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C
Inteligência
Corporativa
Edição 193 | Abril - Maio 2016 | TED Editora | www.rtd.com.br
Dr. Fernando Gomes fala
sobre a Neurociência
como ferramenta para a
Educação Corporativa
Dr. Fernando Gomes Pinto,
neurologista e neurocientista
DESTAQUE
Neurociência ajuda treinamentos
a serem mais efetivos
NOVAS ABORDAGENS
Como lidar com perdas e
frustrações no ambiente corporativo
ISSN 1806-5481
Efetividade cerebral
Neurociência desponta como importante ferramenta para
tornar treinamentos mais efetivos
por
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Vanderlei aBreu
T&D INTELIGÊNCIA CORPORATIVA EDIçãO 193 | 2016
humano, há pouco mais de dez anos ela começou a despontar como uma ferramenta para
tornar as ações educacionais mais efetivas,
simplificadas e práticas.
O ambiente corporativo pode ser entendido
como a soma de comportamentos e regras de
convivência acordadas pelos indivíduos que formam este coletivo. Isto envolve a chamada cultura, assim como a memória coletiva do grupo.
Desta forma, é possível uma larga aplicação para
os conceitos e pressupostos da Neurociência no
estudo antropológico do mundo corporativo.
A Educação Corporativa, descrita de maneira simplista, é a reunião de pessoas que não
conhecem esse ambiente com o objetivo de
ensinar seu funcionamento para elas. Entretanto, isso não leva em consideração quem são as
pessoas, tanto que elas são submetidas a uma
avaliação no final do processo para saber se
aprenderam ou não.
“Quando se pensa em
neuroliderança, que é
liderar com base nestas
informações, deve-se
entender que o mundo
tem ciclos”
Ines Cozzo, consultora especialista na aplicação de
Neurociência à Educação Corporativa
A Neurociência, como o próprio nome diz, é a
ciência dos neurônios. O sistema nervoso envolve desde a morfologia do cérebro, suas áreas e o
processamento das informações, até a conexão
desse sistema com os sentidos, ou seja, como a
pessoa percebe e interage com o ambiente.
Embora ela já venha sendo utilizada há bastante tempo para estudar o comportamento
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A Neurociência vem para transformar esse
ambiente, colocando o indivíduo no centro
desse modelo. Em vez de ensinar algo para
uma pessoa que não está preparada, o gestor
de Educação Corporativa começa a entender
como funciona o cérebro — e isso também
pode ser aplicado ao coletivo, porque existem
aspectos culturais e antropológicos que estão
nesse modelo.
O cérebro se modifica fisicamente a partir das
experiências que ele tem. É a chamada plasticidade cerebral ou neuroplasticidade. Ines Cozzo,
consultora especialista na aplicação de Neurociência à Educação Corporativa, cita um exemplo
de como a plasticidade cerebral funciona. Um
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tipo de pessoa produz mais das 6 às 10 da manhã e das 16 às 20 horas, enquanto que nos
outros períodos é menos produtiva. São os chamados ciclos circadianos (ver a seguir). As pessoas que produzem mais no período vespertino
a noturno são chamadas notívagas.
Todas as pessoas têm ciclos circadianos, o que
vai mudar é a característica dos matutinos, vespertinos e notívagos. A partir do momento que
a curva de Gauss é identificada em termos de ciclo circadiano, a pessoa deve colocar atividades
como reuniões, elaboração de relatórios, criação
de novas ideias nos períodos mais produtivos.
Quando se pensa em neuroliderança, que é
liderar com base nestas informações, deve-se
entender que o mundo tem ciclos. Por exemplo, não se deve marcar pela manhã uma reunião com notívagos. A ideia é, inclusive, trabalhar com equipes entendendo que eventuais
falhas podem ser estruturais e não relativas à
falta de motivação, engajamento, caráter, personalidade, enfim, são fisiológicas, e cabe ao
líder oferecer ou pedir ajuda sem que isso implique em humilhação ou menos valia.
Ela explica que o sistema nervoso como um
todo recebe cerca de 400 milhões de bits de informação por segundo, mas libera para a consciência só 2 mil. Durante um treinamento, é
impossível saber quanto dos 2 mil bits foram absorvidos, como a pessoa interpretou os bits que
foram transmitidos e, ainda, cada pessoa na sala
de aula absorve de forma diferente. Resumindo,
ensinar é impossível, mas aprender é inevitável.
