mudança sintática e estilo: investigando a influência do

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MUDANÇA SINTÁTICA E ESTILO:
INVESTIGANDO A INFLUÊNCIA DO GÊNERO EM UM PROCESSO DE MUDANÇA
NA HISTÓRIA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Marco Antonio Martins1
Introdução
O objetivo central deste capítulo é levantar algumas questões acerca da relação entre
mudança linguística e estilo, entendendo que uma das possibilidades de observar questões de
estilo na diacronia é controlando diferentes gêneros textuais2. Em busca desse objetivo,
analiso a influência de diferentes gêneros em um processo de mudança gramatical no
Português Brasileiro (PB): a colocação dos pronomes clíticos em um contexto sintático
bastante específico – estruturas com complexos verbais. Retomo resultados de diferentes
estudos diacrônicos considerando diferentes gêneros, assim como apresento resultados
preliminares de uma análise de dados extraídos de textos do corpus mínimo comum impresso
do Projeto nacional para a História do Português Brasileiro (PHPB): Cartas de leitores, Cartas
de redatores e Anúncios de jornais brasileiros publicados no Rio de Janeiro e na Bahia no
curso dos séculos XIX e XX. A organização do corpus mínimo comum é uma tarefa que está
na agenda dos pesquisadores integrados ao PHPB das diferentes regiões do Brasil, sob a
coordenação geral do professor Ataliba de Castilho3.
Em relação à colocação dos pronomes clíticos na diacronia do português brasileiro,
três contextos sintáticos têm se mostrado significativamente relevantes no que diz respeito à
implementação da próclise (CARNEIRO, 2006, MARTINS, 2009, CARNEIRO; GALVES,
2011): (i) orações finitas afirmativas não dependentes com o verbo em primeira posição
absoluta – contexto V1 –; (ii) orações com um sujeito, um advérbio não modal e um sintagma
preposicional, não focalizados – contexto XV –; e (iii) orações com lexias verbais complexas
1
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected].
Entendo por gênero aqui o que assume Bakthin (1997, p, 281): “[q]ualquer enunciado considerado
isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente
estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (p. 281). Muito embora não considere
a dicotomia gêneros textuais vs. gêneros discursivos, na direção do que propõe Marcuschi (2008, p. 155):
“Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. [...] São formas textuais
escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas”.
3
Parte do corpus está disponível no site do projeto <https://sites.google.com/site/corporaphpb/>.
2
– contexto V1V2. Desses três contextos, recorto para a análise neste capítulo apenas os
complexos verbais, tendo em vista ser este um dos contextos menos marcado estilisticamente
quando considerados dados de fala (e mesmo de escrita).
Em relação aos diferentes gêneros observados no curso dos séculos XIX e XX, minha
hipótese é a de que, independente do contexto sintático, a implementação da próclise no PB
segue um mesmo padrão sintático. No caso das construções com lexias verbais, há em todos
os gêneros um significativo aumento das construções V1 cl-V2, que caracterizam uma
inovação na gramática dessa língua.
A proposta deste capítulo é, pois, levantar algumas questões acerca da relação entre
mudança sintática e estilo. Ou, dito de outro modo, buscar respostas para as seguintes
questões: (i) de que maneira, nos estudos em sociolinguística variacionista ou em sintaxe
diacrônica, podemos controlar o estilo, como uma variável, com especial atenção à mudança
sintática? (ii) Como controlar questões de estilo em trabalhos diacrônicos? (iii) Qual a relação
entre estilo e mudança sintática, considerando a mudança associada à próclise ao verbo
temático em lexias verbais?
O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira delas, retomo algumas questões
teóricas que estão no cerne da discussão sobre a influência do gênero textual na
implementação de processos de mudança na sintaxe, considerando que o que se tem feito em
estudos sociolinguísticos numa perspectiva diacrônica no Brasil em relação à observação do
estilo na diacronia é basicamente o controle de diferentes gêneros textuais. Na segunda,
apresento resultados de diferentes estudos sobre a sintaxe dos clíticos em complexos verbais
considerando gêneros textuais vários na história do português brasileiro e mostro evidências
empíricas de que a influência do gênero textual parece estar associada ao contexto sintático
observado.
1. O estilo em estudos diacrônicos variacionistas: por uma “sociolinguística histórica”
Uma questão interessante quando considerada a relação entre estilo e mudança
linguística em estudos diacrônicos, sobretudo em estudos que tomam por base o modelo
teórico-metodológico da sociolinguística variacionista, é: como se tem “controlado” o estilo
na diacronia?4 Muito pouco se tem falado sobre uma metodologia voltada a uma
“sociolinguística histórica” no Brasil. Desde os trabalhos desenvolvidos e orientados por
4
O capítulo de Coelho e Nunes de Souza neste volume aventa uma proposta metodológica para o controle da
variação estilística em pesquisas diacrônicas.
