Moléculas Poliatómicas Enlace de Valência A descrição da ligação química em moléculas poliatómicas através da TOM/CLOA não é trivial, embora existam inúmeros programas que permitem efectuar o cálculo da distribuição espacial e da energia das orbitais de moléculas poliatómicas, bastando para isso fornecer a estrutura tridimensional da molécula. É também possível uma abordagem mais qualitativa, utilizando a Teoria dos Grupos de Simetria. A descrição mais corrente e intuitiva, apesar de menos rigorosa, da ligação em moléculas poliatómicas considera ligações localizadas entre átomos adjacentes, resultantes da partilha de pares de electrões, contribuindo, em geral, cada átomo com um electrão para cada par partilhado. A ideia de que os átomos formam ligações covalentes por partilha de pares de electrões foi sugerida por G. N. Lewis em 1916 (popup: Em 1902, logo após a descoberta do electrão, Gilbert Newton Lewis propôs um modelo em que a ligação química seria assegurada por forças electrostáticas resultantes da transferência de electrões entre os átomos constituintes de uma determinada molécula. Este modelo tratava os electrões como se eles fossem cargas eléctricas em repouso e foi refinado depois de Bohr ter publicado o seu modelo do átomo. No novo modelo, Lewis propunha que as ligações químicas eram estabelecidas por interacção dos electrões de valência dos átomos participantes. Recordando que o electrão fora descoberto menos de 10 anos antes e que apenas em 1913 Bohr esboçara o seu modelo atómico percebemos o arrojo desta proposta.), mas só em 1927, Walter Heitler e Fritz London mostraram como esta partilha estabiliza uma molécula covalente em relação aos átomos constituintes. O modelo de Heitler-London é a base da Teoria do Enlace de Valência (link). Linus Pauling teve um papel importante para o desenvolvimento da teoria com a introdução do conceito de orbitais híbridas. No Enlace de Valência a descrição das moléculas assenta essencialmente na covalência ou «capacidade de ligação» de um dado átomo. Neste modelo, a ligação entre dois átomos é descrita através da coalescência (enlace) de duas orbitais atómicas de valência semipreenchidas (uma de cada átomo), ou ainda através da sobreposição de uma orbital atómica de valência totalmente preenchida com uma vazia tomando, neste caso, a designação de ligação covalente dativa. Um átomo formará tantas ligações quantas as possibilitadas pela sua configuração electrónica de forma a diminuir a sua energia tanto quanto possível. Por exemplo, o carbono, com 4 electrões de valência, fará quatro ligações, o azoto, 5 electrões de valência, estabelece 3 ligações e dispõe de um par de electrões não partilhado que poderá utilizar para estabelecer uma ligação covalente dativa, o oxigénio, que apresenta 6 electrões de valência, estabelecerá 2 ligações ficando com dois pares de electrões não partilhados, que poderá utilizar em duas ligações covalentes dativas. No EV, a molécula de CH4 é explicada pela formação de quatro ligações σ equivalentes do C com cada um dos hidrogénios, resultantes da sobreposição de quatro orbitais híbridas sp3 do carbono com as orbitais 1s de cada um dos átomos de hidrogénio (Fig. 1) Figura 1 – Orbitais atómicas envolvidas na ligação química do metano à luz do EV. Na descrição do metano pela TOM, obtém-se 8 orbitais moleculares de valência (4 do carbono e uma de cada hidrogénio) que se combinam linearmente para formar 8 orbitais moleculares das quais as quatro de mais baixa energia, OM1 a OM4, estão ocupadas - Fig. 2). Na descrição do metano pela TOM, obtém-se 8 orbitais moleculares de valência (4 do carbono e uma de cada hidrogénio) que se combinam linearmente para formar 8 orbitais moleculares das quais as quatro de mais baixa energia, OM1 a OM4, estão ocupadas - Fig. 2 Figura 2 - Diagrama de orbitais moleculares do metano. A orbital ligante OM1 tem menor energia do que as orbitais degeneradas OM2 a OM4. Embora seja igualmente explicada a equivalência energética das quatro ligações C-H, estas não correspondem a 4 orbitais moleculares energética e espacialmente (Fig. 3) equivalentes como sugerido pelo EV. Apesar das diferenças encontradas nas orbitais que resultam dos dois modelos, o EV prevê correctamente a geometria da molécula e a equivalência das 4 ligações. Figura 3 - Orbitais moleculares ocupadas do metano. Clique nos botões indicados para visualizar as quatro orbitais. As aproximações utilizadas no EV não só simplificam como tornam mais intuitiva a representação das moléculas. No entanto, o EV é apenas um modelo da ligação química que falha para átomos pouco electronegativos (como é o caso do silício) ou orbitais com pequena sobreposição (como é o caso de orbitais p em ligações π conjugadas) e nestas condições é necessário retomar o formalismo da TOM para descrever os electrões em causa. Moléculas Poliatómicas Hidretos de um elemento do segundo período Resumo Os hidretos (Em rigor, o termo hidreto aplica-se a compostos em que o hidrogénio está ligado a um átomo menos electronegativo.) do segundo período são compostos constituídos por um elemento do segundo período e hidrogénio. Destes hidretos, o ácido fluorídrico e o hidreto de lítio são espécies diatómicas facilmente descritas pela TOM. Os restantes hidretos são moléculas poliatómicas sendo a sua descrição mais simples e intuitiva através do enlace de valência. Os hidretos do segundo período, BeH2, BH3, CH4, NH3 e H2O apresentam geometrias, respectivamente, linear, triangular plana, tetraédrica, piramidal e angular. Figura 1 – Moléculas de BeH2, BH3, CH4, NH3 e H2O A TOM prevê correctamente estas geometrias, mas tal exige o cálculo das orbitais moleculares. O enlace de valência, recorrendo ao conceito de orbital híbrida, permite explicar as mesmas geometrias duma forma qualitativa e menos rigorosa, mas muito mais simples. Especificamente, a geometria linear da molécula de BeH2 explica-se considerando orbitais híbridas sp no Be, a geometria triangular do BH3 explica-se considerando orbitais híbridas sp2 no B e as geometrias tetraédrica, piramidal e angular das moléculas de CH4, NH3 e H2O explicam-se considerando orbitais sp3 no átomo central. O conceito de orbital híbrida é assim central à descrição de moléculas usando o enlace de valência. Tópico 37 - Hibridação sp: BeH2 2 0 O berílio (configuração electrónica de valência 2s 2p ) tem quatro orbitais de valência e apenas dois electrões para as preencher. Assim, o Be tem capacidade de estabelecer duas ligações covalentes «normais» - e duas ligações covalentes dativas nos casos em que se liga a elementos com orbitais totalmente preenchidas (os pares de electrões não partilhados). A molécula de BeH2 é uma molécula linear em que o berílio estabelece duas ligações equivalentes, uma com cada átomo de hidrogénio. Recorrendo às orbitais atómicas «puras» do berílio, e considerando que na molécula o Be teria 1 1 uma configuração electrónica 2s 2p , seria possível estabelecer uma primeira ligação Be-H utilizando uma orbital 2p semipreenchida do Be. Pelo critério da sobreposição máxima, esta ligação seria direccional. Uma segunda ligação poderia ser estabelecida com a orbital 2s do Be, sendo em princípio adireccional dada a simetria esférica da orbita 2s. No entanto, a repulsão entre os electrões envolvidos nas duas ligações é mínima para um ângulo de 180º entre elas, sendo por isso esta a orientação de menor energia. Considerando o eixo dos xx o eixo internuclear, as orbitais 1s dos dois átomos de H terão então ambos sobreposição (interferência) tanto com a orbital 2s como com a orbital 2px do átomo de Be. As orbitais 2py e 2pz do Be têm coalescência (sobreposição) nula com as restantes permanecendo com carácter atómico (não ligantes). As 4 orbitais moleculares resultantes serão combinações lineares das orbitais 1s dos dois átomos de hidrogénio e das orbitais 2s e 2px do berílio, como indicado na Equação1. Os 4 electrões de valência do BeH2 ocupam as duas orbitais moleculares de menor energia. ψi= ci1 φ2s (Be) + ci2 φ2px (Be) + ci3 φ1s H(1) + ci4 φ1sH(2) (eq.1) Na aproximação do enlace de valência, em que não se considera a formação de orbitais moleculares mas sim o enlace de orbitais atómicas, dá-se conta da mistura s-p que ocorre na molécula «misturando» as orbitais 2px e 2s do berílio. De facto, os dois primeiros termos da Eq. 1 são combinações lineares das orbitais 2s e 2px do Be e o conceito de hibridação é assim simplesmente uma operação matemática que combina as orbitais atómicas do átomo isolado de forma a que as orbitais resultantes sejam consistentes com a interferência de mais do que duas orbitais. As orbitais «híbridas» sp têm a distribuição espacial representada na Fig.1. Figura 1- Combinação linear das orbitais 2s e 2px na hibridação sp. Dadas as simetrias das orbitais, a interferência das orbitais 2s e 2px será construtiva num dos «lados» do átomo, o semi-eixo positivo dos XX quando se considera a combinação em que ci1 e ci2 são ambos positivos (2s + 2px), e destrutiva no semi-eixo negativo. Na combinação em que ci1 = - ci2 ( 2s-2px), obter-se-à exactamente o oposto, interferência destrutiva no semi-eixo positivo e construtiva no semi-eixo negativo. Assim, enquanto uma orbital p apresenta dois lóbulos iguais de ambos os «lados» do átomo, uma orbital sp apresenta o máximo de densidade electrónica apenas num dos «lados» com um pequeno lóbulo arredondado no semieixo oposto. Da distribuição espacial das orbitais é também evidente que cada orbital 2sp tem sobreposição máxima com a orbital 1s de um dos átomos de hidrogénio. Da geometria das orbitais é expectável que um átomo central que apresente hibridação sp apresente igualmente uma geometria local linear (ou seja, espera-se que as ligações que estabelece façam entre si ângulos de 180º). As duas orbitais híbridas sp são equivalentes quer em termos energéticos quer de «composição»: as duas orbitais são degeneradas, com energia intermédia entre a energias das duas orbitais atómicas que lhe deram origem, e apresentam 50% de carácter s e 50% de carácter p. As duas orbitais p que não entraram na hibridação permanecem «puras» e estão 1 1 0 0 vazias no berílio que apresenta assim uma configuração electrónica: [He] 2sp 2sp 2pz 2py . O BeH2 é então descrito como apresentando duas ligações σ (localizadas) resultantes da sobreposição ou enlace topo a topo das orbitais 1s do hidrogénio com as orbitais híbridas sp do berílio. Figura 2- Orbitais atómicas envolvidas na ligação química no BeH2 . Note-se que esta descrição simples tem limitações, e que dela resultam previsões em claro contraste com as derivadas da TOM. Por exemplo, a representação da Fig. 2 sugere que as duas orbitais σ são degeneradas e com contornos de isoprobabilidade simétricos em relação ao eixo dos xx. De facto, as orbitais σ têm energias diferentes e os respectivos contornos de isoprobabilidade não são simétricos (Fig. 3) mas as ligações