular coloca o paciente
em seu envelope de função, procuramos uma alternativa que mantivesse a
eficiência muscular e que fosse agradável aos pacientes.
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O grande potencial iatrogênico e a eficiência discutível do tratamento cirúrgico a
longo prazo, aliados às sessões prolongadas e monótonas da fisioterapia
convencional, motivou-nos a procurar uma forma de tratamento alternativo que
permitisse abordar esta patologia sem os riscos da cirurgia, despertando ao mesmo
tempo no paciente, interesse em seu programa de reabilitação. Esta nova
abordagem está atrelada aos conceitos de restauração do envelope de função, onde
se mesclam fases de exercícios de cadeia aberta e de cadeia cinética fechada.
São necessárias algumas explicações sobre conceitos e diferenças entre os
exercícios de cadeias cinética aberta e fechada.
A terminologia "cadeia cinética de movimento" foi originalmente utilizada para
analisar sistemas articulados em engenharia mecânica. Steindler(21) em 1955
observou que quando o pé ou a mão sofrem considerável resistência durante um
exercício, o recrutamento muscular e o movimento articular ocorrem de forma
diferente do que quando os mesmos são executados livremente(26) . Este é o
princípio básico do exercício de cadeia cinética fechada, onde o segmento terminal
ou distal permanece fixo durante todo um movimento, permitindo que as atividades
executadas pelo paciente se aproximem mais daquelas praticadas em sua
atividade esportiva diária de lazer.
Um exercício de cadeia cinética fechada existe quando o segmento terminal ou
distal está fixo, tal como se levantar de uma cadeira ou abaixar-se, subir ou descer
degraus de uma escada, etc. A aplicação destes conceitos permitiu a diversos
autores desenvolver exercícios e técnicas, utilizando a cadeia cinética fechada na
reabilitação do joelho(8,9,13,18,24,25,26) .
A cadeia cinética aberta, por sua vez é caracterizada por exercícios isotônicos e
isométricos com objetivo de trabalhar um determinado grupo muscular, com o
segmento distal livre, como elevar a perna em extensão ou abanar a mão (15,26).Se
for utilizada de forma correta e na fase adequada de tratamento, será de grande
valor para minimizar as alterações impostas ao mecanismo extensor do joelho,
desde que existam discrepâncias nítidas dos grupos antagonistas em termos de
flexibilidade.
Por estudos de cinemática e de biomecânica elaborados por Penna (16), solicitados
para podermos embasar alguns conceitos de equilíbrio muscular, verificamos que,
para que as forças coexistam de forma harmônica, diminuindo inclusive a pressão
da patela em toda a sua excursão sobre o fêmur, durante os vários momentos da
flexo-extensão do joelho, torna-se imprescindível a elasticidade e complacência dos
músculos isquiotibiais
Como demonstraremos mais adiante, o alongamento de grupos musculares, por
vezes relegados a um papel de menor importância, devem ser estimulados e
valorizados, já que são fundamentais para o equilíbrio das forças, durante
movimentos da articulação fêmoro-patelar.
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Os exercícios de cadeia cinética fechada mostram-se bastante eficientes pela
própria natureza de seus movimentos, que admitem movimentos funcionais da
extremidade inferior através da contração excêntrica e concêntrica do quadril,
joelho e tornozelo, além de favorecer o estímulo proprioceptivo normal, a contração
conjunta do quadríceps e ísquiotibiais e a diminuição da translação tibial(23,27) .São
considerados exercícios de cadeia cinética fechada: os realizados em bicicleta, o
"leg press", o "step" e os exercícios de "cadeira imaginária". Estes exercícios são
realizados com os pés fixos, onde o movimento do joelho acompanha-se do
movimento do quadril e tornozelo, como nas atividades comuns de lazer como
andar, correr e saltar(15) .
O tratamento com fisioterapia convencional, através de exercícios de cadeia
cinética aberta, é eficiente a curto prazo. Passada a fase de dor, devemos iniciar os
exercícios de cadeia fechada para não desestimular o paciente. Dificilmente
conseguimos manter o paciente no programa inicial apenas com os exercícios de
cadeia aberta, pois os mesmos são repetitivos e desestimulantes. A utilização de
exercícios de cadeia cinética fechada permite uma solução não cirúrgica e eficiente,
que ao mesmo tempo estimula o paciente a persistir em seu programa de
reabilitação.
