FILOSOFIA Introdução à Filosofia Prof. Dr. Álvaro Maia AULA SEGUNDA: O PENSAMENTO MEDIEVAL 1. Entre Aristóteles e a Patrística Após o período sistêmico percorrido pela tríade Sócrates, Platão e Aristóteles, a filosofia grega muda de rumo, buscando não mai s investigar a conformação do universo e do ser, e sim o comportamento humano em busca de um ideal de vida que lhe permita atingir o que todos buscam ao fim de contas: a felicidade. São os filósofos éticos, centrados no delineamento da visão de mundo como caminho para chegar à verdade da existência. Entre várias, quatro correntes se destacam nesse percurso: Os CÉTICOS, doutrina de Pirro, para quem seria impossível ao homem chegar a qualquer verdade, consciência que o libertaria para traçar seu próprio rumo e construir um caminho próprio de felicidade. Foram importantes por despertarem em filósofos posteriores a dúvida como método de investigação da verdade, ou seja, a consciência crítica como princípio. Os EPICURISTAS, filosofia de Epicuro, retomada em R oma por Lucrécio, que entendia ser o prazer um caminho natural de felicidade para o homem, do qual este se desviaria sempre que deixasse de ouvir a natureza para atender a outros homens, com suas distorções antinaturais. Epicuro tinha como lema Convenienter naturae vivere (viver conforme a natureza). Os C ÍNICOS, como Diógenes, que pregava a libertação do homem a partir da consciência de que deveria depender o menos possível das pessoas e das coisas que o pudessem cercar. O sofrimento decorreria unicamente da mente humana, que cria constantemente expectativas. Sem possuir nem desejar nada, material e socialmente, o ser humano não teria o que perder, evitando o sofrimento. Os ESTÓICOS, absolutamente altruístas — como teoricamente teriam sido Cícero, Sêneca e Marco Aurélio —, tinham na ataraxia (imperturbabilidade ante os desconcertos do mundo) sua meta de felicidade. O prazer do outro é o maior prazer que pode experimentar o ser consciente. Essa doutrina, em certa medida, preparou o caminho para o cristiani smo subsequente. 2. Santo Agostinho e a Patrística No Império Romano, principalmente a partir do século III, com a conversão de Constantino e a liberação do culto aos cristãos, surge a necessidade de conciliar a fé com os conhecimentos filosófico s vigentes. Isso começou a ser feito pelos padres, e o conjunto desses pensamentos ficou conhecido como filosofia Patrística, ou apologética cristã. Era preciso justificar a fé, para combater as heresias. A máxima desse período seria crer para compreender e compreender para crer. Ou, nas palavras de Santo Agostinho, Credo ab absurdum, et Credo ut intelligam (creio porque é absurdo, e creio para compreender). Santo Agostinho (354 -430), depois de transitar por uma vida primeiramente mundana e depois maniqueísta (doutrina que entendia o mundo como um eterno campo de forças antagônicas, como o bem e o mal), lê Cícero, filósofo estóico, e daí chega ao cristianismo, religião materna que havia rejeitado na infância. Em sua obra central, A cidade de Deus, retoma a dicotomia platônica de mundo sensível e mundo das idéias, adaptando -a às necessidades cristãs, em que o mundo sensível é associado à carne e o mundo ideal ao espírito, um à terra e o outro ao céu. Elabora a teoria da iluminação , a partir da qual o homem receberia de Deus o conhecimento da verdade ideal, e pelo livre arbítrio poderia posicionar -se ante o mundo sensível. A escolha correta, e única válida, obviamente, na visão do Santo, seria optar pelo transcendente, do que decorre uma ética rigoros a, que prega a abdicação das coisas terrenas e o controle das paixões. Essa passou a ser a cartilha do homem medieval. 3. A questão dos UNIVERSAIS Desde o século VI, com os trabalhos do talvez último filósofo clássico, Boécio (preso em 523 por “praticar o paganismo e a magia negra”), perdurava uma discussão central que ainda decorria das questões platônicas sobre mundo sensível e mundo das idéias: o que seria definitivo nessa questão? O que seria essencial, universal? Três correntes formam -se na Idade Média e vão influenciar o futuro da filosofia ocidental: Corrente REALISTA Santo Anselmo (1033 -1109), Santo Tomás de Aquino (1225 -1274): — os universais existem no espírito, mas têm seu fundamento nas coisas. Corrente NOMINALISTA Roscelino (1050-1120), Guilherme de Ockam (1270 -1342): — os universais são apenas nomes, sem correspondência necessária com as coisas e a realidade. Corrente CONCEPTUALISTA Pedro Abelardo (1079 -1142): — os universais são realidades em si, enquanto conceitos mentais. Essas quest ões, essencialmente platônicas, no seu aspecto idealista, eram naturalmente adequadas às preocupações da Igreja que podia facilmente combater as heresias como atitudes absolutamente irracionais, produto da ignorância. Mas enquanto o cristianismo se acomod ava, o pensamento aristotélico, mais sistêmico, mais realista, mais preso às comprovações metódicas, era traduzido e discutido no mundo árabe, primeiramente por Avicena, que escreveu sobre a questão do ser necessário, auto existente, e em seguida por Averr óis, que buscava adequar a doutrina de Aristóteles de forma a comprovar as verdades islâmicas. Na mesma linha, o filósofo judeu Maimônides buscou por essa época confirmar a religião judaica à luz da mesma razão aristotélica. No campo do saber, o Cristiani smo perdia terreno de forma perigosa. 