formadas são equivalentes em termos de distâncias internucleares e em termos energéticos como previsto pelo modelo do EV. Assim, desde que as suas limitações sejam tidas em conta, o Enlace de Valência tem a enorme vantagem da sua simplicidade, em particular na descrição de moléculas grandes. Figura 3 - Diagrama de energia das orbitais moleculares e contornos de isoprobabilidade orbital da molécula de BeH2. Dada a sua estrutura electrónica, o hidreto de berílio forma facilmente polímeros com dois hidrogénios em ponte entre os átomos de berílio (Fig 4). Figura 4 - Estrutura de um polímero de BeH2. Hibridação sp2: BH3 2 2 1 O boro (1s 2s 2p ) tem quatro orbitais de valência e apenas três electrões para as preencher. Assim, tem capacidade de estabelecer três ligações covalentes «normais» - e uma ligação covalente dativa nos casos em que se liga a elementos com orbitais totalmente preenchidas (os pares de electrões não partilhados). A molécula de BH3 é uma molécula que apresenta geometria triangular plana em que o boro estabelece três ligações equivalentes com os átomos de hidrogénio. Na descrição pela teoria de orbitais moleculares do BH3, obtém-se sete orbitais moleculares de valência por combinação linear das (4+3) orbitais atómicas de valência dos átomos constituintes. Considerando o plano da molécula o plano XY, o critério da sobreposição espacial indica que não é possível combinar a orbital 2pz do B com as orbitais 1s do hidrogénio uma vez que a sua sobreposição é nula. Assim, a orbital de simetria π OM4 do BH3 é uma orbital não ligante, que corresponde à orbital atómica 2pz do B, e as restantes seis orbitais moleculares, de simetria σ, são obtidas por combinação linear das orbitais 2s, 2px e 2py do boro com as orbitais 1s dos hidrogénios como indicado na equação 1. As três orbitais de menor energia estão ocupadas pelos seis electrões de valência da molécula. ψi= ci1 φ2s (B) + ci2 φ2px (B) + ci3 φ2py (B) + ci4 φ1s H(1) + ci5 φ1sH(2) + ci6 φ1sH(3) (.1) A mistura s-p nas OM do BH3 traduz-se, na linguagem do enlace de valência, na hibridação sp2 atribuída ao boro. As orbitais híbridas de valência do boro que descrevem a ligação neste composto são obtidas misturando duas orbitais 2p com a orbital 2s como indicado na Fig. 1. Figura 1- Combinação linear das orbitais 2s, 2px e 2py na hibridação sp2. As três orbitais híbridas sp2 são equivalentes quer em termos energéticos quer de «composição»: as orbitais são degeneradas, com energia Esp2= 1/3 Eφ2s +2/3 Eφ2p e apresentam 33,(3)% de carácter s e 66,(6)% de carácter p. A orbital p que não entrou na hibridação permanece «pura» e está vazia no boro que apresenta assim uma hibridação sp2 no 1 1 1 0 BH3 e uma configuração electrónica: [He] 2sp2 2sp2 2sp2 2pz . A geometria das orbitais sp2 indica que há sobreposição máxima de cada orbital híbrida com apenas a orbital 1s de um dos hidrogénios. BH3 é então descrito como apresentando três ligações σ resultantes da sobreposição ou enlace topo a topo das orbitais 1s do hidrogénio com as orbitais híbridas sp2. Figura 2 - Orbitais atómicas envolvidas na ligação química na molécula de BH3. Mais uma vez, verifica-se que a aplicação do modelo do enlace de valência na descrição de uma molécula tem limitações, aparentes quando se compara a Fig. 2 que sugere que as três orbitais σ são degeneradas e com contornos de isoprobabilidade simétricos em relação ao plano XY, com o que se obtém com a TOM. Na realidade, apenas duas orbitais σ ligantes são degeneradas e os respectivos contornos de isoprobabilidade não são simétricos (Fig. 3) mas as ligações formadas são equivalentes em termos de distâncias internucleares e em termos energéticos como previsto pelo modelo do EV. Figura 3 - Diagrama de energia das orbitais moleculares e contornos de isoprobabilidade orbital da molécula de BH3 A orbital pz vazia torna o BH3 muito reactivo (é um ácido de Lewis muito forte) e na fase gasosa esta molécula existe na forma de dímero, com dois hidrogénios em ponte entre os átomos de boro (Fig 4). Figura 4 - Estrutura do diborano, o dímero do BH3. Hibridação sp3: CH4 2 2 O carbono (configuração electrónica 2s 2p ) tem quatro orbitais de valência e quatro electrões para as preencher. Assim, tem capacidade para formar quatro ligações. A molécula de CH4 é uma molécula que apresenta geometria tetraédrica e em que o carbono estabelece quatro ligações equivalentes com os átomos de hidrogénio. Recorrendo á Teoria de Orbitais Moleculares para descrever esta molécula, tem-se oito orbitais moleculares, quatro orbitais ligantes ocupadas e quatro orbitais antiligantes vazias, obtidas por combinação linear de todas as orbitais de valência dos átomos constituintes como indicado na equação 1: ψi= ci1 φ2s (C) + ci2 φ2px (C) + ci3 φ2py (C) + ci4 φ2pz (C) +ci5 φ1s (H1) + ci6 φ1s(H2) + ci7 φ1s(H3) + ci8 φ1s(H4) (eq.1) As orbitais híbridas de valência do carbono que descrevem a ligação neste composto correspondem aos quatro primeiros termos da Equação 1, isto é, são obtidas misturando as três orbitais 2p com a orbital 2s como indicado na Fig. 1: Figura 1- Combinação linear das orbitais 2s e 2p na hibridação sp3. As quatro orbitais híbridas sp3 são equivalentes quer em termos energéticos quer de «composição»: as orbitais são degeneradas, com energia Esp3= 1/4 Eφ2s +3/4 Eφ2p e apresentam 25% de carácter s e 75% de carácter p. O carbono no metano tem assim assim 1 1 1 1 uma configuração electrónica: [He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 . As orbitais híbridas sp3 dirigem-se segundo os ângulos de um tetraedro e apresentam sobreposição máxima com a orbital 1s de cada um dos hidrogénios. O metano é descrito como apresentando quatro ligações σ (localizadas) resultantes da sobreposição ou enlace topo a topo das orbitais 1s do hidrogénio com as orbitais híbridas sp3 do carbono. Figura 2 - Orbitais atómicas envolvidas na ligação química na molécula de CH4- Tal como nos restantes hidretos do 2º período, verifica-se que a aplicação do modelo enlace de valência na descrição de uma molécula tem limitações. Estas limitações são mais evidentes quando se compara a descrição da Fig. 2, que sugere que as três orbitais σ são degeneradas e com contornos de isoprobabilidade simétricos em relação ao plano XY, com o que se obtém na TOM. Na realidade, as orbitais σ não apresentam todas a mesma energia e os respectivos contornos de isoprobabilidade não são simétricos (Fig. 3). Figura 3 - Diagrama de energia das orbitais moleculares e contornos de isoprobabilidade orbital da molécula de CH4. Hibridação sp3: NH3 A amónia e a água, NH3 e H2O, respectivamente, são os exemplos mais simples de moléculas poliatómicas em que o átomo central apresenta pares de electrões não partilhados e hibridação sp3. Quando isso acontece, a estrutura tridimensional da molécula é diferente da encontrada para o metano embora a geometria das orbitais permaneça tetraédrica . 2 3 O azoto (configuração electrónica 2s 2p ) tem quatro orbitais de valência e cinco electrões para as preencher. Assim, uma das orbitais do azoto está ocupada com um par de electrões não partilhado (que pode ser utilizado numa ligação covalente dativa) e estabelece três ligações covalentes. A molécula de NH3 é uma molécula que apresenta geometria piramidal e em que o azoto estabelece três ligações equivalentes com os átomos de hidrogénio. Recorrendo à TOM para descrever esta molécula obtém-se 7 orbitais moleculares, resultantes da combinação linear de todas as orbitais atómicas dos átomos constituintes A descrição da molécula de NH3 pelo enlace de valência considera portanto o azoto com hibridação sp3 e com configuração electrónica: 2 1 1 [He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 1 As três orbitais híbridas sp3 semipreenchidas são combinadas com as orbitais 1s de cada um dos três hidrogénios, daí resultando três ligações σ (localizadas), e a orbital sp3 preenchida corresponde a um par de electrões não partilhado. Figura 1 -Orbitais atómicas envolvidas na ligação química na molécula de NH3. De notar que as ligações N-H fazem entre si ângulos de 107.8º, isto é, na amónia os ângulos de ligação são ligeiramente inferiores aos ângulos de uma geometria tetraédrica perfeita (109.5º), devido à maior repulsão do par isolado. As ligações N-H são ligações polarizadas e na amónia, contrariamente ao que acontece no BH3, a soma vectorial dos momentos dipolares µN-H não é nula (Fig. 2). Além disso, a orbital sp3 do par isolado não tem centro de simetria, tendo portanto um dipolo associado µpar dirigido do N para o par de electrões e coincidente com a resultante dos 3 momentos dipolares µN-H. Consequentemente, a amónia é uma molécula polar (µ = 1.42 D). Figura 2 -Momento dipolar e superfície de densidade electrónica para a molécula de NH3. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Hibridação sp3: H2O 2 4 No oxigénio (configuração electrónica 2s 2p ), duas das quatro orbitais de valência estão ocupadas com pares de electrões não partilhados (que podem participar em ligações covalente dativas) e as duas restantes estabelecem ligações covalentes «normais». A molécula de H2O é uma molécula que apresenta geometria angular e em que o oxigénio estabelece duas ligações equivalentes com os átomos de hidrogénio. Recorrendo à Teoria de Orbitais Moleculares para descrever esta molécula obtêm-se orbitais moleculares obtidas por combinação linear de todas as orbitais atómicas dos átomos constituintes, isto é, tal como o carbono no metano e o azoto na amónia, na água o oxigénio apresenta hibridação sp3 e uma 2 2 1 1 configuração electrónica: [He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 . Duas das orbitais híbridas sp3 correspondem assim a dois pares de electrões não partilhados e apresentam sobreposição máxima com a orbital 1s de cada um dos hidrogénios. A água é descrita pelo enlace de valência como apresentando dois pares de electrões não partilhado e duas ligações σ (localizadas) resultantes da sobreposição ou enlace topo a topo das orbitais 1s do hidrogénio com as orbitais híbridas sp3 do oxigénio. Figura 1 - Orbitais atómicas envolvidas na ligação química na molécula de H2O. A ângulo de ligação H-O-H na água é de 104.5º. A água é uma molécula polar com momento dipolar µ= 1.85D que corresponde a 2 x µO-H x cos (104.5/2). Na molécula de água o centro de cargas negativas está localizado no átomo de oxigénio e o centro de cargas positivas localiza-se entre os hidrogénios (Fig. 2). Figura 2 - Momento dipolar e superfície de densidade electrónica para a molécula de água. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Para comparação, na Fig 3 representa-se a descrição da água pela TOM. Na molécula de água as 6 orbitais de valência (4 do oxigénio e uma de cada hidrogénio) combinam-se linearmente para formar 6 orbitais moleculares das quais as quatro de mais baixa energia, OM1 a OM4, estão ocupadas. Mais uma vez, apesar das diferenças encontradas nas orbitais que resultam dos dois modelos, o EV prevê correctamente a geometria da molécula e a equivalência das 2 ligações O-H. Figura 3 - Orbitais moleculares ocupadas na água. Teoria da Repulsão dos Pares Electrónicos de Valência Uma das questões mais importantes na descrição de moléculas tem a ver com a sua estrutura tridimensional. Hoje em dia é possível utilizar a TOM para prever geometrias moleculares procurando a disposição espacial dos átomos constituintes que confere ao conjunto a menor energia, isto é, procurando a geometria que, simultaneamente, maximiza as interacções atractivas e minimiza as repulsivas (link TOM). Na maioria dos livros de texto, encontra-se descrições estáticas e bidimensionais das moléculas. Na realidade, as moléculas são entidades tridimensionais com geometrias que se podem tornar muito complexas à medida que o número de átomos aumenta. Apenas as moléculas mais pequenas, como os hidretos dos elementos do segundo período em que um átomo central se liga a hidrogénios, apresentam uma geometria bem definida. Em moléculas de maiores dimensões, uma vez que há rotação livre em torno de ligações σ, uma mesma espécie química molecular apresenta várias geometrias ou conformações. No entanto, a geometria local de um determinado átomo central (os ângulos entre as ligações que estabelece) não se altera nestas várias conformações. A descrição dos hidretos dos elementos do segundo período sugere que é possível prever a geometria local dos átomos constituintes de moléculas poliatómicas, embora de uma forma qualitativa, considerando apenas a minimização das interacções repulsivas interelectrónicas. Nesta abordagem, o arranjo espacial de menor energia dos electrões de valência em torno de um átomo corresponde àquele em que as repulsões entre electrões são minimizadas, isto é, assume-se que um determinado átomo disporá os pares de electrões de valência que o rodeiam, quer os partilhados em ligações (simples, duplas ou triplas) quer os pares de electrões não partilhados, de forma a minimizar as repulsões entre eles (Teoria da Repulsão dos Pares Electrónicos de Valência, TRPEV). Da aplicação deste modelo, resultam cinco geometrias - linear, triangular plana, tetraédrica, bipirâmide trigonal e octaédrica - consoante existam, respectivamente, 2, 3, 4, 5 ou 6 grupos de pares de electrões em volta de um átomo central: • Dois pares de electrões na camada de valência dispõem-se num arranjo linear • Três pares de electrões na camada de valência dispõem-se num arranjo triangular plano • Quatro pares de electrões na camada de valência dispõem-se num arranjo tetraédrico • Cinco pares de electrões na camada de valência dispõem-se num arranjo bipiramidal trigonal • Seis pares de electrões na camada de valência dispõem-se num arranjo octaédrico Na Fig. 1 as geometrias electrónicas dizem respeito a todos os pares de electrões, partilhados ou não, que rodeiam um átomo. As geometrias moleculares correspondentes dizem apenas respeito às posições dos átomos, ou seja, ignoram os pares de electrões não partilhados. Figura 1 – Geometrias electrónicas e nucleares mais frequentes. A representa o átomo central, X refere os átomos a que A se liga e E indica o número de pares de electrões não partilhados. Consideram-se apenas as geometrias em que A aceita um máximo de 4 pares de electrões. Ligeiras distorções das geometrias ideais são explicadas pelo facto de os pares de electrões não partilhados poderem ter densidades electrónicas diferentes. Por exemplo, os pares de electrões do metano, CH4, amónia, NH3, e água, H2O, em que os átomos centrais, C, N e O, são rodeados, respectivamente, de 4 zonas com electrões, apresentam geometrias electrónicas tetraédricas mas os ângulos de ligação na água e na amónia são ligeiramente inferiores a 109,5º. De igual forma, as ligações múltiplas distorcem a geometria afastando os pares de electrões que estabelecem as ligações simples, como acontece nas moléculas HNO ou CH2O. No entanto, embora a TRPEV permita prever a geometria local em torno dos átomos de uma determinada molécula muitas vezes falha, não só em termos de pormenores mas igualmente quando passamos para elementos do 3º período ou superiores, o que não é de espantar uma vez que considera apenas a minimização das repulsões interelectrónicas como o parâmetro único na determinação da geometria das moléculas ignorando todos os outros factores que determinam uma ligação química. Polaridade O momento dipolar µ de uma molécula poliatómica pode ser encarado como a soma vectorial dos momentos dipolares associados às ligações polares e aos pares de electrões não partilhados, sendo assim determinado pela geometria da molécula. A molécula de tetracloreto de carbono, CCl4, tem quatro ligações C-Cl polares mas é apolar (µ=0) uma vez que a soma dos momentos dipolares é nula (Fig. 1). Figura 1 - A resultante dos momentos dipolares associados às 4 ligações C-Cl, µC-Cl, é igual a zero uma vez que projectando três vectores segundo a direcção do quarto obtemos um vector com o mesmo módulo mas sentido oposto: 3 x µC-Cl x cos (180-109,5) = 3 x µC-Cl x 0.333(3) = µC-Cl. De igual forma, no trifluoreto de boro, BF3, os momentos dipolares associados às ligações B-F anulam-se: Figura 2 - A resultante dos momentos dipolares associados às 3 ligações B-F, µB-F, é igual a zero uma vez que projectando dois vectores segundo a direcção do terceiro obtemos um vector com o mesmo módulo mas sentido oposto: 2 x µB-F x cos (120º/2) = 2 x µC-Cl x 0.5 = µB-FA tabela 1 mostra os momentos dipolares parciais e globais de algumas moléculas. São igualmente representadas superfícies de densidade electrónica para essas moléculas com uma notação de cores em que o vermelho indica zonas de elevada densidade electrónica (cargas negativas) e o azul indica zonas de baixa densidade electrónica (cargas positivas). Tabela 1- Momentos dipolares parciais e globais do CH3Cl, CH2Cl2,CHCl3, CCl4, NH3 e CH2O. Superfícies de densidade electrónica destas moléculas em que as zonas a vermelho indicam elevada densidade electrónica e a azul baixa densidade electrónica. Alcanos Os alcanos, parafinas (do latim parum = pequena + affinis = afinidadade) ou hidrocarbonetos saturados são compostos de de fórmula geral CnH(2n+2), em que os átomos de carbono estabelecem apenas ligações σ. Assim, os átomos de carbono estabelecem 4 ligações σ, sendo a repulsão dos 4 pares de electrões partilhados minimizada pela geometria tetraédrica pelo que apresentam hibridação sp3 ([He] 2sp312sp312sp312sp31). Os alcanos de cadeia aberta, designados alcanos alifáticos (do grego aleifatos = gordura), podem ser considerados derivados do alcano de menor dimensão, o metano, em que um dos hidrogénios foi substituído por um grupo -R, como representado na Fig. 1. O etano, CH3CH3, pode ser considerado assim como um metano substituído com um grupo metilo ( -CH3). Figura 1 - a) Alcanos como derivados do metano. b) Ligação química no radical metilo Prosseguindo a substituição de átomos de H por grupos CH3, obtém-se sucessivamente as moléculas de propano CH3CH2CH3, n-butano, CH3CH2CH2CH3, etc. (Fig. 2). Figura 2 - Geometria tetraédrica local em torno dos átomos de carbono no etano, propano e n-butano. Os hidrocarbonetos podem apresentar um momento dipolar muito pequeno, por exemplo no caso em que há distorção da geometria tetraédrica local e os momentos dipolares das ligações C-H não se anulam, mas são na sua maioria moléculas apolares em que a distribuição média da densidade electrónica é simétrica (Fig. 3). Figura 3 - Superfície de densidade electrónica para o etano, CH3CH3, e ciclohexano, C6CH12 . De notar a distribuição electrónica simétrica em ambas as moléculas e a ausência de zonas de alta ou baixa densidade electrónica, vermelho e azul intenso, respectivamente. Nomenclatura de Alcanos A nomenclatura sistemática de alcanos (como a nomenclatura de todos os compostos) é estabelecida pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) e consiste num prefixo que indica o número de átomos de carbono na cadeia e na terminação -ano. Na tabela seguinte são indicados esses prefixos,o nome correspondente e a respectiva fórmula de estrutura. Tabela 1 - Nomenclatura sistemática de alcanos. n Prefixo Nome Fórmula molecular Estrutura 1 Met Metano CH4 2 Et Etano C2H6 3 Prop Propano C3H8 4 But Butano C4H10 5 Pent Pentano C5H12 6 Hex Hexano C6H14 7 Hept Heptano C7H16 8 Oct Octano C8H18 9 Non Nonano C9H20 10 Dec Decano C10H22 11 Undec Undecano C11H24 12 Dodec Dodecano C12H26 13 Tridec Tridecano C13H28 14 Tetradec Tetradecano C14H30 20 Icos Icosano C20H42 21 Henicos Henicosano C21H44 22 Docos Docosano C22H46 23 Tricos Tricosano C23H48 24 Tetricos Tetricosano C24H50 30 Triacont Triacontano C30H62 40 Tetracont Tetracontano C40H82 Para alcanos com mais de três átomos de carbono podem existir ramificações e, assim, para uma mesma fórmula de estrutura existem vários compostos diferentes, designados isómeros estruturais. O número de isómeros estruturais aumenta muito rapidamente com o número de átomos. Na Tabela 2 é indicado o número de isómeros dos alcanos até ao pentadecano. Tabela 2 - Número de isómeros em função do tamanho da cadeia até C15. n Isómeros 4 2 5 3 6 5 7 9 8 18 9 35 10 75 12 355 15 4347 Os compostos de cadeia linear são designados n-alcanos e a sua estrutura genérica é representada na Fig. 1. Figura 1 - Representação genérica de alcanos lineares. Nos alcanos ramificados, distinguem-se a cadeia principal, a cadeia que contém maior número de átomos de carbono, e cadeias laterais, os grupos de átomos que constituem as ramificações. As cadeias laterais denominam-se radicais alquilo ou grupos alquilo e são simbolizados por R. Os nomes dos radicais alquilo obtêm-se a partir do alcano respectivo, substituindo a terminação ano por ilo. Por exemplo o grupo -CH3 designase metilo, o grupo -CH2CH3 é o grupo etilo, -CH2CH2CH3 propilo, CH2CH2CH2CH2CH3 pentilo, etc.. As regras de nomenclatura para alcanos ramificados indicam que o nome do alcano é definido pelo número de átomos de carbono na cadeia principal, citado em último lugar e antecedido do nome das cadeias laterais, precedidas do número do átomo de carbono da cadeia principal a que se encontram ligadas, por exemplo 2-metilpentano. Assim, para dar nome a um destes compostos primeiro escolhe-se a cadeia principal. Cada átomo de carbono da cadeia principal é numerado em sequência, começando pela extremidade que originará a menor soma para os índices dos átomos de carbono substituídos. Os nomes dos radicais simples dispõe-se por ordem alfabética e são separados por traços, por exemplo, 2-etil-3-metilheptano. Prefixos multiplicativos (di, tri, et.) são acrescentados quando necessário mas não afectam a ordem alfabética, por exemplo 2,3-dietil-3-metilheptano. No caso de a molécula incluir radicais complexos (ou ramificados), a letra que se considera para a ordem alfabética