Como Selecionar os Pacientes para Tratamento Conservador
Não pretendemos abolir o tratamento cirúrgico na abordagem da instabilidade
fêmoro-patelar. Certamente existem os casos que necessitam tratamento cirúrgico
e serão objeto de discussão em outro capítulo.
Os casos que tem indicação para o tratamento conservador são principalmente os
joelhos descritos por Dandy (3-10): pacientes onde ocorre uma subluxação lateral da
patela em extensão ativa, com redução no momento da flexão quando a patela se
encaixa na tróclea. São as patelas que para chegar à extensão, descrevem um
trajeto simulando a letra “J” invertida.
A luxação nesses pacientes, acontece na flexão quando o esperado encaixe não
ocorre, provocando o deslocamento lateral da patela em flexão. Geralmente a
redução é espontânea, na extensão do joelho. Este é o tipo de luxação mais
freqüentemente encontrado. As características destes joelhos são bilaterais e é
freqüente a presença de luxação recidivante bilateral. Incluem-se aqui aquelas
luxações que não são percebidas pelos pacientes, que relatam apenas um quadro
de falseio do joelho, que simula uma lesão ligamentar. São os casos em que a
patela sai da tróclea e reduz instantaneamente sob comando muscular. Os
pacientes podem apresentar patela alta e sem retração da retinácula lateral. Este é
o tipo mais freqüente de instabilidade fêmoro-patelar . (Figura 3).
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Figura 3 – Luxação tipo Dandy
Figura 3 – Luxação tipo Dandy
As luxações traumáticas sem fraturas osteocondrais, e as chamadas síndrome do
mau alinhamento patelar também tem indicação para este método de tratamento.
Está contra indicado o tratamento conservador nos pacientes com luxação habitual
de patela e pacientes com fraturas osteocondrais. Os casos graves de luxação
recidivante de patela, muito incapacitantes, que apresentam episódios de luxação
muito freqüentes tem indicação relativa, ou seja pode ser tentado, mas pensar na
alternativa cirúrgica.
A aplicação do método que propomos, exige uma participação ativa do paciente. É
necessária uma mudança de atitude na sua vida pessoal, com a pratica de
atividades físicas de forma regular e organizada para que sua função articular
permaneça dentro de seu envelope de função.O programa de tratamento deve ser
individualizado, proporcionando ao paciente achar seu envelope de função e
programa de exercícios que o tornem assintomático. O programa é único para cada
paciente e este deve ser ajudado a achar seu limite de função.
A resposta ao tratamento conservador ocorre ao longo de 6 a 9 meses. É um
programa que evolui na aplicação da carga no joelho e depende de uma resposta
muscular.
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Aplicação do Programa de Tratamento Conservador com
Exercícios de Cadeia Cinética Fechada:
De acordo com a nossa proposta de tratamento conservador que tem por objetivo
restaurar o envelope de função, podemos dividir o processo em 3 fases:
Primeira fase – o paciente está com limitação dolorosa e funcional, ou seja fora
do seu envelope de função . Nesta fase o paciente será orientado para um
programa com uma duração de aproximadamente 3 semanas, onde serão feitos
exclusivamente exercícios isométricos de quadríceps e alongamentos dos músculos
isquiotibiais, visando o reequilíbrio das forças musculares. O controle da dor é
conseguido com a execução dos exercícios, uso de antiinflamatórios não hormonais,
gelo e imobilização provisória em casos muito sintomáticos.
Segunda fase – o paciente já com alívio importante dos sintomas, ou seja sem os
sinais inflamatórios ou dor incapacitante no joelho afetado (alguns referem alívio
dos sintomas de 50a 70%), podem ser considerados dentro do seu envelope de
função. Serão então estimulados a continuarem com os isométricos com carga
progressiva, os alongamentos e também a iniciarem os exercícios básicos de cadeia
cinética fechada.