1. A filosofia Escolástica Com o início das Cruzadas, e o contato com as traduções árabes de filósofos gregos, principalmente da obra de Aristóteles, surge a necessidade de corrigir qualquer entendimento errôneo daquela filosofia menos idealista, mais “científica”. Surgem as primeiras universidades na Europa e com elas as grandes discussões que podem questionar o estratificado mundo medieval. Na verdade, desde que começ aram a ser fundadas escolas pelo imperador Carlos Magno (séc. VIII), muita coisa vinha sendo rediscutida. Dessas escolas vem o termo escolástica. Cristianizar Aristóteles foi a principal tarefa dos padres desse período, no que se destacou Santo Tomás de Aquino. Para o Santo, fé e razão não podiam opor -se, era questão de lógica: Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à razão podem estar em contradição com esta verd ade sobrenatural. É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser impossível pensar que possam ser falsos. Tampouco é permitido considerar falso aquilo que cremos pela f é, e que Deus confirmou de maneira tão evident e. Já que só o falso constitui o contrário do verdadeiro, como se conclui claramente da definição dos dois conceitos, é impossível que a verdade da fé seja contrária aos princípios que a razão humana conhece em virtude das suas forças naturais. Deus não pode infundir no homem opiniões ou uma fé que vão contra os dados do conhecimento adquirido pela razão natural. É isso que faz o apóstolo São Paulo escrever, na Epístola aos Romanos: A palavra está bem perto de ti, em teu coração e em teus lábios, ouve: a palavra da fé, que nós pregamos” (Rom 10:8). Todavia, já que a palavra de Deus ultrapassa o entendi mento, alguns acredit am que ela esteja em contradição com ele. Isto não pode ocorrer. Também a autoridade de S anto Agostinho o confirma. No segundo livro da obra Sobre o Gênese comentado ao pé da letra, o Santo afirma o seguinte: Aquilo que a verdade descobrir não pode contrariar aos livros sagrados, quer do Antigo quer do Novo Testamento. Do exposto se infere o seguinte: quaisquer que sejam os argument os que se aleguem contra a fé cristã, não procedem retamente dos primeiros princípios inatos à natureza e conhecidos por si mesmos. Por conseguinte, não possuem valor demonstrativo, não passando de razões de probabi lidade ou sofismáticas. E não é difícil refutá -los. (S. Tomás de Aquino, Súmula contra os gentios) Sempre apoiando -se numa argumentação metódica e sólida, Santo Tomás de Aquino, em suas obras principais, Suma Teológica, Sobre o Ente e a Essência, Súm ula contra os Gentios e Compêndio de Teologia, busca a comprovação racional da existência de Deus e das verdades do cristianismo. Apóia -se na teoria aristotélica de ATO e POTÊNC IA, relacionando Deus como ato puro, e o homem e o mundo como potências que s e transformam em ato por Deus e pelo arbítrio. Como a seguir: Daqui se infere ser necessário que o Deus que põe em movi mento todas as coisas é imóvel. Com efeito, por ser a primeira causa motora, se Ele mesmo fosse movido, sê -lo-ia ou por si mesmo ou por outro. Ora, Deus não pode ser posto em movi mento por outra causa motora, pois neste caso haveria uma outra causa anterior a Ele, com o que já não seria Ele a pri meira causa motora. Se fosse movi do por si mesmo, teoricamente isto poderia ocorrer de duas ma neiras: ou sendo Deus, sob o mesmo aspecto, causa e efeito ao mesmo tempo, ou sendo Ele, sob um aspecto, causa de si mesmo, e sob outro, efeito. Ora, a primeira hipót ese não pode ocorrer, pois tudo o que é movido está em potência, ao passo que o que move est á em ato (na qualidade de causa motora). Se Deus fosse sob um e mesmo aspecto causa e efeito ao mesmo tempo, seria necessari amente potência e ato sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo, o que é impossí vel. Tampouco pode -se verificar a segunda hipótese ac ima apontada. Pois, se Deus fosse sob um aspecto causa motora, e sob outro efeito movido, já não seria a primeira causa em virtude de si mesmo. Ora, o que é por si mesmo, é anterior ao que não o é. Logo, é necessário que a primeira causa motora sej a totalmente imóvel. (Santo Tomás de Aqui no, Compêndio de Teologia) Para Santo Tomás, eram cinco as provas da existência de Deus: 1. PRIMEIRO MOVENTE: o que está em movimento foi movido por outro 2. CAUSA EFICIENTE: o que havia antes? 3. CONTINGÊNCIA: nada é acidental, a razão limita as coincidências 4. GRAUS DE EXCELÊNCIA: a intuição do bem 5. ARGUMENTO DA IDEALIZAÇÃO: a harmonia indica a existência de um jogo com regras