Fernando Tarallo e Mary Kato, num “projeto herético” (TARALLO E KATO (2007 [1989]),
já nas décadas de 1980 e 1990, a metodologia da sociolinguística laboviana, centrada numa
proposta de análise de dados de fala, tem sido aplicada a estudos diacrônicos. A questão que
quero levantar aqui diz respeito ao fato de que se tem aplicado uma metodologia que foi
concebida, num primeiro momento, para a análise de dados de fala, extraídos de uma
comunidade de fala, para estudos de processos de mudança/variação histórico-diacrônicos.
Desde os trabalhos agora clássicos que instauram o modelo teórico-metodológico da
sociolinguística variacionista – ou sociolinguística laboviana (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 2006 [1968], LABOV, 2008 [1972]), para o estudo da mudança linguística,
interessa estudar processos de variação e mudança captados basicamente em entrevistas
sociolinguísticas que busquem retratar a fala cotidiana e coloquial. De acordo com o modelo,
o vernáculo (tal como definido em Labov, 1972), por refletir a linguagem usual e livre de
pressões normativas, é o locus da mudança.
No Brasil, diferentes grupos de pesquisa, a partir da década de 1970, adotando a
metodologia da sociolinguística, constituíram diversos bancos de dados de fala para estudos
de diferentes fenômenos que caracterizam o Português Brasileiro: Mobral Central, Norma
Urbana Culta (NURC), Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), Variação
Linguística na Região Sul do Brasil (VARSUL) e Variação Linguística no Estado da Paraíba
(VALPB) são alguns deles (cf. PAIVA E DUARTE 2006).
Em relação aos estudos diacrônicos, no Brasil, se tem aplicado a metodologia da
sociolinguística variacionista (ou sociolinguística laboviana) na seleção, categorização e
análise dos dados. É necessário levar em conta, no entanto, que tal metodologia pode ser
aplicada a estudos histórico-diacrônicos se consideradas determinadas ressalvas, tendo em
vista as particularidades que envolvem o controle das variáveis sociais como idade e
escolaridade dos informantes, por exemplo. No trato com os dados linguísticos deixados pelo
tempo em um documento escrito de sincronias passadas, a recuperação das informações
sócio-históricas do texto e das condições de produção desses textos, apesar de extremamente
relevantes para o desenvolvimento de um estudo sociolinguístico, constitui uma difícil tarefa
para o pesquisador.
Bastante debatido já é o fato de que uma das maiores dificuldades encontradas para
quem se propõe a estudar a mudança linguística refletida em sincronias passadas ou na
comparação entre diferentes sincronias – numa perspectiva diacrônica – é a disponibilização
de textos que possam servir de fontes para a obtenção de dados. De acordo com Labov (1994,
p. 11), a “Linguística Histórica pode ser entendida como a arte de fazer o melhor uso de maus
dados” (tradução nossa), uma vez que as fontes de que se dispõe são aquelas deixadas pela
história, pelo tempo, sendo sempre o produto de uma série imprevisível de forças e acidentes
históricos. Para além do problema em se encontrar dados, estão aqueles associados à
recuperação de informações sócio-históricas das condições de produção dos dados
encontrados. Sobre esse aspecto, nas palavras de Lobo (1998),
[o] linguista historiador da língua, diferentemente daquele dedicado aos
estudo da língua sua contemporânea (sic), tem o seu campo de observação
limitado por três fatores exteriores: a documentação que se conservou, o
estado de conservação em que se encontra e, ainda, os marcos temporais
que tal documento abrange (p. 178).
Dentre os diferentes textos escritos que têm servido como fonte para o estudo da
mudança linguística, sobretudo em pesquisas sobre a diacronia do Português Brasileiro,
muitos estudos têm utilizado peças de teatro e cartas particulares/privadas, talvez por tais
gêneros apresentarem características que facilitam a identificação de determinados fenômenos
linguísticos. De certo modo, esses dois gêneros da escrita refletem uma norma mais
“descuidada”, mais vernacular, em relação à padronização característica de textos escritos, de
modo que nessa escrita podem ser observados com mais facilidade fenômenos característicos
da gramática do indivíduo que escreve.