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Na opinião da consultora, o papel do gestor
de Educação Corporativa é construir ambientes
de aprendizagem e não ensinar. É organizar as
circunstâncias de forma que, conhecendo os
princípios de funcionamento do cérebro, funções executivas, memória, consiga criar uma
condição em que a pessoa absorva o que for
de mais importante nestes 2 mil bits.
Na aprendizagem convencional tudo é ensinado just in case, ou seja, caso precise. Na neuroaprendizagem, é dado o conhecimento just
in time, ou seja, o que a pessoa quiser, se ela
quiser, quando quiser, ou seja, na hora certa. A
ideia é construir o conhecimento em redes de
aprendizagem, multiplicando as várias absorções de informação, provocando uma mudança
de comportamento com base na informação de
como funciona cada um e não julgando caráter.
Para Edson Carli, diretor de Treinamento e Desenvolvimento da SBPNL – Sociedade Brasileira
de Programação Neurolinguística, a Neurociência é um divisor de águas na Educação Corporativa. Para ele, é preciso buscar uma aproximação
da ciência pura com a praticidade.
“Na Neurociência o processo de
fixação é muito mais
profundo porque são
criados contexto, dúvidas, importância, de
modo que as pessoas
querem saber o que
aconteceu”
Edson Carli, diretor de Treinamento e
|Desenvolvimento da SBPNL
Ele comenta que nas escolas tradicionais,
existem dois ramos: o conteudista e o construtivista. A Neurociência pode transformar a
Educação Corporativa que hoje é conteudista
em construtivista, respeitando a característica
do indivíduo e moldando o tipo de capacitação de acordo com o padrão mental dele e a
capacidade de processar a informação que está
recebendo.
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Para o executivo, é quase como individualizar
o treinamento. Ele ainda ressalta que quando
os conteudistas conhecerem e dominarem as
regras de funcionamento da estrutura cerebral,
seus limites, a forma de criação dos núcleos de
memória profunda e os mapas de interpretação individual, serão capazes de conceber conteúdos, testes e exercícios milhares de vezes
mais eficientes que os atuais.
O diretor da SBPNL destaca que existe uma
diferença muito grande entre transferir conhecimento e adestrar e há um viés de adestramento em Educação Corporativa e não de
transferência de conhecimento. Para ele, há
uma discrepância entre o volume de horas de
atividades fora da sala de aula versus o tempo
na frente do instrutor. O treinando deveria ficar
oito horas com o instrutor e pelo menos o mesmo tempo desenvolvendo uma atividade dentro da sua área para fixação do que está aprendendo. E nem sempre o que se vê no mercado
corresponde a essa prática.
Hoje se discute muito a propriedade e o domínio do conhecimento. Com a distribuição
do conhecimento permitida pelo acesso às
redes corporativas e comunicação por e-mail,
houve uma migração do volume de conhecimento da empresa para o profissional. O
conhecimento de uma empresa, salvo raras
exceções, é equivalente ao coletivo de conhecimento de seus membros. Isso fez uma
inversão significativa no eixo de poder, tanto
que a rotatividade de pessoal passou a ser
importantíssima. Num momento em que os
custos com pessoas começaram a aumentar
demais, as empresas começaram a redefinir
seus processos, os sistemas de ERP engessaram a organização para que qualquer pessoa
possa executar o processo e o modelo de
adestramento voltou à tona, porque o processo é padronizado, o sistema é engessado
e o indivíduo passa a ser descartável.
Na opinião do diretor da SBPNL, a tecnologia
tem levado à coisificação das pessoas. Ao aplicar
os conceitos de Neurociência, de memória profunda, de mapas mentais, o objetivo é tentar sair
desse modelo de adestrament o e trazer de volta
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a transformação do indivíduo, de modo que a
pessoa sai transformada de um evento de capacitação quando esse programa leva em consideração a morfologia do cérebro do participante, a
forma dele pensar e reagir ao ambiente.
“Com a Neurociência
as pessoas sentem e
praticam o exercício,
fazendo a junção da
teoria com a prática,
tornando o
treinamento vencedor e completo”
Elisabete Figueiredo, diretora de Recursos Humanos
da Ri Happy
Na Neurociência o processo de fixação é muito mais profundo porque são criados contexto,
dúvidas, importância, de modo que as pessoas
querem saber o que aconteceu.