é a primeira do nome completo, incluindo os prefixos multiplicativos e o nome do radical é incluído dentro de parênteses, por exemplo 2-(1,2-dimetilhexil)-5-etiltricosano. Na Fig. 2 estas regras são exemplificadas para a molécula (CH3)3CCH2CH(CH3)CH3. Figura 2 - Nomenclatura de alcanos. No composto representado escolhe-se como cadeia principal a cadeia identificada a vermelho. A numeração a vermelho corresponde à menor soma dos índices dos carbonos substituídos. Este composto é assim o 2,2,4-trimetilpentano. Existem ainda alcanos de cadeia fechada de fórmula geral CnH2n. O nome do alcano cíclico é igual ao do alcano de cadeia aberta com o mesmo número de átomos de carbono antecedido pelo prefixo «ciclo», por exemplo ciclohexano. Os átomos de carbono são também numerados sequencialmente. Quando só um átomo de hidrogénio é substituído por um grupo alquilo, não é necessário indicar a sua posição, como, por exemplo, no metilciclohexano (Fig. 3). Figura 3 - Nomenclatura de cicloalcanos. Alcenos Os alcenos são hidrocarbonetos insaturados, isto é, são compostos de carbono e de hidrogénio que apresentam pelo menos uma ligação dupla -C = C-. Os alcenos diferem assim dos alcanos pela presença de uma insaturação, a ligação π, que constitui a característica distintiva dos alcenos. O alceno mais simples, o eteno ou etileno, de fórmula molecular C2H4, é um gás incolor e insolúvel na água. O eteno dá origem a líquidos oleosos por reacção com cloro ou bromo e foi por isso chamado de gás "oléfiant" (gás gerador de óleo), o que deu origem à designação «olefinas» que se utiliza para todos os alcenos. No eteno, CH2CH2, cada átomo de carbono vai ficar rodeado por dois átomos de hidrogénio e um átomo de carbono. A melhor maneira de afastar ao máximo estas três zonas com electrões é usar nas ligações orbitais sp2. A configuração electrónica dos carbonos do eteno é assim [He] 2sp212sp21sp212pz1. As orbitais híbridas são utilizadas no estabelecimento de três ligações σ obtidas por coalescência frontal com as orbitais 1s dos hidrogénios e uma orbital sp2 do outro átomo de carbono. As duas orbitais 2pz, uma de cada C, são paralelas entre si e coalescem lateralmente formando uma ligação π. A molécula de eteno, representada na Fig. 1, é assim uma molécula planar em que os ângulos de ligação são inferiores a 120° porque a repulsão exercida pelos quatro electrões que ligam os dois átomos de C sobre os electrões das ligações C-H é, maior do que a repulsão entre duas ligações C-H. Figura 1 – Ligação química no eteno, CH2CH2 No propeno (C3H6), dois dos átomos de carbono apresentam hibridação sp2 e estabelecem ligações fazendo entre si ângulos de aproximadamente 120º enquanto o terceiro átomo de carbono apresenta uma hibridação sp3 e uma geometria local tetraédrica, como se esquematiza na Fig. 2. Figura 2 - Geometria molecular e ligação química no propeno, CH2CHCH3. Os alcenos são apolares ou muito pouco polares, apresentando normalmente uma distribuição simétrica de densidade electrónica (Fig. 3). Figura 3 – Superfície de densidade electrónica para o eteno, CH2CH2, evidenciando a distribuição electrónica simétrica na molécula. Nomenclatura de alcenos A fórmula geral dos alcenos que só contêm uma ligação dupla é CnH2n, isto é, em relação aos alcanos CnH2n+2 cada insaturação implica menos dois hidrogénios na fórmula geral. As regras de nomenclatura de alcenos são idênticas às apresentadas para os alcanos, mas a sequência de átomos escolhida como cadeia principal tem de incluir os carbonos sp2 envolvidos na ou nas ligações duplas. O nome do composto é formado pelo prefixo indicativo do número de átomos de carbono da cadeia principal, acrescido da terminação eno. Os átomos de carbono são numerados sequencialmente de forma a que os carbonos sp2 tenham o índice mais baixo possível. A posição do primeiro átomo da ligação dupla é indicada antes do nome do alceno e separada dele por um hífen. Há rotação livre em torno das ligações σ mas o mesmo não acontece em relação a ligações π: a rotação em torno de uma ligação dupla corresponderia a partir a ligação π, Fig. 1). Surgem assim isómeros geométricos sempre que sejam diferentes os grupos ligados aos dois átomos de carbono envolvidos na ligação π. Figura 1 – Quebra da ligação π num alceno por rotação em torno da ligação dupla. O alceno monoinsaturado com quatro átomos de carbono, o buteno, exibe vários isómeros indicados na Fig. 3. Para além de diferentes posições da ligação dupla que dão origem aos compostos 1-buteno e 2-buteno, este último permite ainda ilustrar a isomeria geométrica. Estes isómeros são moléculas que apresentam a mesma fórmula de estrutura e em que a ligação química é a mesma mas os átomos têm uma localização espacial diferente. Para alcenos simples, em que há apenas um grupo substituinte em cada carbono, os dois isómeros distinguem-se consoante estes dois grupos estão do mesmo lado, isómero cis, ou em lados opostos da ligação dupla, isómero trans. Para moléculas mais complexas, em que há dois radicais alquilo ligados a um ou a ambos os (http://goldbook.iupac.org/C00772.html) Figura 2 – Isomeria no buteno, C4H8 No caso de existir mais do que uma ligação dupla na cadeia, as posições dos átomos são indicadas pelos respectivos números, separados por vírgulas. O nome do hidrocarboneto deverá ainda indicar se se trata de um dieno, caso existam duas duplas ligações, de um trieno, se existirem três duplas ligações, um tetraeno, etc., como indicado na Fig 4. Figura 4- Estrutura e ligação no 1,4-pentadieno e 2-propil-1,4-pentadieno. Num alceno que apresente mais do que uma ligação dupla, estas podem ser isoladas, acumuladas ou conjugadas (Tabela 1). As ligações duplas dizem-se isoladas quando há duas ou mais ligações simples entre as cadeias e são acumuladas quando consecutivas. Os compostos que apresentam ligações duplas alternadas são designados polienos conjugados. O polieno conjugado mais simples é o butadieno que apresenta quatro átomos de carbono adjacentes com hibridação sp2 e, por consequência, quatro orbitais pz paralelas entre si. Este facto torna a ligação química deste composto e dos restantes polienos conjugados difícil de descrever à luz do enlace de valência. Tabela 1 - Polienos com ligações duplas isoladas, conjugadas e acumuladas. Molécula eteno 1,2-propadieno (aleno) Estrutura /Sistema π Tipo isolada acumulada 1,2-butadieno acumulada 1,3-butadieno conjugada 1,3-pentadieno conjugada 1,4-pentadieno isolada 1,3,5-hexatrieno conjugada Tópico 48 – Alcinos Os alcinos são hidrocarbonetos insaturados com uma ou mais ligações triplas carbono– carbono. A fórmula geral dos alcinos que só contêm uma ligação tripla é CnH2n-2. O alcino mais simples, o etino ou acetileno, de fórmula molecular C2H2, é um gás combustível. Nesta molécula, cada átomo de carbono está ligado a dois átomos, ficando rodeado por duas zonas com electrões, dirigidas para o hidrogénio e para o outro átomo de carbono. Os dois átomos de carbono do etino apresentam assim hibridação sp e a sua configuração electrónica é [He] 2sp12sp1py12pz1. Cada átomo de carbono apresenta duas orbitais sp e duas orbitais 2p perpendiculares ao eixo das orbitais sp. As orbitais híbridas são utilizadas no estabelecimento de duas ligações σ obtidas por coalescência frontal com a orbital 1s dos hidrogénios e uma orbital sp do outro átomo de carbono. A molécula de etino é assim uma molécula linear. As orbitais 2pz de cada átomo de carbono são paralelas entre si e coalescem lateralmente formando uma ligação π perpendicular ao eixo da molécula. De igual forma, as orbitais 2py de cada átomo de carbono coalescem lateralmente formando uma ligação π que é perpendicular ao eixo internuclear e à outra ligação pi. Isto é, em átomos com hibridação sp ou sp2, as orbitais p que não entraram na hibridação estão ou vazias, como no caso do BeH2 e BH3, ou estabelecem ligações π como no etino e eteno. As orbitais híbridas estabelecem sempre ligações σ ou correspondem a pares de electrões não partilhados. Figura 1 – Ligação química no etino, CHCH Tal como para alcanos e alcenos, os restantes alcinos podem ser construídos por substituição de átomos de H pelos radicais apropriados. No propino (C3H4), representado na Fig. 2, dois dos átomos de carbono apresentam hibridação sp e estabelecem ligações fazendo entre si ângulos de 180º enquanto o terceiro átomo de carbono apresenta uma hibridação sp3 e uma geometria local tetraédrica. Indica-se a presença de duas, três ou mais ligações triplas num hidrocarboneto insaturado com, respectivamente, as terminações diino, triino, etc. A numeração da cadeia carbonada faz-se de modo a serem atribuídos às ligações triplas os números mais baixos. Figura 2 – Geometria molecular e ligação química no propino, CHCCH3. A nomenclatura de alcinos é feita de modo análogo à de alcanos e alcenos, mas o sufixo usado é ino: etino (acetileno), propino, butino, pentino, etc. A cadeia principal é a maior cadeia contínua que inclui a ligação tripla. Os átomos de carbono da cadeia principal são numerados de modo a referir a posição da ligação tripla pelo número mais baixo possível. Tal como nos alcenos, também a tripla ligação é referenciada sempre pelo átomo de carbono com índice mais baixo. Figura 3 – Estrutura e ligação no 1,5-heptadiino e 1,4,7-octatriino. Os alcinos são apolares ou muito pouco polares, apresentando normalmente uma distribuição simétrica de densidade electrónica embora a ligação C-H esteja mais polarizada que nos alcanos e alcenos correspondentes e os hidrogénios ligados aos carbonos sp apresentem «falta» de electrões. De facto, à medida que aumenta o carácter p da hibridação (e a energia das orbitais) a electronegatividade do carbono diminui. Um carbono hibridado em sp é assim mais electronegativo que um carbono sp2 e este mais electronegativo que um carbono sp3. Na Fig. 4 são comparadas as superfícies de densidade electrónica do etino, eteno e etano. Figura 4 – Comparação das superfícies de densidade electrónica para o etino, eteno e etano. O vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa), o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva) e o verde é neutro. Aminas As aminas são compostos derivados da amónia, NH3, (link amónia), na qual um ou mais átomos de hidrogénio são substituídos por radicais alquilo. São assim compostos químicos de fórmula geral R3-NR1R2, em que R3 é sempre um radical alquilo e R1 e R2 podem ser um átomo de hidrogénio ou um radical alquilo. Quando R1=R2=H, a amina diz-se uma amina primária; quando apenas um dos radicais R1 ou R2 =H tem-se uma amina secundária e quando todos os grupos substituintes são radicais alquilo está-se na presença de uma amina terciária. A presença das ligações N-H ou N-C faz com que as aminas sejam polares. O azoto numa amina faz três ligações pelo que está rodeado de quatro zonas com electrões e apresenta uma 2 1 1 hibridação sp3. A configuração electrónica do azoto é assim [He] 1 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 . O azoto do grupo amino estabelece assim 3 ligações σ com as orbitais sp3 correspondendo a quarta orbital híbrida a um par de electrões não partilhado, como indicado na Fig. 1. Figura 1 - a) Estrutura genérica de aminas e b) Ligação no grupo amino. A metilamina é a amina mais simples em que R1=R2=H e R3=CH3 e pode ser descrita como uma molécula da amónia em que um hidrogénio foi substituído por um grupo metilo (-CH3). O carbono do grupo metilo está rodeado de quatro zonas com electrões de forma que apresenta hibridação sp3. A ligação química nesta molécula é descrita na Fig. 2 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica para a molécula que permite confirmar a sua polaridade: a metilamina apresenta um momento dipolar de µ=1.31 D. Note-se que a figura representa apenas uma das muitas possíveis conformações da molécula. A rotação em torno da ligação C-N é quase livre, daí resultando que a elevada densidade electrónica, associada ao par electrónico não ligante, “rodará” em torno do eixo da ligação. Figura 2 - Orbitais atómicas envolvidas na ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de metilamina, CH3NH2. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). A nomenclatura das aminas segue as regras já enunciadas para os alcanos indicando antes do termo amina os nomes dos radicais alquilo ligados ao átomo de azoto, por ordem alfabética. Algumas aminas apresentam mais do que um grupo amina, designando-se por poliaminas. Para dar nome a estes compostos começa-se por identificar a cadeia principal que contém todos os átomos de carbono ligados ao grupo amino, referir os índices desses átomos, seguindo-se o nome do hidrocarboneto e, finalmente, o prefixo que indica o número de grupos amina. Os nomes correntes de muitas aminas aromáticas e heterocíclicas foram aceites pela IUPAC de forma que são muitas vezes utilizados em alternativa à nomenclatura sistemática (Tabela 1). Tabela 1 - Estrutura de algumas aminas alifáticas e aromáticas Tópico 50 - Álcoois Os álcoois são compostos cuja estrutura se pode ser considerar derivada da água (H2O, na qual um dos átomos de hidrogénio foi substituído por um radical alquilo. São assim compostos químicos de fórmula geral ROH caracterizados pela existência de um ou mais grupos hidroxilo, o grupo -OH. O oxigénio do grupo hidroxilo estabelece duas ligações tal como na molécula de H2O pelo que está rodeado de quatro pares de electrões separáveis e apresenta hibridação 2 2 1 1 sp3 ([He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 ). As duas ligações σ são estabelecidas com as orbitais sp3 semipreenchidas, correspondendo as restantes orbitais híbridas aos dois pares de electrões não partilhados (Fig. 2). A presença das ligações O-H e C-O faz com que os álcoois sejam polares. Figura 1 - a) Estrutura genérica de álcoois; b) Ligação no grupo hidroxilo O metanol, CH3OH, é o álcool mais simples com R=CH3. O carbono do grupo metilo está rodeado de quatro zonas com electrões de forma que o C apresenta hibridação sp3. A ligação química nesta molécula é representada na Fig. 2, a qual mostra ainda a superfície de densidade electrónica para a molécula que permite confirmar a sua polaridade: o metanol apresenta um momento dipolar de µ=1.70 D. Figura 2 - Orbitais moleculares envolvidas na ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de metanol, CH3OH. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). O álcool seguinte, o etanol ou álcool etílico, foi o primeiro membro desta família a ser identificado, tendo sido descoberto por um alquimista árabe do século VIII, ﺝجﺍاﺏبﺭر ﺍاﺏبﻥن ﺡحﻱيﺍاﻥنJābir ibn Hayyān, conhecido pelo seu nome latinizado Geber. Jabir foi o pai da alquimia árabe e um dos precursores da química, desenvolvendo vários instrumentos para o seu trabalho alquímico, nomeadamente o alambique com que destilou o espírito do vinho, al kohl. A estrutura do etanol é em tudo semelhante à do metanol, substituindo o radical metilo pelo radical etilo. Quando o carbono ligado ao grupo hidroxilo se liga a apenas mais um carbono, o álcool diz-se primário. Neste caso, seguir-se-ia a série n-propanol, n-butanol, etc. Quando o C ligado ao hidroxilo se liga a dois átomos de carbono designa-se álcool secundário e, quando se liga a três carbonos, álcool terciário. A nomenclatura de álcoois segue as regras já enunciadas para os alcanos. Para dar nome a estes compostos começa-se por identificar a cadeia principal que contém todos os átomos de carbono ligados aos grupos hidroxilo, referir os índices desses átomos, seguindo-se o nome do hidrocarboneto e o prefixo que indica o número de grupos hidroxilo; Finalmente, vem o sufixo ol (ou diol se houver dois grupos hidroxilo). Os nomes correntes de muitos álcoois, nomeadamente aromáticos e heterocíclicos, são aceites pela IUPAC (Tabela 1). Tabela 1 - Estrutura de alguns álcoois. Clique no botão com o nome do composto para ver a respectiva estrutura a três dimensões. Tópico 51 - Éteres Os éteres também podem ser descritos como derivados da água (H2O) por substituição dos dois átomos de hidrogénio por radicais alquilo, ou derivados de álcoois por substituição do hidrogénio do grupo hidroxilo por um radical alquilo. São assim compostos químicos de fórmula geral R1-O-R2. O oxigénio do grupo funcional estabelece duas ligações pelo que está rodeado de quatro zonas com electrões e apresenta uma hibridação sp3. A configuração electrónica do oxigénio é 2 2 1 1 assim [He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 , estabelecendo 2 ligações σ com as duas orbitais sp3 semipreenchidas, correspondendo as orbitais híbridas preenchidas aos dois pares de electrões não partilhados, como indicado na Fig. 1. Figura 1 - a) Estrutura genérica de éteres; b) Ligação no grupo funcional O éter dimetílico ou metoximetano (ou também, simplificadamente, éter metílico), CH3OCH3, é o éter mais simples com R1=R2=CH3. Os átomos de C dos grupos metilo apresentam hibridação sp3. A ligação química nesta molécula é descrita na Fig. 2 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica para a molécula. O éter dimetílico apresenta um momento dipolar de µ=?? D Figura 2 - Superfície de densidade electrónica, SDE, e orbitais atómicas envolvidas na ligação química para a molécula de metoximetano, CH3OCH3. Na SDE, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Existem vários métodos para dar nome a éteres. Um método antigo mas muito utilizado consiste em dar-lhes os nomes dos radicais alquilo e acrescentar éter, por exemplo metiletil éter (CH3OC2H5) ou dietil éter (C2H5OC2H5). A forma mais comum de nomear um éter é este ser considerado como um substituinte alcoxi do maior grupo alquilo a que se liga e o seu nome é obtido da seguinte forma: nome do radical menor + oxi + nome do radical maior. Por exemplo, o éter dimetílico (CH3-O-CH3) designa-se metoximetano, e o CH3-O-CH2-CH3 designa-se metoxietano. Na Tabela 1 indicam-se as estruturas e nomes de alguns éteres. Aldeídos Os aldeídos são compostos químicos caracterizados pela presença do grupo carbonilo (C=O), ligado a um radical orgânico, R, e a um hidrogénio (Fig. 1). Consoante a natureza do radical, os aldeídos podem ainda ser alifáticos, aromáticos, etc. A presença da ligação C=O faz com que a maioria dos aldeídos seja polar. Figura 1 - a) Estrutura genérica de aldeídos. b) Orbitais atómicas na ligação química no grupo carbonilo. Quer o carbono quer o oxigénio do grupo carbonilo estão rodeados por três zonas com electrões pelo que apresentam uma hibridação sp2. As configurações respectivas são assim: C - [He] 2sp2 2sp2 2sp2 2pz 1 1 1 1 2 2 1 1 O - [He] 2sp2 2sp2 2sp2 2pz O carbono do grupo carbonilo estabelece assim 3 ligações σ com as orbitais sp2, uma com a orbital 1s do hidrogénio, outra com uma orbital do átomo do radical R a que se liga, e uma terceira ligação σ com uma orbital sp2 do oxigénio. As orbitais pz do carbono e oxigénio do grupo carbonilo que não entraram na hibridação coalescem lateralmente estabelecendo uma ligação π, como indicado na Fig. 1. O formaldeído ou metanal, é o aldeído mais simples em que R=H. A ligação química nesta molécula é descrita na Fig. 2 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica. O metanal apresenta um momento dipolar µ = 2.47 D, com o centro de cargas negativas localizado no átomo de oxigénio e um centro de cargas positivas localizado entre os hidrogénios. Figura 2 - Ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de metanal. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). A nomenclatura sistemática de aldeídos assenta na nomenclatura dos hidrocarbonetos, trocando o «o» final pelo sufixo «al». Uma vez que nos aldeídos o grupo carbonilo é sempre um grupo terminal, não é necessário especificar a sua posição. A numeração da cadeia num aldeído inicia-se sempre pelo carbono do grupo carbonilo. Os nomes correntes de muitos aldeídos, especialmente os extraídos de produtos naturais, como o cinamaldeído da canela ou a vanilina da baunilha (Tabela 1), foram conservados pela IUPAC, o organismo que regula as normas de nomenclatura. Tabela 1 - Estrutura de alguns aldeídos.Clique no botão com o nome do composto para ver a respectiva estrutura a três dimensões. Cetonas As cetonas são compostos químicos caracterizados pela presença do grupo carbonilo (C=O), ligado a dois radicais orgânicos, R1 e R2. Quando R1 e R2 são o mesmo substituinte, as cetonas dizem-se simétricas, sendo assimétricas quando os radicais a que o carbono do grupo carbonilo se liga são diferentes. Consoante a natureza destes radicais, as cetonas podem ainda ser alifáticas, aromáticas, etc.. Existem ainda cetonas cíclicas, em que R1 e R2 estão ligados. A presença da ligação C=O faz com que a maioria das cetonas seja polar. Quer o C quer o O do grupo carbonilo estão rodeados por três zonas com electrões pelo que apresentam hibridação sp2. As configurações electrónicas respectivas são assim: C - [He] 2sp2 2sp2 2sp2 2pz 1 1 1 1 2 2 1 1 O - [He] 2sp2 2sp2 2sp2 2pz O átomo de C do grupo carbonilo estabelece assim 3 ligações σ com as orbitais sp2: duas com os radicais R1 e R2, e a terceira com o oxigénio. As orbitais pz do carbono e oxigénio que não entraram na hibridação coalescem lateralmente estabelecendo uma ligação π. Figura 1 - a) Estrutura genérica de cetonas. b) Ligação no grupo carbonilo. A acetona, ou propanona, é a cetona mais simples em que R1=R2=CH3. Os dois grupos metilo (-CH3) apresentam hibridação sp3 no C. A ligação química nesta molécula é descrita na Fig. 3 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica para a molécula que permite confirmar a sua polaridade. A acetona apresenta um momento dipolar µ=2.88 D, com o centro de cargas negativas localizado no átomo de oxigénio e os centros de cargas positivas localizado entre os hidrogénios dos grupos metilos. Figura 2 - Orbitais atómicas envolvidas na ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de acetona. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). A nomenclatura sistemática de cetonas assenta na nomenclatura dos hidrocarbonetos, trocando o «o» final pelo sufixo «ona». A posição do grupo carbonilo é especificada, quando necessário, tal como noutros grupos funcionais, indicando a posição do grupo antes da terminação -ona. Os nomes correntes de muitas cetonas, especialmente as mais utilizadas como a benzofenona e a acetona ou cetonas isoladas de produtos naturais (como a jasmona do jasmim), foram conservados pela IUPAC, o organismo que regula as normas de nomenclatura. Por exemplo, o nome sistemático da carvona, um composto de que existem dois enantiómeros muito utilizados na indústria alimentar e/ou cosmética, a R-carvona encontrada na menta e a S-carvona abundante nas sementes de cominhos, seria 2-metil-5-(prop-1-en-2-il) ciclohexen-2-ona. De igual forma, é raramente utilizado o nome sistemático das damasconas, por exemplo da trans-β-damascona, um composto de aroma que apresenta igualmente dois isómeros ópticos, S e R, trans-1-(2,6,6-trimetil-1-ciclohexen-1-il)-2-buten-1-ona. Ácidos carboxílicos Os ácidos carboxílicos são compostos que contêm o grupo funcional carboxilo (-COOH), assim chamado por ser a combinação de um grupo carbonilo e um grupo hidroxilo. A fórmula genérica dos ácidos carboxílicos é RCOOH. Neste grupo funcional, o átomo de carbono e o átomo de oxigénio do grupo carbonilo estão rodeados de três zonas com electrões e apresentam uma hibridação sp2. O oxigénio ligado ao hidrogénio estabelece duas ligações pelo que apresenta hibridação sp3. As configurações do carbono e dos oxigénios no grupo carboxilo são assim: 2 2 1 oxigénio do grupo -OH : [He] 2sp3 2sp3 2sp3 2sp3 1 Este oxigénio estabelece 2 ligações σ com as orbitais sp3 correspondendo as restantes orbitais híbridas a dois pares de electrões não partilhados, como indicado na Fig. 1. 1 1 1 carbono [He] : 2sp2 2sp2 sp2 2pz 1 2 2 1 oxigénio do grupo C=O : [He] 2sp2 2sp2 sp2 2pz 1 O carbono do grupo carbonilo estabelece 3 ligações σ com as orbitais sp2, uma com a orbital sp3 do oxigénio do grupo -OH, outra com uma orbital do átomo do radical R a que se liga, e uma terceira ligação σ com uma orbital sp2 do oxigénio do grupo C=O. Este último apresenta as restantes orbitais sp2 ocupadas com dois pares de electrões não partilhados. As orbitais pz do carbono e oxigénio do grupo carbonilo que não entraram na hibridação coalescem lateralmente estabelecendo uma ligação π, como indicado na Fig. 1. Figura 1 - a) Estrutura genérica de ácidos carboxílicos; b) Ligação no grupo carboxilo O ácido metanóico ou ácido fórmico e o ácido etanóico ou acético são os ácidos carboxílicos mais simples com R=H e R=CH3, respectivamente. O grupo carboxilo confere aos ácidos correspondentes uma elevada polaridade, o ácido fórmico apresenta um momento dipolar de µ=1.41 D e o ácido acético um momento dipolar de µ= 1.74 D. A ligação química no ácido acético é descrita na Fig. 2 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica para esta molécula. Figura 2 - Orbitais moleculares envolvidas na ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de ácido acético, CH3COOH. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Os ácidos carboxílicos formam ligações de hidrogénio mais fortes que as dos álcoois uma vez que as ligações O-H estão mais polarizadas nos primeiros. Comno consequência, nos ácidos carboxílicos o grupo hidroxilo apresenta uma acidez elevada e os ácidos carboxílicos, embora normalmente ácidos fracos, são os ácidos orgânicos mais fortes. Na figura 3 é representada a ligação química no ião acetato e a respectiva superfície de densidade electrónica que mostra a estabilização por ressonância deste ião, isto é, a formação de 3 orbitais moleculares π por combinação das três orbitais pz paralelas dos átomos do grupo carboxilato. - Figura 3- Ligação química e superfície de densidade electrónica para o ião acetato, CH3COO . Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). A carga negativa do ião está deslocalizada no grupo carboxilato. Nomenclatura dos ácidos carboxílicos A nomenclatura de ácidos carboxílicos segue as regras já enunciadas para os alcanos (link alcanos) com utilização da terminação -óico e adicionando a palavra ácido antes do nome. Como o grupo carboxilo é sempre um grupo terminal, num ácido linear não é necessário indicar a posição do grupo ou grupos e a numeração da cadeia principal inicia-se no carbono do grupo funcional. Uma alternativa muito comum à numeração da cadeia é a utilização do alfabeto grego (α, β, γ, etc.) para identificar os carbonos substituídos, reservando a letra α para o átomo de carbono ligado ao grupo carboxilo. Muitos monoácidos carboxílicos de baixo peso molecular (até seis átomos de carbono) possuem nomes comuns que identificam a origem do ácido. Por exemplo, o acido metanóico é mais frequentemente designado por ácido fórmico (de formica, o nome latino para a formiga de onde foi isolado pela primeira vez em 1671 por John Ray), o ácido acético do vinagre (acetum em latim) é o ácido etanóico, o ácido butírico responsável pelo cheiro da manteiga (em latim butyrum) é o ácido butanóico, o ácido valérico extraído da planta Valeriana é o ácido pentanóico e o ácido hexanóico é designado por ácido capróico (do termo latino para cabra, caper) já que é responsável pela fragrância característica de caprinos. Os ácidos gordos, ácidos monocarboxílicos com uma longa cadeia alquílica linear, saturada ou insaturada, são igualmente designados pelos seus nomes comuns relacionados com a sua origem ou função. Nas células animais e vegetais são produzidos ácidos gordos a partir do acetilcoenzima A pelo que os ácidos gordos naturais apresentam um número par de átomos de carbono. De igual forma, os ácidos dicarboxílicos de mais baixo peso molecular são normalmente designados pelos seus nomes comuns, oxálico (ácido etanodióico), malónico (ácido propanodióico), succínico, glutárico, adípico e pimélico (ácido heptanodióico). Na Tabela 1, são indicados os nomes sistemáticos e comum, a fórmula molecular e a estrutura de alguns ácidos carboxilicos. Tabela 1 - Nomenclatura e estrutura de alguns ácidos carboxílicos.Clique no botão com o nome do composto para ver a respectiva estrutura a três dimensões. Derivados de ácidos carboxílicos Na Fig. 1 são indicadas algumas reacções típicas dos ácidos carboxílicos em que ocorre substituição do grupo hidroxilo ou do oxigénio do grupo hidroxilo por outro grupo substituinte dando origem a diferentes famílias de compostos. Figura 1 - Derivados de ácidos carboxílicos. Em todos os derivados de ácidos carboxílicos é conservado o grupo R1C(O) e o carbono estabelece uma ligação σ com o átomo apropriado do grupo substituinte respectivo, indicados a azul na figura 1. Neste grupo, tanto o C como o O apresentam hibridação sp2 e e configurações electrónicas: 1 1 1 carbono:[He]2sp2 2sp2 sp2 2pz 2 2 1 1 oxigénio [He] 2sp2 2sp2 sp2 2pz 1 O carbono do grupo carbonilo estabelece 3 ligações σ com as orbitais sp2, uma com uma orbital do grupo substituinte, outra com uma orbital do átomo do radical R a que se liga, e uma terceira ligação σ com uma orbital sp2 do oxigénio do grupo C=O. Este último apresenta as restantes orbitais sp2 ocupadas com dois pares de electrões não partilhados. As orbitais pz do carbono e oxigénio do grupo carbonilo que não entraram na hibridação coalescem lateralmente estabelecendo uma ligação π. Cloretos de acilo Os cloretos de acilo são compostos de fórmula geral RCOCl. A nomenclatura destes compostos consiste em designá-los por cloretos do ácido correspondente com terminação ilo . O derivado do ácido acético designa-se assim cloreto de acetilo. Na Fig. 2 é descrita a ligação neste composto e é representada a superfície de densidade electrónica. O cloreto de acetilo, assim como os restantes compostos desta família, apresenta um momento dipolar elevado, µ=2.45 D. Figura 2 - Ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de cloreto de acetilo, CH3COCl. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Anidridos carboxílicos Os anidridos de ácidos carboxílicos (ou anidridos carboxílicos) são compostos de fórmula geral R1COOCOR2. Quando R1=R2 o anidrido diz-se simétrico designando-se misto ou assimétrico quando os dois radicais alquilo são diferentes. Os anidridos de ácidos carboxílicos são designados como anidridos do ou dos ácidos correspondentes. No caso de anidridos simétricos, por exemplo a molécula (CH3CO)2O cuja ligação química é descrita na figura 3, o composto é designado anidrido etanóico ou acético. No caso de anidridos mistos, estes são designados anidrido alcanóico (R1) alcanóico (R2) indicados por ordem alfabética como exemplificado pelo anidrido acético CH3C(O)OC(O)CH2CH3 (Tabela 1). propiónico (ou anidrido etanóico propanóico), Figura 3 - Ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de anidrido acético, CH3COOCOCH3. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Ésteres Os ésteres são compostos de fórmula genérica R1COOR2 obtidos por reacção de ácidos carboxílicos com álcoois. A nomenclatura de ésteres consiste em identificar o ácido parente, designá-lo pelo anião correspondente substituindo o sufixo óico por ato seguido do nome do radical R2. Por exemplo, o composto CH3COOCH3 é designado acetato ou etanoato de metilo (Tabela 1). A ligação química no acetato de metilo é descrita na Fig. 4 que mostra ainda a superfície de densidade electrónica para esta molécula. Devido à presença das ligações C-O a molécula apresenta momento dipolar, µ= 1.73 D Figura 4 - Ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de acetato de metilo, CH3COOCH3. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Amidas As amidas são derivadas de ácidos carboxílicos em que o grupo -OH foi substituído por um grupo -NH2 (no caso de amidas primárias) apresentando fórmula geral RCONH2. Para as nomear, substitui-se a terminação óico do ácido carboxílico correspondente por amida. Assim, a molécula CH3CONH2 é designada etanoamida ou acetamida. As amidas substituídas designam-se antepondo um N ao nome dos substituintes. Assim, por exemplo, as amidas CH3CONHCH3 e CH3CON(CH3)2 chamam-se, respectivamente, N-metilacetamida e N, Ndimetilacetamida (Tabela 1). Tal como os cloretos de acilo, o momento dipolar das amidas é muito elevado. Na figura 5 é descrita a ligação química na acetamida e representada a superfície de densidade electrónica para esta molécula que apresenta um momento dipolar µ= 3.6 D Figura 5- Ligação química e superfície de densidade electrónica para a molécula de acetamida, CH3CONH2. Nesta última, o vermelho indica elevada densidade electrónica (carga negativa) e o azul indica baixa densidade electrónica (carga positiva). Tabela 1 - Estrutura e nomenclatura de alguns derivados de ácidos carboxílicos.Clique no botão com o nome do composto para ver a respectiva estrutura a três dimensões. Deslocalização π: butadieno No 1,3-butadieno, CH2CHCHCH2, os carbonos estão rodeados por três zonas com electrões pelo que apresentam uma hibridação sp2. A configuração do carbono é assim: 1 1 1 C - [He] 2sp2 2 sp2 12 sp2 2pz 1 As três orbitais híbridas de cada carbono estabelecem três ligações σ, que fazem entre si ângulos de aproximadamente 120º - Fig. 1 a). No contexto do EV, as 4 orbitais pz que não entraram na hibridação coalescem lateralmente, duas a duas, estabelecendo 2 ligações π, uma entre C1 e C2 e outra entre C3-C4 - Fig. 1 b). Figura 1 – a) Orbitais atómicas e esqueleto σ da molécula de 1,3-butadieno. Clicar no botão para visualizar as quatro orbitais pz. b) Ligações π segundo o EV. No entanto, as orbitais pz apresentam uma pequena sobreposição pelo que neste caso não é válida a aproximação de ligações localizadas e é necessário recorrer à TOM (link TOM) para descrever os electrões π do butadieno (Fig. 2). Figura 2 – Combinação linear das 4 orbitais atómicas pz no 1,3-butadieno: a) Diagrama de energias; b) Orbitais moleculares π preenchidas. A interferência das orbitais pz resulta em orbitais moleculares policêntricas que se estendem sobre todos os átomos de carbono do 1,3-butadieno. A orbital de menor energia não tem nodos, a orbital π2 tem um nodo no centro da molécula, entre C2-C3, a orbital π3 tem dois nodos, entre C1-C2 e C3-C4, e a orbital ocupada de maior energia tem três nodos situados entre todos os átomos de carbono. As densidades de carga nos vários átomos resultantes são muito semelhantes às obtidas tratando os electrões π do 1,3-butadieno pelo modelo do electrão na caixa de potencial. O modelo assume que os electrões π se movimentam livremente, sujeitos a um potencial constante e nulo, numa caixa confinada entre os átomos de carbono C1 e C4. Esse espaço é ainda restrito a uma única dimensão, pelo que o problema se resume à conhecida situação do electrão numa caixa unidimensional de potencial (link ...). Para além de prever correctamente a «forma» unidimensional das funções de onda, o modelo permite ainda obter as energias dos níveis electrónicos respectivos. Embora se obtenham valores absurdos para a energia das orbitais, o modelo prevê adequadamente a diferença de energia entre elas. O modelo pode assim ser aplicado para prever de uma forma qualitativa os comprimentos de onda de absorção em séries homólogas de compostos. Moléculas com ligações π alternadas são designadas polienos conjugados porque existe conjugação ou deslocalização π decorrente do facto de existir interferência entre as orbitais pz (paralelas) de átomos de carbono adjacentes. A deslocalização π é utilizada no EV para explicar porque razão no 1,3-butadieno a distância C1-C2 (ou C3-C4) é maior que a distância C-C no etileno e a distância C2-C3 é menor que a distância C-C no etano (Fig. 3). Figura 3 - Distâncias C-C no 1,3-butadieno. Assim, à luz do EV, as duas ligações π do 1,3-butadieno dizem-se deslocalizadas sobre os quatro átomos de carbono. Uma descrição mais rigorosa é obtida através da TOM em que se considera a combinação linear das quatro orbitais atómicas pz obtendo quatro orbitais moleculares, π1 a π4, das quais as duas de menor energia estão preenchidas. Polienos conjugados Na série hómologa dos polienos conjugados, o 1,3,5-hexatrieno, com três ligações deslocalizadas, é o composto que se segue ao 1,3-butadieno [link para butadieno] hexatrieno, os seis No átomos de carbono estão rodeados por três zonas com electrões, apresentando todos eles hibridação sp2. Na representação «clássica» do hexatrieno, isto é, a descrição da molécula à luz do EV - Fig. 1a) -, as três orbitais híbridas de cada carbono estabelecem ligações σ, que fazem entre si ângulos de aproximadamente 120º e as orbitais pz que não entraram na hibridação coalescem lateralmente duas a duas formando três ligações π localizadas - Fig. 1b). Figura 1 – a) Representação «clássica» do 1,3,5-hexatrieno. b) Orbitais atómicas e esqueleto σ da molécula. Clicando no botão, visualizam-se as orbitais pz. Na realidade, há interferência das orbitais pz de todos os átomos de carbono e estas combinam-se linearmente formando seis orbitais π moleculares, das quais as três de mais baixa energia, as orbitais π1 a π3, estão preenchidas. As orbitais π4 a π6 estão vazias. Figura 2 – Orbitais moleculares π preenchidas no 1,3,5-hexatrieno. O polieno conjugado seguinte é o 1,3,5,7-octatetraeno, no qual os oito átomos de carbono apresentam hibridação sp2, as três orbitais híbridas de cada carbono estabelecem o esqueleto σ da molécula- Fig 3a). As orbitais pz de cada carbono que não entaram na hibridação combinam-se linearmente formando oito orbitais π moleculares. As quatro orbitais π moleculares de mais baixa energia, as orbitais π1 a π4, estão preenchidas e as orbitais π5 a π8 estão vazias - Fig 3b). Figura 3 – a) Orbitais atómicas e esqueleto σ do 1,3,5,7-octatetraeno; b) Orbitais moleculares π preenchidas. À medida que aumenta o número de ligações π conjugadas, diminui a diferença de energia entre a última orbital ocupada (a orbital HOMO) e a primeira orbital vazia (a LUMO) como ilustrado na Fig.4. Figura 4 – Diagrama de energias das orbitais moleculares π para o eteno, 1,3-butadieno, 1,3,5,7hexatrieno e 1,3,5,7-octatetraeno. De igual forma, diminui a separação em energia quer entre orbitais ligantes quer entre orbitais anti-ligantes. No limite, num polieno conjugado com uma cadeia muito longa, como acontece num polímero, formam-se duas bandas contínuas, a banda ligante totalmente preenchida e a banda anti-ligante vazia, separadas por um gap de energia. Estes polímeros são assim polímeros semicondutores. No caso em que as distâncias C-C numa cadeia conjugada longa são iguais, não há separação entre a banda ligante e a banda anti-ligante e o material correspondente tem comportamento de condutor. Benzeno e polienos cíclicos conjugados Tal como nos seus análogos lineares, os polienos cíclicos conjugados possuem carbonos adjacentes com hibridação sp2 e um sistema π deslocalizado. Entre estes compostos destacam-se os hidrocarbonetos aromáticos (também chamados arenos) como o benzeno. O polieno cíclico conjugado de mais baixo peso molecular é o ciclobutadieno, cujo esqueleto σ é descrito na Fig. 1. Figura 1 - Estrutura e esqueleto σ do ciclobutadieno. Cada átomo de C forma 3 ligações sigma, com 1 H e dois C, usando orbitais sp2 distorcidas. Nesta molécula, as orbitais π2 e π3 são degeneradas por razões de simetria, de forma que este composto é paramagnético (Fig.2). Figura 2 - a) Comparação da energia das orbitais moleculares π no butadieno e no ciclobutadieno planar. Note-se que a energia de todos os electrões π é maior no ciclobutadieno do que no butadieno. b) orbitais moleculares π do ciclobutadieno. Clicando nos botões apropriados são indicadas as orbitais moleculares e a combinação linear de orbitais pz que lhes dão origem. De acordo com o teorema de Jahn-Teller, moléculas com estados fundamentais degenerados são instáveis, com excepção de moléculas lineares como a de O2. O teorema prevê ainda que a geometria da molécula será distorcida de modo a remover a degenerescência, estabilizando a molécula.Em todos os polienos cíclicos conjugados (anulenos) planares, as orbitais moleculares são degeneradas aos pares, com duas excepções: a orbital totalmente ligante e a orbital totalmente anti-ligante. Consequentemente, apenas quando o número de átomos de C do ciclo N for igual a 4n+2, com n = 1, 2, etc., as duas últimas orbitais moleculares preenchidas degeneradas estarão totalmente preenchidas, sendo a molécula mais estável do que o respectivo polieno linear (molécula aromática). Como corolário, quando N = 4n, a molécula será instável (anti-aromática). O anuleno de menor peso molecular, para o qual a condição N = 4n+2 é satisfeita, é o benzeno C6H6, cujas orbitais moleculares são comparadas com as do seu parente linear hexatrieno na Fig.3. Figura 3 - Comparação da energia das orbitais moleculares π no hexatrieno e no benzeno. A energia dos electrões π é menor no benzeno do que no hexatrieno. A molécula de benzeno é uma molécula planar em que as distâncias carbono-carbono são iguais. O esqueleto σ do benzeno é assegurado pelas orbitais sp2 do carbono e o sistema π consiste em seis orbitais moleculares resultantes da combinação linear das seis orbitais atómicas 2pz (Fig. 4). As orbitais ligantes π1 a π3 estão ocupadas e as restantes estão vazias. Figura 4 - Orbitais envolvidas na ligação química no benzeno, C6H6. Clique nos botões indicados para visualizar o esqueleto σ, as orbitais moleculares π e a combinação de orbitais atómicas pz associada. Sumariando, os anulenos aromáticos serão o benzeno C6H6, o C10H10, etc., e os antiaromáticos são o ciclobutadieno C4H4, ciclooctatetraeno C8H8, etc. De todos os anulenos, o benzeno é de longe o mais estável, porque reúne a estabilidade resultante da deslocalização dos electrões π (aromaticidade) com a ausência de distorção das ligações σ, as quais formam ângulos de exactamente 120º. É essa a razão da extraordinária abundância de compostos naturais contendo o anel benzénico.. A estabilidade dos anéis hexagonais de carbono é também a razão da estabilidade dos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), abundantes no espaço interestelar. Exemplos relevantes de HAPs são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 – Estrutura atómica de alguns HAPs mais vulgares. Existem ainda compostos heterocíclicos, isto é, polienos cíclicos ou policíclicos conjugados, nos quais pelo menos um dos carbonos foi substituído por um heteroátomo (normalmente azoto, oxigénio ou enxofre, mas também fósforo ou arsénio). Cerca de metade de todos os produtos naturais são heterociclos, muitos dos quais desempenham funções importantes nos organismos vivos, e outros são farmacologicamente activos. Os alcalóides, por exemplo, são uma família de heterociclos de azoto naturais. A importância destes heterociclos conjugados é apenas exemplificada pelas bases do ADN, a adenina e a guanina (bases derivadas da purina) e a citosina e timina (bases derivadas da pirimidina, tal como o uracilo presente no ARN) (Tabela 2). Tabela 2 - Estrutura de alguns heterociclos aromáticos História do benzeno O benzeno foi descoberto em 1825 por Michael Faraday no gás de iluminação usado na época. Faraday, que encontrou uma razão 1:1 de carbono e hidrogénio no novo composto, chamoulhe o que se pode traduzir como «hidrogénio carboretado». Uns anos mais tarde, o benzeno foi isolado da resina balsâmica de algumas árvores, conhecida por «benzoina». Mitscherlich, que fez a descoberta, decidiu chamar benzina ao composto, mas este nome, tal como o termo alternativo benzol, não teve aceitação unânime por parecer incluir o composto na família dos alcalóides ou dos álcoois. O nome hoje