Berlinck, Barbosa e Marine (2008, p. 171), ao tomarem como foco de estudo (a
importância de) o gênero na constituição de corpus para a observação da mudança linguística
numa perspectiva histórica, atentam para o fato de que “se a mudança nasce na e da variação,
e se essa é característica da língua falada, cabe ao historiador da língua buscar nos
documentos históricos disponíveis aqueles que mais refletem a linguagem usual, livre das
pressões normativas – o vernáculo (tal como definido por Labov, 1972)”. Nesse sentido,
gêneros “mais formais” – tais como documentos oficiais, textos literários, editoriais – não
deveriam ser considerados. No entanto, como bem apontam as autoras, a escassez de fontes
para quem se volta ao estudo da língua numa perspectiva histórica é um ponto crucial para
que todos os textos disponíveis – encontrados – sejam de extrema relevância e devam sim ser
considerados. As autoras exemplificam o uso de cartas e peças de teatro como fontes para
estudos de fenômenos linguísticos numa perspectiva histórica.
Sobre
os
estudos
em
sociolinguística
numa
perspectiva
diacrônica,
mais
especificamente os desenvolvidos no Brasil, há uma outra questão, particularmente relevante,
que não aparece na discussão sistematizada em Berlinck, Barbosa e Marine (2008). Como já
dito, o que se tem feito em muitos estudos diacrônicos é tomar por base a metodologia da
sociolinguística variacionista, que está centrada na comunidade de fala – e em dados de língua
falada, portanto – para o estudo da variação/mudança em textos escritos de tempos passados.
É necessário que se sistematize, no entanto, em uma metodologia que considere a natureza
diferenciada das fontes – evidentemente diferente – da língua falada e de textos escritos –
sobretudo daqueles escritos em sincronias passadas. Não somente as fontes de onde são
extraídos os dados mas, e sobretudo, as informações sócio-históricas relevantes na produção
dos textos, são muito diferentes. Há, certamente, particularidades que precisam ser
consideradas para que um dado processo de mudança linguística possa ser descrito/explicado
no sentido de minimizar a influência da fonte da qual os dados são extraídos.
Um ponto é consensual: em estudos diacrônicos, na busca pelo “vernáculo” de uma
“comunidade de fala”, determinados gêneros discursivos, por apresentar uma escrita mais
informal – ou por representar a fala de um personagem ou por materializar o diálogo entre
dois informantes – podem oferecer bom dados para o estudo de processos de mudança
linguística.
No Brasil, com os trabalhos desenvolvidos/orientados por Fernando Tarallo e Mary
Kato, instaurou-se nas décadas de 1980 e 1990 uma forte tendência para os estudos
diacrônicos tendo em vista os pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística
variacionista, sobretudo para o diagnóstico da gramática do PB. Naquele momento, muitos
estudos voltados a análises de diferentes fenômenos morfossintáticos numa perspectiva
diacrônica consideraram dados empíricos extraídos de peças de teatro. Tomam-se, por
exemplo, os trabalhos reunidos em Roberts e Kato (1993), Português Brasileiro – uma
viagem diacrônica. Nessa obra, já clássica para o estudo de formação do PB, os autores
apresentam resultados de trabalhos que associam uma análise variacionista diacrônica a uma
interpretação gramatical de processos de mudança no quadro da gramática gerativa. A escola
de Tarallo e Kato formou um corpo de pesquisadores que têm levado adiante a proposta do
“projeto herético”. As peças de teatro têm constituído um corpus representativo para a
obtenção de dados empíricos para o estudo/a análise de processos de mudança associados à
gramática do PB. Exemplos de trabalhos nessa direção estão reunidos em Duarte (2013), O
sujeito em peças de teatro (1833-1992) – estudos diacrônicos.
Um outro gênero que tem servido de fonte de dados para estudos diacrônicos sobre a
formação do PB são as cartas privadas/particulares. Os trabalhos reunidos em Lopes (2005) e
Callou e Barbosa (2011) sobre “a norma brasileira em construção” apresentam um bom
panorama de estudos que tomam para análise dados extraídos de cartas particulares.
Com o desenvolvimento do projeto nacional PHPB, há uma forte preocupação em se
considerar, na gênese do processo de formação do PB, gêneros textuais diversificados,
conforme depoimentos e encaminhamentos sobre a constituição de corpora do português
brasileiro. Estes estão reunidos nos Anais do projeto (CASTILHO, 1998, MATTOS E
SILVA, 2001, ALKMIM, 2002, RAMOS; ALKMIM, 2007, LOBO; RIBEIRO; CARNEIRO;
ALMEIDA 2006, AGUILERA, 2009, HORA; SILVA, 2010).