APLICAÇÃO MAIOR NO VAREJO
O setor varejista é o que mais tem acreditado
na aplicação da Neurociência em seus programas de Treinamento e Desenvolvimento. Organizações como Bemol — rede de lojas de bens
duráveis da região Norte e Ri Happy — maior
rede de lojas de brinquedos do País têm apostado na metodologia para o desenvolvimento
de equipes e ajudar a alavancar vendas.
Klaus Raine, chefe de divisão de Seleção e
Treinamento da Bemol, explica que dentro do
levantamento de necessidades de treinamento,
quanto se trata da capacitação do time de vendas, é considerada a importância do efeito de
cascateamento, ou seja, uma liderança que faz
chegar aos profissionais de vendas competências, conhecimentos e habilidades que, se bem
desenvolvidas, geram resultados.
A adoção da Neurociência foi para formar a
liderança no sentido de conseguir trazer ferramentas mais atuais que consigam modelar o
comportamento. Também foi aplicada uma pequena formação para os vendedores para que
eles usem essas ferramentas e convertam melhores resultados na hora de atender um cliente.
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O programa foi iniciado e aplicado durante
todo o ano de 2015, com três encontros com o
grupo de líderes da área comercial; foram realizados workshops e também aplicadas sessões de
mentoria para cadenciar o uso das ferramentas.
A Bemol tem por cultura estratégica o pilar
treinamento, de modo que a introdução da
Neurociência para dentro de uma das frentes
de trabalho do desenvolvimento da liderança
não foi difícil. Essa mudança ocorreu por conta
da necessidade da empresa de aprimorar sua
capacidade de atendimento ao cliente para gerar mais resultados.
Em relação aos resultados, Raine destaca que
foram obtidos alguns avanços desde entender
como trabalhar a performance das pessoas a
partir daquilo que é seu sistema de recompensas, aprender a dar melhores feedbacks, aprender a explorar melhor o potencial das pessoas a
partir dos seus anseios, fazer com que as pessoas se entendam para conseguirem a fomentar mais resultados.
Ele informa que no grupo treinado, foi notada
uma separação das pessoas com perfil um pouco mais audacioso que adotaram as ferramentas de imediato e, naturalmente, os resultados
foram perceptíveis, pois, em vendas, a empresa
tem alguns indicadores que compara o antes e
o depois; e outras mais conservadoras que lem-
Use com parcimônia
Embora especialistas apontem maior efetividade das ações educacionais com a adoção da
Neurociência, é importante conhecer profundamente a metodologia antes de utilizá-la em
programas de treinamento e desenvolvimento.
Para Klaus Raine, chefe de divisão de Seleção e Treinamento da Bemol, primeiramente é
importante não se empolgar. “Qualquer profissional de RH precisa primeiro verificar aonde
está a lacuna dentro da sua estratégia e verificar como a Neurociência pode ajudar. A partir
disso, construir um briefing muito bem feito e o
desenho para que, dentro das inúmeras possi-
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bram do treinamento, das ferramentas e em algum momento quando é necessário as usam,
mas não é possível afirmar que os números de
determinada unidade melhoraram por causa da
Neurociência, mas, também, por causa dela.
No varejo costuma-se fazer muito treinamento de técnicas de vendas principalmente em
função do atual contexto das pessoas terem
perdido um pouco seu poder de compra.
“Como a Bemol tem
por cultura estratégica
o pilar treinamento, a
introdução da
Neurociência para o
desenvolvimento da
liderança não foi difícil”
Klaus Raine, chefe de divisão de Seleção e
Treinamento da Bemol
A Ri Happy é uma empresa que se destaca
em seu setor, embora 2015 tenha sido um ano
difícil. Hoje a empresa acredita nas metodologias de treinamento adotadas, mas, ao mesmo
tempo, entende que as vendas foram menores
que o esperado. Neste quadro, a executiva afirma que há abertura para o chamado “efeito
Tostines”: foi o treinamento que não foi eficaz
bilidades da Neurociência, o profissional que vai
aplicar as ferramentas possa trabalhar dentro
da estratégia do gestor e não o contrário. Porque numa condição como essa, é muito fácil o
gestor se empolgar com tudo isso e abrir mão
da sua estratégia para adotar ferramentas que
muitas vezes não estão adequadas à cultura ou
como a organização pensa”, adverte.