O programa de cadeia cinética fechada é iniciado com exercícios simples:
Cadeira imaginária:
Exercício isométrico com os joelhos em flexão (figura4)
O paciente é orientado a fazer o exercício, que consiste em manter-se encostado na
parede, com os joelhos fletidos a 90 graus, (como se estivesse sentado numa
cadeira) por um de tempo determinado. Este tempo será fracionado em segundos,
dependendo do grau de força, idade e segurança do paciente. A meta é conseguir
permanecer na posição por 1 minuto.
Quando atingir a meta da permanência na postura, poderá repeti-la 2 ou 3 vezes
ao dia.
Figura 4
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Degrau ("Step"):
Iniciar de frente para o "step" com subida e descida simples usando a perna
afetada para subir : 3 séries de 10 repetições, 2 x por dia, durante 3 dias. Figura 5
De lado para o "step" com subida e descida simples: 3 séries de 10 repetições, 2 x
por dia, durante 3 dias.
De lado para o "step":subida e descida com 1 toque, 3 séries de 10 repetições, 2 x
por dia, durante 3 dias.
De lado para o "step":subida e descida com 2 toques, 3 séries de 10 repetições, 2 x
por dia, durante 3 dias.
De lado para o "step": subida e descida com 3 toques, 3 séries de 10 repetições, 2
x por dia, sempre
Figura 5
Terceira fase – O paciente já está praticamente com seu envelope de função
restaurado e pronto para ser integrado num programa de exercícios na academia
de ginástica, para um ganho mais significativo de massa muscular, sempre
acompanhado por alongamentos e também para iniciar sua atividade esportiva de
preferência. Desvincula-se assim a idéia de tratamento prolongado e cansativo,
pois o ambiente de manutenção é mais estimulante e descontraído. Permite-se, na
medida em que o paciente se sinta seguro, a prática de exercícios nas aulas de
"step", o uso de bicicleta estacionária, máquinas de "stepper" e aparelhos de
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musculação, como o "leg press". Neste estágio recomendamos visitas semestrais
ao ortopedista, que são importantes para a reavaliação funcional da articulação
fêmoro-patelar.
Nos casos que apresentam instabilidade mais sintomática e maior insegurança,
utilizamos órteses patelares funcionais, apenas com a finalidade de orientar a
rótula a seguir seu caminho de forma correta, pela melhora da propriocepção.
Estes aparelhos são usados por 6 a 12 meses e em geral após este período o
próprio paciente descarta sua utilização(19). Figura 6
Figura 4
Discussão
“primum non nocere”
A meta de um tratamento bem sucedido para pacientes com instabilidade fêmoropatelar é a restauração da função do joelho. Na opinião de Scott. Dye, a meta do
tratamento ortopédico deveria maximizar o envelope de função para uma
determinada articulação de maneira tão segura e previsível quanto possível. Esta
abordagem terapêutica enfatiza a restauração da homeostasia tecidual, associada à
resolução dos sintomas dolorosos, alcançando características estruturais ou
biomecânicas que permitam a restauração da função na articulação fêmoro-patelar.
O tratamento conservador, partindo de uma perspectiva de homeostase tecidual, é
um programa de exercícios que não provoca dor e expande o envelope de função.
Assim é fundamentalmente mais seguro do que muitas terapias correntes, que são
baseadas somente na correção de fatores biomecânicos e estruturais, que se pensa
serem responsáveis pelos sintomas. Tais tratamentos orientados para estrutura e
biomecânica podem, e freqüentemente o fazem, resultar em uma piora dos
sintomas fêmoro-patelares. Um exemplo disto deveria incluir os programas de
fisioterapia agressiva, enfatizando o fortalecimento de vasto medial oblíquo para
“corrigir mal alinhamento” pela extensão do joelho contra resistência, que resulta
em aumento da dor anterior do joelho. Tal ênfase baseada em fortalecimento
muscular as custas de aumento de sintomas fêmoro-patelares é inerentemente
ilógico e viola o princípio médico de primum non nocere.
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Em adição a este fato, muitas das técnicas cirúrgicas aceitas para tratamento da
instabilidade fêmoro-patelar, baseadas somente na abordagem estrutural e
biomecânica, também podem resultar em piora dos sintomas. Isto inclui o uso
excessivo de “liberação lateral”, condroplastias agressivas para achados de
condromalácia de patela e realinhamento proximal e distal agressivos. Os piores
casos de disfunção fêmoro-patelar e dor são aqueles com múltiplas cirurgias para
tratamento da patologia fêmoro-patelar.