Especificamente sobre os corpora que têm sido organizados no âmbito do PHPB,
Barbosa e Lopes (2010) apresentam um relato dos textos transcritos e/ou editados pelas
equipes regionais do projeto desde seu primeiro seminário, realizado na USP em 1997, até o
primeiro semestre de 2003. Os textos que constituem os diferentes corpora organizados no
âmbito do projeto nacional ou das equipes regionais dão uma ampla amostra de gêneros
textuais diversos: anúncios, cartas de leitores, cartas de redatores, atas da administração
privada, cartas manuscritas, certidões, inventários, testamentos, declarações, entremezes.
Recentemente, com o objetivo comum voltado à organização da obra coletiva História
do Português Brasileiro, sob a coordenação geral do professor Ataliba de Castilho, na
perspectiva de consolidar as discussões em torno da constituição de corpora para o estudo do
português do e no Brasil, as equipes regionais estão trabalhando na elaboração de um corpus
compartilhado do projeto nacional, composto por três conjuntos de textos divididos em “um
corpus comum mínimo” de manuscritos – cartas particulares, cartas da administração privada
e oficiais, testamentos, processos-crime, atas da Câmara – e de impressos – cartas de
redatores, cartas de leitores e anúncios – e “um corpus diferencial” que reúne textos coletados
exclusivamente por uma determinada região, ou, em outras palavras, que não serão comuns a
todas as equipes que integram o projeto nacional – inventários, memórias históricas e diários,
entremezes e outros textos teatrais, inquéritos orais etc. A empreitada nacional em torno do
corpus mínimo comum pretende reunir textos, de gêneros textuais específicos de diferentes
períodos e regiões, que servirão de material de base para a escrita da História do Português
Brasileiro (cf. SIMÕES, 2012).
Lopes (2012) chama a atenção para o fato de que na análise de um processo de mudança
linguística, não só o gênero deve ser considerado, mas (e sobretudo) deve-se observar a
frequência com que um dado linguístico está presente em trechos particulares de um
determinado gênero textual. Tais trechos podem, segundo a autora, evocar tradições
discursivas específicas e, nesse sentido, um determinado uso não estaria caracterizando o uso
de uma época mas sim o de uma tradição discursiva de um gênero. Lopes apresenta como
exemplo o uso do pronome “vós” em uma carta particular do século XX que aparece apenas
em duas seções específicas: na captação da benevolência e na despedida. Nas demais seções
da carta, a forma de tratamento utilizada são os pronomes “tu” e “você”. Para a autora, nas
cartas particulares, por conservarem “fórmulas fixas em que se perpetuam ‘tipos estáveis de
enunciados” (p. 25), dados extraídos de tais trechos específicos podem enviesar os resultados.
É necessário observar, pois, tais trechos a fim de evidenciar se o uso recorrente de um dado
não está associado a um trecho que evoque uma tradição discursiva, “o que pode inviabilizar,
ou ao menos distorcer, os resultados da pesquisa se não houver controle adequado.” (p. 49)
De um modo geral, como dito anteriormente, o estilo tem sido observado/controlado
em estudos diacrônicos quando, numa análise variacionista, diferentes gêneros textuais são
considerados como fonte para a obtenção de dados. O que se tem evidenciado é que, assim
como na fala, determinados fenômenos são aparentemente influenciados pelo grau de
formalidade do gênero da escrita, de modo que o gênero pode (ou não) ser um fator relevante
na implementação/condicionamento de um processo de mudança.
2. Em busca da influência do estilo (do gênero textual) em um processo de mudança
sintática na história do PB: aspectos da colocação dos pronomes clíticos em complexos
verbais
A sintaxe de colocação dos clíticos pronominais em estruturas verbais complexas tem
propriedades bastante particulares, sobretudo no que diz respeito à gramática do PB. Na
sequência V1 finito + V2 não finito (temático), o pronome clítico pode estar enclítico ou
proclítico a V1; ou enclítico ou proclítico a V2. As possibilidades de ordenação estão
associadas à possibilidade de alçamento ou não do clítico ao verbo finito da estrutura, o que
tem sido denominado, em sintaxe gerativa, como subida de clíticos. Os exemplos em (1) e em
(2), respectivamente, extraídos de Martins (2012, p. 257), sistematizam as diferentes
possibilidades de ordenação dos pronomes clíticos nesse contexto.