Elisabete Figueiredo, diretora de Recursos
Humanos da Ri Happy, ressalta que o gestor de
RH precisa vivenciar a metodologia. “É extremamente importante ele entender os pontos
fortes e fracos de uma metodologia para que
possa ter segurança na sua adoção”, pontua.
Ela também recomenda obter informações
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ou foi o mercado que regrediu e se não tivesse
sido feito nada poderia ter sido pior?
Na Ri Happy, a metodologia foi adotada na
primeira loja conceito localizada no Shopping
Pátio Paulista, em São Paulo. Elisabete entende
que quando é preciso trabalhar gestão de mudança, a Neurociência é muito adequada.
Ela explica que nas lojas tradicionais há apenas a figura o operador de venda, enquanto
que na loja conceito há os vendedores e os
demonstradores de venda, um conceito novo
trazido da Inglaterra em que o usa o produto
e instiga ainda mais o cliente para a compra. A
Ri Happy não tinha essa experiência no Brasil
e decidiu utilizar a Neurociência para formatar
esse modelo.
Para que os profissionais de loja pudessem absorver da melhor forma os conceitos
da Neurociência, Elisabete explica que teve a
preocupação de explicar o funcionamento do
cérebro, o que acontece durante a execução
de uma atividade, citar os nomes teóricos, de
modo que as pessoas sentem e praticam o
exercício, fazendo a junção da teoria com a
prática, tornando o treinamento vencedor e
completo.
Também foi feito um trabalho de relacionamento entre os dois grupos, pois havia uma
preocupação deles competirem entre si e na
sobre o profissional que vai aplicá-la ou vivenciá-la profundamente caso o gestor de RH seja
o responsável pela implantação, para vendê-la
para a cúpula da organização. “A Neurociência
é um pouco flexível e trabalha de acordo com a
percepção do grupo, como ele pode ser atingido, já que ela pretende potencializar e atingir o
maior número de pessoas possível para chegar
ao resultado esperado”.
A consultora Ines Cozzo indica o desenvolvimento um projeto piloto para avaliar se o especialista dá conta de tudo, quer dizer, entender
o sistema da empresa, o negócio, descrição de
cargo, função, processos da organização, se as
bases que ele traz são fundamentadas. “Ele pode
ter estudado em Harvard e não saber do que está
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realidade eles estão ali para aumentar a venda da loja.
Antes da Ri Happy, onde está há um ano, Elisabete também adotou a metodologia em uma
grande empresa de transmissão e distribuição
de energia e em uma indústria alimentícia.
Na distribuidora de energia, foi feito um programa de Team Building para cinco unidades
de negócios diferentes com média de 100 funcionários cada. Na verdade, o desenvolvimento
de times era o plano de fundo, mas também
foi trabalhada a parte informativa, relativa às
metas da unidade, programas do ano, prioridades, daí a importância de se adotar uma metodologia alinhada para ter um time preparado
para executar a estratégia e também com um
máximo de absorção da informação.
Já na indústria alimentícia, a Neurociência
foi adotada no programa de trainees, pois havia uma preocupação em reter os jovens profissionais, em função da carga de formação e
aculturamento, bem como fazer um trabalho
de agregação de valor sem destruir a cultura da
empresa, principalmente em se tratando de jovens da Geração Y. O trabalho envolveu os trainees e profissionais mais antigos de empresa, redesenhando processos com foco em resultados
e trabalhando a inter-relação com os processos
anteriores sem perder a história da empresa.
falando. Informar não é treinar”, aponta.
Nessa turma piloto é importante ter um universo de pessoas de perfis diferentes, tanto
profissional quanto emocional e psicológico,
inclusive de maturidades diferentes para avaliar
se as pessoas estão prontas para receber esse
conceito e se a pessoa que está apresentando
tem a maleabilidade de se dirigir a cada perfil
de grupo da forma como ele precisa.
E Edson Carli, diretor de Treinamento e Desenvolvimento da SBPNL, afirma que o gestor
ao contratar um programa de Educação Corporativa deve pensar como quem contrata um
pediatra para o filho, pois a adoção da Neurociência implica em um conhecimento profundo
e não é qualquer um que trabalha bem.
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