em dia consagrado deve-se a Viktor Meyer. Auguste Laurent, um dos pioneiros da teoria atómica moderna, sugeriu mudar o nome para «phene» (feno), do grego phainen que significa brilho ou brilhar. Embora o nome não tenha «pegado» para designar o composto propriamente dito, persiste no nome de alguns derivados do benzeno, como os compostos fenólicos, no nome de compostos como o fenantreno, e na designação fenilo aplicada ao radical -C6H5. Em 1834, o químico Edilhardt Mitscherlich determinou a fórmula molecular do benzeno como sendo C6H6. Durante quatro décadas, a estrutura do benzeno permaneceu um desafio para os químicos que não conseguiam descobrir como ligar seis átomos de carbono e seis átomos de hidrogénio e muito menos explicar as propriedades anómalas do benzeno no que respeita à sua reactividade. Em 1865, o químico alemão Friedrich August Kekulé, que se distinguiu como um dos mais importantes químicos da época, propôs uma estrutura cíclica para o benzeno. Estra estrutura, como o próprio reconheceu num discurso em Berlim, por ocasião do 25º aniversário do anúncio da fórmula estrutural do benzeno, em 1890, (Theodor Benfey, Journal of Chemical Education, vol.35, 1958, p.21), foi desenvolvida após um sonho com átomos de carbono em que no meio de vários movimentos estes se dispunham como uma cobra que mordia a própria cauda. Mas esta estrutura cíclica, com três ligações duplas, não explicava a reactividade química do benzeno e um ano depois Kekulé propõe que o benzeno deveria ser descrito não com uma mas sim duas estruturas em equílibrio rápido com alternância das ligações duplas (Fig 1). Figura 1 - Estruturas de Kekulé para o benzeno. As estruturas de Kekulé não explicavam a estabilidade especial do benzeno, nomeadamente não explicavam porque razão a hidrogenação do benzeno em ciclohexano (C6H12) libertava menos calor do que o esperado, isto é, uma vez que no benzeno há três ligações duplas, a -1 hidrogenação destas deveria libertar 360 kJ.mol , o equivalente a três vezes o calor de hidrogenação do ciclohexeno (C6H10) com apenas uma ligação dupla (Fig. 2). Assim, o benzeno parecia possuir uma estabilização adicional de 150 -1 kJ.mol . Figura 2 - Hidrogenação do ciclohexeno e do benzeno. Esta estabilização foi explicada por Linus Pauling em 1931, ano em que este propôs a teoria da ressonância para explicar a estabilidade especial de compostos como o benzeno, moléculas designadas aromáticas por razões históricas. O adjectivo «aromático» é utilizado por químicos orgânicos em relação a compostos que apresentam uma baixa relação hidrogénio/carbono, isto é, apresentam um grau de insaturação elevado, mas que não reagem como o esperado com agentes oxidantes. O termo surgiu após se ter verificado que certas substâncias naturais encontradas na casca da árvore da canela, nas vagens de baunilha ou em sementes de anis, continham compostos fragrantes com reactividade inesperada. A casca da canela, por exemplo, contém um composto aromático na acepção corrente do termo de fórmula C9H8O, denominado cinamaldeído . Este composto com baixa razão hidrogénio/carbono apresenta uma baixa reactividade química quando comparada com a reactividade típica de alcenos e cicloalcenos. Nomeadamente por tratamento com uma solução quente de permanganato dá origem a um composto de fórmula C7H6O2, hoje em dia denominado ácido benzóico, que pela fórmula molecular apresenta um elevado número de ligações duplas. Estas são anormalmente pouco reactivas e o ácido benzóico pode ser convertido em benzeno, igualmente inerte quimicamente. Pauling propôs que o benzeno era um híbrido de ressonância das duas estruturas de Kekulé, chamadas contributores de ressonância, mas que nenhuma delas representava de facto o benzeno já que neste composto as ligações π estariam deslocalizadas sobre todo o anel benzénico. Não havia assim um equilíbrio rápido entre as duas estruturas com a ligação dupla localizada alternadamente entre todos os carbonos do anel mas sim um ligação de ordem 1.5 entre estes. A estabilização extra do benzeno em relação ao ciclohexeno foi atribuída a uma energia de ressonância que estabilizaria o benzeno e restantes compostos aromáticos. Quer os heterociclos quer derivados de polienos cíclicos são compostos ubíquos na Natureza, tanto que um deles foi chamado ubiquinona (igualmente designado coenzima Q10 nos humanos), uma benzoquinona presente em praticamente todas as células (naquelas que possuem mitocôndrias, onde participa nos processos de produção de ATP). São igualmente muito abundantes os aldeídos derivados de ácidos benzóicos, que são constituintes dos óleos essenciais de muitas plantas, e os compostos fenólicos que englobam desde moléculas pequenas até compostos poliméricos com graus variáveis de polimerização, como sejam taninos, ligninas e polímeros de leucoantocianidinas e catequinas (por exemplo, os teorubígenos e teoflavinas do chá preto). Os polifenóis constituem um grupo muito diversificado de compostos químicos encontrados no mundo vegetal, que têm merecido a atenção do público em geral nas últimas décadas devido à descoberta das suas propriedades anti-oxidantes - são sequestradores (scavengers) de radicais livres, o que inibe inúmeras doenças mediadas por estas espécias. Os polifenóis incluem cumarinas, flavonóides, flavonas, flavonóis (3-hidroxiflavonas ou catequinas), chalconas, isoflavonas e ácidos fenólicos e estão presentes nos vegetais na forma livre ou ligados a açúcares e proteínas. Grafenos e outras formas de carbono sp2 O coroneno e o coranuleno são hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs) com seis anéis condensados. Ambos os compostos apresentam uma razão C/H = 0.5, todos os átomos de carbono apresentam hibridação sp2 mas enquanto o coroneno apresenta apenas anéis em C6, no coranuleno existe um anel C5 central ligado a seis anéis C6 (Fig. 1). O coroneno é completamente planar enquanto o coranuleno é ligeiramente curvo, em forma de cálice. Figura 1 - Estrutura do a) coranuleno, C20H10; b) do coroneno, C24H12. Se se estender a estrutura do coranuleno adicionando mais cinco anéis C6 e cinco anéis C5, a curvatura da molécula aumenta e continuando a adição de mais anéis à estrutura esta eventualmente fecha numa esfera de átomos apenas de carbono. Esta família de formas elementares de carbono foi descoberta em 1985 por Harold Kroto, Robert Curl e Richard Smalley, e foi baptizada de fullerenos, em honra de Buckminster Fuller, que desenhou a biosfera do Pavilhão norte-americano na Exposição Mundial de 1967 (na Ile Sainte-Helene em Montreal), que os inspirou na proposta da estrutura do C60, o primeiro membro da família ser descoberto. Figura 2 - Estrutura de a) «Meio» C60; b) C60. Depois da descoberta do C60 foi isolado um fullereno igualmente estável de fórmula C70, seguido de outros compostos de menor estabilidade: C32, C44, C50 e C58. Esta série de moléculas «ocas» de forma esférica foi crescendo e conhecem-se fullerenos com 240, 540 ou 960 átomos de carbono na sua estrutura, todas possuindo 12 anéis em C5 e um número variável de anéis em C6. Dentro do espaço vazio do fullereno podem ser encapsuladas outras moléculas (Fig. 3). Figura 3 - Uma «cebola» de fullerenos. Na imagem são representados três fullerenos encapsulados: C540, C240 e C60. Em 1991, pouco depois da descoberta dos fullerenos, Sumio Iijima demonstrou a existência de outra família de formas elementares de carbono, os nanotubos. O nome deve-se ao facto de estes compostos de carbono terem diâmetros da ordem de um nanómetro (nm). Um nanotubo pode ser visualizado como dois «meios» de C60 com um cilindro de anéis C6 no meio. Estes cilindros podem ser muito longos. de tal forma longos que muitos se lhes referem como sendo folhas de grafeno «enroladas». Figura 4 - a) Nanotubo em crescimento com um cilindro de apenas três anéis C6. b) Nanotubo como folha de grafeno enrolado. O termo grafeno foi cunhado por André Geim que apresentou uma nova classe de materiais com interesse na área da electrónica - cristais elementares bidimensionais (popup). O grafeno é uma «folha» com a espessura de um átomo que essencialmente consiste na adição de anéis C6 ao coroneno. A grafite é assim constituída por várias folhas de grafeno empilhadas e ligadas por forças intermoleculares (Fig. 5). Figura 5 - a) Coroneno com uma «camada» de anéis C6 envolvente b) largura de 4 anéis benzénicos c) Grafeno d) Grafite. «Fita» de grafeno com uma O diagrama de bandas de uma folha de grafite, com um número muito elevado de átomos N, pode ser deduzido de forma qualitativa partindo de um átomo de carbono em hibridação sp2 e considerando a interferência das orbitais de todos os átomos (Fig. 6). Figura 6 – Diagrama de bandas de uma folha de grafite. Tal como no diamante, a interferência das orbitais híbridas sp2 dá origem a duas bandas muto estreitas, a banda ligante σsp2 totalmente preenchida e a banda anti-ligante σsp2* vazia. A interferência das orbitais pz dá origem a uma banda semipreenchida π, com energia situada entre as duas bandas σsp2. Assim, enquanto o diamante é um isolador, o grafeno deve apresentar um comportamente condutor em que a condução é assegurada pelos electrões π, deslocalizados sobre toda a folha de grafite. (popup: A electrónica convencional baseada no silício está prestes a atingir os limites da miniaturização fisicamente possível. O silício perde estabilidade na escala nano e os circuitos electrónicos actuais já têm componentes com dimensões da ordem das dezenas de nanómetros. As novas formas de carbono, grafenos e nanotubos, têm gerado um interesse enorme na comunidade científica devido às suas propriedades eléctricas únicas que os tornam candidatos muito fortes na substituição do silício em nanoelectrónica. Por exemplo, já foi construído um nanorádio que consiste num único nanotubo de carbono montado numa base de tungsténio. O grafeno por seu lado, já demonstrou o seu potencial na área de nanotransístores, embora se preveja ser necessário esperar uns anos até à comercialização dos primeiros circuitos integrados baseados em grafeno e não silício. Por outro lado, o preço crescente da energia levou à emergência de um novo paradigma, a chamada electrónica orgânica, que assenta no baixo custo do processamento e na possibilidade de manipulação química para atingir as propriedades desejadas no material em causa. Os materiais semicondutores usados nesta tecnologia são baseados em HAPs e seus derivados, por exemplo utilizando moléculas como o pentaceno ou polímeros de fluoreno.Uma vez que os semicondutores orgânicos podem ser concebidos de modo a ser solúveis em solventes comuns, podem ser usadas tecnologias de produção como impressão a jacto de tinta ou estampagem.) Links externos: http://www.physorg.com/news64239590.html http://www.physics.berkeley.edu/research/zettl/projects/nanoradio/radio.html http://www.eetimes.com/news/latest/showArticle.jhtml?articleID=207400803