(1) a. Do “Zeppelin” nem LHE QUERO FALAR. (Cascudo, 30 de maio de 1930)
b. Primeiro o dr. Lamartine, sem que me falasse, não A TINHA PAGO e segundo não
queria eu que você ficasse enrolado nos jornaes daqui como recebendo presentes do
Estado. Elle era natural e Você o recebera sem saber. (Cascudo, 07 de janeiro de
1931)
c. O acaso TEM-ME FORNECIDO notas de tal maneira preciosas que sou um dos
raros conhecedores do velho passado potiguar. (Cascudo, 8 de agosto de 1926)
(2) a. No domingo 21 de abril V. DEVE VESTIR-SE, ir para o espelho e comprimentar à
la home façon de Brunell. Caso-me ! 16 horas! (Cascudo, 10 de abril de 1929)
b. Todos os rapazes conhecem V. e muito o admiram. PODERIA V. AUXILIA-LOS
em alguma cousa ? Eles não poderão pagar monetariamente uma colaboração
valiosa como a sua. (Cascudo, 15 de agosto de 1931)
c. O inimigo era o meu rythmo. Butava por elles as minhas esferas angulares. Esse
olhar de attenção curiosa que se cerca ESTÁ ME ALIMENTANDO, mastigando.
Estou, moralmente, de sobrecasaca. (Cascudo, 30 de dezembro de 1925)
d. Luís Emilio Soto escreveu-me. Encantado com V. Meu livro VAI SE
ARRASTANDO. (Cascudo, 28 de abril de 1926)
O objetivo desta seção é, tomando por base resultados de estudos sobre o processo de
mudança envolvendo a sintaxe de colocação dos clíticos em complexos verbais no PB,
mostrar/defender que em determinados casos de variação/mudança na sintaxe – como no caso
do fenômeno em tela – o estilo observado a partir do controle de diferentes gêneros textuais
não favorece/condiciona o uso de uma ou outra variável. Nesse sentido, assim como em
gêneros orais, determinados processos de mudança sintática não são sensíveis a diferentes
gêneros da escrita. Divido a discussão que segue em dois momentos. Primeiro retomo
resultados de estudos já realizados sobre a evolução da próclise em orações com complexos
verbais na diacronia do PB considerando diferentes gêneros textuais. Depois apresento
resultados preliminares de uma análise sobre a sintaxe dos clíticos na história do PB
considerando parte do corpus mínimo comum impresso do projeto nacional PHPB.
2.1 Retomando resultados de outros estudos...
Martins (2012), considerando resultados de diferentes estudos que observam diferentes
corpora com gêneros textuais distintos, apresenta um panorama da evolução da próclise ao
verbo temático (ou de construções do tipo V1 cl-V2) na diacronia do português brasileiro.
Como muito discutido na literatura sobre o tema, a próclise nesse contexto tem sido
interpretada como um forte indício da gramática do PB (PAGOTTO, 1992; CYRINO, 1993;
NUNES, 1993), em oposição quer à gramática do Português Clássico quer a do Português
Europeu. Os resultados retomados por Martins (2012) contemplam estudos sobre a sintaxe
dos clíticos em (i) cartas particulares (CARNEIRO, 2005; DUARTE, PAGOTTO, 2006,
MARTELOTTA et all, 2009, MARTINS, 2012), (ii) peças de teatro (MARTINS, 2009), (iii)
atas escritas por um ex-escravo baiano (CARNEIRO e ALMEIDA, 2009), e (iv) cartas e
documentos oficiais dos séculos XVI a XX (PAGOTTO, 1992)5. Os percentuais encontrados
nesses diferentes estudos estão sistematizados nos gráficos da Figura 3 apresentados em
Martins (2012) que retomo no que segue.
5
A ordem de apresentação dos textos segue a ordem cronológica de publicação dos trabalhos e os diferentes
gêneros considerados. Pagotto (1993) é apresentado por ultimo porque o corpus analisado pelo autor se constitui
de documentos vários.
Figura 1: Próclise ao verbo não finito em contexto V1V2 na diacronia do Português Brasileiro
100 84 80 69 60 40 20 32 25 33 24,24 0 17 0 século 19.1 século 19.2 20 11 0 século 20.1 século 20.2 Carneiro (2005) -­‐ cartas pessoais PagoAo e Duarte (2005) -­‐ cartas pessoais MarteloAa et al. (2009) -­‐ cartas pessoais Carneiro e Almeida (2009) -­‐ atas PagoAo (1992) -­‐ cartas e documentos oficiais Fonte: MARTINS, M.A (2012, p. 259)
Observe-se que a média da frequência da próclise a V2 (em contextos V1 cl-V2) nos
complexos nos diferentes séculos se mantém a mesma nos diferentes gêneros considerados.