Nossa experiência na aplicação deste método foi publicada em 1998(14), quando
avaliamos dezessete pacientes do sexo feminino portadores de luxação recidivante
de patela. A idade variou de 12 a 46 anos, com média de 24 anos. Os critérios de
inclusão no estudo foram: 1) episódio bem definido de luxação patelar, sem
trauma maior do que o entorse do joelho, 2) diagnóstico positivo de luxação no
exame físico inicial , 3) ausência de fraturas simultâneas no joelho lesado e 4)
ausência de qualquer tipo de tratamento cirúrgico prévio da luxação. Das 17
pacientes, 11 (65 %) apresentaram o sinal de apreensão positivo.Todas foram
enquadradas no grupo descrito por Dandy(3-10) . A luxação ocorreu bilateralmente
em 6 (35%) pacientes, com episódios distintos para cada joelho. Nenhuma das
pacientes era esportista profissional.
Cirurgia artroscópica foi necessária em 5 (29%) pacientes. Duas para retirada de
corpos livres intra articulares e 3 para condrectomia da rótula.
O tempo médio de seguimento foi de 32 meses, com intervalo que variou de 6 a
58 meses. Definimos um período de 6 meses para a avaliação do programa, porque
este é o prazo mínimo que submetemos os pacientes ao tratamento conservador
antes de discutirmos indicação de tratamento cirúrgico.
Os pacientes só iniciavam o programa com exercícios de cadeira cinética fechada
quando apresentavam-se sem sinais inflamatórios ou dor incapacitante no joelho
afetado. Os pacientes que se encontravam em fase aguda de um episódio de
luxação reduzida, foram tratados inicialmente com antiinflamatórios não hormonais,
termoterapia, muletas com carga parcial e exercícios leves de cadeia cinética
aberta, especialmente os isométricos de quadríceps e os de alongamento dos
músculos flexores do joelho. Após a melhora clínica, que ocorria geralmente dentro
de 3 ou 4 semanas, eram submetidos ao início do tratamento com exercícios de
cadeia cinética fechada.
A avaliação dos resultados foi feita por paciente e não por joelho, pois nosso
interesse foi avaliar a satisfação pessoal obtida com o programa de exercícios. A
dor esteve presente aos esforços em 2 pacientes (12 %), dor eventual em 7
pacientes (41%) e ausente em 8 pacientes (47 %). Das 17 pacientes, 14 não
sofreram recidiva da luxação (82 %), 1 paciente apresentou um episódio (6 %) e 2
apresentaram mais de dois (12%). Quanto ao grau de satisfação com os joelhos,
8 consideraram seus joelhos excelentes (47 %), 8 bons (47 %) e 1 considerou seu
joelho regular (6 %). Duas não praticam exercícios com regularidade (12 %), 5
praticam menos do que 3 vezes por semana (29 %), 6 realizam exercício 3 vezes
por semana (35 %) e 4 mais do que 3 vezes semanais (24 %). Nenhuma das
pacientes aceitaria o tratamento cirúrgico no momento da reavaliação.
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A visão do joelho e da articulação fêmoro-patelar como um órgão efetor, que lida
com a transmissão, modificação e dissipação de forças, que tem um envelope de
função individualizado, permite estabelecer uma meta terapêutica de reabilitação
que promova a expansão do envelope de função de maneira segura, agradável e
duradoura.
Ao estabelecermos um programa de reabilitação, devemos considerar que os
portadores de instabilidade patelofemoral necessitam uma abordagem
individualizada. A utilização de exercícios de cadeia cinética fechada, permite ao
paciente estabelecer um programa de reabilitação mais agradável e estimulante,
que pode ser praticado em casa, academias de ginástica ou locais de lazer. Esta
abordagem terapêutica, considerando o conceito do envelope de função e o
programa de exercícios de cadeia cinética fechada constitui um método de
tratamento seguro e eficiente no controle das instabilidades fêmoro-patelares, que
proporciona ao paciente um alto grau de satisfação e bom nível funcional do
joelho, com pequeno potencial de complicações.
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