Na primeira metade do século XIX, encontramos 25% em cartas particulares; na segunda
metade do século XIX, 32%, 31% e 33% em cartas particulares, 24% em atas e 17% em
peças de teatro; na primeira metade do século XX, 20% em peças de teatro, 25% em cartas
particulares e 11% em cartas e documentos oficiais diversos; e na segunda metade do século
XX, 84% em peças de teatro e 69% em cartas e documentos oficiais diversos. As médias das
taxas de frequência em cada metade de século, independentemente do gênero textual do qual
os dados foram extraídos, são praticamente as mesmas. Não há uma disparidade em relação à
frequência de uso da próclise a V2 nos trabalhos apresentados nos diferentes gêneros
considerados. É importante observar, no entanto, que estamos comparando resultados de
diferentes trabalhos, com metodologias específicas etc., e que a manutenção da taxa de
frequência pode estar correlacionada a esse aspecto. De um modo geral, no entanto, tais
estudos apresentam um panorama dos padrões de colocação de clíticos em contextos com
lexias verbais complexas e esse quadro parece ser o mesmo nos diferentes gêneros da escrita
que serviram de corpora.
Observando diferentes gêneros textuais de jornais – Edital, Notícias, Aviso, Anúncio,
Classificado, Editorial, Artigo, Crónica, Carta de leitor, Nota e Comentário, Biazolli (2010)
apresenta uma descrição dos padrões de colocação de clíticos em jornais de São Paulo dos
séculos XIX e XX. Apresento muito brevemente, a seguir, os resultados obtidos pela autora
para ilustrar a (não) influência do gênero textual no processo de implementação da mudança
envolvendo a sintaxe dos clíticos no PB.
Observadas as propriedades estruturais e discursivas dos gêneros textuais considerados
na análise, Biazolli defende a hipótese de que enquanto o Edital, as Notícias, o Aviso, o
Anúncio, o Classificado e o Editorial apresentariam maior frequência de variantes
conservadoras, o Artigo, a Crônica, a Carta de leitor, as Notas e os Comentários permitiriam
mais variação e consequentemente uma maior recorrência de variantes inovadoras. Em
relação aos complexos verbais, não fica bem claro na análise proposta quais variantes são
inovadoras e quais são conservadoras. A autora considera apenas três variantes com o clítico
em posição pré-, intra- ou pós- verbal. Nas palavras de Biazolli, em relação à sintaxe dos
clíticos pronominais em complexos verbais, de acordo com os gêneros textuais considerados
na análise, “há pouca, ou quase nenhuma, correlação entre as hipóteses propostas e os
resultados averiguados quanto à colocação dos pronomes clíticos, de acordo com os gêneros
textuais, em complexos verbais, nos jornais paulistanos.” (BIAZOLLI, 2010, p. 181). De fato,
as médias das frequências das três variáveis são muito próximas em todos os gêneros
observados. Sobre a variante intra-complexo – em que se somam aparentemente as
construções com ênclise ao verbo finito e com próclise ao verbo temático – a média fica em
torno de 20%. Observe-se que tal média reproduz aquelas encontradas nos estudos para esse
mesmo período retomados anteriormente tendo em vista textos de outras naturezas.
Em suma, os resultados aqui reunidos parecem deixar evidente o fato de que o gênero
textual não se mostra uma variável relevante no condicionamento do uso de uma ou outra
variante no processo de mudança envolvendo a sintaxe da colocação dos pronomes clíticos
nas estruturas com lexias verbais complexas no PB.
2.2 Apresentando resultados de uma análise do corpus mínimo comum do projeto
PHPB...
Considerando ainda a sintaxe de colocação de pronomes clíticos em complexos
verbais, passo a apresentar resultados de uma análise preliminar de dados extraídos de três
gêneros que compõem o corpus mínimo comum impresso do projeto nacional PHPB:
Anúncios, Cartas de leitores e Cartas de redatores/ou Editoriais. Neste momento, apresento
resultados considerando dados extraídos apenas de jornais do Rio de Janeiro e da Bahia,
disponíveis no site do projeto6.
No que se refere às características linguístico-discursivas dos gêneros Carta de leitor e
Carta de redator que constituem o corpus mínimo comum impresso do PHPB, selecionados
para a análise que apresento a seguir, Simões (2012, p. 155) argumenta:
(i)
(ii)
(iii)
Tanto as cartas de leitores como as cartas de redatores estão
submetidas a um controle de publicidade muito maior que as outras, o
que promove maior foco por parte dos autores nas formulações, que
são passíveis de revisão e reformulação antes de sua publicação, o que
as aproxima mais da norma culta;
As cartas de leitores têm finalidade distinta, podendo dividir-se em
subgêneros: carta de reclamação endereçada ao redator, carta pessoal
fictícia, [...] O tom emocional perpassa todas essas cartas, o que afeta
tanto a escolha do léxico, como as estratégias de argumentação;
As cartas de redatores são na maioria das vezes retratações a respeito
de alguma reclamação feita por algum leitor ou representam algum tipo
de crítica a algum evento ocorrido [...], o que as aproxima do gênero
jornalístico editorial.
Tomando por base o que destaca Simões sobre as características dos gêneros Cartas de
leitor e de redator, poderíamos trabalhar com a hipótese de que tais gêneros, em oposição ao
Anúncio, apresentariam baixas taxas da variante inovadora, característica da gramática do PB.
A análise que apresento a seguir, que tem por objetivo observar as taxas e os pesos relativos
associados ao uso da variante inovadora nos três gêneros, mostra que não é esse o caso. Não
há aparente diferença na frequência de uso das construções sem alçamento de clíticos entre os
três gêneros.
6
Atualmente, o projeto nacional PHPB conta com a colaboração de treze equipes regionais de diferentes estados
das cinco regiões do Brasil. Seleciono para este momento apenas os textos dos estados do Rio de Janeiro e da
Bahia porque esses são os únicos estados que têm completas as coletas dos três gêneros da escrita nas duas
metades dos séculos XIX e XX.
Sobre a sintaxe de colocação dos pronomes clíticos em lexias complexas, muitos
estudos em sintaxe diacrônica têm defendido que a gramática do PB teria perdido a
possibilidade de alçamento de clíticos; ou seja, teria perdido a possibilidade de um clítico
pronominal se adjungir a uma categoria funcional acima da categoria lexical verbal em que
recebe papel temático. Assumindo essa proposta, e a assunção de que a variação/mudança na
sintaxe é o reflexo do processo de competição de diferentes gramáticas (cf. KROCH, 1989,
2001), tomo para análise a variação/alternância entre (i) as construções com alçamento de
clíticos versus (ii) as construções sem alçamento de clíticos. Tomo tais construções como
variantes de uma mesma variável.
Tenho consciência de que a regra variável definida com a possibilidade de o clítico ser
ou não alçado para uma categoria funcional mais alta na estrutura da sentença em uma
construção com lexia verbal complexa não constitui propriamente o que Labov (1972) define
por regra variável. Antes, nossa proposta estabelece uma definição de regra variável associada
à variação/alternância entre diferentes sistemas/gramáticas, no sentido de que a variação
gramatical atestada nos dados empíricos pode ser interpretada como o reflexo da competição
entre diferentes estruturas geradas por diferentes gramáticas, na direção do que propõe Kroch
(1989, 2001).
Tendo em vista a alternância entre a possibilidade de alçamento ou não do pronome
clítico, os dados foram assim organizados:
(I) Variante I. Construções COM alçamento de clíticos
Estão aqui (i) construções clV1(X)V2 com próclise ao verbo finito com ou sem
presença de material interveniente entre os dois verbos, conforme (3); e (ii) construções V1clV2 com ênclise ao verbo finito com ou sem presença de material interveniente, conforme
dado em (4). As construções (ii) são identificadas quando há alguma marca gráfica que
garante que há ênclise a V1 ou quando há a presença de material interveniente entre os
verbos.
(3) Não SE PODERIA DIZER, a rigor, que | a epidemia, considerada “coisa cíclica no
esta- | do”, tenha apanhado as autoridades sanitárias de | surpresa. CARredator XX
2 RJ – Jornal do Brasil, 27 de março de 1998
(4) Al- | guns chegam a dizer que em 90 dias | PODE-SE DESPEJAR uma familia de |
uma residência. CARleitor XX 2 RJ - O Jornal do Brasil, 7 de dezembro de 1976
(II) Variante II. Construções SEM alçamento de clíticos
Estão nesta variante (i) construções V1(X)V2cl com ênclise ao verbo não finito com
ou sem presença de material interveniente entre V1 e V2, conforme (5); e (ii) construções
V1(X)cl-V2 com próclise ao verbo não finito com ou sem presença de material interveniente
entre os verbos, conforme (6).
(5) Os guardas PO- | DEM COMUNICAR-SE através do rádio e telefones portá- | teis
para sincronizaros sinais e fazer com que as | normas de interesse geral sejam
respeitadas. CARredator XX 2 RJ – Jornal do Brasil, 22 de junho de 1992
(6) PODEMOS NOS COMUNICAR | com milhões de pessoas em lugares remotos, com |
rapidez assombrosa. CARredator XX 2 RJ – Jornal do Brasil, 3 de agosto de 1990
Considero, então, a alternância entre construções com e sem alçamento de clíticos em
três gêneros diferentes do corpus mínimo comum do PHPB tendo por principal objetivo
diagnosticar a influência do estilo no uso de uma ou outra variante. Para este momento,
considerei na análise as seguintes variáveis independentes: Tipo e natureza de V1 (verbo não
temático), Natureza de V2, Verbo em V2, Gênero textual, Período de publicação do texto, e
Estado (Rio de Janeiro e Bahia). Na amostra, somam-se 285 ocorrências de clíticos em
complexos verbais, desconsiderando as construções passivas que apresentam uma sintaxe
particular em relação à possibilidade de o clítico ser ou não alçado para um domínio funcional
da sentença no PB (REIS, 2011).
Os dados foram submetidos aos programas do pacote estatístico GoldVARB (2001) e,
das três variáveis selecionadas na rodada binomial como estatisticamente significativas no uso
da variante sem alçamento de clíticos, o “gênero textual” não se mostrou relevante, conforme
resultados sistematizados na Tabela 1 a seguir7.
7
Não vou detalhar neste momento/neste espaço a análise das variáveis independentes controladas tendo em vista
que para o objetivo aqui proposto apenas aquela referente ao gênero textual é relevante. O detalhamento da
análise pode ser encontrado em Martins (2013).
Gêneros discursivos do corpus mínimo impresso PHPB
Cartas de leitores
Cartas de redator/editorial
Anúncios
Total
43/150 - 28%
27/55 - 49%
21/80 - 26%
91/285 - 31%
Log likelihood = - 152,329; Significance = 0,003
Tabela 1: Frequência de uso das construções SEM alçamento de clíticos sob o efeito da
variável gêneros textuais
Observe-se que no processo de implementação da mudança envolvendo as construções
sem alçamento de clíticos em lexias verbais complexas em textos de jornais do Rio de Janeiro
e da Bahia dos séculos XIX e XX, a variável “gênero textual” não se mostrou estatisticamente
relevante por não ter sido selecionada pelo GoldVARB e os percentuais encontrados nos três
gêneros considerados foi bastante parecido entre si e àqueles obtidos em outros estudos
considerando outros gêneros no mesmo período (primeira e segunda metades dos séculos XIX
e XX), conforme discussão na seção anterior: 28% para as Cartas de leitores; 49% para as
Cartas de redatores e 26% para os Anúncios. Há uma leve diferença na frequência das
construções em tela nas Cartas de leitores, mas há um maior número de dados brutos obtidos
nesse gênero em relação aos demais.
Considerações finais
Os resultados apresentados/discutidos neste capítulo deixam evidente o fato de que o
gênero textual não se mostra uma variável relevante no condicionamento do uso de uma ou
outra variante no processo de mudança envolvendo a sintaxe da colocação dos pronomes
clíticos em estruturas com lexias verbais complexas no PB. Tal quadro coloca em tela uma
discussão em torno da relação entre estilo e mudança linguística, que se reflete quer em dados
de fala quer em dados extraídos de textos em sincronias passadas. Determinados processos de
mudança gramatical parecem não ser sensíveis a fatores estilísticos. E, nesse sentido, a
influência do gênero textual, ou do estilo, em um processo de mudança sintática fica
condicionada à natureza do fenômeno observado. No caso da mudança associada à sintaxe
dos pronomes clítico em lexias verbais, a taxa observada é a mesma, o que evidenciaria que
tal condicionamento não se aplica, pelo menos nos estudos aqui retomados e na amostra
analisada.
Para além das questões voltadas à relação entre mudança sintática e estilo em estudos
diacrônicos, levantamos aqui uma segunda questão relevante para os estudos na área que diz
respeito ao uso da metodologia da sociolinguística variacionista na análise de dados extraídos
de textos de sincronias passadas. Sobre esse aspecto, não só a coleta de dados é bastante
particular, como também (e principalmente) o é a recuperação das informações sóciohistóricas dos textos e de suas condições de produção que servem de fontes de dados.
Questões que envolvem uma “sociolinguística histórica” precisam estar na agenda dos que se
interessam pelo estudo da mudança linguística em tempo real.
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